Acessibilidade / Reportar erro

Programa Pincel Mágico: avaliação das condições de saúde de escolares dos primeiro e segundo anos do ensino fundamental

Programa Pincel Mágico: evaluación de las condiciones de salud de escolares de primero y segundo años de la primaria

Resumos

OBJETIVO: Identificar sinais, tendências patológicas ou doenças instaladas na população de alunos dos dois primeiros anos do ensino fundamental para promoção de saúde no ambiente escolar. MÉTODOS: Estudo transversal com 1.332 escolares matriculados no primeiro e segundo ano de 13 unidades escolares da região Sul de São José dos Campos. Para diagnóstico da situação de saúde dos escolares foram realizados os seguintes exames: triagem visual, avaliação do estado nutricional, dosagem de hemoglobina no sangue e protoparasitológico de fezes, avaliação de carteiras de vacina, avaliação auditiva, aferição de pressão arterial e realização de consulta pediátrica. RESULTADOS: Verificou-se baixa prevalência de anemia (8,4%), de parasitoses (2,5%), mas elevada prevalência do excesso de peso corporal (21,7%). Observou-se 94,7% dos escolares com vacinação atualizada. CONCLUSÕES: Iniciativas como o Programa Pincel Mágico identificam precocemente alterações nas crianças, permitem aproximação dos setores saúde e educação e colaboram para a construção de um novo olhar preventivo à saúde do alunado.

saúde escolar; anemia; estado nutricional; audição; saúde ocular; pressão arterial


OBJETIVO: Identificar señales, tendencias patológicas o enfermedades instaladas en la población de alumnos de los dos primeros años de la primaria de São José dos Campos (SJC), para la promoción de salud en el ambiente escolar. MÉTODOS: Estudio transversal con 1332 escolares matriculados en los primeros y segundos años de 13 Unidades Escolares de la Región Sur de SJC. Para diagnóstico de la situación de salud de los escolares, se realizaron los exámenes a continuación: evaluación visual, evaluación del estado nutricional, dosificación de hemoglobina en la sangre y protoparasitológico de heces, evaluación de las libretas de vacunación, evaluación auditiva, verificación de presión arterial y realización de consulta pediátrica. RESULTADOS: Se verificó baja prevalencia de anemia (8,4% del grupo), así como de parasitosis (2,5%) y elevada prevalencia de exceso de peso corporal (21,7%). Se observó que el 94,7% de los escolares están con la vacunación actualizada. CONCLUSIÓN: Iniciativas, como el Programa Pincel Mágico, identifican tempranamente alteraciones en los niños, permiten el acercamiento de los sectores salud y educación y colaboran en la construcción de una nueva mirada preventiva para la salud de los alumnos.

salud escolar; anemia; estado nutricional; audición; salud ocular; presión arterial


OBJECTIVE: To identify signs, pathological tendencies or established diseases in first and second grade students in order to promote better health practices in the school environment. METHODS: A cross-sectional study was carried out with 1,332 school children enrolled in the first and second grades of 13 schools in the Southern region of São José dos Campos (Southeast Brazil). In order to establish the students' health status, the following evaluations were conducted: visual screening, nutritional assessment, blood hemoglobin count, stool examination for parasites, assessment of the children's immunization records, hearing assessment, blood pressure test, and a pediatric appointment. RESULTS: Low prevalence of anemia (8.4% of the group) and parasites in the stools (2.5%) were observed. Conversely, high prevalence of excessive body weight (21.7%) was found. Among the studied children, 94.7% had their vaccinations up to date. CONCLUSIONS: Initiatives, such as the Programa Pincel Mágico, not only identified early health-related changes in schoolchildren, but also encouraged the cooperation between the healthcare and the educational sectors, helping to build a new preventive outlook of students' health.

school health; anemia; nutritional status; hearing; eye health; blood pressure


ARTIGO ORIGINAL

Programa Pincel Mágico: avaliação das condições de saúde de escolares dos primeiro e segundo anos do ensino fundamental

Vera Lúcia G. S. MartinsI; Luís Paulo R. MelioneII; Elizabeth Maria Bismarck-NasrIII; Maria das Graças OliveiraIV

Instituição: Prefeitura Municipal de São José dos Campos, Secretaria Municipal de Saúde e Secretaria Municipal de Educação, São José dos Campos, SP, Brasil

