Acessibilidade / Reportar erro

Similaridade entre infusão contínua versus intermitente de solução de heparina na manutenção de cateter intra-arterial em pós-operatório de cirurgia pediátrica: estudo randomizado controlado

Resumos

OBJETIVOS:

Comparar dois sistemas de manutenção de cateteres arteriais em pós-operatório de cirurgia cardíaca pediátrica, utilizando infusão contínua ou intermitente de solução de heparina, e analisar os eventos adversos relacionados ao local de inserção do cateter e o volume de solução de heparina infundido.

MÉTODOS:

Ensaio clínico randomizado controlado, com 140 pacientes selecionados para o Grupo Infusão Contínua (GIC) e o Grupo Infusão Intermitente (GII). As variáveis analisadas foram: tipo de cardiopatia, tempo de permanência e tamanho do cateter, local de inserção, técnica empregada, volume de solução de heparina e eventos adversos. Utilizou-se o teste t de Student para variáveis descritivas e o teste do qui-quadrado para variáveis categóricas, sendo significante p<0,05.

RESULTADOS:

A mediana de idade foi de 11 (0-22) meses, sendo 77 (55%) do sexo feminino. Não houve diferença significativa nas variáveis analisadas, com exceção do volume infundido no GIC (12,0±1,2mL/24 horas), quando comparado ao do GII (5,3±3,5mL/24 horas), com p<0,0003.

CONCLUSÕES:

Tanto o sistema de infusão contínua quanto o sistema intermitente de solução de heparina podem ser utilizados na manutenção de cateter intra-arterial em pós-operatório de cirurgia pediátrica, independentemente das características clínicas e demográficas dos pacientes, bem como da ocorrência de eventos adversos até o terceiro dia pós-cirúrgico. Entretanto, deve-se considerar a utilização do sistema de infusão intermitente em crianças de baixo peso, devido ao menor volume de solução de heparina infundido [registro no Clinical Trials sob o nº NCT01097031].

cuidados pós-operatórios; pediatria; cateterismo periférico


OBJECTIVE:

To compare two systems of arterial catheters maintenance in postoperative pediatric surgery using intermittent or continuous infusion of heparin solution and to analyze adverse events related to the site of catheter insertion and the volume of infused heparin solution.

METHODS:

Randomized control trial with 140 patients selected for continuous infusion group (CIG) and intermittent infusion group (IIG). The variables analyzed were: type of heart disease, permanence time and size of the catheter, insertion site, technique used, volume of heparin solution and adverse events. The descriptive variables were analyzed by Student's t-test and the categorical variables, by chi-square test, being significant p<0.05.

RESULTS:

The median age was 11 (0-22) months, and 77 (55%) were females. No significant differences between studied variables were found, except for the volume used in CIG (12.0±1.2mL/24 hours) when compared to IIG (5.3±3.5mL/24 hours) with p<0.0003.

CONCLUSIONS:

The continuous infusion system and the intermittent infusion of heparin solution can be used for intra-arterial catheters maintenance in postoperative pediatric surgery, regardless of patient's clinical and demographic characteristics. Adverse events up to the third postoperative day occurred similarly in both groups. However, the intermittent infusion system usage in underweight children should be considered, due to the lower volume of infused heparin solution [ClinicalTrials.gov Identifier: NCT01097031].

postoperative care; pediatrics; catheterization, peripheral


OBJETIVOS:

Comparar dos sistemas de mantenimiento de catéteres arteriales en post-operatorio de cirugía cardíaca pediátrica, utilizando infusión continua o intermitente de solución de heparina, y analizar los eventos adversos relacionados al local de inserción del catéter y el volumen de solución de heparina infundido.

MÉTODOS:

Ensayo clínico randomizado controlado, con 140 pacientes seleccionados para el Grupo Infusión Continua (GIC) y el Grupo Infusión Intermitente (GII). Las variables analizadas fueron: tipo de cardiopatía, tiempo de permanencia y tamaño del catéter, local de inserción, técnica empleada, volumen de solución de heparina y eventos adversos. Se utilizó la prueba t de Student para variables descriptivas y la prueba del chi-cuadrado para variables categóricas, siendo significante p<0,05.

