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Associação entre ganho de peso no primeiro ano de vida com excesso de peso e adiposidade abdominal na idade pré-escolar

Asociación entre ganancia de peso en el primer año de vida con exceso de peso y de adiposidad abdominal en la edad pre-escolar

Resumos

OBJETIVO: Avaliar se a mudança no escore Z do índice de massa corpórea por idade >0,67 no primeiro ano de vida se associou ao excesso de peso na idade pré-escolar. MÉTODOS: Estudo de coorte aninhado a ensaio de campo randomizado realizado na cidade de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. Foram coletados dados de peso e estatura das crianças ao nascimento, dos seis aos oito meses e dos 12 aos 16 meses. Aos três e aos quatro anos, além destes dados aferiu-se a circunferência da cintura. Calculou-se o ganho de peso pela diferença no escore Z do índice de massa corpórea/idade dos 12 até os 16 meses em relação ao índice de massa corpórea/idade ao nascimento, adotando-se ponto de corte >0,67 para ganho de peso excessivo. A relação cintura/estatura foi realizada, considerando-se excesso de adiposidade central se valores >0,5. Utilizou-se a análise multivariada para o teste da associação entre os desfechos e as variáveis independentes. RESULTADOS: A prevalência do ganho de peso excessivo no primeiro ano de vida foi de 29,5% de um total de 338 crianças. Após ajuste para as variáveis sexo, grupo, peso ao nascer, tempo de aleitamento materno exclusivo e índice de massa corpórea da mãe, a mudança no escore Z >0,67 do nascimento até os 12 a 16 meses apresentou-se como fator de risco para o excesso de peso (RR 2,81; IC95% 1,53-5,16) e elevada relação cintura/altura na idade pré-escolar (RR 2,10; IC95% 1,19-3,72). CONCLUSÕES: O ganho de peso excessivo no primeiro ano de vida está associado ao excesso de peso e à elevada adiposidade abdominal na idade pré-escolar.

ganho de peso; adiposidade; pré-escolar


OBJETIVO: Evaluar si el cambio en el escore Z del Índice de Masa Corporal (IMC) por edad >0,67 en el primer año de vida se asoció al exceso de peso en la edad pre-escolar. MÉTODOS: Estudio de cohorte aunado a ensayo de campo aleatorio realizado en la ciudad de São Leopoldo (Rio Grande do Sul). Se recogieron datos de peso y estatura de los niños al nacer, 6 a 8 y 12 a 16 meses. A los 3 a 4 años de edad, se verificó también la circunferencia de la cintura. Se calculó la ganancia de peso por la diferencia en el escore Z de IMC/Edad a los 12 a 16 meses respecto al IMC/Edad al nacer, adoptando punto de corte >0,67 para ganancia de peso excesiva. Relación cintura/estatura fue realizada, considerando exceso de adiposidad central valores >0,5. Se utilizó el análisis multivariado para probar la asociación entre los desenlaces y las variables independientes. RESULTADOS: La prevalencia de ganancia de peso excesiva en el primer año de vida fue de 29,5% de un total de 338 niños. Después del ajuste para las variables sexo, grupo, peso al nacer, tiempo de lactancia materna exclusiva e IMC de la madre, el cambio en el escore z >0,67 del nacimiento hasta los 12 a 16 meses se presentó como factor de riesgo para excesos de peso (RR 2,81; IC95% 1,53-5,16) y elevada relación cintura/altura en la edad pre-escolar (RR 2,10; IC95% 1,19-3,72). CONCLUSIÓN: Ganancia de peso excesivo en el primer año de vida está asociada a exceso de peso y elevada adiposidad abdominal en la edad pre-escolar.