IMédica Pediatra; Coordenadora do Programa Saúde da Criança do Departamento de Políticas de Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de São José dos Campos, São José dos Campos, SP, Brasil

IIMestre em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP); Coordenador do Setor de Informação em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de São José dos Campos, São José dos Campos, SP, Brasil

IIIDoutoranda em Nutrição e Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP; Coordenadora do Programa Municipal de Nutrição, Departamento de Políticas de Saúde, Secretaria Municipal de Saúde de São José dos Campos, São José dos Campos, SP, Brasil

IVMestre em Semiótica, Tecnologias de Informação e Educação pela Universidade Braz Cubas; Coordenadora do Setor de Orientação Educacional, Secretaria Municipal de Educação de São José dos Campos, São José dos Campos, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Vera Lúcia G. S. Martins Rua Óbidos, 140 - Parque Industrial CEP 12235-651 - São José dos Campos/SP E-mail: vera.sgarbi@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Identificar sinais, tendências patológicas ou doenças instaladas na população de alunos dos dois primeiros anos do ensino fundamental para promoção de saúde no ambiente escolar.

MÉTODOS: Estudo transversal com 1.332 escolares matriculados no primeiro e segundo ano de 13 unidades escolares da região Sul de São José dos Campos. Para diagnóstico da situação de saúde dos escolares foram realizados os seguintes exames: triagem visual, avaliação do estado nutricional, dosagem de hemoglobina no sangue e protoparasitológico de fezes, avaliação de carteiras de vacina, avaliação auditiva, aferição de pressão arterial e realização de consulta pediátrica.

RESULTADOS: Verificou-se baixa prevalência de anemia (8,4%), de parasitoses (2,5%), mas elevada prevalência do excesso de peso corporal (21,7%). Observou-se 94,7% dos escolares com vacinação atualizada.

CONCLUSÕES: Iniciativas como o Programa Pincel Mágico identificam precocemente alterações nas crianças, permitem aproximação dos setores saúde e educação e colaboram para a construção de um novo olhar preventivo à saúde do alunado.

Palavras-chave: saúde escolar; anemia; estado nutricional; audição; saúde ocular; pressão arterial.

Introdução

A avaliação das condições de saúde dos escolares é uma ferramenta de saúde pública importante, uma vez que permite a identificação precoce de sinais, tendências patológicas ou doenças instaladas na população de alunos, direcionando a intervenção adequada e minimizando danos à saúde e ao aproveitamento escolar, no presente ou em seu desenvolvimento futuro(1).

A iniciativa das Escolas Promotoras de Saúde é articulada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 1992, sendo lançada pela Organização Pan-Americana da Saúde na América Latina e no Caribe em 1995, com o objetivo de fortalecer a parceria entre os setores de saúde e educação nas práticas de saúde escolar(2). Neste sentido, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), por meio do Documento Científico do Departamento de Saúde Escolar (Diretrizes Básicas em Saúde do Escolar), bem como o Programa Saúde na Escola (PSE), decreto Lei nº 6286 de 5 de dezembro de 2007, pelo Presidente da República(3), sugerem estratégias para avaliação das condições de saúde de tal público.

Como o PSE contempla municípios de baixo índice de desenvolvimento de ensino básico (IDEB), o município de São de São José dos Campos, no estado de São Paulo, desenvolveu um programa intersecretarias de Saúde e Educação denominado Pincel Mágico, visando identificar de maneira interdisciplinar agravos à saúde, abordando atividades na área assistencial, de educação e de vigilância em saúde. O Programa Pincel Mágico apoia-se na mentalidade preventivista, com a intenção de que o ensino esteja focalizado na saúde, e não na doença, permitindo que os alunos adquiram valores que gerem comportamentos e promovam a saúde, evitando a doença e lutando contra esta. A implantação do presente programa justifica-se diante da observação de que as ações nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), bem como a visão da própria comunidade, priorizam a atenção às crianças em idade pré-escolar, com ênfase nos menores de dois anos(4).

Deste modo, buscou-se identificar a ocorrência dos problemas de saúde mais comuns em crianças ingressantes no primeiro ano do ensino fundamental, faixa etária na qual se verifica pequena cobertura de assistência na rede de atenção básica, somando-se ao fato de que nesta oportunidade inicia-se a alfabetização, permitindo, com a identificação precoce de agravos à saúde, melhor rendimento no aprendizado e redução nos níveis de absenteísmo e evasão escolar. Assim, elencaram-se as seguintes investigações que se relacionam diretamente ao rendimento escolar: verificação de carteira de vacina para avaliação de imunização, triagem visual, avaliação do estado nutricional, triagem auditiva, exames laboratoriais para identificação de anemia e parasitoses intestinais e aferição de pressão arterial, encerrando-se o levantamento com consulta pediátrica na UBS.

