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Variação do diâmetro da artéria braquial em crianças obesas: presente e futuro

Variación del diámetro de la arteria braquial en niños obesos: presente y futuro

Resumos

OBJETIVO: Revisão da literatura acerca do uso da medida da variação do diâmetro da artéria braquial por ultrassonografia de alta resolução (dilatação mediada por fluxo) como preditor de risco para doença cardiovascular em crianças e adolescentes obesos. FONTES DE DADOS: Levantamento de publicações indexadas no Medline/PubMed de trabalhos publicados entre 2002 e 2011, rastreadas com a combinação dos descritores: "endothelium", "child", "ultrasonography" e "obesity", além de estudos e textos clássicos sobre o tema. Foram encontradas 54 publicações e 32 delas foram incluídas na presente revisão do tema. SINTESE DOS DADOS: O estudo da disfunção endotelial tem sido empregado como preditor de risco para doenças cardiovasculares, tais como aterosclerose e doença cardíaca coronariana, visto que a lesão endotelial é um importante evento na fisiopatologia de tais doenças. CONCLUSÕES: A dilatação mediada por fluxo da artéria braquial mostra-se importante como ferramenta diagnóstica e prognóstica na avaliação da função endotelial de crianças e adolescentes com excesso de peso por ser um método não invasivo, com boa aplicabilidade quanto ao custo, à inocuidade e ao benefício.

endotélio; criança; ultrassonografia; obesidade


OBJETIVO: Revisión de la literatura sobre el uso de la medida de la variación del diámetro de la arteria braquial, por ultrasonografía de alta resolución (dilatación mediada por flujo), como predictor de riesgo para enfermedad cardiovascular en niños y adolescentes obesos. FUENTES DE DATOS: Inventario de publicaciones indizadas en Medline/Pubmed de trabajos publicados entre 2002 y 2011, buscadas mediante la combinación de los descriptores: «endothelium», «child», «ultrasonography» y «obesity», además de estudios y textos clásicos sobre el tema. Se encontraron 54 publicaciones y 32 de ésas fueron incluidas en la presente revisión del tema. Síntesis de los datos: El estudio de la disfunción endotelial viene siendo empleado como predictor de riesgo para enfermedades cardiovasculares, tales como aterosclerosis y enfermedad cardíaca coronariana, puesto que la lesión endotelial es un importante evento en la fisiopatología de tales enfermedades. CONCLUSIONES: La dilatación de la arteria braquial mediada por flujo se muestra importante como herramienta diagnóstica y pronóstica en la evaluación de la función endotelial de niños y adolescentes con exceso de peso, por ser un método no invasivo, con buena aplicabilidad respecto al costo, a la inclusión y al beneficio.

endotelio; niño; ultrasonografía; obesidad


OBJECTIVE: Literature review on the use of the variation measure of the brachial artery diameter by high-resolution ultrasound (flow-mediated dilation) as a predictor of cardiovascular disease risk in children and adolescents. DATA SOURCE: Survey of studies indexed in Medline/Pubmed, which were published between 2002 and 2011 using the following keywords in various combinations:"endothelium," "child", "ultrasonography" and "obesity", as well as classic texts on the subject. We found 54 publications and 32 were included in this review. SYNTHESIS OF DATA: The study of endothelial dysfunction has been used as a predictor of risk for cardiovascular diseases such as atherosclerosis and coronary heart disease, since endothelial injury is an important event in the physiopathology of these diseases. CONCLUSIONS: The flow-mediated dilation of the brachial artery seems to be important as a diagnostic and prognostic tool to assess endothelial function in children and adolescents who are overweight, because it is a noninvasive method with good profile regarding cost, safety, and benefits.

endothelium; child; ultrasonography; obesity


ARTIGO DE REVISÃO

Variação do diâmetro da artéria braquial em crianças obesas: presente e futuro

Variación del diámetro de la arteria braquial en niños obesos: presente y futuro

Karla Cristina M. CostaI; Jailson Costa LimaII; Carlos Alberto N. de AlmeidaIII; Luiz Antônio Del CiampoIV; Cristiane Simões B. de SouzaV

