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Consumo alimentar e controle metabólico em crianças e adolescentes portadores de diabetes melito tipo 1

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a relação entre consumo alimentar e controle metabólico em crianças e adolescentes com diabetes melito tipo 1 (DM1). MÉTODOS: Estudo transversal com 11 crianças e 39 adolescentes com DM1. Coletaram-se dados alimentares (hábitos, três recordatórios de 24 horas - R24h), terapêuticos (insulinoterapia), bioquímicos (índice da hemoglobina glicada - inHbA, glicemias casuais - GLC, pós-prandiais - GLPP e perfil lipídico). Utilizou-se o teste t de Student e a correlação de Pearson, sendo significante p<0,05. RESULTADOS: Dentre os indivíduos estudados, identificaram-se alimentação fora de horário em 64% e consumo de produtos açucarados em 6%. Os parâmetros que compõem o perfil lipídico foram adequados em: colesterol total sérico - CTs (88%), LDL (92%), TG (100% das crianças e 69% dos adolescentes) e HDL (82% das crianças e 85% dos adolescentes). Quanto aos parâmetros que medem o controle glicêmico, o inHbA foi adequado em 64% e a GLPP em 18%. Houve correlação negativa entre CTs e consumo de carboidratos (r=-0,324; p=0,022) e positiva com o consumo de lipídeos (r=0,315; p=0,026). CONCLUSÕES: O maior consumo de lipídeos e a consequente menor ingestão de carboidratos correlacionaram-se a maiores níveis de CTs.

adolescente; consumo de alimentos; criança; diabetes mellitus tipo 1; dislipidemias; glicemia


OBJECTIVE: To evaluate the relationship between dietary intake and metabolic control in children and adolescents with type 1 diabetes mellitus (DM1). METHODS: Cross-sectional study with 11 children and 39 adolescents with DM1. The following variabes were collected: meals data (habits, three 24-hour recall - R24h), therapeutic (insulin) and biochemical data (index of glycated hemoglobin - inHbA, casual glucose - GLC, post-prandial glucose - GLPP, and lipid profile). Student's t-test and Pearson correlation were applied, being significant p<0.05. RESULTS: Among the studied subjects, consumption of food out of time was identified in 64% and consumption of sugary products in 6%. The parameters included in the lipid profile were adequate in 88% for serum total cholesterol (sCT), in 92% for LDL, in 100% of children and 69% of adolescents for TG and in 82% of children and 84.6% of adolescents for HDL. InHbA was adequate in 64% and GLPP in 18% of the studied population. There was a negative correlation between sCT and carbohydrate intake (r=-0.324; p=0.022) and a positive correlation with lipids intake (r=0.315; p=0.026). CONCLUSIONS: The increased consumption of lipids and the lower carbohydrate intake are correlated with higher levels of sCT.

adolescent; food consumption; child; diabetes mellitus; type 1; dyslipidemias; blood glucose


ARTIGO ORIGINAL

Consumo alimentar e controle metabólico em crianças e adolescentes portadores de diabetes melito tipo 1

Sheylle Almeida S. TelesI; Nélida Schmid FornésII

Instituição: Ambulatório de Endocrinologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, GO, Brasil

IMestre em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da UFG, Goiânia, GO, Brasil

IIPós-Doutora em Medicina Preventiva e Saúde Pública pela Universidad Autónoma de Madrid; Professora da Faculdade de Nutrição da UFG, Goiânia, GO, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Sheylle Almeida S. Teles Rua Serra do Fogo, quadra 01, lote 09 - Conjunto Sonho Verde CEP 74730-540 - Goiânia/GO E-mail: sheyllealmeida@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a relação entre consumo alimentar e controle metabólico em crianças e adolescentes com diabetes melito tipo 1 (DM1).

MÉTODOS: Estudo transversal com 11 crianças e 39 adolescentes com DM1. Coletaram-se dados alimentares (hábitos, três recordatórios de 24 horas - R24h), terapêuticos (insulinoterapia), bioquímicos (índice da hemoglobina glicada - inHbA, glicemias casuais - GLC, pós-prandiais - GLPP e perfil lipídico). Utilizou-se o teste t de Student e a correlação de Pearson, sendo significante p<0,05.

