Acessibilidade / Reportar erro

Prevalência de cefaleia e sua interferência nas atividades de vida diária em adolescentes escolares do sexo feminino

Resumos

OBJETIVO:

Determinar a prevalência de cefaleia e sua interferência nas atividades de vida diária (AVD) em adolescentes escolares do sexo feminino.

MÉTODOS:

Estudo descritivo transversal realizado com 228 adolescentes do sexo feminino matriculadas em uma escola pública do município de Petrolina, PE, com idades de dez a 19 anos. Empregou-se um questionário estruturado autoaplicado com questões acerca dos dados sociodemográficos, ocorrência de cefaleia e suas características. Classificaram-se as cefaleias segundo os critérios da Sociedade Internacional de Cefaleia. Utilizou-se o teste do qui-quadrado para verificar possíveis associações e adotou-se um nível de significância de p<0,05.

RESULTADOS:

Após a exclusão de 24 questionários devido ao não preenchimento dos critérios de inclusão, analisaram-se 204 questionários. A idade média das adolescentes foi de 14,0±1,4 anos. A prevalência de cefaleia foi de 87,7%. Das adolescentes com cefaleia, 0,5% apresentaram migrânea sem aura menstrual pura; 6,7%, migrânea sem aura relacionada à menstruação; 1,6%, migrânea sem aura não relacionada à menstruação; 11,7%, cefaleia tensional e 79,3%, outras cefaleias. Encontraram-se associações significativas entre intensidade da dor e as variáveis: absenteísmo (p=0,001); interferência nas AVD (p<0,001); uso de medicamentos (p<0,001); idade (p=0,045) e procura médica (p<0,022).

CONCLUSÕES:

A prevalência de cefaleia verificada neste estudo foi elevada nas adolescentes, com impacto negativo sobre as AVD e a vida escolar.

cefaleia; adolescente; atividades cotidianas; dor; puberdade


OBJECTIVE:

To describe the prevalence of headache and its interference in the activities of daily living (ADL) in female adolescent students.

METHODS:

This descriptive cross-sectional study enrolled 228 female adolescents from a public school in the city of Petrolina, Pernambuco, Northeast Brazil, aged ten to 19 years. A self-administered structured questionnaire about socio-demographic characteristics, occurrence of headache and its characteristics was employed. Headaches were classified according to the International Headache Society criteria. The chi-square test was used to verify possible associations, being significant p<0.05.

RESULTS:

After the exclusion of 24 questionnaires that did not met the inclusion criteria, 204 questionnaires were analyzed. The mean age of the adolescents was 14.0±1.4 years. The prevalence of headache was 87.7%. Of the adolescents with headache, 0.5% presented migraine without pure menstrual aura; 6.7%, migraine without aura related to menstruation; 1.6%, non-menstrual migraine without aura; 11.7%, tension-type headache and 79.3%, other headaches. Significant associations were found between pain intensity and the following variables: absenteeism (p=0.001); interference in ADL (p<0.001); medication use (p<0.001); age (p=0.045) and seek for medical care (p<0.022).

CONCLUSIONS:

The prevalence of headache in female adolescents observed in this study was high, with a negative impact in ADL and school attendance.

headache; adolescent; activities of daily living; pain; puberty


OBJETIVO:

Determinar la prevalencia de cefalea y su interferencia en las actividades de vida diaria (AVD) en adolescentes escolares del sexo femenino.

MÉTODOS:

Estudio descriptivo transversal realizado con 228 adolescentes del sexo femenino matriculadas en una escuela pública del municipio de Petrolina, Pernambuco, con edades de 10 a 19 años. Se empleó un cuestionario estructurado autoaplicado con cuestiones sobre los datos sociodemográficos, ocurrencia de cefalea y sus características. Se clasificaron las cefaleas según los criterios de la Sociedad Internacional de Cefalea. Se utilizó la prueba del chi-cuadrado para verificar posibles asociaciones y se adoptó un nivel de significancia de p<0,05.

RESULTADOS:

Después de la exclusión de 24 cuestionarios debido a que no se rellenaban los criterios de inclusión, se analizaron 204 cuestionarios. El promedio de edad de las adolescentes fue de 14,0±1,4 años. La prevalencia de cefalea fue de 87,7%. De las adolescentes con cefalea, 0,5% presentaron migraña sin aura menstrual pura; 6,7%, migraña sin aura relacionada a la menstruación; 1,6%, migraña sin aura no relacionada a la menstruación; 11,7%, cefalea transicional y 79,3%, otras cefaleas. Se encontraron asociaciones significativas entre la intensidad del dolor y las variables: absentismo (p=0,001); interferencia en las AVD (p<0,001); uso de medicamentos (p<0,001); edad (p=0,0045) y busca por médico (p<0,022).

