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Composição corporal inadequada em adolescentes: associação com fatores sociodemográficos

Composición corporal inadecuada en adolescentes: asociación con factores sociodemográficos

Resumos

OBJETIVO: Verificar a associação da composição corporal inadequada com fatores sociodemográficos em adolescentes. MÉTODOS: Estudo transversal realizado em 627 adolescentes, com idades de 14 a 17 anos, de ambos os sexos, de uma cidade de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) médio/baixo. Foram coletadas informações sociodemográficas (sexo, idade, nível econômico e área de domicílio) e antropométricas (peso corporal, estatura, perímetro da cintura e espessura de cinco dobras cutâneas). Para análise da composição corporal inadequada, utilizou-se a proposta do Plano Canadense de Atividade Física, Aptidão e Estilo de vida. RESULTADOS: A prevalência de composição corporal inadequada foi de 24,1%. Adolescentes do sexo masculino (RP 3,16; IC95% 1,72-5,82) e dos estratos econômicos alto e intermediário (RP 2,44; IC95% 1,55-3,85) tiveram maior prevalência de índices inadequados de adiposidade, enquanto a faixa etária de 14-15 anos representou fator de proteção para composição corporal inadequada (RP 0,58; IC95% 0,37-0,90), comparada à faixa de 16-17 anos. CONCLUSÕES: A composição corporal inadequada esteve associada ao sexo, à idade e ao nível econômico. Intervenções devem levar em consideração as diferenças em função das características sociodemográficas.

antropometria; estado nutricional; classe social


OBJETIVO: Verificar la asociación de la composición corporal inadecuada con factores sociodemográficos en adolescentes. MÉTODOS: Estudio transversal realizado en 627 adolescentes, con edades entre 14 y 17 años, de ambos sexos, de una ciudad de Índice de Desarrollo Humano (IDH) mediano/bajo. Se recogieron informaciones sociodemográficas (sexo, edad, nivel económico y área de domicilio) y antropométricas (peso corporal, estatura, perímetro de la cintura, espesor de cinco pliegues cutáneos). Para análisis de la composición corporal inadecuada, se utilizó la propuesta del Plan Canadiense de Actividad Física, Aptitud y Estilo de Vida. RESULTADOS: La prevalencia de composición corporal inadecuada fue de 24,1%. Adolescentes del sexo masculino (RP 3,16; IC95% 1,72-5,82) y de los niveles económicos alto e intermediario (RP 2,44; IC95% 1,55-3,85) tuvieron mayores prevalencias de índices inadecuados de adiposidad, mientras que la edad de 14-15 años presentó factor de protección para composición corporal inadecuada (RP 0,58; IC95% 0,37-0,90), comparada a la franja de edad de 16-17 años. CONCLUSIONES: La composición corporal inadecuada estuvo asociada al sexo, la edad y al nivel económico. Intervenciones deben tener en cuenta las diferencias en función de las características sociodemográficas.

antropometría; estado nutricional; nivel socioeconómico


OBJECTIVE: To evaluate the association between inadequate body composition and sociodemographic factors in adolescents. METHODS:A cross-sectional study was conducted on 627 adolescent boys and girls aged 14 to 17 years old from a town with a low/medium human development index. Sociodemographic (gender, age, socioeconomic level, and area of residence) and anthropometric data (body weight, height, waist circumference, and thickness of five skinfolds) were collected. The Canadian Physical Activity, Fitness and Lifestyle Appraisal was applied to analyze inadequate body composition. RESULTS:The prevalence of inadequate body composition was 24.1%. Inadequate indices of adiposity were more prevalent among adolescent males (PR 3.16; 95%CI 1.72-5.82) from high/medium socioeconomic strata (PR 2.44; 95%CI 1.55-3.85), whereas the age of 14-15 years old was a protective factor against inadequate body composition (PR 0.58; 95%CI 0.37-0.90) compared to older ages (16-17 years old). CONCLUSIONS: Inadequate body composition was associated with gender, age and socioeconomic level. Interventions should consider the sociodemographic characteristics of the target population.

anthropometry; nutritional status; social class


ARTIGO ORIGINAL

Composição corporal inadequada em adolescentes: associação com fatores sociodemográficos

Giseli MinattoI; Andreia PelegriniII; Diego Augusto S. SilvaIII; Adelson Fernandes da SilvaIV; Edio Luiz PetroskiV