RESULTADOS: Dentre os indivíduos estudados, identificaram-se alimentação fora de horário em 64% e consumo de produtos açucarados em 6%. Os parâmetros que compõem o perfil lipídico foram adequados em: colesterol total sérico - CTs (88%), LDL (92%), TG (100% das crianças e 69% dos adolescentes) e HDL (82% das crianças e 85% dos adolescentes). Quanto aos parâmetros que medem o controle glicêmico, o inHbA foi adequado em 64% e a GLPP em 18%. Houve correlação negativa entre CTs e consumo de carboidratos (r=-0,324; p=0,022) e positiva com o consumo de lipídeos (r=0,315; p=0,026).

CONCLUSÕES: O maior consumo de lipídeos e a consequente menor ingestão de carboidratos correlacionaram-se a maiores níveis de CTs.

Palavras-chave: adolescente; consumo de alimentos; criança; diabetes mellitus tipo 1; dislipidemias; glicemia.

Introdução

O número de casos de diabetes melito (DM) em todo o mundo foi estimado em 171 milhões no ano 2000 e poderá atingir 366 milhões em 2030(1). No Brasil, um estudo multicêntrico avaliou a população urbana brasileira de 30 a 69 anos na década de 1980 e identificou prevalência de DM de 7,6%, sem distinção entre os tipos 1 e 2 da doença(2). O Brasil não possui um estudo de base populacional que identifique especificamente os casos de diabetes melito tipo 1 (DM1). Estima-se que a prevalência e a incidência da doença no país em indivíduos menores de 14 anos sejam de 4/10 mil e 8/100 mil habitantes, respectivamente(3).

O consumo alimentar é um fator essencial para o controle glicêmico (CG) em portadores de DM1. Resultados do Diabetes Control and Complications Trial (DCCT) apontam que, em indivíduos sob controle glicêmico intensivo, o consumo de dietas hipoglicídicas, ricas em lipídeos e gordura saturada se associa a pior controle glicêmico, independentemente da prática de exercício e da concentração de triglicérides séricos (TG)(4).

A dislipidemia é frequente no DM1(5), possivelmente devido à maior absorção de colesterol (CT)(6). Em indivíduos que consomem dieta segundo as recomendações nutricionais, o controle metabólico se torna mais relevante no tratamento das dislipidemias do que a mera redução no consumo de lipídeos. Os alvos do tratamento dietético devem incluir ingestão adequada de fibra e carboidratos, os quais influenciam os níveis de hemoglobina glicada (HbA) e, consequentemente, o controle metabólico(5).

Considerando a crescente importância do DM1 no perfil epidemiológico atual e a influência da alimentação sobre a evolução da doença, objetivou-se avaliar a relação entre consumo alimentar e controle metabólico em crianças e adolescentes portadores de DM1.

Método

Estudo transversal envolvendo crianças e adolescentes com DM1 atendidos no Ambulatório de Endocrinologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (UFG). No momento do estudo, a população com DM1 cadastrada no referido ambulatório era de 240 indivíduos, dos quais 31 eram crianças (12%), 79 adolescentes (32%) e 135 adultos (56%). A amostra consensual foi constituída por 49% das crianças e adolescentes, totalizando 54 indivíduos voluntários. Deste total, quatro indivíduos apresentaram dados de consumo alimentar incompletos e foram excluídos da amostra. Desta forma, analisaram-se os dados de 50 indivíduos. O termo "criança" definiu indivíduos com idade entre quatro a nove anos e "adolescente" com dez a 18 anos(7).

Os critérios para inclusão no estudo foram diagnóstico consolidado da doença há, pelo menos, cinco meses e estar em insulinoterapia. Os critérios de exclusão foram amputação de membros, diagnóstico prévio de dislipidemia, doença celíaca, nefropatia, tireoideopatias ou doenças cardiovasculares.

Os dados foram coletados no período de janeiro a agosto de 2009. O preenchimento dos critérios de inclusão e exclusão foi avaliado por meio de consulta ao prontuário. Para a coleta de dados, foi utilizado um formulário estruturado abordando informações: a) hábito alimentar: alimentação fora de hora, refeições feitas fora de casa, incluindo frequência e tipo de alimentos consumidos; b) avaliação do consumo alimentar: três recordatórios de 24 horas (R24h), sendo um no dia da entrevista e os demais por telefone, com intervalo de 30 dias; c) exames laboratoriais: perfil lipídico, incluindo dosagens de TG, colesterol sérico total (CTs), lipoproteína de alta densidade (HDL), lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL), lipoproteína de baixa densidade (LDL), HbA, glicemias casuais (GLC) e pós-prandiais (GLPP).