ganancia de peso; adiposidad; pre-escolar


OBJECTIVE: To assess whether the change in body mass index Z-score for age >0.67 in the first year of life was associated with overweight at preschool age. METHODS: A cohort study nested in a randomized field trial conducted in São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Southern Brazil. Data on weight and height of children at birth, from six to eight, and from 12 to 16 months were collected. From ages three to four, besides these data, waist circumference was measured. Weight gain was calculated by the difference in body mass index/age Z-score from 12 to 16 months in relation to that at birth, adopting as cutoff >0.67 Z-score for weight gain. Waist-to-height ratio was calculated, and the excess of central adiposity was considered for values >0.5. Multivariate analysis to test the association between outcomes and independent variables was applied. RESULTS: The prevalence of excessive weight gain in the first year of life was 29.5% out of the 338 studied children. After adjustment for gender, origin group, birth weight, duration of exclusive breastfeeding and mother's body mass index, the change in >0.67 Z-score from birth to 12 to 16 months was an independent risk factor for overweight (RR 2.81, 95%CI 1.53-5.16) and for elevated waist-to-height ratio (RR 2.10, 95%CI 1.19-3.72) in preschool age. CONCLUSIONS: Excessive weight gain in the first year of life was associated with overweight and high abdominal adiposity at preschool age.

weight gain; adiposity; child, preschool


ARTIGO ORIGINAL

Associação entre ganho de peso no primeiro ano de vida com excesso de peso e adiposidade abdominal na idade pré-escolar

Mariane Leite BertottoI; Júlia ValmórbidaII; Mônica Cristina BroiloIII; Paula Dal B. CampagnoloIV; Márcia Regina VitoloV

Instituição: Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Porto Alegre, RS, Brasil

INutricionista pela UFCSPA, Porto Alegre, RS, Brasil

IIMestranda pelo Programa de Pós-Graduação da UFCSPA, Porto Alegre, RS, Brasil

IIIDoutoranda pelo Programa de Pós-Graduação da UFCSPA, Porto Alegre, RS, Brasil

IVDoutora em Ciências da Saúde pela UFCSPA; Professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e Coordenadora da Escola Superior de Saúde Unisinos - Mãe de Deus, São Leopoldo, RS, Brasil

VDoutora em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); Professora Adjunta do Departamento de Nutrição da UFCSPA, Porto Alegre, RS, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Márcia Regina Vitolo Rua Sarmento Leite, 245 - Centro CEP 90050-170 - Porto Alegre/RS E-mail: vitolo@ufcspa.edu.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar se a mudança no escore Z do índice de massa corpórea por idade >0,67 no primeiro ano de vida se associou ao excesso de peso na idade pré-escolar.

MÉTODOS: Estudo de coorte aninhado a ensaio de campo randomizado realizado na cidade de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. Foram coletados dados de peso e estatura das crianças ao nascimento, dos seis aos oito meses e dos 12 aos 16 meses. Aos três e aos quatro anos, além destes dados aferiu-se a circunferência da cintura. Calculou-se o ganho de peso pela diferença no escore Z do índice de massa corpórea/idade dos 12 até os 16 meses em relação ao índice de massa corpórea/idade ao nascimento, adotando-se ponto de corte >0,67 para ganho de peso excessivo. A relação cintura/estatura foi realizada, considerando-se excesso de adiposidade central se valores >0,5. Utilizou-se a análise multivariada para o teste da associação entre os desfechos e as variáveis independentes.

RESULTADOS: A prevalência do ganho de peso excessivo no primeiro ano de vida foi de 29,5% de um total de 338 crianças. Após ajuste para as variáveis sexo, grupo, peso ao nascer, tempo de aleitamento materno exclusivo e índice de massa corpórea da mãe, a mudança no escore Z >0,67 do nascimento até os 12 a 16 meses apresentou-se como fator de risco para o excesso de peso (RR 2,81; IC95% 1,53-5,16) e elevada relação cintura/altura na idade pré-escolar (RR 2,10; IC95% 1,19-3,72).

CONCLUSÕES: O ganho de peso excessivo no primeiro ano de vida está associado ao excesso de peso e à elevada adiposidade abdominal na idade pré-escolar.

Palavras-chave: ganho de peso; adiposidade; pré-escolar.

Introdução

O perfil nutricional da população tem se modificado nas últimas décadas, com aumento na prevalência de sobrepeso e obesidade e redução das taxas de desnutrição, evidentes na vida adulta e documentadas na infância(1,2). Estudos internacionais apontam variação nas prevalências de obesidade em crianças e adolescentes, com valores entre 7 e 19%(3-5). No Brasil, 33,5 e 14,3% das crianças de cinco a nove anos apresentam excesso de peso e obesidade, respectivamente(6).

