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Fatores associados à concentração de retinol sérico em lactentes

Factores asociados a la concentración de retinol sérico en lactantes

Resumos

OBJETIVO: Verificar os fatores associados à concentração de retinol em lactentes atendidos em serviço público de saúde. MÉTODOS: Estudo de corte transversal realizado com 101 crianças de 18 a 24 meses, atendidas no serviço público de saúde da área urbana da cidade de Viçosa. A análise da concentração de retinol no sangue venoso foi realizada por cromatografia líquida de alta eficiência. Para avaliação da prática alimentar, utilizou-se o recordatório de 24 horas. As entrevistas foram realizadas com os pais ou responsáveis pelas crianças em seus domicílios. Para avaliar as variáveis associadas ao retinol sérico, foi utilizada análise de regressão linear múltipla. RESULTADOS: Identificou-se 39,6% de prevalência da deficiência de vitamina A. Os fatores associados positivamente ao nível sérico de retinol foram tempo de escolaridade paterna e ingestão de proteína. Por outro lado, o número de moradores no domicílio e a idade da criança estiveram negativamente associados. CONCLUSÕES: A hipovitaminose A se apresenta como um problema de Saúde Pública entre os lactentes do município de Viçosa. Fatores socioeconômicos, dietéticos e biológicos se associam à deficiência da vitamina A na população infantil.

vitamina A; nutrição do lactente; lactente; estado nutricional


OBJETIVO: Verificar los factores asociados a la concentración de retinol en lactantes atendidos en el servicio público de salud del área urbana de la ciudad de Viçosa (Minas Gerais, Brasil). MÉTODOS: Estudio de corte transversal realizado con 101 niños, de 18 a 24 meses, atendidos en el servicio de salud del área urbana de la ciudad de Viçosa. El análisis de la concentración de retinol en la sangre venosa fue realizado por cromatografía líquida de alta eficiencia. Para evaluación de la práctica alimentar, se utilizó el recordatorio de 24 horas. Las entrevistas fueron realizadas con los padres o responsables de los niños en sus domicilios. Para evaluar las variables asociadas al retinol sérico, se utilizó análisis de regresión lineal múltiple. RESULTADOS: Se identificó 39,6% de prevalencia de la deficiencia de vitamina A. Los factores asociados positivamente al nivel sérico de retinol fueron tiempo de escolaridad paterna e ingestión de proteína. Por otra parte, el número de moradores en el domicilio y la edad del niño estuvieron negativamente asociados. CONCLUSIONES: La hipovitaminosis A se presenta como un problema de Salud Pública entre los lactantes del municipio de Viçosa. Factores socioeconómicos, dietéticos y biológicos se asocian a la deficiencia de la vitamina A en la población infantil.

vitamina A; nutrición del lactante; lactante; estado nutricional


OBJECTIVE: To verify the factors associated with the concentration of retinol in infants assisted in a health public system. METHODS: Cross-sectional study carried out with 101 infants aged 18-24 months assisted at the health public system in the urban area of Viçosa city, Southeastern Brazil. The retinol concentration was analyzed by high performance liquid chromatography. In order to identify the dietary practices the 24 hours recall information was obtained. The interviews were accomplished with infant's parents or with their caretakers at home. Evaluation of the variables associated to serum retinol levels was done by multiple linear regression analysis. RESULTS: The prevalence of vitamin A deficiency was 39.6%. The factors positively associated with serum retinol levels were paternal years of education and the diet protein content. On the other hand, the number of household inhabitants and the infant's age were negatively associated with the levels of retinol. CONCLUSIONS: Vitamin A deficiency is a public health problem among infants in Viçosa city. Socioeconomic, dietetic and biological variables are associated to serum concentration of retinol in infants.

vitamin A; infant nutrition; infant; nutritional status


ARTIGO ORIGINAL

Fatores associados à concentração de retinol sérico em lactentes

Factores asociados a la concentración de retinol sérico en lactantes

Michele Pereira NettoI; Silvia Eloiza PrioreII; Helena Maria P. Sant'AnaIII; Maria do Carmo G. PeluzioIV; Céphora Maria SabarenseV; Sylvia do Carmo C. FranceschiniVI