Os três R24h foram calculados em uma planilha, elaborada especificamente para esse fim, que compilou informações nutricionais de diversas tabelas de composição de alimentos(8-14), permitindo incluir produtos e preparações regionais e especialmente formulados (diet e light). A adequação do consumo de macronutrientes foi avaliada com base nas recomendações da Sociedade Brasileira de Diabetes(15) para carboidratos (50-60% do valor energético total - VET), lipídeos (<30% do VET) e proteínas (0,8-1,0g de proteína/kg/dia). Foram utilizadas as recomendações da American Diabetes Association(16) para fibras (14g/1.000 kcal) e CT (<200 mg/dia).

Após o cálculo da contribuição em calorias dos carboidratos, lipídeos e proteínas, foi realizado um ajuste para as calorias totais. O cálculo dos nutrientes ajustados pelas calorias totais foi obtido a partir dos resíduos de modelos de regressão linear, que têm as calorias dos macronutrientes como variável dependente e as calorias totais como variável independente. Para evitar valores nulos ou negativos, os resíduos oriundos do modelo de regressão foram adicionados, de modo que o menor valor resultante da adição fosse superior a zero. A técnica de ajuste para calorias totais por meio de modelos de regressão é utilizada com frequência em estudos de epidemiologia nutricional. Uma das vantagens de sua utilização é que, na avaliação da influência do consumo de um determinado alimento ou nutriente sobre a ocorrência de uma doença, anula-se a possível influência exercida sobre a doença pelo total de calorias consumido - usualmente associado ao consumo de alimentos ou nutrientes ingeridos(17).

Os dados referentes ao perfil lipídico e HbA foram obtidos nos prontuários, coletando-se os mais recentes. Para os indivíduos cujo perfil lipídico havia sido realizado há mais de três meses, o residente solicitava um novo exame, como parte da rotina de acompanhamento ambulatorial. Os exames de HbA eram trazidos a cada nova consulta; portanto, os dados possuíam menos de duas semanas de coleta. Os dados de GLC eram coletados no acolhimento, por meio de aparelho de Hemo-gluco teste (HGT) (Accu-chek Advantage®).

O perfil lipídico foi avaliado com base nos valores recomendados pela American Academy of Pediatrics(18). Devido à variedade de metodologias empregadas para determinar os níveis de HbA, foi adotado o índice da hemoglobina glicada (inHbA), o qual permitiu classificar o controle glicêmico em adequado e não adequado. O inHbA foi obtido dividindo-se o valor da HbA pelo limite superior da normalidade do método, conforme Chase et al(19) e reproduzido por Cunha et al(20), Gomes et al(21) e Castro et al(22). Assim, no presente trabalho, inHbA<1,33 foi considerado controle adequado e inHbA>1,33 não adequado.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Médica Humana e Animal do Hospital das Clínicas da UFG. O termo de consentimento livre e esclarecido foi assinado voluntariamente por todos os participantes e seus responsáveis, após explicação detalhada dos procedimentos envolvidos.

O banco de dados foi elaborado em planilha do software Microsoft Excel (versão 2003) e transcrito para o programa Statistical Package for the Social Sciences (versão 17.0). A descrição do perfil bioquímico e dietético foi analisada por meio de estatística descritiva, sendo as variáveis categóricas expressas em frequências e percentuais e as contínuas, em medidas de tendência central (média±desvio padrão). A avaliação da distribuição das variáveis contínuas foi analisada pelo teste Kolmogorov Smirnov (K-S), considerando-se distribuição normal valores de p>0,05. A comparação entre os grupos "Controle Glicêmico (CG) adequado" e "CG inadequado" e crianças e adolescentes foi procedida por meio do teste t de Student. A correlação entre as variáveis dietéticas e bioquímicas foi estudada por meio do coeficiente de correlação de Pearson. Para todos os testes, considerou-se significante p<0,05.

Resultados

Foram estudados 50 indivíduos, sendo 11 (22%) crianças e 39 (78%) adolescentes. As crianças tinham, em média, 7,1±1,7 anos e os adolescentes, 14,1±2,5 anos. Os indivíduos estudados apresentavam em média 5,4±4,3 anos de diagnóstico de DM1. O tempo de diagnóstico de DM era, para as crianças, de 2,4±1,6 anos e, para os adolescentes, de 6,2±4,5 anos. A média da dose diária de insulina foi 0,77±0,27U/kg. A dose de insulina diária total foi similar para crianças e adolescentes (0,78±0,32U/kg e 0,77±0,26U/kg, respectivamente). O número de aplicações diárias foi de 1,7 vezes para as crianças e duas vezes para os adolescentes.