O presente artigo apresenta os resultados do projeto piloto do Programa Pincel Mágico, do município de São José dos Campos, espelhado nas orientações sugeridas pela SBP e pelo PSE(3), buscando-se identificar a ocorrência dos problemas de saúde mais comuns em crianças ingressantes nos primeiro e segundo anos do ensino fundamental.

Método

Realizou-se um estudo transversal com escolares matriculados nos primeiros e segundos anos de 13 unidades escolares municipais da região Sul do município de São José dos Campos, o qual localiza-se no interior do estado de São Paulo, na região do Vale do Paraíba, distanciando-se 91km da capital do Estado. Em 2000, classificou-se na 11ª posição entre os municípios do estado, segundo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)(5). De acordo com estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2007 havia 594.948 habitantes, representando, em termos populacionais e de índice de desenvolvimento, o município mais importante da região do Vale do Paraíba.

Em 2008, a Secretaria Municipal de Educação dispunha de 39 unidades escolares, sendo que 4.888 crianças encontravam-se matriculadas nas primeiras e segundas séries. O projeto piloto do Programa Pincel Mágico avaliou 1.332 crianças. A escolha pela região Sul deveu-se ao fato de ser a mais populosa nesta faixa etária, uma vez que representa 41% do total de alunos matriculados nas primeiras e segundas séries das escolas municipais.

As variáveis analisadas foram: carteira de vacina, triagem visual, exames laboratoriais, triagem auditiva, avaliação da pressão arterial (PA) e consulta pediátrica.

A análise das carteiras de vacina é uma conduta realizada em parceria intersecretarias de saúde e educação. Conforme procedimento em anos anteriores, as carteiras foram encaminhadas à UBS mais próxima da escola para avaliação, de acordo com o Calendário Vacinal da Secretaria de Estado da Saúde vigente em 2008. As crianças identificadas com atraso vacinal foram convocadas para atualização.

Para a triagem visual, realizou-se a capacitação aos orientadores educacionais segundo metodologia proposta pela Secretaria de Estado da Saúde, por meio da aplicação da tabela de Snellen, de acordo com a padronização do protocolo de oftalmologia do Centro de Oftalmologia Sanitária da Secretaria de Estado da Saúde, de São Paulo(6). Para encaminhamento ao oftalmologista, foram considerados os seguintes critérios(6): ter visão igual ou inferior a 0,7 em um ou ambos os olhos, com ou sem sinais e sintomas; apresentar diferença de visão entre os dois olhos de duas linhas ou mais em relação à tabela de Snellen (por exemplo, OD=0,8 e OE=1,0); ser estrábico; apresentar visão normal (maior ou igual a 0,8), com presença de sinais e/ou sintomas oftalmológicos (lacrimejamento, inclinação da cabeça, piscar contínuo dos olhos, estrabismo e cefaleia, entre outros).

As medidas de peso, altura e cálculo de índice de massa corpórea (IMC) foram feitas por professores de Educação Física capacitados pela Secretaria Municipal de Saúde, conforme metodologia proposta por Gordon et al(7). Utilizou-se balança antropométrica calibrada e as crianças foram avaliadas vestindo roupas leves e sem sapatos. Para classificação do IMC [IMC=Peso (kg)/Estatura2 (m)], considerou-se a população de referência da OMS(8), segundo o sexo e a idade, conforme os seguintes pontos de corte: sobrepeso, IMC compreendido entre os percentis 85 e 97; obesidade, quando acima do percentil 97; e desnutrição, abaixo do percentil 3.

Os exames laboratoriais foram colhidos nas unidades escolares por um funcionário do laboratório central da Secretaria Municipal de Saúde. A comunidade escolar recebeu orientações referentes aos procedimentos para coleta dos exames, que foram repassadas aos familiares que permaneceram junto aos escolares durante a coleta, conforme especificado a seguir:

• Protoparasitológico - as fezes foram coletadas em única amostra, em frasco próprio fornecido pelo laboratório, entregues à escola pelas famílias, devidamente etiquetadas. Os métodos utilizados foram: Faust, Ritchie, Baermann e Hoffmann.