Instituição: Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC, Brasil

IMestranda em Educação Física pela UFSC; Núcleo de Pesquisa em Cineantropometria e Desempenho Humano, Florianópolis, SC, Brasil

IIDoutora em Educação Física pela UFSC; Docente da UFSC, Florianópolis, SC, Brasil

IIIMestre em Educação Física pela UFSC; Núcleo de Pesquisa em Cineantropometria e Desempenho Humano, Florianópolis, SC, Brasil

IVMestre em Educação Física pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal; Docente da Universidade Estadual de Montes Claros, Januária, MG, Brasil

VPós-Doutor pela Universidade de Montreal, Canadá; Professor Titular do Departamento de Educação Física da UFSC, Florianópolis, SC, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Edio Luiz Petroski Universidade Federal de Santa Catarina Campus Universitário -Trindade - Caixa Postal 476 CEP 88040-900 - Florianópolis/SC E-mail: petroski@cds.ufsc.br

RESUMO

OBJETIVO: Verificar a associação da composição corporal inadequada com fatores sociodemográficos em adolescentes.

MÉTODOS: Estudo transversal realizado em 627 adolescentes, com idades de 14 a 17 anos, de ambos os sexos, de uma cidade de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) médio/baixo. Foram coletadas informações sociodemográficas (sexo, idade, nível econômico e área de domicílio) e antropométricas (peso corporal, estatura, perímetro da cintura e espessura de cinco dobras cutâneas). Para análise da composição corporal inadequada, utilizou-se a proposta do Plano Canadense de Atividade Física, Aptidão e Estilo de vida.

RESULTADOS: A prevalência de composição corporal inadequada foi de 24,1%. Adolescentes do sexo masculino (RP 3,16; IC95% 1,72-5,82) e dos estratos econômicos alto e intermediário (RP 2,44; IC95% 1,55-3,85) tiveram maior prevalência de índices inadequados de adiposidade, enquanto a faixa etária de 14-15 anos representou fator de proteção para composição corporal inadequada (RP 0,58; IC95% 0,37-0,90), comparada à faixa de 16-17 anos.

CONCLUSÕES: A composição corporal inadequada esteve associada ao sexo, à idade e ao nível econômico. Intervenções devem levar em consideração as diferenças em função das características sociodemográficas.

Palavras-chave: antropometria; estado nutricional; classe social.

Introdução

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, mudanças significativas na composição corporal vêm sendo observadas em diversos países(1). Pesquisas(2-4) têm destacado um aumento na prevalência de índices inadequados de gordura corporal em crianças e adolescentes, em todos os estratos econômicos.

O Brasil está passando por uma mudança nutricional, caracterizada pela redução dos déficits nutricionais e pela ocorrência mais expressiva dos altos níveis de adiposidade não só em adultos, mas também em crianças e em adolescentes(5). Essa transição pode ser observada na população residente em área urbana ou rural, com elevado ou baixo nível econômico(4).

Na passagem da infância para a adolescência, observa-se um aumento gradativo da massa de gordura. O excesso de gordura corporal adquirido durante a adolescência tende a permanecer na idade adulta(6) e está associado aos fatores de risco cardiovasculares, tais como hipertensão arterial, dislipidemia e resistência insulínica(7,8). O surgimento das doenças ocasionadas pelos altos índices de adiposidade pode agravar-se, dependendo do estilo de vida e da intensidade do ganho de peso(9) do indivíduo.

Evidências apontam para o aumento da prevalência da composição corporal inadequada, sobretudo no início da adolescência e em indivíduos pertencentes aos níveis econômicos mais elevados(2,10,11). Em amostra representativa de escolares (sete a 18 anos), observa-se que estudantes de 15 a 18 anos apresentam maior inadequação da composição corporal do que seus pares de sete a dez anos. Estudo transversal conduzido por Tassitano et al(12) analisou a associação de fatores demográficos, socioeconômicos, escolares e comportamentais com a prevalência de índices inadequados de composição corporal em adolescentes (15 a 19 anos). Maiores proporções de inadequação foram observadas em adolescentes do sexo masculino residentes em área urbana.

Farias Junior e Silva(3) evidenciaram maior probabilidade de composição corporal inadequada nos rapazes que pertenciam às classes econômicas mais elevadas. Esses achados foram observados em estudo que avaliou a composição corporal inadequada por meio do índice de massa corpórea (IMC) associada a fatores demográficos e socioeconômicos em adolescentes (15 a 18 anos).