Instituição: Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil

IDoutoranda em Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, Ribeirão Preto, SP, Brasil

IIDoutorando em Ginecologia-Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, Ribeirão Preto, SP, Brasil

IIIDoutor em Saúde da Criança e do Adolescente pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP; Docente da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), Ribeirão Preto, SP, Brasil

IVDoutor em Saúde da Criança e do Adolescente pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP; Docente da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, Ribeirão Preto, SP, Brasil

VDoutoranda em Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, Ribeirão Preto, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Karla Cristina M. Costa Rua Quintino Bocaiuva, 51 - apto. 111 - Centro CEP 14015-160 - Ribeirão Preto/SP E-mail: karlamaltavilanova@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Revisão da literatura acerca do uso da medida da variação do diâmetro da artéria braquial por ultrassonografia de alta resolução (dilatação mediada por fluxo) como preditor de risco para doença cardiovascular em crianças e adolescentes obesos.

FONTES DE DADOS: Levantamento de publicações indexadas no Medline/PubMed de trabalhos publicados entre 2002 e 2011, rastreadas com a combinação dos descritores: "endothelium", "child", "ultrasonography" e "obesity", além de estudos e textos clássicos sobre o tema. Foram encontradas 54 publicações e 32 delas foram incluídas na presente revisão do tema.

SINTESE DOS DADOS: O estudo da disfunção endotelial tem sido empregado como preditor de risco para doenças cardiovasculares, tais como aterosclerose e doença cardíaca coronariana, visto que a lesão endotelial é um importante evento na fisiopatologia de tais doenças.

CONCLUSÕES: A dilatação mediada por fluxo da artéria braquial mostra-se importante como ferramenta diagnóstica e prognóstica na avaliação da função endotelial de crianças e adolescentes com excesso de peso por ser um método não invasivo, com boa aplicabilidade quanto ao custo, à inocuidade e ao benefício.

Palavras-chave: endotélio; criança; ultrassonografia; obesidade.

RESUMEN

OBJETIVO: Revisión de la literatura sobre el uso de la medida de la variación del diámetro de la arteria braquial, por ultrasonografía de alta resolución (dilatación mediada por flujo), como predictor de riesgo para enfermedad cardiovascular en niños y adolescentes obesos.

FUENTES DE DATOS: Inventario de publicaciones indizadas en Medline/Pubmed de trabajos publicados entre 2002 y 2011, buscadas mediante la combinación de los descriptores: «endothelium», «child», «ultrasonography» y «obesity», además de estudios y textos clásicos sobre el tema. Se encontraron 54 publicaciones y 32 de ésas fueron incluidas en la presente revisión del tema.

Síntesis de los datos: El estudio de la disfunción endotelial viene siendo empleado como predictor de riesgo para enfermedades cardiovasculares, tales como aterosclerosis y enfermedad cardíaca coronariana, puesto que la lesión endotelial es un importante evento en la fisiopatología de tales enfermedades.

CONCLUSIONES: La dilatación de la arteria braquial mediada por flujo se muestra importante como herramienta diagnóstica y pronóstica en la evaluación de la función endotelial de niños y adolescentes con exceso de peso, por ser un método no invasivo, con buena aplicabilidad respecto al costo, a la inclusión y al beneficio.

Palabras clave: endotelio; niño; ultrasonografía; obesidad.

Introdução

Atualmente, sabe-se que o excesso de peso é o sexto fator de risco mais importante para o desenvolvimento de doenças(1). O complexo processo patológico por trás da obesidade reflete interações ambientais e genéticas(1,2). Dentre os fatores ambientais, as variáveis sociodemográficas, bem como o estilo de vida potencialmente modificável por meio da alimentação adequada e da realização de atividade física, contribuem para a redução do impacto do excesso de peso em crianças e adolescentes(2,3).