O ganho de peso durante os primeiros anos de vida é fator determinante do estado nutricional na infância e a associação entre o acelerado crescimento e a obesidade em crianças e adultos tem sido relatada em diversos estudos(7-10). A elevada velocidade de ganho de peso é um importante fator de risco para doenças crônicas, como diabetes melito tipo 2, hipertensão arterial, dislipidemia e cardiopatias, morbidades presentes na vida adulta(11). Desenvolvimento de resistência à insulina, distúrbios do sono, doenças gastrintestinais e síndromes ortopédicas são algumas complicações que podem estar presentes na infância(12-14).

De acordo com o ponto de corte >0,67 no escore Z de índice de massa corpórea (IMC)/idade, o ganho de peso nos primeiros anos de vida pode estar associado a fatores de risco para o desenvolvimento de doenças em diferentes fases da vida(15). Este ponto de corte tem sido utilizado para o cálculo do ganho de peso entre o nascimento e os seis meses de idade ou mesmo do nascimento aos 12 meses, em comparação com a composição corporal nas idades pré-escolar, escolar e a adolescência(16). Outros desfechos relacionados ao escore Z de IMC/idade >0,67 são: resistência à insulina, risco cardiovascular, idade da menarca, adiposidade e frações lipídicas(15-17).

Dessa forma, os estudos mostram que o crescimento acelerado nos primeiros anos de vida está associado à obesidade na vida adulta, sendo este fator determinante de complicações metabólicas futuras(8). Assim, o objetivo desta pesquisa foi testar a hipótese de que o escore Z de IMC/idade >0,67 no primeiro ano de vida está associado ao excesso de peso na idade pré-escolar.

Método

O estudo constituiu-se de uma coorte aninhada ao ensaio de campo randomizado com crianças de três a quatro anos acompanhadas desde o nascimento no Hospital Centenário, único da cidade de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, entre outubro de 2001 e julho de 2002. O cálculo do tamanho amostral foi realizado com base no objetivo principal do estudo maior, o qual pretendia aumentar a frequência de aleitamento materno exclusivo até os quatro meses de vida. Utilizou-se a frequência de aleitamento materno exclusivo nesta idade de 21,6% no Grupo Controle e estimou-se diferença de 65,0% na frequência dessa prática entre os grupos após a intervenção. Outros parâmetros para tal cálculo foram: poder de 80,0% e nível de confiança de 95,0%, determinando tamanho amostral de 177 crianças em cada grupo e totalizando 354 crianças. Considerando previsão de perdas de 25,0%, foram recrutados 500 pares de mãe e criança para que o número amostral fosse atingido.

Os pares mãe-criança foram recrutados no momento do nascimento. As mães foram esclarecidas sobre os procedimentos do estudo e, após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, os pares foram randomizados em Grupos Intervenção e Controle. A intervenção constituiu-se de orientações dietéticas baseadas no programa do Ministério da Saúde intitulado: Dez passos para alimentação saudável para crianças menores de dois anos(18). Esta foi realizada por meio de visitas domiciliares, que ocorreram mensalmente nos seis primeiros meses de vida e bimensalmente até os 12 meses.

A equipe da coleta de dados, composta por estudantes de graduação em Nutrição, foi previamente capacitada para a função. A capacitação teve como objetivo instruir a equipe quanto aos protocolos que seriam utilizados para a realização da antropometria e a aplicação dos questionários, baseados no "Manual de Coleta de Dados" previamente elaborado para este estudo. Os participantes da equipe de coleta de dados eram cegos quanto ao grupo a que os pares de mãe-criança pertenciam.

Tal processo teve início na maternidade, após o nascimento das crianças e, posteriormente, durante visitas domiciliares em três momentos: dos seis aos oito meses, dos 12 aos 16 meses e dos três aos quatro anos de idade da criança. Ao nascimento foram obtidos os dados de peso e comprimento da criança. Foram incluídos no estudo apenas os recém-nascidos com idade gestacional >37 semanas e peso ao nascer ≥2500g. Dos seis aos oito meses foram aferidos os dados antropométricos da mãe. Os dados socioeconômicos e demográficos foram obtidos por meio de questionário elaborado para o estudo. O peso foi aferido com a mãe descalça, usando roupas leves e em balança digital (Techline®, São Paulo, Brasil). A estatura foi aferida com a mãe em pé, posicionada de forma ereta, com os calcanhares encostados na parede, tendo como auxílio um estadiômetro portátil da marca Seca®, com precisão de 0,1cm, fixado em parede lisa.