CONCLUSIONES:

La prevalencia de cefalea verificada en este estudio fue elevada en las adolescentes. Resulta claro el impacto negativo de este síntoma sobre las AVD y la vida escolar, habiendo necesidad de estudios futuros sobre el tema.

cefalea; adolescente; actividades cotidianas; dolor; pubertad


Introdução

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a adolescência compreende as idades de dez e 19 anos( 11. Deligeoroglou E, Tsimaris P. Menstrual disturbances in puberty. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol 2010;24:157-71. ), sendo a puberdade correspondente ao período de transição entre a infância e a vida adulta, no qual ocorrem importantes transformações físicas e mentais que resultam no amadurecimento do indivíduo( 11. Deligeoroglou E, Tsimaris P. Menstrual disturbances in puberty. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol 2010;24:157-71. ).

O início da menstruação é denominado menarca( 22. Zegeye DT, Megabiaw B, Mulu A. Age at menarche and the menstrual pattern of secondary school adolescents in northwest Ethiopia. BMC Women's Health 2009;9:29. ) e geralmente ocorre entre os 12 e 13 anos de idade( 33. Gherpelli JL. Treatment of headaches. J Pediatr (Rio J) 2002;78 (Suppl 1):S3-8. ), sendo considerado um dos marcos mais expressivos na vida de uma mulher( 22. Zegeye DT, Megabiaw B, Mulu A. Age at menarche and the menstrual pattern of secondary school adolescents in northwest Ethiopia. BMC Women's Health 2009;9:29. , 33. Gherpelli JL. Treatment of headaches. J Pediatr (Rio J) 2002;78 (Suppl 1):S3-8. ). O período menstrual comumente é acompanhado por uma variedade de sintomas, tal como a cefaleia( 44. Doty E, Attaran M. Managing primary dysmenorrhea. J Pediatr Adolesc Gynecol 2006;19:341-4. ), condição dolorosa e incapacitante que acomete a população em geral, porém muitas vezes é subdiagnosticada e subtratada, devendo, no entanto, ser vista como um sinal de alerta( 55. Bahrami P, Zebardast H, Zibaei M, Mohammadzadeh M, Zabandan N. Prevalence and characteristics of headache in Khoramabad, Iran. Pain Physician 2012;15:327-32. ). É considerada uma afecção comum em crianças e adolescentes( 33. Gherpelli JL. Treatment of headaches. J Pediatr (Rio J) 2002;78 (Suppl 1):S3-8. , 66. Visudtibhan A, Boonsopa C, Thampratankul L, Nuntnarumit P, Okaschareon C, Khongkhatithum C et al. Headache in junior high school students: types & characteristics in Thai children. J Med Assoc Thai 2010;93:550-7. ) e sua prevalência nessa população varia de 9,7 a 78,2%( 55. Bahrami P, Zebardast H, Zibaei M, Mohammadzadeh M, Zabandan N. Prevalence and characteristics of headache in Khoramabad, Iran. Pain Physician 2012;15:327-32. , 77. Ofovwe GE, Ofili AN. Prevalence and impact of headache and migraine among secondary school students in Nigeria. Headache 2010;50:1570-5.

8. Jin Z, Shi L, Wang YJ, Yang LG, Shi YH, Shen LW et al. Prevalence of headache among children and adolescents in Shanghai, China. J Clin Neurosci 2013;20:117-21.
- 99. Hershey AD. What is the impact, prevalence, disability, and quality of life of pediatric headache? Curr Pain Headache Rep 2005;9:341-4. ); contudo, acredita-se que essa variedade nas taxas de prevalência possa ser decorrente das diferenças metodológicas dos estudos( 66. Visudtibhan A, Boonsopa C, Thampratankul L, Nuntnarumit P, Okaschareon C, Khongkhatithum C et al. Headache in junior high school students: types & characteristics in Thai children. J Med Assoc Thai 2010;93:550-7. , 1010. Albuquerque RP, Santos AB, Tognola WA, Arruda MA. An epidemiologic study of headaches in Brazilian schoolchildren with a focus on pain frequency. Arq Neuropsiquiatr 2009;67:798-803. ).

