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Manifestações clínicas, desfechos e fatores prognósticos da influenza pandêmica A (H1N1) de 2009 em crianças

Manifestaciones clínicas, desenlaces y factores pronósticos de la influenza pandémica A (H1N1) 2009 en niños

Resumos

OBJETIVO: Descrever as características clínicas e a letalidade, além de analisar os fatores prognósticos da infecção pela influenza pandêmica A (H1N1), em crianças do estado do Paraná. MÉTODOS: Estudo observacional e retrospectivo. Os dados foram coletados a partir do Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, entre março e dezembro de 2010. Foram incluídas as crianças com idade entre zero e 12 anos, com confirmação laboratorial da infecção. As variáveis referentes às características demográficas e clínicas e aos desfechos foram avaliadas estatisticamente a fim de comparar as taxas de letalidade na presença e na ausência desses fatores. Os fatores prognósticos foram identificados por regressão logística. Consideraram-se como significativos os valores de p<0,05. RESULTADOS: Foram incluídas 1.307 crianças, das quais 19 foram a óbito. Os fatores de risco para o óbito foram cardiopatias (OR 7,1; IC95% 1,5 - 32,7), imunodepressão (OR 14,9; IC95% 3,9 - 56,2), dispneia (OR 9,5; IC95% 2,8 - 32,9), pneumonia (OR 23,8; IC95% 2,4 - 239,8), presença de sibilos (OR 11,9; IC95% 1,4 - 103,7) e tempo para o início do tratamento a partir do início dos sintomas (OR 1,3; IC95% 1,2 - 1,5). O tratamento precoce com o antiviral oseltamivir foi um fator de proteção ao óbito (OR 0,012; IC95% 0,003 - 0,05). CONCLUSÕES: Os fatores de risco subjacentes apresentaram papel fundamental na determinação dos desfechos. O diagnóstico e o tratamento precoce foram importantes para a diminuição dos óbitos pela influenza A (H1N1) 2009 em crianças.

Vírus da Influenza A Subtipo H1N1; fatores de risco; letalidade; sinais e sintomas; criança


OBJETIVO: Describir las características clínicas y la letalidad, además de analizar los factores pronósticos de la infección por la influenza pandémica A (H1N1) en niños de la provincia de Paraná (Brasil). MÉTODOS: Se trató de un estudio observacional y retrospectivo. Los datos fueron recogidos a partir del Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan), del Ministerio de Salud, entre marzo y diciembre de 2010. Se incluyeron a los niños con edad entre cero y 12 años, con confirmación laboratorial de la infección. Las variables referentes a las características demográficas y clínicas y a los desenlaces fueron evaluadas estadísticamente, a fin de comparar las tasas de letalidad en la presencia y ausencia de esos factores. Los factores pronósticos fueron identificados por regresión logística. Se consideraron como significativos los valores de p<0,05. RESULTADOS: Se incluyeron a 1.307 niños, de los que 19 fallecieron. Los factores de riesgo para óbito fueron cardiopatías (OR 7,1; IC95% 1,5-32,7), inmunodepresión (OR 14,9; IC95% 3,9-56,2), disnea (OR 9,5; IC95% 2,8-32,9), neumonía (OR 23,8; IC95% 2,4-239,8), presencia de silbidos (OR 11,9; IC95% 1,4-103,7) y tiempo para el inicio del tratamiento a partir del inicio de los síntomas (OR 1,3; IC95% 1,2-1,5). El tratamiento temprano con el antiviral oseltamavir fue un factor de protección al óbito (OR 0,012; IC95% 0,003-0,05). CONCLUSIONES: La tasa de letalidad observada en niños fue menor que la encontrada en el grupo que contrajo la enfermedad. Los factores de riesgo subyacentes presentaron un rol fundamental en la determinación de los desenlaces. El diagnóstico y el tratamiento tempranos fueron importantes para la reducción de los óbitos por influenza A (H1N1) 2009 en niños.