Em relação aos dados antropométricos da criança entre 12 e 16 meses, a avaliação antropométrica foi composta de peso e comprimento. O peso foi aferido em balança digital (Techline®, São Paulo, Brasil) com a criança descalça, sem roupas e sem fraldas, sendo pesada no colo da mãe, com posterior decréscimo do peso da mesma. O comprimento da criança foi medido em decúbito dorsal, utilizando-se estadiômetro de madeira pediátrico (Serwital Inc, Porto Alegre, Brasil). Dos três aos quatro anos, a avaliação antropométrica incluiu a medida da circunferência da cintura. O peso foi aferido com a criança usando roupas leves e sem sapatos na mesma balança utilizada dos 12 aos 16 meses. A estatura foi aferida com a criança em pé, posicionada de forma ereta, com os calcanhares encostados na parede, tendo como auxílio um estadiômetro portátil da marca Seca®, com precisão de 0,1cm, fixado em parede lisa. A circunferência da cintura foi aferida com fita métrica não extensível na menor circunferência, entre a crista ilíaca e o rebordo costal.

O IMC foi calculado com as medidas de peso e altura/comprimento da criança ao nascimento e aos três a quatro anos. O ganho de peso no primeiro ano de vida foi obtido utilizando a diferença do escore Z de IMC dos 12 aos 16 meses em relação ao nascimento, conforme os critérios da Organização Mundial da Saúde(19) (OMS). O ponto de corte utilizado para classificação do ganho de peso no primeiro ano de vida foi de Ong et al(8), sendo o escore Z de IMC≤0,67 considerado adequado e >0,67, excessivo. Dos três aos quatro anos, calculou-se o escore Z do IMC/idade e foram utilizados os pontos de corte >1 para excesso de peso e >2 para obesidade.

Com os valores da circunferência da cintura e da altura da criança, calculou-se a relação cintura/altura. Tal índice tem sido empregado na determinação dos fatores de risco para doenças cardiovasculares e o ponto de corte de 0,5 é atribuído para classificar tal razão, considerando-se como adiposidade abdominal valores superiores a ele(20). O IMC materno foi calculado por meio de dados da avaliação antropométrica realizada dos seis aos oito meses. O estado nutricional materno foi considerado adequado quando IMC<25kg/m2 e como excesso de peso, quando ≥25kg/m2.

Os dados foram submetidos à dupla digitação no programa Statistical Package for Social Sciences, versão 16.0 (SPSS Inc., Chicago, USA) e validados no programa Epi-Info versão 6.4 (CDC, Atlanta, USA). As análises estatísticas foram realizadas no Software SPSS 16.0. Análises de frequência foram realizadas para descrição das variáveis categóricas e a média e o desvio padrão, para as contínuas. A associação entre as variáveis de gênero, grupo, peso ao nascer, aleitamento materno exclusivo, IMC materno e mudança no escore Z de IMC/idade do nascimento dos 12 a 16 meses em relação ao desfecho foi analisada por meio da análise multivariada. O número amostral foi diverso em cada análise, de acordo com a disponibilidade dos dados. Foi adotado nível de significância de 5% (p<0,05) para intervalo de confiança de 95% (IC95%).

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). As mães que aceitaram participar da pesquisa assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido e foram informadas sobre os procedimentos envolvidos no estudo. Crianças com situações clínicas desfavoráveis foram encaminhadas aos serviços de saúde para avaliação e tratamento.

Resultados

Na fase inicial do estudo, foram coletadas informações de 500 pares mãe e criança. Nas etapas posteriores da coleta de dados, 397 e 354 pares participaram com 12 a 16 meses e com três a quatro anos de idade das crianças, respectivamente. As perdas nesta fase inicial ocorreram devido à recusa em continuar o seguimento e mudança de endereço. Entre as crianças avaliadas em ambas as etapas, 16 foram excluídas devido à ausência de dados para o cálculo do IMC/idade nas faixas etárias mencionadas, totalizando uma amostra final de 338 crianças.