As cefaleias primárias são aquelas que não apresentam etiologia demonstrável pelos exames clínicos ou laboratoriais habituais( 33. Gherpelli JL. Treatment of headaches. J Pediatr (Rio J) 2002;78 (Suppl 1):S3-8. , 1111. Speciali JG. Classification for headache disorders. Medicina 1997;30:421-7. ) e têm como principais exemplos a migrânea e a cefaleia do tipo tensional( 1111. Speciali JG. Classification for headache disorders. Medicina 1997;30:421-7. ). A migrânea predomina no sexo feminino e apresenta intensidade moderada a grave, podendo levar à incapacidade funcional( 1212. International Headache Society. The international classification of headache disorders. 2nd ed. Cephalalgia 2004;24 (Suppl 1):9-160. ). Já a cefaleia do tipo tensional é considerada uma das formas mais comuns de dor cefálica, embora ainda seja pouco estudada( 1212. International Headache Society. The international classification of headache disorders. 2nd ed. Cephalalgia 2004;24 (Suppl 1):9-160. ), sendo sua incidência de cerca de 10%, em mulheres com cefaleia menstrual( 1313. Miziara L, Bigal ME, Bordini CA, Speciali JG. Menstrual headache: semiological study in 100 cases. Arq Neuropsiquiatr 2003;61:596-600. ).

A associação entre as cefaleias e os níveis de hormônios sexuais femininos pode ser observada em decorrência das modificações dos níveis de estradiol serem determinantes para alguns distúrbios neurológicos, tal como a migrânea, já que ocorrem alterações de sintomas durante as diferentes fases do ciclo ovariano( 1414. Scharfman HE, MacLusky NJ. Estrogen-growth factor interactions and their contributions to neurological disorders. Headache 2008;48 (Suppl 2):S77-89. ). Esse fato pode justificar a maior prevalência de cefaleias em mulheres, comparadas aos homens( 1515. Macgregor EA, Rosenberg JD, Kurth T. Sex-related differences in epidemiological and clinic-based headache studies. Headache 2011;51:843-59. ).

Observa-se frequentemente diminuição significativa na qualidade de vida associada à presença das cefaleias, prejudicando, assim, o desempenho na escola, no trabalho e durante a realização das atividades de vida diária (AVD)( 1616. Yu S, Liu R, Zhao G, Yang X, Qiao X, Feng J et al. The prevalence and burden of primary headaches in China: a population-based door-to-door survey. Headache 2012;52:582-91. ), sendo ainda considerada causa de absenteísmo escolar em crianças e adolescentes( 66. Visudtibhan A, Boonsopa C, Thampratankul L, Nuntnarumit P, Okaschareon C, Khongkhatithum C et al. Headache in junior high school students: types & characteristics in Thai children. J Med Assoc Thai 2010;93:550-7. , 1717. Shivpuri D, Rajesh MS, Jain D. Prevalence and characteristics of migraine among adolescents: a questionnaire survey. Indian Pediatr 2003;40:665-9. ). Além dessas repercussões negativas, as cefaleias podem desencadear o surgimento de emoções negativas como tristeza, ansiedade ou raiva( 1818. Gaßmann J, Barke A, van Gessel H, Kröner-Herwig B. Sex-specific predictor analyses for the incidence of recurrent headaches in German schoolchildren. Psychosoc Med 2012;9:Doc03. ).

Diante do exposto e devido à alta prevalência e à gravidade do quadro sintomatológico, constata-se que as cefaleias apresentam-se atualmente como um problema de Saúde Pública( 1919. Gorayeb MA, Gorayeb R. Association between headache and anxiety disorders indicators in a school sample from Ribeirão Preto, Brazil. Arq Neuropsiquiatr 2002;60:764-8. ), com impacto negativo nas atividades cotidianas dos adolescentes. Sendo assim, este estudo teve como objetivo determinar a prevalência de cefaleia e sua interferência nas AVD em adolescentes escolares do sexo feminino de uma escola pública do município de Petrolina, PE.

Método

Estudo transversal, realizado com 228 adolescentes do sexo feminino de dez a 19 anos, matriculadas em uma escola pública no município de Petrolina, PE, Brasil, no período de maio a julho de 2012. A escolha da escola se deu pelos seguintes critérios: escola estadual localizada em zona urbana, de grande porte (acima de mil alunos) e que apresentasse turmas do ensino fundamental e médio. Depois dos critérios estabelecidos, sete escolas foram elegíveis. Em seguida, selecionou-se uma escola a ser avaliada por sorteio por meio de um programa de computador. Para apresentação e familiarização com o projeto, realizou-se a divulgação na escola, sendo entregue uma carta explicativa e o termo de consentimento livre e esclarecido aos responsáveis das alunas para o conhecimento dos objetivos da pesquisa e da rotina do experimento.

Todas as participantes e seus respectivos responsáveis foram informados sobre os procedimentos da pesquisa, segundo a resolução nº 196/96 do Conselho Nacional da Saúde. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Pernambuco.