Embora as informações associadas ao comportamento de indicadores da composição corporal em escolares brasileiros tenham sido levantadas por vários pesquisadores, a maioria dos dados publicados restringe-se à análise da composição corporal de adolescentes somente pelo método do IMC. Portanto, ter conhecimento da composição corporal por meio de outros indicadores antropométricos agrupados faz-se necessário para saber a proporção de adolescentes que apresentam índices inadequados de gordura corporal.

Assim, o presente estudo teve como objetivo verificar a associação da composição corporal inadequada com fatores sociodemográficos (sexo, idade, nível econômico e área de domicílio) em adolescentes, escolares, de 14 a 17 anos, residentes em município de baixo/médio índice de desenvolvimento humano (IDH).

Método

O estudo sobre a associação da composição corporal inadequada com variáveis sociodemográficas foi desenvolvido a partir de um estudo transversal "Análise da atividade física e aptidão física relacionada à saúde em escolares rurais e urbanos", aprovado pelo Comitê de Ética das Faculdades Unidas do Norte de Minas (Funorte). O presente estudo foi realizado em uma amostra representativa de adolescentes de escolas públicas estaduais do município de Januária (MG), situado na região do Médio São Francisco no ano de 2009. Esse município é constituído por 67.516 habitantes(13). O IDH é de 0,699 e classifica o município com médio-baixo desenvolvimento humano(14).

O processo de amostragem foi estratificado por escolas públicas de ensino fundamental e médio e conglomerado de turmas. No primeiro estágio, consideraram-se somente as escolas que tinham ensino fundamental e médio, pois eram as maiores da região e concentravam a maior quantidade de alunos. Procedeu-se a um sorteio de quais escolas participariam do estudo, tendo como base uma lista fornecida pelas próprias instituições com a idade dos estudantes. No segundo estágio, foram convidados a participar do estudo todos os adolescentes de 14 a 17 anos que estavam presentes em sala de aula no dia da coleta de dados.

Foram calculados vários tamanhos de amostra, pois este estudo faz parte de uma pesquisa mais ampla, com diferentes desfechos em saúde. Para a presente análise, adotou-se prevalência desconhecida para o desfecho (igual a 50%), erro tolerável de cinco pontos percentuais, nível de confiança de 95%, efeito de delineamento de 1,5, acrescentando-se 15% para possíveis perdas e recusas. Considerando que, na região de Januária (MG), 4.495 escolares formavam o ensino fundamental e médio, estimou-se uma amostra de 611 adolescentes. Em virtude das características do processo amostral, que envolveu todos os indivíduos pertencentes aos conglomerados, participaram da amostra 627 estudantes.

O trabalho de campo foi realizado por professores e alunos do curso de Educação Física, treinados para realizar todos os procedimentos necessários, de modo a padronizar a coleta dos dados. Foram coletadas informações sociodemográficas (sexo, idade, nível econômico e área de domicílio), antropométricas (peso corporal - P, estatura - EST e perímetro da cintura - PC) e composição corporal (espessura das dobras cutâneas do tríceps - TR, bíceps - BI, subescapular - SE, suprailíaca - SI e perna medial - PM). Para mensurar as dobras cutâneas (mm), foram utilizados adipômetros (Cescorf Equipamentos Antropométricos Ltda.), com precisão de 0,1mm e um lápis dermográfico para a demarcação do ponto anatômico. O peso corporal (kg) foi obtido por meio de uma balança com precisão de 100g e, para a estatura (m), utilizou-se um estadiômetro, com precisão de 0,1cm. O perímetro de cintura foi mensurado com uma fita métrica flexível (Sanny®), com precisão de 0,1mm. As variáveis antropométricas e de composição corporal foram mensuradas segundo procedimentos padronizados(15).