RESULTADOS:

La mediana de edad fue de 11 (0-22,1) meses, siendo 77 (55%) del sexo femenino. No hubo diferencia significativa en las variables analizadas, excepto por el volumen infundido en el GIC (12,0±1,2mL/24 horas), cuando comparado al del GII (5,3±3,5mL/24 horas), con p<0,0003.

CONCLUSIONES:

Tanto el sistema de infusión continua cuanto el sistema intermitente de solución de heparina pueden ser utilizados en el mantenimiento de catéter intra-arterial en post-operatorio de cirugía pediátrica, independiente de las características clínicas y demográficas de los pacientes, así como de la ocurrencia de eventos adversos hasta el tercer día del post-quirúrgico. Sin embargo, se debe considerar la utilización del sistema de infusión intermitente en niños de bajo peso, debido al menor volumen de solución de heparina infundido (registro en el Clinical Trials bajo el nº NCT01097031).

cuidados post-operatorios; pediatría; cateterismo periférico


Introdução

O processo de recuperação pós-operatória da cirurgia cardíaca pediátrica depende de vários fatores, desde o tipo de cardiopatia e o peso do paciente até a estrutura hospitalar, incluindo uma equipe de saúde especializada e equipamentos adequados. No contexto clínico da criança em pós-operatório de cirurgia cardíaca, a monitorização da pressão arterial de forma invasiva é um importante parâmetro a se considerar, para que se detectem oscilações rápidas de pressão e se obtenham coletas para exames laboratoriais( 11. Miyague NI, Cardoso SM, Meyer F, Ultramari FT, Araújo FH, Rozkowisk I et al. Estudo epidemiológico de cardiopatias congênitas na infância e adolescência. Análise em 4.538 casos. Arq Bras Cardiol 2003;80:269-73.

2. World Health Organization [homepage on the Internet]. Geneva: causes of death in neonates and children under five in the world: the global burden of disease [cited 2009 Jun 10]. Available from: http://www.who.int/child_adolescent_health/media/causes_death_u5_neonates_2004.pdf
Available from: htt...

3. Auler JO Jr, Barreto AC, Gimenez SC, Abellan DM. Pediatric cardiac postoperative care. Rev Hosp Clin Fac Med Sao Paulo 2002;57:115-23.

4. Jansen D, Silva KV, Novello R, Guimarães TC, Silva VG. Nursing assistance in child with heart disease. Rev SOCERJ 2000;13:22-9.

5. Albisetti M, Schmugge M, Haas R, Eckhardt BP, Bauersfeld U, Baenziger O et al. Arterial thromboembolic complications in critically ill children. J Crit Care 2005;20:296-300.

6. World Health Organization [homepage on the Internet]. Geneva: The global burden of disease: causes of death in neonates and children under five in the region of the Americas [cited 2009 Jun 10]. Available from: http://www.who.int/
Available from: http://www.who.int/...
- 77. Atik FA. Monitorização hemodinâmica em cirurgia cardíaca pediátrica. Arq Bras Cardiol 2004;82:199-208. ). No entanto, a abordagem para lidar com a permeabilidade e a manutenção desses cateteres arteriais, rotineiramente utilizados em terapia intensiva pediátrica, não está inteiramente estabelecida. Estudos mostram que, embora a utilização de cateteres arteriais seja fundamental para o cuidado do paciente, é frequente a ocorrência de eventos adversos que devem ser detectados e tratados precocemente( 88. Schindler E, Kowald B, Suess H, Niehaus-Borquez B, Tausch B, Brecher A. Catheterization of the radial or brachial artery in neonates and infants. Paediatr Anaesth 2005;15:677-82.

9. Clark VL, Kruse JA. Arterial catheterization. Crit Care Clin 1992;8:687-97.

10. Pérez LP, Rivero MP, Sigler OM, Morejón AG. Cateterización de la arteria radial. Rev Cub Cir 1988;27:28-31.

11. Smith-Wright DL, Green TP, Lock JE, Egar MI, Fuhrman BP. Complications of vascular catheterization in critically ill children. Crit Care Med 1984;12:1015-7.

12. Adar R, Rubinstein N, Blieden L. Immediate complications and late sequelae of arterial catheterization in children with congenital heart disease. Pediatr Cardiol 1983;4:25-8.