Para quantificar o número de sujeitos, utilizou-se o programa WinPepi. Considerou-se a população de 584 estudantes do sexo feminino matriculadas na escola, proporção estimada de adolescentes com cefaleia de 19,5%( 77. Ofovwe GE, Ofili AN. Prevalence and impact of headache and migraine among secondary school students in Nigeria. Headache 2010;50:1570-5. ), precisão absoluta de 5% e perda de 20%, totalizando 171 adolescentes. No entanto, para que houvesse uma melhor representação e distribuição da amostra, selecionaram-se 15 turmas, por meio de sorteio, o que representou 60% do total de turmas da escola. Por fim, definiu-se um número mínimo de 15 meninas por turma. As alunas de cada turma foram codificadas numericamente e, posteriormente, realizou-se a randomização das participantes, respeitando-se os critérios de inclusão do estudo.

Incluíram-se as adolescentes que atenderam aos seguintes critérios: estar devidamente matriculada na escola; idade de dez a 19 anos e ter entregado o termo de consentimento devidamente datado e assinado pelo responsável. Os critérios de exclusão foram: apresentar alterações no estado físico, comportamental e/ou psicológico que impossibilitassem o preenchimento dos instrumentos de coleta; alteração neurológica; trauma de face; uso de medicamentos hormonais, anticonvulsivantes e profiláticos para tratamento de cefaleia e estar grávida ou amamentando nos últimos seis meses.

Do total da amostra, excluíram-se 13 voluntárias por uso de anticoncepcional oral, sete por terem sofrido trauma de face, uma por apresentar alteração neurológica (convulsão), uma por ter sofrido trauma de face e apresentar alteração neurológica (convulsão), uma por uso de medicamento anticonvulsivante e uma por uso de medicamento à base de hormônios progestágenos, sendo, portanto, o estudo composto por 204 adolescentes. A elegibilidade da amostra e as etapas da coleta podem ser visualizadas na Figura 1.

Figura 1
Diagrama de elegibilidade das adolescentes

Aplicou-se um questionário estruturado elaborado pelos pesquisadores, que constava de questões acerca dos dados sociodemográficos, ocorrência de cefaleia e suas características. Antes da coleta de dados, realizou-se um estudo-piloto com dez adolescentes para aprimorar o questionário, modificando-o de modo facilitar a interpretação. Classificaram-se as cefaleias segundo os critérios diagnósticos propostos pela Sociedade Internacional de Cefaleia (SIC)( 1212. International Headache Society. The international classification of headache disorders. 2nd ed. Cephalalgia 2004;24 (Suppl 1):9-160. ). Avaliaram-se os seguintes quesitos: intensidade da dor, mensurada pela Escala Visual Numérica (EVN) e categorizada como leve, moderada e grave; duração da dor; interferência nas AVD, considerada pelos descritores sim e não e classificada em pouco, significante e incapacitante; característica da dor, qualificada como latejante ou não; localização da dor, caracterizada em unilateral ou bilateral; e sintomas associados à cefaleia, como fotofobia, fonofobia, náuseas e vômitos. O questionário foi autoaplicado e, durante o preenchimento, uma pesquisadora treinada supervisionou as adolescentes para solucionar possíveis dúvidas.

Para análise estatística, os dados foram processados e analisados com o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.0. Para o cálculo do intervalo de confiança de 95% (IC95%), utilizou-se o programa WinPepi. As variáveis contínuas foram apresentadas sob a forma de medidas de tendência central e dispersão e as variáveis categóricas, em frequências absolutas e relativas. Para associação, utilizou-se o teste do qui-quadrado. Em todas as análises, adotou-se nível de significância de p<0,05.

Resultados

Analisaram-se 204 questionários de adolescentes com idade média de 14,0±1,4 anos, verificando-se prevalência de cefaleia de 87,7% (n=179; IC95% 82,4-91,9). Na Tabela 1, podem ser visualizados os valores absolutos e relativos referentes à classificação das cefaleias, a partir das informações colhidas nos questionários.

Tabela 1
Classificação das cefaleias (n=179)

Quanto à intensidade da dor, 13,4% (n=24) das adolescentes relataram a cefaleia como leve, 69,2% (n=124) como moderada e 17,3% (n=31) como grave. A cefaleia foi considerada um fator de interferência nas AVD por 84,9% (n=152) das adolescentes, sendo que, destas, 46,0% (n=70) relataram que a dor interferia significativamente ou eram incapazes de desempenhar as AVD.

Do total das adolescentes com cefaleia, 61,4% (n=110) relataram presença de pelo menos um sintoma associado, sendo os mais prevalentes a fotofobia, com 60,9% (n=67), a fonofobia, com 56,3% (n=62) e as náuseas, com 22,7% (n=25).

A necessidade de medicamento para alívio da dor foi relatada por 70,3% (n=126) das participantes. No entanto, apenas 26,2% (n=47) das adolescentes referiram procurar ajuda médica devido à queixa álgica. Absenteísmo escolar foi referido por 31,8% (n=57) das escolares em decorrência da cefaleia.