A prevalência da composição corporal inadequada foi estimada segundo o protocolo de avaliação do Plano Canadense de Avaliação da Atividade Física, Aptidão e Estilo de Vida(15). O Plano Canadense utiliza o IMC como indicador de adiposidade corporal, obtido pelo cálculo do peso corporal dividido pela estatura elevada ao quadrado (IMC=Pkg/ESTm²), o PC, a somatória de cinco dobras cutâneas [(∑5DC), TR, BI, SE, SI e PM] e a somatória de duas dobras cutâneas [(∑2DC), SE e SI]. O protocolo apresenta tabelas com valores normativos para cada indicador (IMC, PC, ∑2DC e ∑5DC) permitindo classificar em zona benéfica à saúde ou não, variando conforme o sexo e a idade. A partir dos valores normativos, cada variável (IMC, PC, ∑2DC e ∑5DC) foi classificada em adequada e inadequada, sendo que o adequado refere-se aos adolescentes classificados na zona benéfica de saúde. Depois de realizada tal classificação, há outra tabela que utiliza a combinação de IMC e ∑5DC e PC e ∑2DC e permite atribuir pontuações para as combinações. Dessa combinação, é gerado um escore que define a composição corporal em cinco categorias: "excelente", "muito bom", "bom", "regular" e "necessita melhorar". No presente estudo, definiu-se a composição corporal como "inadequada" se os adolescentes estivessem classificados em zonas de exposição de riscos à saúde "regular" e "necessita melhorar" e, como "adequada", se estivessem classificados nas zonas sem riscos à saúde ("excelente", "muito bom", "bom"). Esse método leva em consideração a distribuição da gordura geral (IMC e ∑5DC) e periférica (PC e ∑2DC).

Para definir o nível econômico, recorreu-se aos procedimentos propostos pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP)(16). Tal instrumento estima o poder de compra das famílias e as classifica nas classes A, B, C, D e E a partir da acumulação de bens materiais, das condições de moradia, do número de empregados domésticos e do nível de escolaridade do chefe da família. Por apresentarem uma pequena quantidade de sujeitos no presente estudo, as categorias A e B foram agrupadas em A+B (alta) e D+E (baixa), permanecendo a C (intermediário) isolada. A escolaridade dos pais dos adolescentes foi coletada segundo o número de anos completos de escolaridade do chefe da família (pai/mãe), sendo categorizadas em <4, 5-8, 9-11 e >12 anos.

Na análise descritiva das variáveis, foram utilizadas médias, desvios padrão e distribuição de frequências. A diferença entre as médias e as proporções de cada variável foi verificada por meio do teste t de Student para amostras independentes e do qui-quadrado, respectivamente. Ao verificar que a variável dependente (composição corporal inadequada) apresentou uma prevalência elevada, utilizou-se a regressão de Poisson com ajuste robusto para variância, a fim de examinar as associações entre esse desfecho e os indicadores sociodemográficos (sexo, idade, nível econômico e área de domicílio), estimando-se as razões de prevalência e os intervalos de confiança. Todas as variáveis foram introduzidas no modelo de regressão. O nível de significância foi estabelecido em 5%.

Resultados

Todos os alunos de aceitaram participar da pesquisa, preenchendo corretamente o questionário econômico e demográfico. Dos 627 adolescentes avaliados, 299 (47,7%) residiam na área urbana, enquanto 328 (52,3%) residiam na área rural do município de Januária (MG). A Tabela 1 apresenta a caracterização geral da amostra. Foram observadas diferenças entre os sexos, no P, na EST, no ∑2DC, no ∑5DC e no PC, com valores superiores das variáveis de P, EST e PC para o sexo masculino e de IMC, ∑2DC e ∑5DC para o feminino.

São apresentadas, na Tabela 2, as proporções da composição corporal adequada e inadequada, de acordo com as variáveis sociodemográficas (sexo, idade, nível econômico e área de domicílio). Houve associação da composição corporal inadequada com o sexo e com o nível econômico. Esses resultados evidenciaram maior proporção de inadequação da composição corporal no sexo masculino (32,3%) em comparação ao feminino (18,0%) e no nível econômico alto (31,8%) em comparação ao médio (27,8%) e ao baixo (16%).

A Tabela 3 apresenta as razões de prevalência da associação entre a composição corporal inadequada e os fatores sociodemográficos. Na análise bruta, foi encontrada associação do desfecho com sexo e nível econômico. Quando o modelo foi ajustado para todas as variáveis, o desfecho associou-se com sexo, idade e nível econômico. Esses resultados revelaram que o sexo masculino tem uma probabilidade 14% maior de apresentar composição corporal inadequada em relação ao feminino. Além disso, os adolescentes dos estratos econômicos alto (RP 3,16; IC95% 1,72-5,82) e intermediário (RP 2,44; IC95% 1,55-3,85) têm probabilidade maior de apresentar índices inadequados de composição corporal quando comparados aos de estrato econômico baixo. Ademais, estar na idade de 14-15 anos representa fator de proteção para índices inadequados de gordura corporal.