A epidemia de obesidade se faz crescente desde 1980, tanto em países desenvolvidos quanto naqueles em desenvolvimento, mas somente em 1997 a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a considerá-la como um importante problema de Saúde Pública, que deve ser monitorado desde a infância(4,5). Fatores de risco para doenças cardiovasculares (DCV), como hipertensão, dislipidemia, intolerância à glicose e anormalidades vasculares, estão presentes em crianças com sobrepeso. O peso excessivo na infância pode aumentar as chances de tais crianças desenvolverem doença coronariana na vida adulta, como resultado do efeito precoce desses fatores de risco(6). O endotélio lesado desempenha um importante papel no desenvolvimento de diversas DCV(7), tais como aterosclerose e doença cardíaca coronariana(7,8), sendo utilizado como preditor de risco para tais eventos(9,10).

O endotélio realiza sua função por ação de diversas moléculas em resposta a uma variedade de estímulos físicos e químicos, dentre eles: hipóxia, acetilcolina, bradicinina, serotonina e aumento do fluxo sanguíneo. A produção e a liberação pelas células endoteliais do óxido nítrico (NO) têm sido implicadas como principais mecanismos mediadores da vasodilatação, fato demonstrado por meio de experimentos in vitro e in vivo(11,12). Dessa forma, a má regulação da síntese e liberação do NO participa como um dos principais fatores da disfunção endotelial. Acredita-se que a disfunção endotelial possa estar envolvida na fisiopatologia das DCV e das doenças metabólicas em crianças(13-15) e adolescentes(16-18) com obesidade grave.

Vários métodos são pesquisados para avaliar a função endotelial, sendo a medida ultrassonográfica de alta resolução da variação do diâmetro da arterial braquial (dilatação mediada por fluxo - DMF) um método não invasivo, amplamente utilizado nas pesquisas e correlacionado à prática clínica nas últimas duas décadas(19). Em virtude da importância do estudo de marcadores intermediários para a análise da função endotelial, principalmente em grupos de risco, as pesquisas de técnicas não invasivas ultrassonográficas, assim como a DMF da artéria braquial, têm sido foco de atenção na atualidade, com o intuito de correlacionar a função vascular com as DCV e o aumento da morbimortalidade da população afetada.

O objetivo deste estudo foi realizar uma revisão bibliográfica atualizada sobre a utilização da DMF para avaliação de crianças obesas, enfatizando-se a importância do método na prática pediátrica e da Nutrologia. Este trabalho foi baseado em levantamento bibliográfico no Medline/PubMed de estudos publicados entre 2002 e 2011, utilizando-se como palavras-chave "obesity and ultrasonography and child and endothelium", além de estudos e textos clássicos que abordam o tema. Dos 54 artigos, foram incluídas 32 publicações que se relacionavam adequadamente ao tema proposto.

Estudo da função endotelial

A aterosclerose é uma doença sistêmica arterial, na qual o endotélio danificado promove a entrada de células inflamatórias circulantes, iniciando-se um processo de deposição de lipídeos e fibrose local(20). Este é um processo difuso da parede arterial e apresenta história natural que evolui a partir de um estágio assintomático, o qual pode começar na infância ou na idade adulta, eventualmente causando estenose luminal ou oclusão arterial súbita de lesões instáveis e que causam eventos clínicos(21).

A disfunção endotelial é o principal evento no desenvolvimento da aterosclerose, sendo demonstrável muito antes do aparecimento da doença aterosclerótica estrutural(19,21,22). O endotélio, anteriormente reconhecido apenas como uma barreira física da parede vascular, possui inúmeras propriedades autócrinas, parácrinas e endócrinas e, por participar da homeostasia vascular, influencia o tônus vascular, o crescimento celular, a fibrinólise, a trombólise e as respostas inflamatória e imune(23,24).