Associações estatisticamente significativas foram encontradas entre intensidade da dor e as variáveis absenteísmo escolar, interferência nas AVD, procura médica e uso de medicamentos (Tabela 2).

Tabela 2
Associações entre intensidade da dor, absenteísmo escolar, interferência nas atividades de vida diária, procura médica e necessidade de medicamentos (n=179)

Discussão

O objetivo do presente estudo foi determinar a prevalência de cefaleia e sua interferência nas AVD em adolescentes escolares do sexo feminino. A cefaleia é um problema de saúde frequente e incapacitante que acomete indivíduos em todo o mundo( 55. Bahrami P, Zebardast H, Zibaei M, Mohammadzadeh M, Zabandan N. Prevalence and characteristics of headache in Khoramabad, Iran. Pain Physician 2012;15:327-32. , 2020. Stovner L, Hagen K, Jensen R, Katsarava Z, Lipton R, Scher A et al. The global burden of headache: a documentation of headache prevalence and disability worldwide. Cephalalgia 2007;27:193-210. ), com impacto quanto aos custos em saúde( 88. Jin Z, Shi L, Wang YJ, Yang LG, Shi YH, Shen LW et al. Prevalence of headache among children and adolescents in Shanghai, China. J Clin Neurosci 2013;20:117-21. ). Altas prevalências foram encontradas por alguns autores, como Bahrami et al ( 55. Bahrami P, Zebardast H, Zibaei M, Mohammadzadeh M, Zabandan N. Prevalence and characteristics of headache in Khoramabad, Iran. Pain Physician 2012;15:327-32. ), que verificaram prevalência de 78,2% em seu estudo. Na literatura, a prevalência de cefaleia em crianças e adolescentes é muito variável, apresentando-se de 9,7 a 78,2%( 55. Bahrami P, Zebardast H, Zibaei M, Mohammadzadeh M, Zabandan N. Prevalence and characteristics of headache in Khoramabad, Iran. Pain Physician 2012;15:327-32. , 77. Ofovwe GE, Ofili AN. Prevalence and impact of headache and migraine among secondary school students in Nigeria. Headache 2010;50:1570-5.

8. Jin Z, Shi L, Wang YJ, Yang LG, Shi YH, Shen LW et al. Prevalence of headache among children and adolescents in Shanghai, China. J Clin Neurosci 2013;20:117-21.
- 99. Hershey AD. What is the impact, prevalence, disability, and quality of life of pediatric headache? Curr Pain Headache Rep 2005;9:341-4. ). Tal diversidade encontrada nos estudos provavelmente pode ser justificada pelas diferenças metodológicas adotadas, pelos critérios diagnósticos utilizados( 2121. Kienbacher C, Wöber C, Zesch HE, Hafferl-Gattermayer A, Posch M, Karwautz A et al. Clinical features, classi?cation and prognosis of migraine and tension-type headache in children and adolescents: a long-term follow-up study. Cephalalgia 2006;26:820-30. ) e pela localização geográfica( 2222. Ayatollahi SM, Khosravi A. Prevalence of migraine and tension-type headache in primary-school children in Shiraz. East Mediterr Health J 2006;12:809-17. ).

Verificou-se elevada prevalência de cefaleia nas adolescentes deste estudo, com taxas de 87,8%. Vários autores observaram que as mulheres, comparadas aos homens, são significativamente mais afetadas por tal sintoma( 55. Bahrami P, Zebardast H, Zibaei M, Mohammadzadeh M, Zabandan N. Prevalence and characteristics of headache in Khoramabad, Iran. Pain Physician 2012;15:327-32. , 2323. Demirkirkan MK, Ellidokuz H, Boluk A. Prevalence and clinical characteristics of migraine in university students in Turkey. Tohoku J Exp Med 2006;208:87-92. , 2424. Fuh JL, Wang SJ, Lu SR, Liao YC, Chen SP, Yang CY. Headache disability among adolescents: a student population-based study. Headache 2010;50:210-8. ). Postula-se que a maior prevalência de cefaleias em indivíduos do sexo feminino possa ser explicada pelas diversas alterações que ocorrem no cérebro, devido aos efeitos que o estrogênio ocasiona no sistema nervoso( 1414. Scharfman HE, MacLusky NJ. Estrogen-growth factor interactions and their contributions to neurological disorders. Headache 2008;48 (Suppl 2):S77-89. ). Distúrbios neurológicos, como a migrânea, podem aumentar em frequência quando os níveis de estradiol se alteram( 1414. Scharfman HE, MacLusky NJ. Estrogen-growth factor interactions and their contributions to neurological disorders. Headache 2008;48 (Suppl 2):S77-89. ). Contudo, a relação entre o período menstrual e a cefaleia do tipo tensional ainda não é clara( 1313. Miziara L, Bigal ME, Bordini CA, Speciali JG. Menstrual headache: semiological study in 100 cases. Arq Neuropsiquiatr 2003;61:596-600. ).