As refeições mais omitidas foram colação (28%) e lanche noturno (36%). Os adolescentes deixaram de realizar mais refeições em relação às crianças. O hábito de se alimentar fora do horário foi referido por 64% dos indivíduos, sendo que os alimentos habitualmente consumidos foram frutas, pães e similares (56%). O consumo de produtos açucarados foi referido por 6% dos pacientes. A alimentação fora de casa foi um evento raro para 70% dos indivíduos, sendo as grandes refeições mais comumente consumidas (18%) por aqueles que faziam refeições fora de casa (Tabela 1).

A análise dos parâmetros bioquímicos em relação às referências está descrita na Tabela 2. O inHbA estava adequado em 64% dos casos e a GLPP, em 18%. Os parâmetros incluídos no perfil lipídico estavam adequados para CTs (88%), LDL (92%), TG (76%) e HDL (84%).

O consumo alimentar (Tabela 3) revelou que não houve diferença significativa do consumo alimentar entre crianças e adolescentes, exceto para proporção de proteína em g/kg (p=0,008), que foi maior no grupo das crianças. Da mesma forma, não houve diferença significativa quando os indivíduos foram estratificados pelo CG. Quanto à distribuição percentual dos macronutrientes, os carboidratos estiveram abaixo da recomendação (50-60% do VET), independentemente do CG. Os lipídeos ultrapassaram o limite superior (<30% do VET); já a ingestão de proteínas foi excessiva, especialmente no caso das crianças em que a média (2,5g/kg/dia) está acima do dobro da recomendação (0,8-1,0g/kg/dia).

A correlação entre variáveis dietéticas e bioquímicas (Tabela 4) não apontou relação significativa entre o inHbA e os nutrientes estudados. A GLPP não apresentou correlação, apesar de ter associação no limiar da significância com o consumo de lipídeos em gramas (r=0,275; p=0,053). O CTs foi correlacionado negativamente à inserção de carboidratos após ajuste pelas calorias totais (r=-0,324; p=0,022) e positivamente à ingestão de lipídeos após ajuste pelas calorias totais (r=0,315; p=0,026).

Discussão

O consumo alimentar dos indivíduos estudados é caracterizado por uma dieta hipoglicídica, hiperlipídica e hiperproteica. A ingestão de carboidratos e lipídeos foi similar à identificada no DCCT, no qual esses nutrientes contribuíram com 45,5 e 36,8% do VET, respectivamente(4). Apesar do risco que uma dieta hiperlipídica impõe ao portador de DM1, diversos estudos(23-25) registram que o consumo excessivo de lipídeos é uma característica frequente na dieta desses indivíduos. Por outro lado, a ingestão de fibras totais (FT) (14g/1.000 kcal) e CT (<200mg) estava de acordo com a recomendação da American Diabetes Association(16), o que constitui fator protetor para doenças cardiovasculares.

A associação entre o consumo de lipídeos e o inHbA não foi significante, possivelmente devido ao reduzido tamanho amostral. A correlação negativa entre o inHbA e o consumo de carboidratos evidencia o efeito protetor destes em detrimento do excesso de lipídeos(5). Existe ainda registro da associação entre TG e energia proveniente dos carboidratos(5), porém essa relação não foi significante.

Neste estudo, foi evidenciado que o maior consumo de lipídeos e a consequente menor contribuição energética proveniente dos carboidratos correlacionam-se a maiores níveis de CTs. De forma semelhante, no DCCT houve associação entre a substituição dos carboidratos por lipídeos e aumento nos níveis de HbA(4), confirmando a relação entre o consumo de gorduras e o prejuízo ao CG.

Quanto aos exames bioquímicos, houve maior adequação do perfil lipídico em relação aos parâmetros que medem a glicemia tanto atual quanto pregressa. Quando comparados a controles, os jovens portadores de DM1 com CG adequado apresentam níveis similares de LDL e CT, menores de TG e maiores de HDL. Naqueles indivíduos com CG ineficiente, foi identificado um perfil aterogênico, constituído por níveis mais elevados de LDL e CT e, ao contrário do que se esperava, os níveis de HDL foram maiores em relação aos controles. Em todo o caso, é possível identificar anormalidades no perfil lipídico de jovens com DM1, mesmo naqueles recém diagnosticados e com CG adequado. Evidentemente, a magnitude dessas alterações é maior naqueles com pior CG(26).

A inadequação da GLPP em 82% dos indivíduos é um dado preocupante, considerando-se as evidências de que a hiperglicemia pós-prandial está diretamente relacionada ao aumento da mortalidade de origem cardiovascular. Isto porque a hiperglicemia pós-prandial, associada ao aumento de ácidos graxos livres, é acompanhada de estresse oxidativo e inflamação endotelial, desencadeando o processo aterosclerótico(27).