Discussão

Os resultados obtidos mostraram que, de cada 100 escolares avaliados, um terço dos adolescentes do sexo masculino, residentes em Januária (MG), município com IDH médio/baixo, apresentou composição corporal inadequada, enquanto essa proporção diminuiu para quase um quinto no sexo feminino. Além disso, os escolares pertencentes às classes econômicas mais abastadas estão mais expostos à composição corporal inadequada em relação aos menos favorecidos. Segundo Farias Junior e Silva(3), melhor condição econômica permite aos adolescentes maior acesso aos equipamentos eletrônicos e às redes de fast food, o que se considera como comportamento socialmente aceito e símbolo de status nesse subgrupo populacional.

Adolescentes do sexo masculino apresentaram maior proporção de índices inadequados de composição corporal. Tais proporções também foram observadas em adolescentes de diferentes regiões do país, com IDH similar ou superior ao de Januária (MG), nas idades de dez a 19 anos da cidade de Pelotas (RS)(10), em escolares (14 a 18 anos) do ensino médio da rede pública e particular de João Pessoa (PB)(3), da rede pública de ensino de Pernambuco(12) e em escolares (11 a 17 anos) da rede particular de ensino de Presidente Prudente (SP)(17). Os IDH do Rio Grande do Sul e de São Paulo são os que se mostraram um nível acima (médio/alto) do índice de Januária (MG). Em relação às pesquisas internacionais, os resultados também corroboram os estudos conduzidos em adolescentes europeus(18) e norte-americanos(19).

A maior prevalência de adolescentes do sexo masculino com composição corporal inadequada pode estar associada à menor preocupação com o controle do peso corporal e à maior aceitabilidade social do excesso de gordura corporal(3). No Brasil, não há uma tendência clara quanto à associação dos índices inadequados de adiposidade e sexo. Evidências apontam para uma maior inadequação no sexo masculino(3,10,12,17), variando com a área de domicílio, a rede de ensino e o nível econômico.

A composição corporal inadequada também apresentou associação com a idade. Adolescentes com idade de 16-17 anos apresentaram maior probabilidade de composição corporal inadequada em relação aos demais jovens. No estudo de base populacional conduzido com adolescentes (15-18 anos) da cidade de Pelotas (RS)(10), os resultados não mostraram associação da composição corporal inadequada com a idade; porém, maiores percentuais foram observados nos mais jovens (15 e 16 anos) em relação aos mais velhos (17 e 18 anos)(10). No estudo realizado com os adolescentes (14 a 18 anos) de João Pessoa (PB)(3), a idade dos adolescentes não se associou à adiposidade inadequada, mesmo depois de ajustada para as demais variáveis (classe econômica e escolaridade). Vale ressaltar que os critérios de ponto de corte estabelecidos para a composição corporal do presente estudo não se assemelha aos utilizados em outros estudos(3,10,12,17).

Além dos diferentes critérios para classificar a composição corporal inadequada, divergências entre os achados são possivelmente explicadas por fatores associados a índices inadequados de composição corporal não avaliados no presente estudo, como o nível de atividade física(10,20), exposição a comportamentos sedentários(10,21), condutas alimentares(5,21), obesidade na família(5), região geográfica(22) e participação dos adolescentes nas aulas de Educação Física(10).