Instituição: Universidade Federal de Viçosa (UFV), Viçosa, MG, Brasil

IDoutora em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Docente do curso de Nutrição da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora, MG, Brasil

IIDoutora em Nutrição pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); Docente do curso de Nutrição da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Viçosa, MG, Brasil

IIIDoutora em Ciência dos Alimentos pela Universidade de São Paulo (USP); Docente do curso de Nutrição da UFV, Viçosa, MG, Brasil

IVDoutora em Bioquímica e Imunologia pela UFMG; Docente do curso de Nutrição da UFV, Viçosa, MG, Brasil

VDoutora em Ciências dos Alimentos pela USP; Docente do curso de Nutrição da UFJF, Juiz de Fora, MG, Brasil

VIDoutora em Nutrição pela Unifesp; Docente do curso de Nutrição da UFV, Viçosa, MG, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Michele Pereira Netto Rua José Lourenço Kelmer, s/n - Bairro São Pedro - Campus Universitário CEP 36036-900 - Juiz de Fora/MG E-mail: michele.netto@ufjf.edu.br

RESUMO

OBJETIVO: Verificar os fatores associados à concentração de retinol em lactentes atendidos em serviço público de saúde.

MÉTODOS: Estudo de corte transversal realizado com 101 crianças de 18 a 24 meses, atendidas no serviço público de saúde da área urbana da cidade de Viçosa. A análise da concentração de retinol no sangue venoso foi realizada por cromatografia líquida de alta eficiência. Para avaliação da prática alimentar, utilizou-se o recordatório de 24 horas. As entrevistas foram realizadas com os pais ou responsáveis pelas crianças em seus domicílios. Para avaliar as variáveis associadas ao retinol sérico, foi utilizada análise de regressão linear múltipla.

RESULTADOS: Identificou-se 39,6% de prevalência da deficiência de vitamina A. Os fatores associados positivamente ao nível sérico de retinol foram tempo de escolaridade paterna e ingestão de proteína. Por outro lado, o número de moradores no domicílio e a idade da criança estiveram negativamente associados.

CONCLUSÕES: A hipovitaminose A se apresenta como um problema de Saúde Pública entre os lactentes do município de Viçosa. Fatores socioeconômicos, dietéticos e biológicos se associam à deficiência da vitamina A na população infantil.

Palavras-chave: vitamina A; nutrição do lactente; lactente; estado nutricional.

RESUMEN

OBJETIVO: Verificar los factores asociados a la concentración de retinol en lactantes atendidos en el servicio público de salud del área urbana de la ciudad de Viçosa (Minas Gerais, Brasil).

MÉTODOS: Estudio de corte transversal realizado con 101 niños, de 18 a 24 meses, atendidos en el servicio de salud del área urbana de la ciudad de Viçosa. El análisis de la concentración de retinol en la sangre venosa fue realizado por cromatografía líquida de alta eficiencia. Para evaluación de la práctica alimentar, se utilizó el recordatorio de 24 horas. Las entrevistas fueron realizadas con los padres o responsables de los niños en sus domicilios. Para evaluar las variables asociadas al retinol sérico, se utilizó análisis de regresión lineal múltiple.

RESULTADOS: Se identificó 39,6% de prevalencia de la deficiencia de vitamina A. Los factores asociados positivamente al nivel sérico de retinol fueron tiempo de escolaridad paterna e ingestión de proteína. Por otra parte, el número de moradores en el domicilio y la edad del niño estuvieron negativamente asociados.

CONCLUSIONES: La hipovitaminosis A se presenta como un problema de Salud Pública entre los lactantes del municipio de Viçosa. Factores socioeconómicos, dietéticos y biológicos se asocian a la deficiencia de la vitamina A en la población infantil.

Palabras clave: vitamina A; nutrición del lactante; lactante; estado nutricional.