• Hemoglobina - a equipe do laboratório central da Prefeitura Municipal de São José dos Campos deslocou-se à escola para realização da coleta de sangue venoso. Para análise do material, utilizou-se o método de automação CELL-DYM RUBY. Considerou-se como ponto de corte para anemia os valores recomendados pela OMS(9), ou seja, hemoglobina <11,5mg/dL para a faixa etária em questão.

Quanto à triagem auditiva, o levantamento preliminar foi realizado por meio de um questionário (disponível com autores) desenvolvido pelas fonoaudiólogas das Unidades de Reabilitação da Secretaria Municipal de Saúde, preenchido pelos pais com o auxílio dos professores durante reunião. A avaliação deste instrumento foi realizada pela equipe de Fonoaudiologia. Alunos cujas respostas eram sugestivas de problemas auditivos foram encaminhados à audiometria. Pacientes com audiometria alterada foram encaminhados ao otorrinolaringologista, providenciando tratamento e/ou protetização conforme indicação clínica.

A aferição da PA foi realizada antes da consulta pediátrica na UBS por um auxiliar de enfermagem previamente capacitado, segundo os seguintes critérios da SBP(10): definiu-se o valor normal da PA com base em percentis. O valor de PA sistólica e diastólica foi considerado normal quando inferior ao valor do percentil 90 para idade, sexo e percentil de estatura. A pré-hipertensão foi definida a partir de valores de PA iguais ou superiores ao percentil 90 e inferiores ao 95. A hipertensão arterial pediátrica foi considerada se os valores de PA fossem iguais ou superiores ao percentil 95 para idade, sexo e percentil de estatura, confirmados em três ocasiões subsequentes.

Conforme estabelecido pela SBP(10), para aferição da PA realizou-se a medida preferencialmente no braço direito, com a criança sentada após repouso de três a cinco minutos. O manguito tinha largura de 40% da circunferência máxima do braço (CMB) e comprimento entre 80 e 100%, medida no ponto médio entre o acrômio e o olécrano. Na prática diária, escolheu-se o maior manguito, que não comprimia a axila e deixava livre a fossa antecubital (pelo menos 2cm acima da prega do cotovelo) e com comprimento suficiente de forma a circundar mais completamente o braço, com o mínimo de superposição.

As crianças tiveram consulta pediátrica previamente agendada na UBS de referência domiciliar, seguindo a ficha de atendimento do Programa Pincel Mágico. Participaram do programa 11 UBS da região Sul, que possuíam escolas municipais em sua área de abrangência. As crianças com qualquer suspeita diagnóstica foram acompanhadas pelo pediatra, fizeram os exames complementares necessários e foram encaminhadas aos especialistas conforme indicação.

Para descrição das variáveis utilizou-se a média como medida de tendência central, e o desvio padrão como informação de dispersão. Realizou-se análise univariada com o intuito de investigar associações entre as variáveis categóricas em estudo (teste do qui-quadrado). Os cálculos foram realizados com auxílio do programa Epi-Info 2000, considerando-se nível de significância de 5% para os testes estatísticos.

O presente projeto foi pactuado entre as Secretarias de Saúde e Educação em 30 de junho de 2008, e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Taubaté, segundo as normas da resolução 196 de 10/10/1996 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta as pesquisas envolvendo seres humanos.

Por se tratar de população vulnerável e com autonomia reduzida, foi solicitado previamente o consentimento livre e esclarecido dos pais e/ou responsáveis legais, conforme termo de consentimento, carta de autorização aos diretores das escolas e termo de consentimento para os professores envolvidos.

Resultados

Os alunos apresentaram em média 7,63±0,53 anos, sem diferença entre os valores médios de idade segundo sexo (p=0,62), sendo que, nos meninos, observou-se média de 7,63±0,47 anos e, nas meninas, 7,64±0,59.

Na Tabela 1 encontra-se a distribuição dos escolares segundo as ações realizadas pelo Programa Pincel Mágico. Pode-se verificar que o universo de alunos variou conforme a adesão às diferentes ações.

Tendo em vista a faixa etária do grupo avaliado, pode-se considerar a cobertura vacinal como boa, uma vez que apenas 5,3% dos alunos apresentaram atraso na imunização, sendo que uma grande proporção era relativa ao reforço dos cinco anos.