Em condições fisiológicas, o endotélio age como potente vasodilatador e inibidor da adesão de leucócitos, atuando no crescimento das células musculares lisas e na agregação plaquetária. Diversas moléculas biologicamente ativas participam desses mecanismos fisiológicos, tais como o NO produzido por enzimas denominadas óxido nitrases, ativadas por aumento do fluxo sanguíneo (shear stress), hipóxia, acetilcolina e bradicinina(23,25).

Fatores de risco cardiovascular, como aterosclerose, hipertensão arterial, diabetes melito e tabagismo, parecem estar associados à perda da integridade funcional do endotélio(19,26). A disfunção endotelial seria caracterizada pela produção diminuída de NO e aumentada de fatores contráteis, tais como a endotelina. Portanto, há aumento das respostas vasoconstritoras, da proliferação e da migração das células do músculo liso vascular, aumento na expressão de moléculas de adesão e de plaquetas(27). A má regulação da síntese e da liberação do NO participa como o principal fator da disfunção endotelial. Acredita-se que a disfunção endotelial possa estar envolvida na fisiopatologia de doenças vasculares e metabólicas nos distúrbios hipertensivos, metabólicos e obesidade(5,13,17,28), inclusive em crianças(13-15) e adolescentes(16-18) com obesidade.

Inúmeros métodos invasivos, tais como angiografia, ultrassonografia intravascular e infusão intra-arterial de agonistas endoteliais seletivos e não invasivos, incluindo a variação do diâmetro da artéria braquial (DMF) e a pletismografia, foram pesquisados para avaliação da função endotelial. Do ponto de vista prático, as técnicas não invasivas são mais interessantes devido ao menor custo, à inocuidade e ao benefício potencial. Dentre estas, destaca-se a medida da DMF da artéria braquial por meio da ecografia de alta frequência, método descrito em 1989 por Anderson e Merck, com aplicação em pesquisas desde 1992(19).

Obesidade infantil e risco cardiovascular

Nas décadas passadas, a obesidade infantil passou a ser considerada um problema de Saúde Pública em países desenvolvidos e em desenvolvimento, apresentando consequências semelhantes às encontradas em adultos, tais como hipertensão, dislipidemia, inflamação crônica, hiperinsulinemia e disfunção endotelial. Em adolescentes e adultos jovens que foram a óbito por causas traumáticas, observou-se a presença dos fatores de risco para DCV correlacionados à doença aterosclerótica assintomática, sendo constatadas lesões mais avançadas em indivíduos obesos(29).

O perfil antropométrico-nutricional da população brasileira mudou nas três últimas décadas, notando-se uma ascensão do sobrepeso e da obesidade, fenômeno conhecido como transição epidemiológica(4). O comportamento nutricional na infância influencia diretamente os hábitos alimentares na fase adulta e, portanto, crianças obesas têm maior chance de se tornarem adultos obesos(30). Sabe-se que crianças e adolescentes com excesso de peso mostram risco aumentado de desenvolver eventos adversos à sua saúde em curto e longo prazos, incluindo o risco de aparecimento precoce de DCV e anormalidades metabólicas relacionadas, como hipertensão arterial, hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia, síndrome de resistência à insulina e anormalidades vasculares, como o aumento da espessura da carótida(5-6,14,30,31), além dos custos nos cuidados de saúde que aumentaram para a sociedade(31).

Sugere-se que a exposição pré-natal ou no início da vida leve ao risco aumentado de excesso de peso em fases posteriores. Neste contexto, o excesso de peso, particularmente a gordura abdominal, é um reconhecido fator de risco para a DCV, diabetes melito de início na vida adulta, acidente vascular cerebral e mortalidade(32).

Conforme a transição nutricional avança, a obesidade atinge os indivíduos cada vez em idade mais jovem, com suas consequências aparecendo mais cedo. Sendo assim, é importante avaliar populações de risco com métodos preferencialmente pouco invasivos, para que medidas preventivas e políticas de Saúde Pública possam ser implantadas o mais precocemente possível.