Virus de la Influenza A Subtipo H1N1; factores de riesgo; letalidad; señales y síntomas; niño


OBJECTIVE: To analyze the pandemic influenza A (H1N1) 2009 in children of the state of Paraná, Southern Brazil, in order to identify clinical features, lethality, and prognostic factors for the infection. METHODS: This was a retrospective observational study. Data were collected from the National Notifiable Disease System (Sinan) from the Brazilian Ministry of Health, from March to December, 2010. Children aged between zero and 12 years-old, with laboratorial confirmation of the infection, were included. Variables related to demographic and clinical characteristics and outcomes were evaluated statistically in order to compare the lethality rates in the presence and absence of these factors. The prognostic factors were identified by logistic regression, being significant p<0.05. RESULTS: 1,307 children were included and 19 of them died. Risk factors for death were heart diseases (OR 7.1; 95%CI 1.5 - 32.7), immunosuppression (OR 14.9; 95%CI 3.9 - 56.2), dyspnea (OR 9.5; 95%CI 2.8 - 32.9), pneumonia (OR 23.8; 95%CI 2.4 - 239.8), presence of wheezing (OR 11,9; 95%CI 1.4 - 103.7), and time to start treatment since the onset of symptoms (OR 1.3; 95%CI 1.2 - 1.5). Early treatment with the antiviral drug oseltamivir was a protective factor for death (OR 0.012; 95%CI 0.003 - 0.05). CONCLUSIONS: Underlying risk factors had a major role in determining outcomes. Early diagnosis and treatment were important for the reduction of deaths from influenza A (H1N1) 2009 in children.

Influenza A Virus, H1N1 Subtype; risk factors; lethality; signs and symptoms; child


ARTIGO ORIGINAL

Manifestações clínicas, desfechos e fatores prognósticos da influenza pandêmica A (H1N1) de 2009 em crianças

Manifestaciones clínicas, desenlaces y factores pronósticos de la influenza pandémica A (H1N1) 2009 en niños

Luana LenziI; Ângela Maron de MelloII; Lineu Roberto da SilvaIII; Mônica Holtz C. GrochockiIV; Roberto PontaroloV

Instituição: Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil

IMestre em Ciências Farmacêuticas pela UFPR, Curitiba, PR, Brasil

IIMestre em Ciências Biológicas pela UFPR; Coordenadora do Centro de Informações Estratégicas e Respostas Rápidas da Secretaria Estadual de Saúde, Curitiba, PR, Brasil

IIIMestre em Ciências Veterinárias pela UFPR; Sanitarista da Secretaria de Estado da Saúde, Curitiba, PR, Brasil

IVMestre em Ciências pela UFPR; Diretora Técnica do Consórcio Intergestores Paraná Saúde, Curitiba, PR, Brasil

VDoutor em Bioquímica; Professor-Associado do Curso de Graduação em Farmácia da UFPR, Curitiba, PR, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Roberto Pontarolo Rua Prefeito Lothário Meissner, 632 - Jardim Botânico CEP 80210-170 - Curitiba/PR E-mail: pontarolo@ufpr.br

RESUMO

OBJETIVO: Descrever as características clínicas e a letalidade, além de analisar os fatores prognósticos da infecção pela influenza pandêmica A (H1N1), em crianças do estado do Paraná.

MÉTODOS: Estudo observacional e retrospectivo. Os dados foram coletados a partir do Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, entre março e dezembro de 2010. Foram incluídas as crianças com idade entre zero e 12 anos, com confirmação laboratorial da infecção. As variáveis referentes às características demográficas e clínicas e aos desfechos foram avaliadas estatisticamente a fim de comparar as taxas de letalidade na presença e na ausência desses fatores. Os fatores prognósticos foram identificados por regressão logística. Consideraram-se como significativos os valores de p<0,05.