Na triagem visual, foi encontrada alteração em 24,1% dos alunos encaminhados para consulta oftalmológica. Com relação à triagem auditiva, verificou-se sugestão de alteração em 49% dos escolares, os quais foram submetidos à audiometria, resultando em alteração auditiva em 6,4%, distribuídos em: 0,6% de casos graves, 1,9% de moderados/graves, 3,2% de leves/moderados e 0,07% de casos leves.

Encontrou-se diagnóstico de parasitose intestinal em 2,5% e de anemia em 8,4% dos alunos, sendo observada maior proporção de crianças anêmicas entre aquelas com baixo peso e sobrepeso (Tabela 2), no entanto, sem significância estatística.

A hipertensão arterial foi observada em pequena proporção de crianças (1,9% do grupo, n=15). Com relação à distribuição da hipertensão segundo o estado nutricional, encontrou-se sobrepeso em duas crianças, obesidade em seis e peso adequado em sete, não sendo verificada em crianças com diagnóstico de baixo peso. Observou-se diferença significante (p<0,001) entre as crianças com hipertensão, classificadas de acordo com a adequação do peso (Tabela 3).

Discussão

Em São José dos Campos, notou-se ser o excesso de peso corporal o maior problema de saúde entre os escolares, sendo identificado em 21,7% das crianças: 11,4% de sobrepeso e 10,3% de obesidade. As prevalências de anemia e de parasitoses mostraram-se satisfatórias e as demais investigações encontraram-se dentro dos valores esperados pela literatura.

Os achados do presente estudo, no qual 24,1% das crianças encontraram-se abaixo do ponto de corte estabelecido para encaminhamento ao oftalmologista, assemelham-se àqueles obtidos por José e Temporini(11), que identificaram alteração na triagem visual em cerca de 25% dos alunos, sendo que, na validação do teste aplicado pelos professores previamente treinados, quando comparado à avaliação do especialista, os autores notaram que os professores atuaram corretamente em 87,1% dos casos, justificando a importância deste procedimento no ambiente escolar.

Avaliação do Programa de Saúde do Escolar do Município de Embu, região metropolitana de São Paulo, indicou que 21% dos pré-escolares triados por professores previamente treinados foram encaminhados para consulta com oftalmologista, sendo que 34% destes faltaram à consulta. Dos alunos examinados pelo oftalmologista, 31% receberam prescrição óptica e 15% também receberam encaminhamento para atendimento ortóptico, resultando em prescrição de óculos para 1.389 crianças, 6% do universo estudado(12).

A identificação precoce de problemas visuais mostra-se como ferramenta decisiva para correção e minimização dos problemas graves de saúde e rendimento escolar futuros, como, por exemplo, ambliopia e estrabismo, que podem ser causas de agravos permanentes e irreversíveis. Sabe-se que a ambliopia é considerada um dos principais fatores de risco para cegueira no mundo e que a intervenção, quando feita em grupos etários mais avançados, resulta em desfechos menos satisfatórios(13).

Estudo realizado em 12,6% das escolas de ensino fundamental de Ribeirão Preto, no estado de São Paulo, identificou alteração visual em 9% das crianças do primeiro ano, utilizando como metodologia a dificuldade na leitura da tabela de Snellen e distúrbio auditivo em 2% dos alunos, avaliado por meio de audiômetro portátil simplificado(14). As autoras verificaram que os distúrbios de audição ou visão diagnosticados não eram de conhecimento dos familiares dos alunos, independentemente do nível de escolaridade dos pais, justificando a importância de triagens no ambiente escolar.

A OMS afirma que 10% da população mundial apresenta problemas auditivos e que a surdez pode surgir em qualquer faixa etária, sendo muitas vezes irreversível. Na idade escolar, pode trazer consequências para o aprendizado e para o desenvolvimento integral. Deste modo, em 1999 a Portaria Interministerial MEC/MS 1487 da Campanha "Quem ouve bem, aprende melhor" foi publicada, com o objetivo de identificar precocemente alunos com problemas de audição(15). No presente estudo, houve sugestão de alteração na triagem auditiva em 49% (n=653) dos escolares, que tiveram encaminhamento para audiometria. No entanto, apenas 20% destes procuraram o serviço, fato que traz o questionamento quanto às responsabilidades do cuidado da saúde da criança, perpassando pela responsabilidade do estado (setor da saúde) tanto com relação à vigilância quanto à promoção da saúde, fazendo refletir sobre a adesão da família com relação às necessidades de seus filhos. Portanto, foi reavaliada a estratégia adotada e optou-se por realizar o exame nas próprias escolas com o intuito de minimizar as perdas. Após este procedimento, alcançou-se cobertura de 77% (n=501). Dos pacientes que fizeram a audiometria, encontrou-se alteração em 17% (n=85), resultando em prevalência de alteração auditiva na amostra (n=1.332) de 6,4% (n=85), distribuídos em: 0,6% de casos graves; 1,9%, moderados/graves; 3,2%, leves/moderados; e 0,07%, leves.