13. Furfaro S, Gauthier M, Lacroix J, Nadeau D, Lafleur L, Mathews S. Arterial catheter-related infections in children. A 1-year cohort analysis. Am J Dis Children 1991;145:1037-43.
- 1414. Shah PS, Shah VS. Continuous heparin infusion to prevent thrombosis and catheter occlusion in neonates with peripherally placed percutaneous central venous catheters. Cochrane Database Syst Rev [serial on the Internet]. 2008;(2):CD002772 [cited 2013 Jun 17]. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18425882
Available from: htt...
).

Uma revisão sistemática e meta-análise avaliou o efeito da heparina, o tempo de permanência e as complicações de cateteres arteriais e venosos, em crianças e adultos internados em terapia intensiva. Os achados evidenciaram que o uso intermitente de solução de heparina em concentrações de 10UI/mL foi benéfico, comparado ao uso isolado de solução fisiológica 0,9%. Com essa concentração de solução de heparina, os cateteres permaneceram permeáveis por um tempo maior em comparação ao grupo que utilizou solução fisiológica a 0,9%( 1515. Randolph AG, Cook DJ, Gonzales CA, Andrew M. Benefit of heparin in peripheral venous and arterial catheters: systematic review and meta-analysis of randomised controlled trials. BMJ 1998;316:969-75. ).

Estudo recente incluiu revisão de pesquisas clínicas que compararam diferentes métodos de manutenção da patência de cateteres venosos centrais em adultos. Os autores concluíram que faltam evidências que indiquem qual a melhor técnica a ser empregada e afirmam que novos estudos são necessários( 1616. Mitchell MD, Anderson BJ, Williams K, Umscheid CA. Heparin flushing and other interventions to maintain patency of central venous catheters: a systematic review. J Adv Nurs 2009;65:2007-21. , 1717. Maya LC, Restrepo NH. Cateterismo arterial en pacientes pediátricos. Experiencia con 100 líneas arteriales. Pediatría (Bogotá) 1994;29:97-101. ).

Frente à escassez de evidências acerca da técnica mais indicada para manutenção dos cateteres arteriais em crianças, por meio do sistema de infusão contínua de solução de heparina ou do sistema de infusão intermitente de solução de heparina, são necessárias estratégias seguras para cuidar dessa população de maior risco. Assim, os objetivos deste estudo foram comparar dois sistemas de manutenção de cateteres arteriais em pós-operatório de cirurgia cardíaca pediátrica, utilizando infusão contínua ou intermitente de solução de heparina, bem como descrever as características clínicas e demográficas das crianças e analisar os eventos adversos relacionados ao local de inserção do cateter e ao volume de solução de heparina infundido.

Método

Ensaio clínico randomizado e controlado que comparou dois sistemas de manutenção e permeabilização de cateteres arteriais, em pacientes internados consecutivamente em Unidade de Terapia Intensiva de um hospital cardiológico, de outubro de 2007 a abril de 2009.

Realizou-se a randomização por meio de sorteio aleatório com envelopes fechados que continham o grupo no qual o paciente seria incluído: Grupo Infusão Contínua (GIC) ou Grupo Infusão Intermitente (GII). O estudo foi registrado no Clinical Trials sob o nº NTC01097031. A equipe de enfermagem da unidade preparou e administrou a solução de heparina, conforme rotina estabelecida: frascos-ampola de heparina endovenosa de 5.000UI/mL diluídos com soro fisiológico 0,9% em frascos de 250mL, obtendo-se concentração final de 4UI/mL. Após a diluição final, as soluções tinham estabilidade de 24 horas, sendo trocadas assim que completassem esse período.

Incluíram-se crianças de ambos os sexos, com peso <15kg, submetidas à cirurgia cardíaca e internadas na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica. Outras cirurgias pediátricas e peso superior a 15kg foram considerados critério de exclusão.

No GII, sortearam-se os pacientes para manutenção e permeabilização de cateteres arteriais por infusão intermitente de heparina. Utilizaram-se seringas BD(r) de 5mL da solução de heparina, com concentração de 4UI/mL (heparina/solução fisiológica 0,9%). O sistema foi conectado ao paciente e ao transdutor de pressão, através de extensores BD(r); o transdutor de pressão, por sua vez, foi ligado ao monitor, para se visualizar a curva contínua da pressão arterial. Efetuaram-se infusões somente quando necessário: nos casos de refluxo de sangue, para calibragem do sistema e coleta de exames laboratoriais.