Introdução

A vitamina A tem papel fundamental na visão, diferenciação celular, proliferação e manutenção da integridade epitelial. A deficiência desta vitamina é a mais importante causa de cegueira na infância em países em desenvolvimento. Além disso, nas últimas décadas, demonstrou-se a contribuição significante desta deficiência para a morbimortalidade por doenças infecciosas, antes mesmo do aparecimento dos sinais clínicos(1,2).

Estima-se que a deficiência subclínica de vitamina A afete 230 milhões de crianças no mundo, podendo resultar em 250 mil a 500 mil novos casos de cegueira irreversível a cada ano(3). Na América Latina, a prevalência da deficiência subclínica em crianças menores de três anos varia entre 4,6 e 75,9%(4). Já no Brasil, existem poucos dados para estabelecer a prevalência e gravidade desta deficiência; observa-se por meio de estudos pontuais que a deficiência se constitui em um problema de Saúde Pública, com prevalências que variam entre 16 e 74% em crianças menores de seis anos e, diferente do que se pensava, o problema não está limitado às regiões mais pobres do país(5).A estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) configura a hipovitaminose A como um problema de Saúde Pública moderado no país(6).

Para Miller et al(7), as crianças menores de dois anos residentes em países em desenvolvimento tornam-se deficientes por duas razões principais. A primeira é que suas mães são deficientes e produzem leite materno com teores de vitamina inadequados. A segunda refere-se ao fato de a alimentação complementar, em geral, ser pobre nesta vitamina. Aliado a estas razões, acrescenta-se que algumas crianças apresentam enfermidades que podem acarretar anorexia, má absorção e maior catabolismo, aumentando o risco de deficiências nutricionais.

Poucos estudos têm mostrado quais fatores estão associados à concentração de retinol sérico em lactentes. Assim, o presente estudo teve como objetivo verificar os fatores associados aos níveis de retinol sérico em lactentes de 18 a 24 meses atendidos em serviços públicos de saúde da área urbana da cidade de Viçosa.

Método

Estudo transversal realizado com crianças de 18 a 24 meses atendidas em serviços públicos de saúde da área urbana da cidade de Viçosa (MG).

Todas as crianças cadastradas no serviço pediátrico do município, na faixa etária de interesse, receberam visitas domiciliares nas quais os responsáveis pelas crianças foram convidados a participar do estudo. O total de crianças cadastradas no serviço, cujos endereços foram localizados, foi de 124. Destas, 23 (15%) não participaram devido a não autorização dos pais. Assim, a amostra compreendeu 101 crianças, sendo 51 (50,5%) do sexo feminino e 50 (49,5%), do masculino.

Os dados foram obtidos por meio de entrevista com as mães ou responsáveis pelas crianças. As variáveis analisadas foram: referentes à criança (sexo, duração da gestação, peso e comprimento ao nascer); condições socioeconômicas (escolaridade dos pais, renda familiar, número de moradores na casa e número de cômodos); variáveis maternas (número de gestações e assistência pré-natal); presença de morbidades, ingestão de suplementos e práticas alimentares.

O peso e comprimento ao nascer e as variáveis referentes à gestação foram conferidos no cartão de vacinação das crianças e no cartão da gestante, quando estes eram disponíveis. Os suplementos consumidos pelos lactentes também foram conferidos pelo pesquisador. A renda familiar per capita considerada foi a renda total dividida pelo número de pessoas que dependiam da mesma.

O peso e o comprimento das crianças foram aferidos durante as visitas domiciliares, utilizando-se equipamentos e normas padronizadas, obedecendo-se aos procedimentos estabelecidos pela OMS(8). Foram utilizados balança pediátrica digital eletrônica, com capacidade de 15kg e divisão de 10g, e antropômetro de madeira com amplitude de 120cm e subdivisões de 0,1cm. Os índices utilizados na avaliação do estado nutricional foram: peso/idade, estatura/idade e peso/estatura, expressos em escore Z, sendo os pontos de corte -2 e +2 escore Z para caracterizar a inadequação. Como referência antropométrica, foram adotadas as curvas de crescimento da OMS(9), utilizando-se o software WHO Anthro para as análises dos dados.