RESULTADOS: Foram incluídas 1.307 crianças, das quais 19 foram a óbito. Os fatores de risco para o óbito foram cardiopatias (OR 7,1; IC95% 1,5 - 32,7), imunodepressão (OR 14,9; IC95% 3,9 - 56,2), dispneia (OR 9,5; IC95% 2,8 - 32,9), pneumonia (OR 23,8; IC95% 2,4 - 239,8), presença de sibilos (OR 11,9; IC95% 1,4 - 103,7) e tempo para o início do tratamento a partir do início dos sintomas (OR 1,3; IC95% 1,2 - 1,5). O tratamento precoce com o antiviral oseltamivir foi um fator de proteção ao óbito (OR 0,012; IC95% 0,003 - 0,05).

CONCLUSÕES: Os fatores de risco subjacentes apresentaram papel fundamental na determinação dos desfechos. O diagnóstico e o tratamento precoce foram importantes para a diminuição dos óbitos pela influenza A (H1N1) 2009 em crianças.

Palavras-chave: Vírus da Influenza A Subtipo H1N1; fatores de risco; letalidade; sinais e sintomas; criança.

RESUMEN

OBJETIVO: Describir las características clínicas y la letalidad, además de analizar los factores pronósticos de la infección por la influenza pandémica A (H1N1) en niños de la provincia de Paraná (Brasil).

MÉTODOS: Se trató de un estudio observacional y retrospectivo. Los datos fueron recogidos a partir del Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan), del Ministerio de Salud, entre marzo y diciembre de 2010. Se incluyeron a los niños con edad entre cero y 12 años, con confirmación laboratorial de la infección. Las variables referentes a las características demográficas y clínicas y a los desenlaces fueron evaluadas estadísticamente, a fin de comparar las tasas de letalidad en la presencia y ausencia de esos factores. Los factores pronósticos fueron identificados por regresión logística. Se consideraron como significativos los valores de p<0,05.

RESULTADOS: Se incluyeron a 1.307 niños, de los que 19 fallecieron. Los factores de riesgo para óbito fueron cardiopatías (OR 7,1; IC95% 1,5-32,7), inmunodepresión (OR 14,9; IC95% 3,9-56,2), disnea (OR 9,5; IC95% 2,8-32,9), neumonía (OR 23,8; IC95% 2,4-239,8), presencia de silbidos (OR 11,9; IC95% 1,4-103,7) y tiempo para el inicio del tratamiento a partir del inicio de los síntomas (OR 1,3; IC95% 1,2-1,5). El tratamiento temprano con el antiviral oseltamavir fue un factor de protección al óbito (OR 0,012; IC95% 0,003-0,05).

CONCLUSIONES: La tasa de letalidad observada en niños fue menor que la encontrada en el grupo que contrajo la enfermedad. Los factores de riesgo subyacentes presentaron un rol fundamental en la determinación de los desenlaces. El diagnóstico y el tratamiento tempranos fueron importantes para la reducción de los óbitos por influenza A (H1N1) 2009 en niños.

Palabras clave: Virus de la Influenza A Subtipo H1N1; factores de riesgo; letalidad; señales y síntomas; niño.

Introdução

A nova influenza A (H1N1), responsável pela pandemia de 2009, a primeira do século XXI, originou-se no México e nos Estados Unidos(1,2). Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 208 países relataram casos confirmados laboratorialmente da doença durante 2009, registrando-se 12.799 óbitos(3).

Estudos já publicados indicaram que a maioria dos infectados apresentou sintomas leves, com recuperação clínica em poucos dias(4). A patogenia em geral é a de uma gripe normal, evoluindo para cura espontânea. Porém, observou-se um espectro clínico amplo, desde casos assintomáticos até o aparecimento de pneumonia grave ou mortal(5,6). Ocasionalmente, o quadro clínico apresentou evolução rápida (em cerca de cinco dias) para uma pneumonia atípica (pneumonia viral com poucos sinais na exploração física, mas bastante evidente em radiografias), com dificuldade respiratória aguda fulminante na metade desses casos(7).