No GIC, para manter e permeabilizar os cateteres arteriais por infusão contínua, utilizou-se bomba de infusão de seringa Nikiso(r), em velocidade de 0,5mL/hora, com solução de heparina na concentração de 4UI/mL (heparina/solução fisiológica 0,9%). O sistema foi conectado ao paciente e ao transdutor de pressão, utilizando-se a bomba de infusão, no total de 12mL de solução de heparina a cada 24 horas. Quando necessário, para a coleta de amostras laboratoriais, foram dados flushes manuais de solução de heparina pela bomba de infusão, com volume adequado para preencher as extensões e visualizar uma boa curva de pressão no monitor.

Para a coleta de dados, elaborou-se um instrumento no qual se registraram as variáveis clínicas e demográficas para caracterizar a amostra, como idade, peso, sexo, tipo de cardiopatia, cirurgia realizada, local da inserção do cateter, volume da solução de heparina e tempo de permanência do cateter. Registraram-se também eventos adversos como sangramento (presença de sangue no curativo ou no sítio de punção da artéria cateterizada); edema (acúmulo anormal de líquido no espaço intersticial local e observado pelo aumento da circunferência do membro cateterizado em relação ao membro oposto); hematoma (acúmulo de sangue no tecido subcutâneo no local de punção e percebido à palpação); má perfusão (estágio inicial de enchimento capilar inadequado); isquemia (etapa mais avançada de má perfusão na qual se encontra tecido lesado); presença de coágulo (ausência de refluxo sanguíneo no cateter e presença de trombo no interior deste após sua retirada)( 1818. Guyton AC, Hall JE. Textbook of medical physiology. 11th ed. Philadelphia: Elsevier Saunder; 2006. ).

A equipe de saúde assistencial da unidade (médicos e enfermeiras) registraram todas as variáveis e um dos autores coletou os dados em quatro momentos distintos: pós-operatório imediato (POI) - chegada do paciente na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica até completar 24 horas; primeiro dia de pós-operatório (1º PO) - após 24 horas até completar 48 horas de pós-operatório; segundo dia de pós-operatório (2º PO) - após 48 horas até completar 72 horas de pós-operatório; terceiro dia de pós-operatório (3º PO) - após 72 horas de pós-operatório.

Desenvolveu-se o estudo de acordo com as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, sendo aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul/Fundação Universitária de Cardiologia. Os pais/responsáveis foram convidados a participar e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Analisaram-se os dados pelo programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 14.0. As variáveis categóricas foram descritas por frequências absolutas e relativas e as variáveis contínuas, por média e desvio-padrão ou mediana e intervalo interquartílico (percentis 25 e 75), conforme seguissem ou não distribuição normal. Aplicou-se o teste do qui-quadrado de Pearson para comparar as variáveis categóricas. Já o teste t de Student foi aplicado para comparar as médias e as medianas entre os grupos, conforme fossem respeitados ou não os pressupostos paramétricos. Considerou-se um nível de significância de p<0,05.

Para uma amostra de 70 sujeitos em cada grupo, encontrando-se desvio-padrão de 15,5 e 14,8 para detectar uma diferença maior que oito dias de permanência do cateter, obteve-se poder de 87%.

Resultados

Selecionaram-se 141 crianças em pós-operatório de cirurgia cardíaca pediátrica, sendo que uma não participou do estudo por não consentimento dos pais/responsáveis (Figura 1). Assim, incluíram-se 140 pacientes, sendo 77 (55%) do sexo feminino. A mediana da idade foi de 11 meses (0-22 meses) e a mediana do peso foi de 7,4kg (1,9-14,9kg).

Figura 1
Fluxograma dos pacientes incluídos no estudo

Quanto às cardiopatias congênitas mais frequentes, diagnosticaram-se 26 (18,6%) crianças com tetralogia de Fallot, 14 (10%) com comunicação interventricular (CIV) e 13 (9,3%) com atresia pulmonar com CIV para os dois grupos analisados (Tabela 1).

Tabela 1
Características clínicas e demográficas da população (n=140)

Em relação à ocorrência de eventos adversos durante os três primerios dias de pós-operatório de cirugia cardíaca, registraram-se sangramento, edema, hematoma, má perfusão, isquemia ou coágulo em 63 (45%) crianças, porém sem diferença significativa na comparação dos dois grupos (p=0,82) (Tabela 2).