As características socioeconômicas e demográficas das famílias das crianças foram obtidas apenas em um momento da coleta de dados, aos seis meses de vida da criança. Dentre os 338 que participaram das análises deste estudo, observou-se que 18,4% das mães apresentaram idade inferior a 20 anos e 55,8% tinham menos de oito anos de estudo. A renda familiar, expressa em salários mínimos vigentes no momento da coleta de dados, mostrou que 69,9% das famílias viviam com menos de três salários mínimos e que 61,8% das mães não exerciam atividade remunerada.

A prevalência do ganho de peso excessivo no primeiro ano de vida foi de 29,5%. Em relação ao IMC, aos 12 a 16 meses 34,2% apresentaram excesso de peso, e 9,4%, obesidade. Aos três e quatro anos, 20,9% das crianças foram classificadas com excesso de peso, e 5,5% com obesidade.

A Tabela 1 apresenta as variáveis associadas ao IMC/idade dos três aos quatro anos da criança. Não houve diferença significativa em relação ao sexo, grupo pertencente, peso ao nascer, tempo de aleitamento materno e IMC da mãe. Em relação ao ganho de peso, crianças com mudança >0,67 no escore Z do IMC/idade mostraram risco 2,81 vezes maior de ter excesso de peso na idade pré-escolar em comparação àquelas cuja variação no escore Z de IMC/idade foi menor do que o ponto de corte utilizado neste estudo.

As variáveis associadas à relação cintura/estatura estão descritas na Tabela 2. Em relação à mudança no escore Z de IMC/idade >0,67, crianças com ganho de peso excessivo no primeiro ano de vida apresentaram risco 2,10 vezes maior para adiposidade abdominal quando comparadas àquelas que obtiveram mudança em tal escore. Crianças cujas mães possuíam IMC ≥25kg/m2 apresentaram risco 1,84 vezes maior para excesso de adiposidade abdominal do que aquelas cujas mães não tinham excesso de peso. As demais variáveis não foram significativas em relação ao desfecho.

Discussão

Os primeiros anos de vida compõem um período crítico para o desenvolvimento da obesidade, considerada fator de risco para doenças crônicas, em especial as doenças cardiovasculares, devido à intensa velocidade de crescimento(21,22). O presente estudo mostrou prevalência do ganho de peso excessivo de aproximadamente 30% no primeiro ano de vida, de forma semelhante a estudos anteriores, que indicaram prevalência de 25,4% de excesso de peso nos seis primeiros meses(16) e 30,7% nos dois primeiros anos de vida(8). Uma revisão sistemática referente aos determinantes de sobrepeso e obesidade nos primeiros anos de vida destacou que o ganho de peso acelerado nessa fase exerce influência importante no estado nutricional na infância, com associação consistente com o aumento do risco de obesidade(23). Apesar de o presente estudo ter avaliado a mudança no escore Z de IMC/idade do nascimento até os 16 meses, a predominância de crianças avaliadas aos 12 meses permite que os resultados sejam discutidos com referência ao primeiro ano de vida.

Dados recentes da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), de 2008 a 2009, documentaram que 32,8% das crianças com cinco anos de idade apresentavam excesso de peso e 16,2%, obesidade(6). O presente estudo encontrou mais de 20% das crianças com sobrepeso e 5,5%, obesas. Porém, a idade destas está em uma faixa inferior em relação à POF, mostrando que, provavelmente, as crianças da presente amostra ainda não passaram pelo período de adiposidade rebote, que tem início por volta dos cinco aos sete anos, o que poderia explicar os percentuais inferiores nessa população(24).

Este estudo demonstrou que crianças com ganho de peso excessivo têm risco quase três vezes maior de apresentarem excesso de peso dos três aos quatro anos de idade. Ong et al apontam que crianças com velocidade de crescimento elevada nos primeiros nove meses de vida apresentam risco 48% maior de obesidade aos dez anos(17). Estudo de coorte prospectivo realizado em Estocolmo mostrou que o ganho de peso excessivo nos seis primeiros meses é preditor de obesidade na adolescência, bem como de risco cardiometabólico(16). Estes autores destacam também que diversos fatores atuam como preditores de ganho de peso acelerado, entre eles a duração do aleitamento materno exclusivo e a introdução precoce e inadequada da alimentação complementar(16,17,25).

