Acessibilidade / Reportar erro

Os pesquisadores e a produção científica em pediatria: quanto valem?

O artigo de Oliveira et al propõe uma avaliação do perfil dos pesquisadores na área da Pediatria por meio de uma análise bibliométrica da produção científica dos mesmos. Desfecho: somos poucos e produzimos muito; porém, nossa produção necessita de aprimoramento qualitativo( 11. Oliveira MC, Martelli DR, Pinheiro SV, Miranda DM, Quirino IG, Leite BG et al. Profile and scientific production of National Counsel of Technological and Scientific Development (CNPq) researchers in Pediatrics. Rev Paul Pediatr 2013;31:279-85. ).

Essa conclusão é consequência de uma análise e de uma leitura suficiente dos dados e dos resultados alcançados. Todavia, poderá ensejar a discussão do modelo de produção de conhecimento científico, no qual nós, pesquisadores, nos inserimos.

A universidade pós-moderna adentra o mundo do consumo, no qual o conhecimento se torna produto, os alunos são equiparados a commodities e os critérios de avaliação passam a obedecer às métricas de mercado. Simultaneamente, ocorre um processo de classificação dos pesquisadores em produtivos (1A, 1B, 1C, 1D, 2) e improdutivos (3?), o qual tomou conta do imaginário da comunidade universitária, influindo nas decisões pessoais e nas políticas do setor. Esse panorama sugere que as universidades e os pesquisadores dos países emergentes devem obrigatoriamente alinhar-se aos critérios externos, pretensamente universais, os quais podem não ser os mais adequados à realidade brasileira e mundial( 22. ASCB [homepage on the Internet]. San Francisco declaration on research assessment: putting science into the assessment of research [cited 2013 Dec 16]. Available from: http://am.ascb.org/dora/files/SFDeclarationFINAL.pdf
Available from: http://am.ascb.or...
).

A questão fundamental é: a ciência brasileira é a melhor possível para o Brasil e para o mundo? Pode-se fornecer uma alternativa superadora, na qual se modifique o modelo hegemônico central de produção de conhecimento para, então, reenviá-lo aos fóruns internacionais, acrescido de um viés local de pertinência e com qualidade universalmente reconhecida?

Sim, acredito que os países periféricos detentores de projetos de desenvolvimento científico podem articular, dentro do campo hegemônico da ciência, as fissuras necessárias para a exposição do processo contraditório de globalização: qualidade centralmente reconhecida e relevância local. Porém, nessa disputa, os países líderes não abrirão mão dos critérios de valoração da produção científica para além de qualquer pertinência( 33. Rochon PA, Mashari A, Cohen A, Misra A, Laxer D, Streiner DL et al. Relation between randomized controlled trials published in leading general medical journals and the global burden of disease. CMAJ 2004;170:1673-7. ). Portanto, uma alternativa deverá promover também a releitura dos critérios de valor da ciência, recolocando-a no espaço das ações e das necessidades. No estudo de Oliveira et al, nota-se a total aderência aos parâmetros bibliométricos "universais", certamente os parâmetros possíveis, porém não necessariamente os melhores.

Um segundo ponto a se destacar é a formação de redes de ideias e de processos, visando à contaminação de áreas contíguas, do ponto de vista tanto geográfico quanto sociocultural. A participação como polo emergente mundial autoriza o Brasil a ser um agente disseminador dessa ideologia do mercado científico. Com tais premissas, o país pode servir de protagonista na revisão de um pensamento único, oferecendo uma versão reformada da agenda científica mundial, agora acrescida dos nossos penduricalhos nativos. Assim, o processo de expansão do modelo de produção científica brasileira adquire relevância estratégica significativa.

Proprietário de recursos humanos e tecnológicos de alta qualidade, o Brasil poderá derrubar, por intermédio da ciência, as barreiras que impedem a última emancipação política e social do continente( 44. Glänzel W, Leta J, Thijs B. Science in Brazil. Part 1: a macro-level comparative study . Scientometrics. 2006;67:67-86. ). A ciência brasileira, em especial, a área de Pediatria, poderia propor um pacto renovado por meio de uma agenda local, com objetivos, marcos teóricos e método científico voltados às nossas peculiaridades e necessidades, conservando, porém, o seu caráter universal.

Nesse sentido, discordo de Oliveira et al, pois acredito que não seja possível, com os dados e índices expostos, avaliar a qualidade da produção científica brasileira na área de Pediatria. Contudo, o grande mérito desses autores reside em apontar para a necessidade fundamental de elegermos os critérios que permitam aferir o grau de aproximação entre o conhecimento e a ação no campo da Pediatria. Em síntese, o conhecimento que qualifique significativamente a saúde da criança e do adolescente no mundo e, inclusive, no Brasil, é a melhor ciência para, enfim, vencer a derradeira barreira da humanidade.

References

  • 1
    Oliveira MC, Martelli DR, Pinheiro SV, Miranda DM, Quirino IG, Leite BG et al. Profile and scientific production of National Counsel of Technological and Scientific Development (CNPq) researchers in Pediatrics. Rev Paul Pediatr 2013;31:279-85.
  • 2
    ASCB [homepage on the Internet]. San Francisco declaration on research assessment: putting science into the assessment of research [cited 2013 Dec 16]. Available from: http://am.ascb.org/dora/files/SFDeclarationFINAL.pdf
    » Available from: http://am.ascb.org/dora/files/SFDeclarationFINAL.pdf
  • 3
    Rochon PA, Mashari A, Cohen A, Misra A, Laxer D, Streiner DL et al. Relation between randomized controlled trials published in leading general medical journals and the global burden of disease. CMAJ 2004;170:1673-7.
  • 4
    Glänzel W, Leta J, Thijs B. Science in Brazil. Part 1: a macro-level comparative study . Scientometrics. 2006;67:67-86.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2013

Histórico

  • Recebido
    27 Maio 2013
Sociedade de Pediatria de São Paulo R. Maria Figueiredo, 595 - 10o andar, 04002-003 São Paulo - SP - Brasil, Tel./Fax: (11 55) 3284-0308; 3289-9809; 3284-0051 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rpp@spsp.org.br