Tabela 2
Eventos adversos relacionados ao local do cateter

Ainda considerando-se os dois grupos, em 28 (20,0%) casos houve quebra dos cateteres e 27 (19,3%) crianças tiveram alta da unidade de cuidados intensivos até o terceiro dia de pós-operatório, motivos que culminaram na retirada dos cateteres.

Ao se avaliar o local de inserção do cateter, em 56 (40,0%) crianças, utilizou-se a artéria radial esquerda e, em 40 (28,6%), a artéria radial direita, para os dois grupos. A punção por meio de transfixação da artéria foi utilizada em 138 (97,9%) crianças e, em apenas uma (1,4%), para cada grupo, empregou-se dissecção. O calibre do cateter mais utilizado foi 24G em 78 (55,7%) crianças.

Quanto ao tempo de permanência dos cateteres, a mediana foi de 48 (24-70,5) horas no GIC e de 48 (32-76,5) horas no GII. Como não se encontrou diferença maior que oito dias de permanência do cateter, não houve diferença entre os grupos (p=1,0). Comparando-se a média de volume utilizado no GII (5,3±3,5mL/24 horas) com a do GIC (12,0±1,2mL/24 horas), os achados demonstraram diferença significativa (p<0,0003) (Figura 2).

Figura 2
Volume de solução de heparina utilizado a cada 24 horas nos dois grupos

Discussão

A monitorização da pressão arterial invasiva em crianças tem sido amplamente utilizada nos diversos serviços de Pediatria. Atualmente, a cateterização arterial é um procedimento indicado sempre que uma criança é submetida à cirurgia cardíaca. Por ser facilmente realizável, em especial quando obtida por punção, permite a mensuração rápida e precisa da pressão arterial e também proporciona a coleta de amostras de sangue para exames laboratoriais( 1919. Jalonen J. Invasive haemodynamic monitoring: concepts and practical approaches. Ann Med 1997;29:313-8. ). O sucesso da medida invasiva da pressão arterial somente ocorre quando o sistema de manutenção da permeabilidade do cateter não compromete a segurança do paciente ou a precisão e reprodutibilidade da medida.

O presente estudo comparou dois sistemas de manutenção e permeabilização de cateteres arteriais em crianças. O principal resultado demonstrado relacionou-se ao volume de solução de heparina utilizado em ambos os grupos. A média de volume utilizado no GII foi menor, quando comparado ao GIC.

O sistema de infusão contínua é um método confortável para o manipulador e proporciona uma margem de segurança maior quanto ao volume infundido, em comparação à técnica dos flushes rápidos. O método de infusão intermitente proporciona melhor observação de todo o sistema quanto à presença de ar e formação de coágulos pelo refluxo de sangue por pressão negativa, através de uma seringa. Segundo estudo realizado em crianças, os sistemas de infusão contínua diminuíram a incidência de embolização distal de 23% para zero e ainda oferecem um melhor controle da quantidade de infusão de solução de heparina( 2020. Bozzo RB. Monitoreo invasivo de la presión arterial en el niño. Pediatría (Santiago de Chile) 1991;34:22-31. ).

A ocorrência de um maior número de complicações relaciona-se aos pacientes que apresentam choque ou baixo débito( 2121. De Neff M, Heijboer H, van Woensel JB, de Haan RJ. The efficacy of heparinization in prolonging patency of arterial and central venous catheters in children: a randomized double-blind trial. Pediatr Hematol Oncol 2002; 18:553-60. ). É possível que o grande número de coágulos notado no presente estudo se associe à gravidade dos pacientes. Por serem cardiopatas, muitos submetidos à cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea, apresentavam-se frequentemente com insuficiência cardíaca e quadro de baixo débito.