Vale ressaltar que, neste estudo, excluíram-se as adolescentes que utilizavam medicamentos hormonais, como os anticoncepcionais orais. O uso de contraceptivos hormonais pode ter efeito maléfico em mulheres mais sensíveis, piorando o quadro da migrânea, particularmente durante o intervalo de retirada dos hormônios( 2525. Nappi RE, Terreno E, Sances G, Martini E, Tonani S, Santamaria V et al. Effect of a contraceptive pill containing estradiol valerate and dienogest (E2V/DNG) in women with menstrually-related migraine (MRM). Contraception 2013;88:369-75. ). Em adolescentes escolares de Taiwan, verificou-se que a intensidade das dores de cabeça nos indivíduos do sexo feminino tem possível relação com a ocorrência da menarca( 2626. Lu SR, Fuh JL, Juang KD, Wang SJ. Migraine prevalence in adolescents aged 13-15: a student population-based study in Taiwan. Chephalalgia 2000;20:479-85. ). Outro fator a ser considerado é o histórico familiar, visto que a frequência de cefaleia relaciona-se à frequência de dores de cabeça da mãe( 2727. Arruda MA, Bigal ME. Migraine and behavior in children: influence of maternal headache frequency. J Headache Pain 2012;13:395-400. ).

Na presente pesquisa, houve associações estatísticas entre a intensidade da dor e as variáveis absenteísmo escolar, interferência nas AVD, procura médica e uso de medicamentos. No entanto, tais resultados eram esperados, pois entende-se que, quanto mais intensa a cefaleia, maior será o prejuízo na realização das atividades rotineiras e, consequentemente, maior será a necessidade de procurar ajuda médica.

O uso de fármacos para o alívio da dor foi referido pela maioria das adolescentes (70,4%). Como verificado por outros autores( 2323. Demirkirkan MK, Ellidokuz H, Boluk A. Prevalence and clinical characteristics of migraine in university students in Turkey. Tohoku J Exp Med 2006;208:87-92. ), pode-se inferir que boa parte dessa população realizava automedicação, pois a proporção de adolescentes que procuraram auxílio médico devido a essa queixa foi muito baixa (26,3%). No entanto, acredita-se que o uso abusivo de medicamentos para aliviar a dor de cabeça, além do histórico familiar, pode contribuir para a cronificação da cefaleia( 2828. Cevoli S, Sancisi E, Grimaldi D, Pierangeli G, Zanigni S, Nicodemo M et al. Family history for chronic headache and drug overuse as a risk factor for headache chronification. Headache 2009;49:412-8. ). Nesse sentido, tornam-se fundamentais as políticas de saúde que busquem esclarecer a população quanto às consequências do uso rotineiro e sem prescrição de fármacos para aliviar as dores de cabeça.

A cefaleia é motivo de preocupação em crianças e adolescentes devido ao impacto negativo exercido na assiduidade e no desempenho escolar, bem como nas relações familiares e interpessoais, prejudicando, assim, a qualidade de vida dessa população( 99. Hershey AD. What is the impact, prevalence, disability, and quality of life of pediatric headache? Curr Pain Headache Rep 2005;9:341-4. , 2929. Strine TW, Okoro CA, McGuire LC, Balluz LS. The associations among childhood headaches, emotional and behavioral difficulties, and health care use. Pediatrics 2006;117:1728-35. ). Neste estudo, a cefaleia foi razão de absenteísmo escolar em 31,8% das adolescentes analisadas. Além disso, é considerada como fator de interferência nas AVD( 2424. Fuh JL, Wang SJ, Lu SR, Liao YC, Chen SP, Yang CY. Headache disability among adolescents: a student population-based study. Headache 2010;50:210-8. ), situação também constatada neste estudo em 84,9% das escolares, sendo que a maioria relatou que esse problema interferia significativamente ou incapacitava a realização das AVD. Em decorrência das repercussões negativas na vida das adolescentes, tais como o declínio na realização das atividades acadêmicas e cotidianas, a influência da cefaleia no desempenho das AVD é um item fundamental a ser abordado. Apesar disso, constata-se que comumente a cefaleia é subdiagnosticada e subtratada( 55. Bahrami P, Zebardast H, Zibaei M, Mohammadzadeh M, Zabandan N. Prevalence and characteristics of headache in Khoramabad, Iran. Pain Physician 2012;15:327-32. , 2929. Strine TW, Okoro CA, McGuire LC, Balluz LS. The associations among childhood headaches, emotional and behavioral difficulties, and health care use. Pediatrics 2006;117:1728-35. ), sendo necessário desenvolver abordagens terapêuticas para reduzir a dor e melhorar a qualidade de vida( 2929. Strine TW, Okoro CA, McGuire LC, Balluz LS. The associations among childhood headaches, emotional and behavioral difficulties, and health care use. Pediatrics 2006;117:1728-35. ).