Uma amostra de 3mL de sangue foi coletada por punção venosa, após jejum mínimo de oito horas, para determinação dos níveis de retinol sérico. As etapas de coleta de sangue, centrifugação e separação do soro foram efetuadas em ambiente protegido da ação solar e ausência de luz direta. Os soros foram armazenados em refrigeração a -18ºC até a análise.

As análises do retinol foram realizadas com a cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE) com coluna cromatográfica Lichrospher 100, RP-18, 5µm, 150x4mm, fase móvel constituída de metanol e água (concentração 95:5), vazão de 1,5mL/min e detecção por fluorescência. Os padrões externos e internos foram o trans-acetato de retinol e trans-acetato de retinil, diluídos na fase móvel. O uso do padrão interno é recomendado por permitir o controle de perdas durante a análise(10).

A inadequação do estado nutricional de vitamina A foi caracterizada quando os níveis séricos encontravam-se inferiores a 20µg/dL(1). No estabelecimento da deficiência como problema de Saúde Pública, adotaram-se as recomendações da OMS(6).

As análises do retinol foram feitas no Laboratório de Análise de Vitaminas do Departamento de Nutrição e Saúde da Universidade Federal de Viçosa (UFV). As análises parasitológicas, bem como as coletas de sangue foram feitas em um laboratório de análises clínicas de referência.

Para o exame parasitológico das fezes utilizou-se os métodos de Hoffman, Faust e Ritchie. O exame foi considerado positivo quando se observou pelo menos uma espécie de parasito na amostra.

Na avaliação da prática alimentar, empregou-se o recordatório de 24 horas. Foram também avaliadas algumas questões específicas relacionadas à prática alimentar como: consumo de leite logo após refeições principais, idade de introdução de águas, chás, frutas e/ou sucos de frutas, leite "não materno" e papa salgada.

A composição química do leite materno utilizada para os cálculos dietéticos, seguiu as recomendações do Institute of Medicine(11). A quantidade consumida de leite materno foi estimada de acordo com a WHO/UNICEF, a qual sugere que, para a faixa etária em questão, o volume de leite seja de 61,16mL/kg de peso/dia(12). Para aquelas crianças que recebiam leite materno apenas uma ou duas vezes ao dia, o consumo de leite materno foi estimado por mamada, usando 27mL/kg de peso/mamada(13). A composição da dieta foi calculada com auxílio do software Diet-Pro versão 4.0. A adequação do consumo de vitamina A foi estabelecida pela comparação dos dados dietéticos com a necessidade média estimada(14).

O banco de dados foi criado no programa Epi-Info, versão 6.04, específico para análises epidemiológicas. A análise de regressão foi processada no software SPSS para Windows, versão 10.

Nas análises univariadas, foram utilizados o teste de Mann-Whitney e a correlação de Pearson, o primeiro para comparar as medianas do retinol sérico com as variáveis categóricas e o segundo para verificar a correlação do retinol sérico com as variáveis numéricas. As variáveis que se mostraram significativamente associadas à concentração de retinol (p<0,05) foram incluídas no modelo de regressão linear múltipla. A escolha pelo modelo de regressão linear deve-se ao tamanho da amostra que dificultou a categorização de algumas variáveis.

As crianças avaliadas receberam orientação nutricional e aquelas que apresentaram verminoses ou alterações bioquímicas foram encaminhadas para tratamento. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFV.

Resultados

A média de idade das crianças avaliadas foi de 21±2 meses; estas faziam parte de famílias com renda per capita média de US$ 217±114 e eram filhos de mães com 25±6 anos de idade e 7±3 anos de escolaridade. Utilizando-se os índices estatura/idade, peso/idade e peso/estatura, observou-se que 4, 3 e 3% das crianças apresentaram escore Z inferior a -2, respectivamente. Valores de escore Z superiores a +2, pelos índices peso/estatura e peso/idade, foram encontrados em 2 e 3% das crianças, respectivamente.