O presente estudo verificou que adolescentes de nível econômico alto (31,8%) e médio (27,8%) apresentaram maior prevalência de composição corporal inadequada em comparação àqueles de nível econômico baixo (16%). Essa relação também foi observada em algumas cidades do Brasil(2,10,11) e no Estado de Morelos, na região central do México(23), ao se utilizarem as mesmas categorias (alto, médio e baixo) de nível econômico adotadas neste estudo, porém obtidas por meio de outro instrumento de medida. Além disso, os estudos citados consideraram apenas um indicador de composição corporal (IMC) para determinar os índices inadequados de gordura corporal. Os resultados aqui obtidos são discordantes daqueles encontrados em adolescentes do sexo masculino de países desenvolvidos. Tais estudos têm apresentado uma relação inversa entre a composição corporal inadequada e o nível econômico dos adolescentes de ambos os sexos(18), ou seja, quanto menor o nível econômico, maior a proporção de adolescentes com níveis insatisfatórios de gordura corporal. As divergências nos resultados encontrados podem decorrer das diferenças metodológicas (critério de classificação da composição corporal, indicadores de condições socioeconômicas) entre os estudos. O nível de desenvolvimento econômico do país parece interferir de maneira expressiva no sentido e magnitude da associação entre a composição corporal e os indicadores sociodemográficos(24). Os resultados também evidenciaram que índices inadequados da composição corporal podem ser observados em todas as classes econômicas, demonstrando que países em desenvolvimento, como o Brasil, vêm passando por um processo denominado "transição nutricional". Tal processo caracteriza-se por uma inversão nos padrões de distribuição dos problemas nutricionais de uma dada população no tempo, consistindo, em geral, em uma passagem da desnutrição para o excesso de peso, nas formas de sobrepeso e obesidade(25). Essas evidências comprovam o predomínio simultâneo de inadequação da composição corporal entre as sociedades de maior poder aquisitivo.

O aumento da inadequação da composição corporal em crianças e adolescentes, relatado em trabalhos realizados nas diferentes regiões do país(26,27), é um importante sinal de alerta para as autoridades de saúde. Níveis de gordura corporal acima ou abaixo dos valores normais estão associados ao desenvolvimento de várias doenças, tais como as cardiopatias(28). Essas evidências apontam a necessidade de medidas de intervenção em nível escolar e de Saúde Pública, como alternativa para minimizar as consequências da composição corporal inadequada.

O presente estudo não encontrou associação entre a área de domicílio e o desfecho. Evidências sugerem que adolescentes residentes em áreas urbanas apresentam maior risco de composição corporal inadequada, comparados àqueles residentes em área rural(29).

Por se tratar de um estudo transversal, a possibilidade de se estabelecer relação de causalidade entre as variáveis sociodemográficas e a composição corporal inadequada fica comprometida. Outra limitação é a carência de estudos que utilizem o mesmo critério para determinar a composição corporal inadequada dos adolescentes, impossibilitando comparações uniformes com outros trabalhos. Ademais, este estudo limitou-se à população de adolescentes matriculados em escolas da rede pública, com médio/baixo IDH, não podendo se estender os resultados aos escolares da rede particular de ensino.

A importância do uso do critério estabelecido como indicador de adiposidade corporal dos adolescentes deste estudo justifica-se por ser um método que considera quatro indicadores específicos. Tais indicadores avaliam a distribuição da gordura corporal geral (IMC e ∑5DC), central (PC) e periférica (∑2DC). Além disso, inclui indicadores de risco cardiovascular(30) e de estado nutricional (IMC), considerando a faixa etária e o sexo dos adolescentes.

Mudanças comportamentais e no estilo de vida devem ser iniciadas o mais precocemente possível, visto que, na adolescência, ocorrem alterações importantes na personalidade do indivíduo e, por esse motivo, considera-se uma fase oportuna para a adoção de hábitos saudáveis. Desse modo, a escola, por ser o local onde crianças e adolescentes passam boa parte do dia, é considerada um ambiente propício para orientações preventivas quanto ao ganho de peso, ao consumo e ao gasto energético, induzindo a adoção de hábitos saudáveis que podem permanecer após o período de escolarização, por toda a vida.

Ao considerar os resultados do presente estudo, pode-se concluir que a composição corporal inadequada esteve associada ao sexo, à idade e ao nível econômico. Adolescentes do sexo masculino e dos estratos econômicos alto e intermediário tiveram maiores probabilidades de apresentar indicadores de gordura corporal inadequada. Por outro lado, a idade de 14-15 anos apresentou menor risco de índices inadequados de gordura corporal em relação às idades mais avançadas.

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pelas bolsas de pós-graduação aos alunos Giseli Minatto e Diego Augusto Santos Silva.

Conflito de interesse: nada a declarar

Fonte financiadora: Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (Capes) - bolsas outorgadas

Recebido em: 29/10/2010

Aprovado em: 13/6/2011

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  • Endereço para correspondência:
    Edio Luiz Petroski
    Universidade Federal de Santa Catarina
    Campus Universitário -Trindade - Caixa Postal 476
    CEP 88040-900 - Florianópolis/SC
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Fev 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      29 Out 2010
    • Aceito
      13 Jun 2011
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