Há evidências de que a infecção por influenza A (H1N1) pode produzir complicações pulmonares graves em pessoas jovens sem comorbidades, especialmente crianças, nas quais foram observadas as taxas mais altas de hospitalização(8). As crianças são particularmente vulneráveis a apresentar complicações durante uma infecção por influenza, sendo necessários mais estudos para um melhor entendimento dos determinantes e dos fatores de risco para o agravamento e o óbito nessa população. Entretanto, relatos sobre a gravidade dos casos da doença em crianças são ainda limitados(9-11). Dessa forma, sabendo-se que a gravidade da doença pode ser alterada em diferentes contextos geográficos e condições sazonais(12), este estudo buscou gerar dados sobre a doença e seus possíveis fatores de risco em crianças do estado do Paraná que contraíram a infecção durante a pandemia de 2009. A pesquisa teve o intuito de identificar as características clínicas, a letalidade e os fatores prognósticos da infecção por influenza A (H1N1) nesses pacientes.

Método

Tratou-se de um estudo observacional e retrospectivo, realizado entre março e dezembro de 2009. Utilizou-se como fonte de informação os questionários estruturados pertencentes ao Cadastro de Informação da Influenza Pandêmica A (H1N1) 2009 do Sistema Nacional de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde.

A população do estudo foi composta por crianças com idades entre zero e 12 anos, residentes no estado do Paraná (região Sul do Brasil). Foram incluídos os casos confirmados como Influenza Pandêmica A (H1N1) 2009 por critério laboratorial, realizado pela técnica de reverse transcription of polymerase chain reaction (RT-PCR). Os casos suspeitos ou confirmados pelo critério clínico-epidemiológico, que incluíam evidências clínicas de febre (>38°C), tosse, contato próximo com pessoa infectada ou histórico de viagem recente (até dez dias) a países com casos documentados, na presença ou ausência de outros sinais ou sintomas associados, foram submetidos à confirmação laboratorial. Essas amostras foram submetidas à análise por RT-PCR ao longo do evento pandêmico, cujos resultados foram reunidos no início de 2010 para a conclusão dos casos e realização deste estudo. Após a coleta, os dados foram individualmente inspecionados quanto à presença de inconsistências ou à ausência de informações. Foram excluídos os pacientes cujo resultado do exame laboratorial por RT-PCR foi negativo e cujo formulário de notificação apresentava ausência de dados referentes à sintomatologia, às características clínicas e demográficas e aos desfechos (internação, cura e óbito).

As variáveis incluídas foram: idade; presença de fator de risco conhecido para agravamento da influenza, destacado na ficha de investigação do Sinan (sim ou não, separadamente); uso de oseltamivir; internação; resultados do exame de radiografia de tórax; e as datas do início dos sintomas, do início do tratamento com oseltamivir (quando tratadas) e do óbito (quando falecido).

Na análise estatística, buscou-se comparar a letalidade pela infecção com o vírus da Influenza Pandêmica A (H1N1) 2009 entre as crianças de acordo com a presença ou ausência das características medidas pelas variáveis avaliadas. A pesquisa dos fatores de risco foi realizada comparando-se a distribuição das variáveis conforme os desfechos cura e óbito. Aplicou-se o teste Z para comparação de proporções, o teste do qui-quadrado (variáveis categóricas), o teste t de Student (variáveis contínuas) e as medidas de tendência central. Além disso, buscou-se estabelecer uma possível associação entre as variáveis com o desfecho óbito por regressão logística univariada, utilizando como medida de associação a Odds Ratio (OR), com intervalo de confiança (IC) de 95%. Os desfechos foram utilizados como variáveis dependentes, categorizados como "cura=0" e "óbito=1". As variáveis testadas foram avaliadas por análise univariada, utilizando o método Enter de entrada, e a constante foi incluída nos modelos. As análises estatísticas foram realizadas com o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 17.0, considerando como significantes os valores de p<0,05.

Este projeto cumpre os princípios contidos na Declaração de Helsinki, atende à legislação específica do Brasil e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Setor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná.