Os dados referentes às glicemias pós-prandiais e casuais são um contraponto em relação ao inHbA. Apesar de 64% dos participantes apresentarem adequação desse índice, houve alta inadequação da GLC (62%) e da GLPP (82%). Uma das explicações para esse achado é que a HbA reflete a média ponderada das glicemias médias diárias ao longo de três a quatro meses, porém a glicemia recente é a que mais influencia o valor da HbA(28). Por outro lado, a GLC e GLPP refletem dados pontuais; a primeira a qualquer hora do dia e a outra, duas horas após as refeições.

Os fatores que podem ter interferido nos valores da GLC e da GLPP podem ser: a) a aferição ocorreu em dia de consulta, quando geralmente os indivíduos apresentam-se ansiosos e apreensivos(29), especialmente sobre o que será falado sobre seu controle glicêmico; b) o atendimento no ambulatório inicia-se ao meio dia e respeita a ordem de chegada; portanto, muitos estão presentes no local até mesmo antes das 11 horas da manhã, mesmo para aqueles que moram em outras cidades. Deste modo, grande parte dos participantes no dia da consulta almoça mais cedo, não almoça ou, ainda, consome alimentos fora do hábito alimentar, especialmente lanches comercializados nos arredores do hospital, sem alterar os horários de aplicação da insulina. Esses fatores são complicadores da valorização da glicemia casual, pois indicam alteração da rotina alimentar dos participantes.

Outro fator que pode influenciar esses parâmetros é o seguimento inadequado do esquema insulínico, especialmente quanto aos horários. O ajuste glicêmico por meio de insulinoterapia tradicional requer rigor no seguimento dos horários e quantidades(29). Muitos participantes referiram informalmente, durante a entrevista, que diversas vezes não obedeciam rigorosamente aos horários estabelecidos para a aplicação de insulina. Assim, muitos poderiam permanecer em estado de hiperglicemia pós-prandial crônica, porém em níveis não suficientes para refletir aumento importante da HbA.

O CG é uma meta fundamental para o tratamento do DM1, considerando que maiores níveis de HbA associam-se ao aumento dos lipídeos séricos, tendo como consequência incremento do risco cardiovascular. Proporcionalmente, em crianças e adolescentes portadores de DM1, a elevação da HbA em uma unidade foi associada ao aumento do CTs em 7,8mg/dL e do LDL em 5,1mg/dL(30).

O tamanho da amostra é um fator limitante do estudo; no entanto, por se tratar de uma doença com prevalência relativamente baixa e com alta frequência de complicações, considera-se que o número de indivíduos incluídos foi satisfatório. Os casos de DM1 geralmente são encaminhados para ambulatórios especializados da rede pública e o Serviço de Endocrinologia do Hospital das Clínicas da UFG é um dos mais atuantes do estado de Goiás, no qual há maior fluxo e inclusão de pacientes. Assim, o grande número de indivíduos assistidos nesse ambulatório permitiu selecionar uma amostra consensual considerável de portadores de DM1 sem qualquer complicação da doença.

Em síntese, o consumo de lipídeos mostrou correlação com nível de CTs, destacando a associação entre dieta e controle metabólico. Houve inadequação quanto ao consumo de todos macronutrientes, o que mostra a necessidade de intensificar a orientação nutricional a esses indivíduos. A intervenção dietética é uma forma eficaz de melhorar a glicemia e o perfil lipídico, consequentemente reduzindo o risco cardiovascular em portadores de DM1. A orientação nutricional aos portadores de DM1 deve enfatizar o consumo de uma dieta equilibrada e variada, visando atingir as recomendações vigentes. Isso se torna mais relevante, considerando-se a importância do controle da ingestão de gorduras como estratégia para prevenção da dislipidemia.

Agradecimentos

Às professoras Maria Luiza Ferreira Stringhini e Rosana de Moraes Borges Marques pelo valioso auxílio na condução deste estudo.

Fonte financiadora: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - bolsa de mestrado (processo 579392/2008-2)

Conflito de interesse: nada a declarar

Recebido em: 15/7/2010

Aprovado em: 14/12/2010

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  • Endereço para correspondência:
    Sheylle Almeida S. Teles
    Rua Serra do Fogo, quadra 01, lote 09 - Conjunto Sonho Verde
    CEP 74730-540 - Goiânia/GO
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Recebido
      15 Jul 2010
    • Aceito
      14 Dez 2010
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