Observou-se alta prevalência de deficiência de vitamina A entre os lactentes avaliados (39,6%, n=40). A mediana de retinol sérico da população estudada foi de 21,8µg/dL, com mínimo de 9,0 e máximo de 39,9µg/dL. Os níveis medianos de retinol não apresentaram diferença estatística em relação às variáveis sexo, peso ao nascer, uso de composto ferroso na gestação e no pós-parto e uso de complexo vitamínico no pós-parto, história de internação, enfermidade nos 15 dias anteriores ao estudo e uso de composto ferroso e complexo vitamínico pela criança (Tabela 1).

Com relação à infestação parasitária, 21% das crianças avaliadas apresentaram pelo menos um tipo de parasita e estava associada à menor concentração de retinol sérico. O parasita mais encontrado foi a Giardia lamblia (66,7%) seguido pelo Ascaris lumbricoides (28,6%). Assim como a presença de verminose, a menor concentração de retinol esteve associada ao não uso de complexo vitamínico pelas mães na gestação (Tabela 1).

A Tabela 2 apresenta a correlação entre a concentração de retinol e as demais variáveis numéricas do estudo. Observa-se que a idade da criança e o número de moradores no domicílio estiveram fraca e negativamente correlacionados ao conteúdo sérico de retinol. Por outro lado, o tempo de escolaridade paterna e a quantidade de calorias, proteína e cálcio da dieta estiveram positivamente correlacionados com o retinol.

O consumo mediano de vitamina A dos lactentes foi de 410,45µg (mínimo de 32,76 e máximo de 3.587,98µg). Das crianças avaliadas, 18% apresentaram consumo inadequado desta vitamina, entretanto o consumo mediano da vitamina A não se correlacionou à concentração sérica de retinol.

As variáveis que estiveram significantemente correlacionadas com a concentração sérica de retinol foram selecionadas para o modelo de regressão linear múltipla (Tabela 3). Neste modelo, apenas o tempo de escolaridade paterna, a ingestão de proteína, o número de moradores no domicílio e a idade da criança permaneceram significantemente associados aos níveis séricos de retinol. Cada aumento de um ano na escolaridade paterna esteve associado a uma elevação de 0,052µg/dL (p=0,013) na concentração sérica de retinol; cada grama de proteína consumida determinou um aumento de 0,097µg/dL (p=0,026) no retinol; o aumento de uma pessoa residindo no mesmo domicílio da criança reduziu o retinol sérico em 0,819µg/dL (p=0,012); e cada mês a mais de idade diminuiu 0,725µg/dL (p=0,020) nos valores séricos do retinol do lactente. Consideradas em conjunto, as variáveis que compuseram o modelo explicaram 14,9% da variação dos níveis de retinol dos lactentes avaliados.

Discussão

Considerando-se a prevalência encontrada, a deficiência de vitamina A constitui-se em um problema de Saúde Pública em lactentes residentes na área urbana do município de Viçosa. Estudo realizado na cidade de São Paulo com crianças entre seis e 24 meses encontrou prevalência de 21,4% de deficiência de vitamina A(15). Dos pré-escolares do estado de Sergipe avaliados por Martins, Santos e Assis(16), 32,1% apresentavam retinol inferior a 20µd/dL. A prevalência de deficiência de vitamina A em crianças argentinas com idade entre 6 meses e 2 anos de idade variou entre 26 e 46%(17). Em crianças de 12 a 71 meses de Honduras, a prevalência de hipovitaminose A foi de 14%(18). Já entre crianças menores de cinco anos avaliadas na Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher, os baixos níveis séricos desta vitamina foram encontrados em 17,4%(19). Desta forma, a prevalência de hipovitaminose A encontrada no presente estudo está próxima às observadas em outros trabalhos.

Deve-se destacar a importância das informações sobre a prevalência desta deficiência, visto que ainda há pouco conhecimento sobre a situação da hipovitaminose A no Brasil. Por outro lado, o diagnóstico realizado pelo retinol sérico apresenta falhas, já que o retinol é controlado homeostaticamente e pode não reduzir suas concentrações séricas até haver comprometimento dos estoques corporais; assim, esse marcador é um indicador confiável para o diagnóstico da deficiência apenas quando os estoques estão baixos ou depletados(1). Considerando-se a limitação da avaliação sérica do retinol, não se pode fazer inferências sobre os estoques corporais desta vitamina nas crianças avaliadas. Além disso, discute-se a necessidade de reavaliar os pontos de corte e critérios adotados na interpretação dos níveis séricos de retinol para o diagnóstico da deficiência(20).