Contudo, algumas limitações do presente estudo devem ser relatadas, destacando-se o fato de ter sido utilizado um questionário autoaplicado para o diagnóstico das cefaleias, fato que poderia ocasionar um viés de memória, fraqueza esta inerente a estudos transversais retrospectivos( 3030. Pitangui AC, Gomes MR, Lima AS, Schwingel PA, Albuquerque AP, de Araújo RC. Menstruation disturbances: prevalence, characteristics, and effects on the activities of daily living among adolescent girls from Brazil. J Pediatr Adolesc Gynecol 2013;26:148-52. ). Entretanto, diversos autores consideram que a utilização de questionários é adequada para estudos epidemiológicos pelo fato de o diagnóstico das cefaleias ser baseado na presença de sintomas e de características específicas( 88. Jin Z, Shi L, Wang YJ, Yang LG, Shi YH, Shen LW et al. Prevalence of headache among children and adolescents in Shanghai, China. J Clin Neurosci 2013;20:117-21. ).

Outra limitação foi o fato de a amostra deste estudo ter sido específica de uma escola pública de uma cidade do interior do Brasil; dessa forma, os resultados encontrados não podem ser generalizados para outras populações. Além disso, não se analisaram os antecedentes familiares de cefaleia e, assim, sugere-se a realização de novos estudos que considerem as limitações citadas e que comparem a presença e a intensidade da cefaleia em adolescentes que fazem uso rotineiro ou não de anticoncepcionais.

Em suma, conclui-se com os dados do presente estudo que a prevalência de cefaleia foi elevada nas adolescentes analisadas. Observaram-se associações significativas entre a intensidade da dor e as variáveis absenteísmo escolar, interferência nas AVD, procura médica e uso de medicamento, ficando claro o impacto negativo que essa sintomatologia pode causar nas AVD e no meio escolar. Notou-se ainda elevada taxa de automedicação pelas adolescentes e baixo percentual de procura médica, talvez por considerarem a cefaleia um problema comum e que não requer maior atenção. Nesse contexto, em decorrência das repercussões negativas que a cefaleia pode ocasionar na vida das adolescentes, destaca-se a necessidade de estudos futuros acerca do tema para se realizarem medidas preventivas e terapêuticas eficientes para o alívio dos sintomas.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Programa de Fortalecimento Acadêmico da Universidade de Pernambuco (PFAUPE) pelo auxilio financeiro concedido.