Resultados

O primeiro caso confirmado laboratorialmente da doença na população pediátrica pertencente a esta amostra populacional ocorreu em 15 de junho de 2009, em um menino de um ano de idade. No total, foram encontradas 1.307 crianças com idades compreendidas entre zero e 12 anos, as quais apresentaram infecção pelo vírus influenza pandêmico A (H1N1) confirmada laboratorialmente por RT-PCR durante a pandemia de 2009. A idade média das crianças foi de 6,2 (±3,8) anos. Foram verificados 19 casos de óbito, representando uma taxa de letalidade de 1,5%, inferior àquela da população geral do Estado que contraiu a doença, cujo valor foi de 5,8% (273/4.740). A média de idade das crianças que faleceram foi de 4,7 (±3) anos.

A Tabela 1 relaciona as principais características observadas nessa amostra de pacientes e sua relação com os desfechos da doença. Dessa amostra, 53,1% eram do gênero masculino e 82,7% eram da cor branca. Um total de 239 crianças apresentava uma ou mais condições clínicas subjacentes (comorbidades). Dentre essas comorbidades, as mais frequentes foram as pneumopatias (148 - 11,3%), as cardiopatias (23 - 1,8%) e a imunodepressão (19 - 1,5%). Somente as cardiopatias e a imunodepressão apresentaram relação significante com os desfechos, sendo a proporção de óbitos foram maior que a de cura.

Em relação ao tratamento com o antiviral oseltamivir, no formulário de notificação de apenas 565 crianças havia informações acerca do uso ou não do medicamento. Dentre essas, 556 (98,4%) foram tratadas. O tempo médio para o começo do tratamento a partir do início dos sintomas no grupo que evoluiu para a cura foi de dois dias (variação: 0-15), enquanto que naqueles que evoluíram para óbito o tempo médio foi de seis dias (variação: 0-20) (p<0,001). A variável relacionada ao tratamento com oseltamivir foi significativamente associada ao desfecho morte. As crianças que não receberam o tratamento apresentaram maior proporção de óbitos.

Em relação à internação, 475 (36,3%) crianças foram hospitalizadas. No entanto, o óbito ocorreu apesar do tratamento farmacológico e dos cuidados intensivos durante a internação. A proporção de óbitos foi maior entre os pacientes internados, quando comparados aos que não necessitaram de internação. Os pacientes que foram a óbito tiveram um tempo médio de permanência hospitalar de 6,4 dias (variação: 0-21).

A associação das manifestações clínicas da doença com os desfechos está descrita na Tabela 2. Os principais sintomas e sinais foram febre, tosse, coriza e dor de garganta, acometendo mais de 50% das crianças avaliadas. Sete pacientes apresentaram sibilos na ausculta pulmonar e um, cianose. A radiografia de tórax foi realizada em 339 crianças. Dessas, 55,7% tinham infiltrados intersticiais e, em 30,2%, o resultado foi normal. Dispneia, dor abdominal, sibilos e presença de pneumonia se relacionaram de modo significativo com os desfechos. O resultado do teste Z indicou que a proporção de óbitos foi maior do que a de cura nas crianças que apresentaram tais manifestações clínicas. Além disso, observou-se que os 19 pacientes que foram a óbito apresentaram febre, 18 (94,7%) tinham tosse e 16 (84,2%) mostravam dispneia, caracterizando-os como os sinais e sintomas mais relacionados ao agravamento da doença.

As variáveis que se associaram aos desfechos e se relacionaram à ocorrência de maiores proporções de óbitos foram analisadas por regressão logística univariada a fim de determinar os fatores prognósticos. Nas crianças que contraíram a infecção pelo vírus da influenza A (H1N1) durante a pandemia de 2009, os fatores de risco para o óbito foram as comorbidades referentes às cardiopatias (OR 7,1; IC95% 1,5 - 32,7) e à imunodepressão (OR 14,9; IC95% 3,9 - 56,2), as quais aumentaram a razão de chances para o óbito. O uso do antiviral oseltamivir consistiu em um fator de proteção ao óbito (OR 0,012; IC95% 0,003 - 0,05), sendo que o não uso do medicamento aumentou em 83,3 (IC95% 18,9 - 333,3) vezes a razão de chances para o óbito. Ainda em relação ao oseltamivir, observou-se a importância do tratamento precoce do paciente, pois cada dia a mais de intervalo entre o início dos sintomas e o do tratamento (medido como variável contínua) aumenta a razão de chances para o óbito em 30% (IC95% 20 - 50).