Identificou-se excesso de peso corporal em 21,7% das crianças: 11,4% de sobrepeso e 10,3% de obesidade, em consistência com a atual epidemia mundial de obesidade. No Brasil, o último inquérito antropométrico de base populacional apontou sobrepeso em 33,5% e obesidade em 14,3% das crianças de cinco a nove anos(16). Devido ao aumento na prevalência do excesso de peso infantil, as crianças da atualidade poderão não alcançar a mesma expectativa de vida de seus pais, o que vem sendo obtido nas últimas décadas graças aos avanços tecnológicos da Medicina(17), fato que resultaria em retrocesso na trajetória humana. Os achados de Franks et al(18) ilustram bem a afirmação descrita. Na coorte de 4.857 índios norte-americanos não diabéticos, iniciada aos 11,3 anos de idade, encontrou-se que, após os 55 anos, aqueles pertencentes ao maior quartil de IMC durante a infância apresentaram taxa de mortalidade por causas endógenas 2,3 vezes maior quando comparados aos de menor quartil de IMC, acarretando na maior incidência de morte prematura entre os indivíduos com excesso de peso na infância.

Embora a proporção de crianças identificadas com anemia (8,4%) e parasitoses (2,5%) seja pequena, tal diagnóstico é imprescindível para os afetados, sobretudo nesta faixa etária, em que a frequência às UBS é menor e as crianças encontram-se menos predispostas às intervenções profiláticas, como suplementação de ferro e tratamento de verminose. Desse modo, o diagnóstico tardio levaria a consequências mais graves.

A importância e a magnitude da anemia ferropriva no Brasil foram ilustradas pelo trabalho realizado no estado da Paraíba, no qual foi identificado aumento na prevalência de anemia em pré-escolares em uma década de avaliação, entre 1982 (19,3% de crianças anêmicas) e 1992 (36,4% de anemia)(19). Um estudo realizado em Jequié, interior do estado da Bahia, onde as doenças infecciosas correspondem à segunda causa de óbito, encontrou infecção parasitária por helmintos em 12,4% dos escolares de 7 a 17 anos, sendo que 36,8% dessas crianças com idades entre sete e nove anos apresentaram anemia(20). Os autores concluíram que a investigação de anemia em escolares deve fazer parte da vigilância em saúde em municípios onde a adesão escolar é satisfatória, uma vez que facilita a logística deste procedimento. Estudo realizado no litoral norte paulista (Ilhabela) identificou anemia em 25,6% dos pré-escolares, sendo que a maior prevalência de anemia foi encontrada nas crianças entre cinco e cinco anos e meio (36% nesta faixa etária); excesso de peso corporal foi observado em 20,4% dos alunos(21). Análise da tendência secular da anemia no município de São Paulo em menores de cinco anos identificou aumento significativo na prevalência de anemia, que aumentou de 35,6%, no inquérito realizado em 1984 e 1985, para 46,9% na pesquisa conduzida em 1995 e 1996. Tal achado manifestou-se em todas as faixas etárias, em ambos os sexos e em todos os estratos econômicos da população(22). Recentemente, a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS)(23) verificou, em nível nacional, prevalência de 20,9% de anemia em menores de cinco anos.

A identificação precoce da PA anormal na infância e sua intervenção são elementos fundamentais na avaliação pediátrica, tendo em vista que sua ocorrência relaciona-se a fatores de risco cardiovasculares e renais, os quais, após diagnóstico e tratamento adequados, permitirão redução na morbidade e mortalidade futuras(24,25). No presente estudo, verificou-se pré-hipertensão em 3,7% e hipertensão em 1,9% das crianças. Revisão de literatura aponta que as prevalências de hipertensão variam entre 1 e 13% conforme metodologia aplicada, sendo as maiores nos estudos em que foi realizada uma única medida(24). Escolares do Mato Grosso(26) de sete a dez anos, matriculados em escolas públicas e privadas da zona urbana de Cuiabá, apresentaram prevalência de hipertensão arterial de 2,3%, sem diferença estatística entre idade, sexo, cor da pele e tipo de escola.