Aspectos técnicos da dilatação mediada por fluxo

A técnica, originalmente descrita por Anderson e Merck (1989), com aplicação na pesquisa clínica a partir de 1992(19), vem sendo empregada amplamente para avaliar a função endotelial(21,26,33-35). Dessa forma, a padronização da técnica tornou-se necessária para uniformizar e comparar os resultados obtidos entre os diversos centros de pesquisa(34).

Inúmeros fatores afetam a DMF devido à reatividade vascular, como temperatura ambiente, alimentos, fármacos, ciclo menstrual, estímulos simpáticos, estresse físico e emocional, dentre outros. Todos esses fatores precisam ser excluídos antes da realização do exame, que deve ser completado entre sete e nove horas do período matinal(34-35).

Para aplicação da técnica adequada, o operador precisa possuir conhecimento de ultrassonografia bidimensional e de Doppler, assim como possuir aparelho ecográfico de alta resolução e eletrocardiograma (ECG) acoplado. Necessita-se obedecer a uma curva de aprendizado significativa, na qual o observador realize pelo menos 100 exames supervisionados(34). Tal fato é importante, pois a reprodutibilidade intra e interobservador pode ficar comprometida, dependendo da experiência do observador, devido a pequenas variações nos diâmetros vasculares da artéria braquial antes e após a compressão do antebraço(33).

Em uma metanálise realizada por Bots et al, em 2005, incluindo publicações referentes à DMF de 1991 a 2002, com 219 estudos e 16.680 sujeitos, avaliaram-se informações como o tipo de equipamento, o local de compressão e a medida da artéria braquial, a duração da oclusão, o tempo de avaliação pós-oclusão e a pressão exercida na compressão com esfigmomanômetro. Observou-se grande variação nos valores da DMF (-1,9 a 19,2%) entre os trabalhos devido às diferentes técnicas usadas e aos grupos de estudos bem distintos(36).

Dentre as técnicas utilizadas, o local de medida (braço ou antebraço) não interferiu de modo significativo na DMF(36). Prefere-se, na maioria dos trabalhos atuais, a mensuração da artéria braquial na face medial do braço, longitudinalmente, acima da fossa antecubital(37-42). Com o tempo de oclusão de aproximadamente cinco minutos, observou-se variação significativa no diâmetro vascular(36). O tempo para a medida vascular pós-oclusão mostrou um aumento mais significativo da artéria em 60 segundos, utilizado como referência para a maioria dos estudos(42). Observou-se, por meio de um transdutor linear de alta resolução, a artéria braquial longitudinalmente, e realizou-se a medida antes e após o estímulo compressivo, conforme Figura 1.


Dilatação mediada por fluxo da artéria braquial, crianças e obesidade

Embora as complicações clínicas da aterosclerose possam surgir na vida adulta ou até na velhice, a doença aterosclerótica é um processo ao longo da vida, com raízes na infância. As melhorias nas modalidades de imagem não invasivas, principalmente na ultrassonografia, tornaram possível avaliar a saúde endotelial de crianças assintomáticas, com ou sem fatores de risco cardiovascular(43).

A complacência arterial e sua relação com risco de desenvolvimento ou progressão das DCV, principalmente em crianças e adolescentes, têm sido estudadas por meio de métodos não invasivos, uma vez que a mesma sugere aterosclerose subclínica ao analisar a presença de calcificação e rigidez arterial, função endotelial e espessura da camada íntima-média da carótida. Já as técnicas invasivas, tais como a angiografia coronária, aplicada para o diagnóstico de estenose da artéria coronária, não avaliam a reatividade funcional das artérias(44-45).

Inúmeros métodos para analisar a função endotelial têm sido estudados na população pediátrica a fim de definir o prognóstico e o risco cardiovascular, sendo os principais a DMF e a espessura íntima-média da carótida. Publicações científicas demonstraram a correlação de doenças pediátricas com anormalidades na função endotelial, por meio do estudo da DMF(5,43,46-48).