Considerando as manifestações clínicas da doença, os sintomas dispneia (OR 9,5; IC95% 2,8 - 32,9), pneumonia (OR 23,8; IC95% 2,4 - 239,8) e presença de sibilos na ausculta pulmonar (OR 11,9; IC95% 1,4 - 103,7) se associaram à maior gravidade clínica, com elevação da razão de chances para o óbito. A dor abdominal não se associou (p=0,056) ao risco para óbito.

Discussão

Observando as taxas de letalidade na presença e na ausência de fatores epidemiológicos, clínicos e terapêuticos, notou-se haver relação significativa entre os desfechos e os fatores: presença de comorbidades, uso do antiviral oseltamivir, tempo para início do tratamento após o início dos sintomas e internação hospitalar. A necessidade de hospitalização foi observada entre os casos clinicamente mais graves, justificando-se, assim, a maior frequência de óbitos nesse grupo.

O tratamento precoce com o antiviral oseltamivir no prazo de dois dias após o início dos sintomas já foi relatado como protetor, diminuindo o risco de internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e óbito nos pacientes hospitalizados que contraíram a influenza pandêmica A (H1N1), em 2009(11,13). No presente estudo, o tempo médio para início do tratamento após o aparecimento dos sintomas nos pacientes que evoluíram para a cura foi de dois dias, diferindo daqueles que evoluíram a óbito, cujo tempo médio para o início do tratamento foi de seis dias. Esse resultado coincide com o de outros estudos sugestivos dos benefícios proporcionados aos pacientes tratados com oseltamivir em comparação aos que não recebem o tratamento(13,14). O rápido curso da doença observado entre os casos fatais foi também relatado no Reino Unido(9) e na Alemanha(11), salientando a necessidade de prevenção da doença.

A relação das cardiopatias com complicações e óbitos por influenza decorre possivelmente da replicação viral no tecido cardíaco, conforme demonstrado por outros pesquisadores(15). Outra possível explicação para a patogênese da gripe associada a complicações extrarrespiratórias é sugerida pelo elo entre a síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) e a síndrome de disfunção de múltiplos órgãos (MODS), na qual os sistemas hepático, renal, nervoso central, hematológico, gastrointestinal e cardíaco são os mais comumente afetados(16).

A patogênese da MODS ainda não é bem elucidada, mas acredita-se que envolva a microcirculação e o metabolismo mitocondrial, incluindo a liberação de citocinas na circulação(17). Além disso, durante a infecção pelo vírus da influenza, ocorre comprometimento do miocárdio, podendo ser esta outra hipótese para explicar a presença das cardiopatias como fator de risco para o óbito pela infecção(18). Pesquisadores do Reino Unido revelaram que 12% dos pacientes com infecção pelo vírus influenza apresentaram níveis elevados de troponina cardíaca, liberada quando ocorre lesão no músculo cardíaco, o que indica uma possível ação do vírus na musculatura cardíaca durante uma infecção(19). Ison et al demonstraram que uma proporção significativa de pacientes nas fases iniciais da infecção pelo vírus influenza apresenta anormalidades no eletrocardiograma, associadas ou não com marcadores de lesão cardíaca, ou alterações contráteis nos resultados ecocardiográficos(20).