Das crianças agendadas para atendimento pediátrico, 70,9% compareceram à consulta, sendo as patologias de vias aéreas superiores identificadas com maior frequência. Nessas consultas, a criança foi avaliada de forma global pelo pediatra, que não se ateve somente aos dados levantados previamente pelo Programa, mas ao histórico e ao quadro clínico apresentado no momento. As patologias diagnosticadas receberam acompanhamento necessário, justificando a importância de programas como este, uma vez que, nesta faixa etária, a frequência de procura à atenção básica é menos comum.

Vale ressaltar que o presente estudo consiste nos achados clínicos de um projeto piloto de um PSE, conduzido no interior do estado de São Paulo, e que, apesar de representar 40% das crianças matriculadas nos primeiros e segundos anos das escolas públicas municipais, pode não representar as condições de saúde das crianças desta faixa etária no estado de São Paulo, bem como em nível nacional. Deste modo, os autores sugerem cautela na extrapolação dos resultados, sobretudo com relação à comparação com futuras pesquisas, que devem se atentar a aspectos como densidade populacional e nível de desenvolvimento humano do município.

De qualquer forma, os achados do presente estudo apresentam os principais agravos de saúde identificados em crianças ingressantes no serviço escolar, permitindo adequado direcionamento das políticas públicas de saúde voltadas para este público, sobretudo nesta faixa etária, na qual historicamente verifica-se pequena frequência às consultas de rotina na atenção básica e maior procura ao pronto atendimento, em decorrência da visão curativa da sociedade. Logo, iniciativas como o Programa Pincel Mágico, além de identificarem precocemente tendências patológicas ou problemas instalados nas crianças, permitem aproximação dos setores da saúde e da educação e colaboram para a construção de um novo olhar preventivo para a saúde do alunado, tanto para a família quanto para a comunidade escolar.

Agradecimentos

Agradecemos especialmente a colaboração de Marco Aurélio Novaes, da equipe do laboratório central da Secretaria Municipal de Saúde de São José dos Campos, e de Elizabeth Maura Cunha Kirally e da equipe de Fonoaudiologia das Unidades de Reabilitação da Secretaria Municipal de Saúde de São José dos Campos.