References

  • 1
    Deligeoroglou E, Tsimaris P. Menstrual disturbances in puberty. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol 2010;24:157-71.
  • 2
    Zegeye DT, Megabiaw B, Mulu A. Age at menarche and the menstrual pattern of secondary school adolescents in northwest Ethiopia. BMC Women's Health 2009;9:29.
  • 3
    Gherpelli JL. Treatment of headaches. J Pediatr (Rio J) 2002;78 (Suppl 1):S3-8.
  • 4
    Doty E, Attaran M. Managing primary dysmenorrhea. J Pediatr Adolesc Gynecol 2006;19:341-4.
  • 5
    Bahrami P, Zebardast H, Zibaei M, Mohammadzadeh M, Zabandan N. Prevalence and characteristics of headache in Khoramabad, Iran. Pain Physician 2012;15:327-32.
  • 6
    Visudtibhan A, Boonsopa C, Thampratankul L, Nuntnarumit P, Okaschareon C, Khongkhatithum C et al. Headache in junior high school students: types & characteristics in Thai children. J Med Assoc Thai 2010;93:550-7.
  • 7
    Ofovwe GE, Ofili AN. Prevalence and impact of headache and migraine among secondary school students in Nigeria. Headache 2010;50:1570-5.
  • 8
    Jin Z, Shi L, Wang YJ, Yang LG, Shi YH, Shen LW et al. Prevalence of headache among children and adolescents in Shanghai, China. J Clin Neurosci 2013;20:117-21.
  • 9
    Hershey AD. What is the impact, prevalence, disability, and quality of life of pediatric headache? Curr Pain Headache Rep 2005;9:341-4.
  • 10
    Albuquerque RP, Santos AB, Tognola WA, Arruda MA. An epidemiologic study of headaches in Brazilian schoolchildren with a focus on pain frequency. Arq Neuropsiquiatr 2009;67:798-803.
  • 11
    Speciali JG. Classification for headache disorders. Medicina 1997;30:421-7.
  • 12
    International Headache Society. The international classification of headache disorders. 2nd ed. Cephalalgia 2004;24 (Suppl 1):9-160.
  • 13
    Miziara L, Bigal ME, Bordini CA, Speciali JG. Menstrual headache: semiological study in 100 cases. Arq Neuropsiquiatr 2003;61:596-600.
  • 14
    Scharfman HE, MacLusky NJ. Estrogen-growth factor interactions and their contributions to neurological disorders. Headache 2008;48 (Suppl 2):S77-89.
  • 15
    Macgregor EA, Rosenberg JD, Kurth T. Sex-related differences in epidemiological and clinic-based headache studies. Headache 2011;51:843-59.
  • 16
    Yu S, Liu R, Zhao G, Yang X, Qiao X, Feng J et al. The prevalence and burden of primary headaches in China: a population-based door-to-door survey. Headache 2012;52:582-91.
  • 17
    Shivpuri D, Rajesh MS, Jain D. Prevalence and characteristics of migraine among adolescents: a questionnaire survey. Indian Pediatr 2003;40:665-9.
  • 18
    Gaßmann J, Barke A, van Gessel H, Kröner-Herwig B. Sex-specific predictor analyses for the incidence of recurrent headaches in German schoolchildren. Psychosoc Med 2012;9:Doc03.
  • 19
    Gorayeb MA, Gorayeb R. Association between headache and anxiety disorders indicators in a school sample from Ribeirão Preto, Brazil. Arq Neuropsiquiatr 2002;60:764-8.
  • 20
    Stovner L, Hagen K, Jensen R, Katsarava Z, Lipton R, Scher A et al. The global burden of headache: a documentation of headache prevalence and disability worldwide. Cephalalgia 2007;27:193-210.
  • 21
    Kienbacher C, Wöber C, Zesch HE, Hafferl-Gattermayer A, Posch M, Karwautz A et al. Clinical features, classi?cation and prognosis of migraine and tension-type headache in children and adolescents: a long-term follow-up study. Cephalalgia 2006;26:820-30.
  • 22
    Ayatollahi SM, Khosravi A. Prevalence of migraine and tension-type headache in primary-school children in Shiraz. East Mediterr Health J 2006;12:809-17.
  • 23
    Demirkirkan MK, Ellidokuz H, Boluk A. Prevalence and clinical characteristics of migraine in university students in Turkey. Tohoku J Exp Med 2006;208:87-92.
  • 24
    Fuh JL, Wang SJ, Lu SR, Liao YC, Chen SP, Yang CY. Headache disability among adolescents: a student population-based study. Headache 2010;50:210-8.
  • 25
    Nappi RE, Terreno E, Sances G, Martini E, Tonani S, Santamaria V et al. Effect of a contraceptive pill containing estradiol valerate and dienogest (E2V/DNG) in women with menstrually-related migraine (MRM). Contraception 2013;88:369-75.
  • 26
    Lu SR, Fuh JL, Juang KD, Wang SJ. Migraine prevalence in adolescents aged 13-15: a student population-based study in Taiwan. Chephalalgia 2000;20:479-85.
  • 27
    Arruda MA, Bigal ME. Migraine and behavior in children: influence of maternal headache frequency. J Headache Pain 2012;13:395-400.
  • 28
    Cevoli S, Sancisi E, Grimaldi D, Pierangeli G, Zanigni S, Nicodemo M et al. Family history for chronic headache and drug overuse as a risk factor for headache chronification. Headache 2009;49:412-8.
  • 29
    Strine TW, Okoro CA, McGuire LC, Balluz LS. The associations among childhood headaches, emotional and behavioral difficulties, and health care use. Pediatrics 2006;117:1728-35.
  • 30
    Pitangui AC, Gomes MR, Lima AS, Schwingel PA, Albuquerque AP, de Araújo RC. Menstruation disturbances: prevalence, characteristics, and effects on the activities of daily living among adolescent girls from Brazil. J Pediatr Adolesc Gynecol 2013;26:148-52.
  • Fonte financiadora: Programa de Fortalecimento Acadêmico da Universidade de Pernambuco (PFAUPE)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    07 Ago 2013
  • Aceito
    23 Out 2013
Sociedade de Pediatria de São Paulo R. Maria Figueiredo, 595 - 10o andar, 04002-003 São Paulo - SP - Brasil, Tel./Fax: (11 55) 3284-0308; 3289-9809; 3284-0051 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rpp@spsp.org.br