Outros estudos indicam que a gripe é uma causa reconhecida de miopericardite. Nesses estudos, em média 45,5% dos pacientes avaliados apresentaram o genoma viral no miocárdio, identificado por meio da realização do exame de PCR de amostras obtidas por biópsia(21). Essas evidências reforçam a conclusão de que o envolvimento cardiovascular durante infecções agudas causadas pelo vírus influenza ocorre por efeito direto do vírus no miocárdio, exacerbando a gravidade de pacientes que apresentam doença cardiovascular (insuficiência cardíaca, miocardites etc.).

Outro achado importante da infecção em crianças foi a associação dos sibilos com o aumento da razão de chances para o óbito, o que pode contribuir para agilizar o diagnóstico e a intervenção em casos graves. Os sibilos são definidos como sons contínuos, musicais e de longa duração, originados nas vias aéreas e produzidos pelo fechamento dos brônquios(22). Podem ser observados em doenças do trato respiratório inferior (brônquios, bronquíolos, alvéolos e pulmões) em decorrência de complicações da infecção por influenza(23). De acordo com os resultados deste estudo, além da ausculta pulmonar, o exame de radiografia do tórax auxilia na detecção da gravidade da doença mediante os achados de consolidação e infiltrado intersticial.

Os presentes resultados indicaram uma taxa de letalidade da influenza pandêmica A (H1N1) 2009 de 1,45% em crianças de zero a 12 anos. Outros estudos realizados no Canadá, na Alemanha, no Reino Unido e na Argentina apresentaram taxas variando entre 7 e 39%(9,11,24,25) ao avaliarem pacientes hospitalizados em UTIs. Entretanto, em todos os relatos as taxas de letalidade são superiores às encontradas na influenza sazonal. Diferenças na organização dos cuidados de saúde, incluindo os critérios de admissão na UTI, a faixa etária dos grupos e a seleção dos locais de estudo podem explicar em parte as diferenças entre os resultados.

Este estudo apresentou diversas limitações, incluindo a subnotificação da infecção, embora esse fato possa ter sido minimizado por uma sensibilização maior para a importância da notificação durante a pandemia. Além disso, pacientes que contraíram a doença podem não ter sido incluídos por não procurarem atendimento em serviços de saúde. Uma limitação adicional é relacionada ao registro das características clínicas e das comorbidades dos pacientes, realizado com base nos campos presentes no questionário estruturado, elaborado conforme os fatores de risco e as características da influenza sazonal. Dessa forma, apesar da existência do campo "outros", vários itens podem ter sido em parte omitidos, pois a avaliação clínica e a coleta de dados não eram padronizadas. Além disso, foram incluídas somente as crianças com infecção confirmada por RT-PCR. Vale lembrar ainda que as informações foram coletadas em dias, impedindo o cálculo do tempo do início dos sintomas até o começo do tratamento em horas. Por fim, uma restrição importante deste estudo foi a falta da análise múltipla por regressão logística.

Em conclusão, a taxa de letalidade da influenza pandêmica A (H1N1) 2009 em crianças de zero a 12 anos foi de 1,5%, levando em conta os casos confirmados laboratorialmente por RT-PCR. Os principais sintomas foram: febre, tosse, coriza e dor de garganta. Os fatores de risco para óbito foram as cardiopatias, a imunodepressão, a dispneia, a pneumonia e a presença de sibilos. O tratamento precoce com o antiviral oseltamivir foi um fator de proteção ao óbito. Os resultados enfatizam o papel dos fatores de risco subjacentes, especialmente na evolução dos casos graves, e indicam que o diagnóstico e o tratamento precoce são importantes para diminuir a letalidade da influenza pandêmica A (H1N1) em crianças.

Agradecimentos

Agradecemos à equipe técnica da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná, responsável pelo registro e manutenção dos dados no sistema eletrônico do Sinan (Datasus).

Recebido em: 14/10/2011

Aprovado em: 22/2/2012

Conflito de interesse: nada a declarar

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  • Endereço para correspondência:
    Roberto Pontarolo
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Out 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2012

    Histórico

    • Recebido
      14 Out 2011
    • Aceito
      22 Fev 2012
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