No presente estudo, na análise univariada dos dados categóricos, os valores de retinol não apresentaram diferenças entre os sexos, peso ao nascer, uso de composto ferroso na gestação e pós-parto e uso de complexo vitamínico no pós-parto, presença de enfermidade nos 15 dias antecedentes à pesquisa, história de internação anterior ao estudo e uso de composto ferroso e complexo vitamínico atual. Já, entre as crianças que apresentaram infestação parasitária e os filhos de mulheres que receberam complexo vitamínico na gestação, encontraram-se diferenças significantes na concentração de retinol. Quanto às variáveis numéricas, observou-se correlação dos valores de retinol sérico com idade, número de moradores na casa, escolaridade paterna, ingestão de caloria, proteína e cálcio. Entretanto, se mantiveram significantes no modelo de regressão linear apenas a escolaridade paterna, o consumo de proteína, o número de moradores na casa e a idade da criança.

Estudo de Ferraz, Daneluzzi e Vannucchi(15) não encontrou diferenças na prevalência de deficiência de vitamina A de acordo com sexo, escolaridade dos pais, peso ao nascer, renda per capita e número de moradores na casa; entretanto, os autores observaram que crianças com deficiência de vitamina A apresentavam duração do aleitamento materno inferior àquelas sem deficiência (6,1 versus 8,6 meses). Já Martins, Santos e Assis(16) não notaram diferença nas razões de chance de desenvolver hipovitaminose A entre sexo, índice estatura/idade, idade e escolaridade materna; contudo, encontraram diferenças de acordo com o índice peso/idade e renda per capita familiar. Escobal et al(17) não observaram diferença na concentração de retinol segundo idade, sexo, peso ao nascer, consumo de vitamina A, enfermidades nos últimos 15 dias, índices antropométricos e história de vacinação. No estudo de Nestel et al(18), a prevalência de deficiência de vitamina A não apresentou diferenças em relação à escolaridade materna, presença de tosse e diarreia nos últimos 15 dias, índices estatura/idade e peso/idade; todavia diferenças com relação à idade foram observadas. Em pré-escolares do Congo, observou-se associação do retinol com o consumo de vitamina A, mas não com os índices antropométricos(21). Muniz-Junqueira e Queiroz(22) não notaram relação entre a deficiência e parasitose intestinal e índice peso/idade. Em Recife(23) e no Distrito Federal(24) não se constatou associação da hipovitaminose com a desnutrição. Em Teresina, o retinol de crianças não se associou com idade, escolaridade materna e paterna, renda e estado nutricional(25). Em crianças indianas(26), verificou-se associação do estado nutricional com consumo de alimentos ricos em vitamina A, de forma que as crianças com menor consumo também apresentaram piores dados antropométricos. Além disso, a educação e a idade materna também apresentaram associação com o consumo de alimentos ricos em vitamina A.

Com relação à associação da parasitose intestinal com a deficiência de vitamina A, acredita-se que esta se deva ao fato de as parasitoses serem possíveis causadoras de diarreias, as quais, por sua vez, podem se associar com perturbação da absorção de gordura e vitamina A.

A análise de regressão linear permite observar a influência que cada variável do modelo exerce sobre a variável dependente. No modelo apresentado, encontrou-se que a escolaridade paterna e o consumo de proteína estiveram positivamente correlacionados ao retinol e que o número de pessoas no domicílio e a idade da criança correlacionam-se com o retinol sérico de forma negativa.