Woo et al estudaram 82 crianças obesas com idades entre nove e 12 anos para verificar a reversibilidade do dano arterial precoce, antes e após a atribuição aleatória de um programa de intervenção de dieta isolada ou associada a exercícios físicos estruturados por seis semanas e, posteriormente, por um ano, para definir estratégias potencialmente eficazes a fim de melhorar a obesidade relacionada às anormalidades vasculares. A função endotelial foi avaliada pela DMF e pela espessura íntima-média da artéria carótida, além de outros parâmetros antropométricos e laboratoriais. Concluiu-se que a obesidade relacionada à disfunção vascular em crianças saudáveis é parcialmente reversível com a dieta isolada ou com dieta associada a treinamento físico por seis semanas, com melhora sustentada por um ano na manutenção da dieta associada a exercício físico regular(48).

A obesidade infantil parece contribuir para o desenvolvimento e para a progressão da aterosclerose precoce, principalmente quando associada à hipertensão e à dislipidemia, segundo o estudo de Zhu et al(5), realizado com crianças obesas e não obesas em idade escolar, no qual foram avaliados a espessura íntima-média da artéria carótida, a DMF e os marcadores bioquímicos de dislipidemia. A espessura da carótida foi significantemente maior (0,62 versus 0,46mm, p<0,001) e a DMF foi reduzida (10,9 versus 18,8%) no grupo com obesidade, demonstrando correlação com disfunção endotelial(5).

Várias situações na Pediatria, como doenças renais, cirurgias cardíacas na infância, doença de Kawasaki, dislipidemia e homocistinúria, apresentaram correlação com a diminuição da DMF da artéria braquial(47). Valores de DMF inferiores da 10 a 12% relacionam-se com comprometimento da função endotelial em grupos pediátricos(5).

Adolescentes com história familiar de DCV e hipercolesterolemia familiar possuem DMF menores, comparados à população de hígidos(49). Correlação negativa foi demonstrada entre DMF e níveis de low density lipoprotein (LDL) de colesterol(50). Redução da DMF também foi encontrada em crianças pré-púberes portadoras de pressão arterial elevada e em crianças obesas com resistência insulínica(51). Crianças obesas assintomáticas do ponto de vista cardiovascular, com índice de massa corpórea (IMC) elevado, níveis glicêmicos, colesterol e de insulina anormais possuem DMF reduzida, quando comparadas às crianças saudáveis(52). Por outro lado, mudanças de hábito de vida, como exercícios físicos de rotina e dieta, correlacionaram-se com aumento da DMF em crianças e adolescentes hígidos ou com sobrepeso(53). Desse modo, as principais indicações para estudo da função endotelial por meio da DMF da artéria braquial a partir da idade escolar estão sumarizadas na Tabela 1.

A identificação precoce dos fatores de risco cardiovasculares associados ao excesso de peso em crianças e adolescentes é importante para o desenvolvimento de medidas educativas e programas de prevenção direcionados a esses fatores, a fim de reduzir o excesso de peso na infância e proporcionar mais saúde e qualidade de vida à população.

Considerações finais

A DMF da artéria braquial é um método propedêutico importante na avaliação da função endotelial em indivíduos com risco cardiovascular devido à necessidade dos pesquisadores e clínicos contarem com um marcador intermediário, para que se possa intervir na história natural das DCV, com o intuito de reduzir a morbimortalidade de crianças, adolescentes e adultos. Esse método possui determinadas limitações técnicas na sua execução, por necessitar de ecógrafo de alta resolução, aparatos mecânicos, ECG acoplado e treinamento adequado do operador, mas pode se tornar uma ferramenta essencial no embasamento clínico para intervenção no estilo de vida do indivíduo e na promoção de saúde.

Recebido em: 27/7/2011

Aprovado em: 22/11/2011

Conflito de interesses: nada a declarar

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  • Endereço para correspondência:
    Karla Cristina M. Costa
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Out 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2012

    Histórico

    • Recebido
      27 Jul 2011
    • Aceito
      22 Nov 2011
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