Habitualmente, crianças com idade inferior a cinco anos apresentam maior índice de complicações decorrentes da cateterização arterial, necessitando de mais cuidados na monitorização invasiva devido às rápidas mudanças pressóricas às quais estão sujeitas no pós-operatório, à instabilidade hemodinâmica e ao uso de drogas vasoativas( 1111. Smith-Wright DL, Green TP, Lock JE, Egar MI, Fuhrman BP. Complications of vascular catheterization in critically ill children. Crit Care Med 1984;12:1015-7. ). Neste estudo, não houve diferenças significativas quanto à faixa etária e ao peso das crianças relacionados aos eventos adversos. Em outro estudo, observacional retrospectivo, realizado com 1.473 crianças de até 20kg, encontrou-se frequentemente oclusão temporária da artéria canulada( 88. Schindler E, Kowald B, Suess H, Niehaus-Borquez B, Tausch B, Brecher A. Catheterization of the radial or brachial artery in neonates and infants. Paediatr Anaesth 2005;15:677-82. ). O local de punção normalmente escolhido e com maior facilidade de acesso foi radial e braquial, seguido do femoral, dados coincidentes com os obtidos neste estudo.

Observou-se grande variabilidade no tempo de permeabilidade dos cateteres, com mediana de 48 horas nos dois grupos estudados. Alguns trabalhos demonstraram maior tempo médio de permanência, com duração média de 72 horas para cateteres arteriais( 2222. Saladino R, Bachman D, Fleisher G. Arterial access in the pediatric emergency department. Ann Emerg Med 1990;19:382-5. ). Outros observaram tempo de permanência médio de 48 horas( 2222. Saladino R, Bachman D, Fleisher G. Arterial access in the pediatric emergency department. Ann Emerg Med 1990;19:382-5. , 2323. Swanson E, Freiberg A, Salter DR. Radial artery infections and aneurysms after catheterization. J Hand Surg Am 1990;15:166-71. ). Autores relatam que o uso do cateter arterial não deve ultrapassar 96 horas para diminuir os riscos de infecção( 2424. Kulkarni M, Elsner C, Ouellet D, Zeldin R. Heparinized saline versus normal saline in maintaining patency of the radial artery catheter. Can J Surg 1994;37:37-42. ). Neste estudo, a grande variabilidade do tempo relacionada à duração do cateter arterial deve-se, provavelmente, à grande variabilidade de tempo de internação na Unidade de Terapia Intensiva. Muitos desses pacientes apresentaram complicações pós-operatórias graves, necessitando de ventilação mecânica prolongada, diálise peritonial e monitorização contínua para registro da pressão arterial e obtenção de coletas para amostras laboratoriais.

Comparando-se a média de volume utilizado no GII (5,3±3,5mL/24 horas) com a média do GIC (12±1,2mL/24 horas), encontrou-se diferença significativa nos valores diários de solução de heparina infundida em cada grupo. Questiona-se se essa diferença, estatisticamente importante, apresenta alguma repercussão na prática clínica. Por outro lado, o controle da volemia em pacientes pediátricos é um dos cuidados primordiais para a boa evolução hemodinâmica. Em crianças muito pequenas, o volume necessário para infundir drogas pode contribuir para uma sobrecarga de volume( 2525. Subramanian S, Agarwal R, Deorari AK, Paul VK, Bagga A. Acute renal failure in neonates. Indian J Pediatr 2008;75:385-91. , 2626. Chow JM, Douglas D. Fluid and electrolyte management in the premature infant. Neonatal Netw 2008;27:379-86. ).

A dose de heparina utilizada na literatura varia de 0,1-10UI/mL( 2727. Shah PS, Ng E, Sinha AK. Heparin for prolonging peripheral intravenous catheter use in neonates. Cochrane Database Syst Rev [serial on the Internet]. 2002;(4):CD002774 [cited 2012 Aug 18]. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12519576
Available from: htt...
). Neste estudo, utilizou-se concentração de solução de heparina a 4UI/mL em ambos os grupos. Os achados evidenciaram que 45% dos pacientes apresentaram algum evento adverso. Destes, em 25% houve presença de coágulo, índice relativamente alto quando comparado com outros estudos. Alguns autores demonstraram baixo índice de complicações, com apenas 3% de oclusão do cateter ao se usar a solução de heparina de forma contínua, a 3mL/hora( 2626. Chow JM, Douglas D. Fluid and electrolyte management in the premature infant. Neonatal Netw 2008;27:379-86. ). Estudo realizado com pacientes adultos não relatou diferença de permeabilidade dos cateteres ao comparar a manutenção com solução fisiológica normal a 0,9% e solução fisiológica 0,9% com heparina, mas encontrou diferenças quanto à acurácia dos valores da medida da pressão arterial, sendo os mais precisos no grupo que utilizou heparina( 2828. Souza N, Carvalho AC, Carvalho WB, Souza RL, Oliveira NF. Complicações da cateterização arterial em crianças. Rev Assoc Med Bras 2000;46:39-46. ). Em crianças entre um mês e dois anos, cateterizadas na artéria radial e conectadas a um dispositivo com fluxo contínuo de infusão a 3mL/hora com solução salina isotônica heparinizada a 1UI heparina/mL, observou-se maior número de hemorragia e isquemia nas primeiras 72 horas( 2929. Duke T, Molyneux EM. Intravenous fluids for seriously ill children: time to reconsider. Lancet 2003;362:1320-3. ).