A renda familiar é um indicador de processos estruturais na sociedade e constitui fator determinante das condições de saúde e nutrição das crianças(16). No presente estudo, a renda familiar não se associou à concentração de retinol, possivelmente por ter sido uma variável com alto índice de não reposta, reduzindo assim o tamanho amostral. Além disso, as crianças avaliadas pertenciam a famílias de baixa renda, portanto a distribuição desta variável seria homogênea. Entretanto, é possível que as variáveis "escolaridade paterna" e "número de pessoas na casa", que são variáveis socioeconômicas, reflitam a renda familiar. Em geral, uma maior escolaridade aumenta a probabilidade de inserção no mercado de trabalho e consequentemente de maior renda. Por outro lado, o elevado número de moradores no domicílio é achado frequente em famílias de baixa renda. Estudo de revisão sugere que fatores nutricionais e características socioeconômicas podem atuar sobre as concentrações de vitamina no leite materno de mulheres brasileiras(27), fato que interferiria indiretamente no retinol de lactentes. Por outro lado, Oliveira, Oliveira e Bergamaschi(28) referem ainda não haver consenso sobre a relação destas variáveis e a concentração de vitamina no leite. Destaca-se que, quanto maior o número de crianças no domicílio, menor a chance de consumo de alimentos ricos em vitamina A(26), fato que pode constituir em fator de risco para os baixos níveis de retinol.

O consumo de vitamina A no dia anterior à entrevista não foi correlacionado ao retinol. Este resultado, no entanto, era esperado em função da limitação do recordatório de 24 horas em avaliar o consumo habitual, pois apenas reflete o consumo de um dia. A ingestão de vitamina A pela população apresenta distribuição heterogênea, resultando em alto coeficiente de variação, o qual implica em limitações nos resultados de estimativa de ingestão(17). Com relação ao consumo de proteína apresentar-se positivamente correlacionado ao retinol, acredita-se que, quando a dieta do lactente foi composta de quantidades adequadas de proteína, o mesmo ocorreria para a vitamina A, pois grande parte das fontes de proteína também é fonte desta vitamina. Além disso, vale ressaltar que, na idade estudada, o leite é um alimento muito consumido, se constituindo na principal fonte de proteína e vitamina A.

A correlação negativa do retinol com a idade era esperada, visto ser o grupo pré-escolar o de maior risco para a deficiência. Esta vulnerabilidade deve-se à elevada necessidade da vitamina A para o crescimento e o desenvolvimento, além da presença de enfermidades que reduzem o aproveitamento da vitamina(3). A confirmação da deficiência de vitamina A já nos dois primeiros anos de vida, poderia explicar, em parte, as altas prevalências de deficiência de vitamina A na idade pré-escolar(16,18).

Como os fatores escolaridade paterna, número de moradores no domicílio e consumo de proteínas refletem características socioeconômicas, demonstra-se a vulnerabilidade do grupo de baixa renda ao aparecimento das deficiências nutricionais e a necessidade de intervenção precoce para prevenção e combate a estas deficiências neste grupo.

Deve-se destacar que o delineamento do estudo é transversal, não sendo o mais indicado para relacionar situações de causa e efeito. Contudo, este delineamento é muito utilizado no estudo de situações de saúde, além de ser menos oneroso e, portanto, mais facilmente realizado. A amostra foi de conveniência, o que dificulta a extrapolação das informações para toda a população, mas teve grande abrangência na zona urbana da cidade e reflete a situação nutricional das crianças cadastradas no serviço de saúde. Assim, os resultados permitiram concluir que em uma amostra de crianças do município de Viçosa, a deficiência de vitamina A se apresenta como um problema de Saúde Pública e os fatores associados ao nível sérico de retinol destes lactentes são a escolaridade paterna, o número de moradores no domicílio, o consumo de proteínas e a idade do lactente.

Recebido em: 22/11/2010

Aprovado em: 1/7/2011

Fonte financiadora: Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico (CNPq), processo nº 474549/2004-6; Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), bolsa de mestrado

Conflito de interesse: nada a declarar

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  • Endereço para correspondência:
    Michele Pereira Netto
    Rua José Lourenço Kelmer, s/n - Bairro São Pedro - Campus Universitário
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      22 Nov 2010
    • Aceito
      01 Jul 2011
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