Segundo dados de Corvalan et al, em estudo que objetivou avaliar a relação entre ganho de peso no período de zero a quatro anos de idade e o estado de doença cardiovascular aos quatro anos em crianças chilenas com peso de nascimento normal, mudanças no IMC em todos os períodos analisados (ao nascimento, 6, 12, 18, 24, 36 e 48 meses) foram positivamente associadas com maior escore metabólico aos quatro anos de idade, sendo a associação mais forte no período dos 6 aos 24 meses(22). Autores apontam esse período como crítico para o desenvolvimento de obesidade futura, bem como de complicações metabólicas relacionadas, sugerindo medidas de prevenção(22,26).

Este estudo demonstrou que o maior ganho de peso no primeiro ano de vida esteve associado ao risco 2,10 vezes maior de desenvolver adiposidade abdominal. Ong et al referiram que crianças com mudança no escore Z de IMC/idade >0,67 nos dois primeiros anos de vida desenvolveram maior adiposidade abdominal aos cinco anos quando comparadas àquelas sem ganho de peso excessivo no primeiro ano. Os referidos autores destacaram que tais crianças, ao nascimento, apresentavam-se menores e mais magras em relação às outras, sugerindo atuação de um possível mecanismo compensatório pós-natal, decorrente de restrição de crescimento intraútero(8). Porém, é importante ressaltar que o baixo peso ao nascer foi considerado critério de exclusão em nossa investigação.

Freedman et al, utilizando os mesmos indicadores do presente estudo, estudaram a relação do escore Z do IMC/idade e da relação cintura/altura com fatores de risco para doenças cardiovasculares em crianças e adolescentes, demonstrando que ambos os índices apresentaram forte associação. A adiposidade abdominal se associou com a relação colesterol total/HDL-colesterol e com níveis de LDL-colesterol, enquanto o IMC mostrou associação com a concentração de insulina de jejum(27). Estudo semelhante realizado na cidade de Belo Horizonte com crianças e adolescentes demonstrou que o excesso de peso e a distribuição de adiposidade na região do tronco, juntamente com a inatividade física, estiveram associados a níveis elevados de pressão arterial, colesterol total, LDL-C, bem como a níveis diminuídos de HDL-C(28).

Outra associação em relação ao indicador razão cintura/altura foi o risco 1,84 vezes maior de excesso de adiposidade abdominal em crianças cujas mães apresentaram IMC >25kg/m2. Há evidências da influência do estado nutricional familiar sobre a composição corporal de crianças(29). Diversos fatores podem estar envolvidos na determinação da obesidade, destacando-se a contribuição genética que, segundo sugerem alguns autores, pode explicar de 20 a 90% da hereditariedade do peso(23).

O presente estudo não avaliou o nível de atividade física das crianças pertencentes à amostra, o que pode ser considerado como uma limitação, pois a associação entre essa prática e a obesidade foi demonstrada anteriormente(30). Entretanto, não há protocolos validados para mensuração do grau de atividade física nessa idade, restringindo a fidedignidade dos dados. É importante destacar que a influência do baixo peso ao nascer no desenvolvimento da obesidade e de adiposidade abdominal não pôde ser investigada neste estudo, visto terem sido incluídas somente crianças com peso ao nascer >2500g. Outra limitação a ser comentada refere-se ao desenho do estudo e ao tamanho amostral, que não foram planejados para o objetivo principal das análises apresentadas neste estudo, mas para a investigação principal, a qual avaliou o impacto de uma intervenção nas práticas alimentares das crianças.

Neste estudo, a mudança no escore Z de IMC/idade >0,67 no primeiro ano de vida mostrou associação com o excesso de peso, bem como com a presença de adiposidade abdominal na idade pré-escolar, confirmando a hipótese inicial. Segundo Victora et al(31), os dois primeiros anos de vida são a janela da oportunidade para promover o crescimento saudável da criança por meio da práticas alimentares adequadas, como a maior duração do aleitamento materno e a alimentação complementar saudável.

Recebido em: 9/2/2012

Aprovado em: 11/6/2012

Fonte financiadora: Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), 401922/2005-7

Conflito de interesse: nada a declarar

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  • Endereço para correspondência:

    Márcia Regina Vitolo
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      09 Fev 2012
    • Aceito
      11 Jun 2012
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