Sobrecarga volumétrica e insuficiência renal são fatores que contribuem de forma significativa para aumentar a morbidade e a mortalidade pós-operatória, especialmente em recém-nascidos. A restrição hídrica é um recurso utilizado com frequência, muitas vezes, até o limite tolerado. Nessas circunstâncias, qualquer volume infundido pode ser significativo( 2929. Duke T, Molyneux EM. Intravenous fluids for seriously ill children: time to reconsider. Lancet 2003;362:1320-3. ).

Pode-se concluir que a escolha do sistema de infusão contínua ou intermitente de solução de heparina, para a manutenção de cateter intra-arterial, independe das características clínicas e demográficas das crianças, bem como da ocorrência de eventos adversos durante os três primerios dias de pós-operatório, como evidenciado na amostra estudada. Entretanto, deve-se considerar a utilização do sistema de infusão intermitente em crianças de baixo peso, devido a um menor volume de solução de heparina infundido.

Características como calibre dos cateteres, local de escolha e técnica empregada para inserção dos mesmos não mostraram evidências de maior tempo de permanência nos grupos estudados. A limitação do estudo reside no fato de não ter sido verificado o número de vezes em que o cateter foi manipulado pelos diferentes profissionais envolvidos no cuidado com a criança. A maior manipulação dos cateteres por meio da técnica dos flushes rápidos pode ter ocorrido no sistema de infusão intermitente, o que influenciaria a efetividade do uso desse sistema. Nesse sentido, são necessários mais estudos sobre o tema.