Recebido em: 9/11/2011

Aprovado em: 14/5/2012

Fonte financiadora: Prefeitura Municipal de São José dos Campos

Conflito de interesse: nada a declarar

  • 1
    Sociedade Brasileira de Pediatria. Cadernos de escolas promotora da saúde - I. Rio de Janeiro: SBP; 2003.
  • 2. Moura JB, Lourinho LA, Valdês MT, Frota MA, Catrib AM. Pespective of historical epistemology and health promotion in schools. Hist Cienc Saude-Manguinhos 2007;14:489-501.
  • 3. Brasil. Ministério da Saúde. Organização Pan-Americana da Saúde. Escolas promotoras de saúde: experiências no Brasil [Série Promoção da Saúde n° 6]. Brasília: Ministério da Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde; 2006.
  • 4. Ferriani MG, Cano MA. O programa de saúde escolar no município de Ribeirão Preto. Rev Latino-Am Enfermagem 1999;7:29-38.
  • 5. Fundação SEADE [homepage on the Internet]. Município de São José dos Campos [cited 2005 Jul 25]. Available from: http://www.seade.gov.br
  • 6
    Secretaria de Estado da Saúde São Paulo. Coordenadoria de Controle de Doenças. Centro de Vigilância Epidemiológica"Prof. Alexandre Vranjac". Centro de Oftalmologia Sanitária. Informações básicas sobre saúde ocular. São Paulo: Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo; 2005.
  • 7. Gordon CC, Chumlea WC, Roche AF. Stature, recumbent lenght, and weight. In: Lohman TG, Roche AF, Martorell R, editors. Anthropometric standardization reference manual. Champaign: Human Kinetics Pub; 1988. p. 3-8.
  • 8. World Health Organization [homepage on the Internet]. Growth reference data for 5-19 years [cited 2011 Jan 12]. Available from: http://www.who.int/growthref/en/
  • 9
    World Health Organization [homepage on the Internet]. Iron Deficiency Anaemia. Assessment, prevention, and control. A guide for programme managers [cited 2011 Jan 14]. Available from: http://www.who.int/nutrition/publications/micronutrients/anaemia_iron_deficiency/WHO_NHD_01.3/en/index.html
  • 10
    Sociedade de Pediatria de São Paulo [homepage on the Internet]. Recomendações - atualização de condutas em pediatria, nº 34 [cited 2011 Jan 13]. Available from: http://www.spsp.org.br/spsp_2008/materias.asp?sub_secao=111&id_pagina=428
  • 11. José NK, Temporini ER. Avaliação dos critérios de triagem visual de escolares de primeira série do primeiro grau. Rev Saude Publica 1980;14:205-14.
  • 12. Lapa MC, Freitas AM, Pedroso GC, Furusato MA, Ventura RN. Embu seeing better: a complete eye health program proposal for preschool children. Rev Paul Pediatr 2008;26:113-8.
  • 13. Von Noorden GK. Prophylaxis of amblyopia. J Pediat Ophthal 1964;35-8.
  • 14. Cano MA, Silva GB. Detecção de problemas visuais e auditivos de escolares em Ribeirão Preto: estudo comparativo por nível sócio-econômio. Rev Latino-Am Enfermagem 1994;2:57-68.
  • 15
    Brasil. Ministério da Educação [homepage on the Internet]. Portaria Interministerial MEC/MS "Quem Ouve Bem Aprende Melhor" n. 1487, de 18 de Outubro de 1999 [cited 2012 May 02]. Available from: http://www.forl.org.br/campanhas_detalhes.asp?id=3
  • 16
    Brasil. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de orçamentos familiares 2008-2009. Antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2010.
  • 17. Nonnemaker JM, Morgan-Lopez AA, Pais JM, Finkelstein EA. Youth BMI trajectories: evidence from the NLSY97. Obesity (Silver Spring) 2009;17:1274-80.
  • 18. Franks PW, Hanson RL, Knowler WC, Sievers ML, Bennett PH, Looker HC. Childhood obesity, other cardiovascular risk factors, and premature death. N Engl J Med 2010;362:485-93.
  • 19. Oliveira RS, Diniz Ad Ada S, Benigna MJ, Miranda-Silva SM, Lola MM, Gonçalves MC. Magnitude, geographic distribution and trends of anemia in preschoolers, Brazil. Rev Saude Publica 2002;36:26-32.
  • 20. Brito LL, Barreto ML, Silva RC, Assis AM, Reis MG, Parraga I et al Fatores de risco para anemia por deficiência de ferro em crianças e adolescentes parasitados por helmintos intestinais. Rev Panam Salud Publica 2003;14:422-31.
  • 21. Costa JT, Bracco MM, Gomes PA, Gurgel RQ. Prevalence of anemia among preschoolers and response to iron supplementation. J Pediatr (Rio J) 2011;87:76-9.
  • 22. Monteiro CA, Szarfarc SC, Mondini L. Secular trends in child anemia in S. Paulo city, Brazil (1984-1996). Rev Saude Publica 2000;34 (Suppl 6):62-72.
  • 23
    Brasil. Ministério da Saúde. Centro brasileiro de análise e planejamento. Pesquisa nacional de demografia e saúde da criança e da mulher - PNDS 2006: dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança [Série G. Estatística e Informação em Saúde]. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.
  • 24. Salgado CM, Carvalhaes JT. Arterial hypertension in childhood. J Pediatr (Rio J) 2003;79 (Suppl 1):S115-24.
  • 25. Santos AA, Zanetta DM, Cipullo JP, Burdmann EA. The diagnosis of hypertension in children and adolescents. Pediatria (São Paulo) 2003;25:174-83.
  • 26. Borges LM, Peres MA, Horta BL. Prevalence of high blood pressure among schoolchildren in Cuiabá, Midwestern Brazil. Rev Saude Publica 2007;41:530-8.
  • Endereço para correspondência:

    Vera Lúcia G. S. Martins
    Rua Óbidos, 140 - Parque Industrial
    CEP 12235-651 - São José dos Campos/SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      09 Nov 2011
    • Aceito
      14 Maio 2012
    Sociedade de Pediatria de São Paulo R. Maria Figueiredo, 595 - 10o andar, 04002-003 São Paulo - SP - Brasil, Tel./Fax: (11 55) 3284-0308; 3289-9809; 3284-0051 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rpp@spsp.org.br