References

  • 1
    Miyague NI, Cardoso SM, Meyer F, Ultramari FT, Araújo FH, Rozkowisk I et al. Estudo epidemiológico de cardiopatias congênitas na infância e adolescência. Análise em 4.538 casos. Arq Bras Cardiol 2003;80:269-73.
  • 2
    World Health Organization [homepage on the Internet]. Geneva: causes of death in neonates and children under five in the world: the global burden of disease [cited 2009 Jun 10]. Available from: http://www.who.int/child_adolescent_health/media/causes_death_u5_neonates_2004.pdf
    » Available from: http://www.who.int/child_adolescent_health/media/causes_death_u5_neonates_2004.pdf
  • 3
    Auler JO Jr, Barreto AC, Gimenez SC, Abellan DM. Pediatric cardiac postoperative care. Rev Hosp Clin Fac Med Sao Paulo 2002;57:115-23.
  • 4
    Jansen D, Silva KV, Novello R, Guimarães TC, Silva VG. Nursing assistance in child with heart disease. Rev SOCERJ 2000;13:22-9.
  • 5
    Albisetti M, Schmugge M, Haas R, Eckhardt BP, Bauersfeld U, Baenziger O et al. Arterial thromboembolic complications in critically ill children. J Crit Care 2005;20:296-300.
  • 6
    World Health Organization [homepage on the Internet]. Geneva: The global burden of disease: causes of death in neonates and children under five in the region of the Americas [cited 2009 Jun 10]. Available from: http://www.who.int/
    » Available from: http://www.who.int/
  • 7
    Atik FA. Monitorização hemodinâmica em cirurgia cardíaca pediátrica. Arq Bras Cardiol 2004;82:199-208.
  • 8
    Schindler E, Kowald B, Suess H, Niehaus-Borquez B, Tausch B, Brecher A. Catheterization of the radial or brachial artery in neonates and infants. Paediatr Anaesth 2005;15:677-82.
  • 9
    Clark VL, Kruse JA. Arterial catheterization. Crit Care Clin 1992;8:687-97.
  • 10
    Pérez LP, Rivero MP, Sigler OM, Morejón AG. Cateterización de la arteria radial. Rev Cub Cir 1988;27:28-31.
  • 11
    Smith-Wright DL, Green TP, Lock JE, Egar MI, Fuhrman BP. Complications of vascular catheterization in critically ill children. Crit Care Med 1984;12:1015-7.
  • 12
    Adar R, Rubinstein N, Blieden L. Immediate complications and late sequelae of arterial catheterization in children with congenital heart disease. Pediatr Cardiol 1983;4:25-8.
  • 13
    Furfaro S, Gauthier M, Lacroix J, Nadeau D, Lafleur L, Mathews S. Arterial catheter-related infections in children. A 1-year cohort analysis. Am J Dis Children 1991;145:1037-43.
  • 14
    Shah PS, Shah VS. Continuous heparin infusion to prevent thrombosis and catheter occlusion in neonates with peripherally placed percutaneous central venous catheters. Cochrane Database Syst Rev [serial on the Internet]. 2008;(2):CD002772 [cited 2013 Jun 17]. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18425882
    » Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18425882
  • 15
    Randolph AG, Cook DJ, Gonzales CA, Andrew M. Benefit of heparin in peripheral venous and arterial catheters: systematic review and meta-analysis of randomised controlled trials. BMJ 1998;316:969-75.
  • 16
    Mitchell MD, Anderson BJ, Williams K, Umscheid CA. Heparin flushing and other interventions to maintain patency of central venous catheters: a systematic review. J Adv Nurs 2009;65:2007-21.
  • 17
    Maya LC, Restrepo NH. Cateterismo arterial en pacientes pediátricos. Experiencia con 100 líneas arteriales. Pediatría (Bogotá) 1994;29:97-101.
  • 18
    Guyton AC, Hall JE. Textbook of medical physiology. 11th ed. Philadelphia: Elsevier Saunder; 2006.
  • 19
    Jalonen J. Invasive haemodynamic monitoring: concepts and practical approaches. Ann Med 1997;29:313-8.
  • 20
    Bozzo RB. Monitoreo invasivo de la presión arterial en el niño. Pediatría (Santiago de Chile) 1991;34:22-31.
  • 21
    De Neff M, Heijboer H, van Woensel JB, de Haan RJ. The efficacy of heparinization in prolonging patency of arterial and central venous catheters in children: a randomized double-blind trial. Pediatr Hematol Oncol 2002; 18:553-60.
  • 22
    Saladino R, Bachman D, Fleisher G. Arterial access in the pediatric emergency department. Ann Emerg Med 1990;19:382-5.
  • 23
    Swanson E, Freiberg A, Salter DR. Radial artery infections and aneurysms after catheterization. J Hand Surg Am 1990;15:166-71.
  • 24
    Kulkarni M, Elsner C, Ouellet D, Zeldin R. Heparinized saline versus normal saline in maintaining patency of the radial artery catheter. Can J Surg 1994;37:37-42.
  • 25
    Subramanian S, Agarwal R, Deorari AK, Paul VK, Bagga A. Acute renal failure in neonates. Indian J Pediatr 2008;75:385-91.
  • 26
    Chow JM, Douglas D. Fluid and electrolyte management in the premature infant. Neonatal Netw 2008;27:379-86.
  • 27
    Shah PS, Ng E, Sinha AK. Heparin for prolonging peripheral intravenous catheter use in neonates. Cochrane Database Syst Rev [serial on the Internet]. 2002;(4):CD002774 [cited 2012 Aug 18]. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12519576
    » Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12519576
  • 28
    Souza N, Carvalho AC, Carvalho WB, Souza RL, Oliveira NF. Complicações da cateterização arterial em crianças. Rev Assoc Med Bras 2000;46:39-46.
  • 29
    Duke T, Molyneux EM. Intravenous fluids for seriously ill children: time to reconsider. Lancet 2003;362:1320-3.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    04 Nov 2012
  • Aceito
    15 Maio 2013
Sociedade de Pediatria de São Paulo R. Maria Figueiredo, 595 - 10o andar, 04002-003 São Paulo - SP - Brasil, Tel./Fax: (11 55) 3284-0308; 3289-9809; 3284-0051 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rpp@spsp.org.br