Acessibilidade / Reportar erro

Intervenção neurofuncional pediátrica em agenesia do corpo caloso: relato de caso Estudo conduzido na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Florianópolis, SC, Brasil.

Resumos

Objetivo:

Descrever um relato clínico pré e pós-intervenção neurofuncional num caso de agenesia de corpo caloso.

Descrição do caso:

Após o nascimento prematuro foi detectada agenesia do corpo caloso e hipoplasia dos ventrículos laterais e vérmis cerebelar. Aos dois anos iniciou a intervenção proposta neste estudo. Uma avaliação neurofuncional, além da Medida da Função Motora Grossa e o Sistema de Classificação da Função Motora Grossa, foi utilizada para obter o desempenho funcional da criança. Na avaliação inicial havia ausência de reações de equilíbrio e de transferências posturais, e déficits no controle manual e de tronco. A intervenção foi realizada com enfoque na função, priorizando o controle postural e a orientação da familia para continuidade do tratamento em ambiente domiciliar. Após a intervenção houve melhora das reações corporais, controle postural e aquisição de movimentos de mãos e membros. A intervenção também mostrou melhora no desempenho funcional.

Comentários:

O controle postural e as transferências de posições foram beneficiadas por intervenção neurofuncional nesse paciente com agenesia de corpo caloso. O enfoque baseado na função com atividades que envolvem fortalecimento muscular e treinamento das reações de equilíbrio influenciaram a aquisição do comportamento motor mais seletivo.

Agenesia de corpo caloso; Estimulação precoce; Transtornos das habilidades motoras; Criança


Objective:

To describe a clinical report pre- and post-neurofunctional intervention in a case of agenesis of the corpus callosum.

Case description:

Preterm infant with corpus callosum agenesis and hypoplasia of the cerebellum vermis and lateral ventricles, who, at the age of two years, started the proposed intervention. Functional performance tests were used such as the neurofunctional evaluation, the Gross Motor Function Measure and the Gross Motor Function Classification System. In the initial evaluation, absence of equilibrium reactions, postural transfers, deficits in manual and trunk control were observed. The intervention was conducted with a focus on function, prioritizing postural control and guidance of the family to continue care in the home environment. After the intervention, there was an improvement of body reactions, postural control and movement acquisition of hands and limbs. The intervention also showed improvement in functional performance.

Comments:

Postural control and transfers of positions were benefited by the neurofunction intervention in this case of agenesis of the corpus callosum. The approach based on function with activities that involve muscle strengthening and balance reactions training, influenced the acquisition of a more selective motor behavior.

Agenesia de corpo caloso; Estimulação precoce; Transtornos das habilidades motoras; Criança


Introdução

O sistema nervoso central (SNC) é responsável pela interpretação e pela transmissão de informações sensitivas, cognitivas e motoras. Em sua região central, encontra-se o corpo caloso (CC), que transmite essas informações entre os hemisférios cerebrais1Buklina SB. The corpus callosum, interhemisphere interactions, and the function of the right hemisphere of the brain. Neurosci Behav Physiol 2005;35:473-80. por meio de um trato único e exclusivo para a integração.2Fame RM, MacDonald JL, Macklis JD. Development, specification, and diversity of callosal projection neurons. Trends Neurosci 2011;34:41-50.

Alterações caracterizadas por gênese parcial (disgenesia) ou ausência total (agenesia) do CC podem gerar uma desconexão inter-hemisférica.3Schulte T, Müller-Oehring EM. Contribution of callosal connections to the interhemispheric integration of visuomotor and cognitive processes. Neuropsychol Rev 2010;20:174-90.,4Davila-Gutierrez G. Agenesis and dysgenesis of the corpus callosum. Seminars in Pediatric Neurology 2002;9:292-301. Estima-se que a incidência de agenesias e disgenesias de corpo caloso (ADCC) seja de um a cada mil nascidos vivos,5Wang LW, Huang CC, Yeh TF. Major brain lesions detected on sonographic screening of apparently normal term neonates. Neuroradiology 2004;46:368-73. com prevalência de 2,3% na America do Norte e ainda desconhecida em países latinos.4Davila-Gutierrez G. Agenesis and dysgenesis of the corpus callosum. Seminars in Pediatric Neurology 2002;9:292-301.

As malformações congênitas do SNC, de forma geral, podem estar relacionadas a outras malformações (cerebrais ou de outros segmentos) em 21% dos casos.6Pitkin RM. Folate and neural tube defects1'2'3. Am J Clin Nutr 2007;85:285S-8S. Na ADCC, por exemplo, podem ocorrer concomitantemente anomalias extra e intracerebrais,7Sotiriadis A, Makrydimas G. Neurodevelopment after prenatal diagnosis of isolated agenesis of the corpus callosum: an integrative review. Am J Obstet Gynecol 2012;206:337. como hidrocefalia,8Nass RD. Developmental stutter in a patient with callosal agenesis disappears during steroid therapy. Pediatr Neurol 1996;15:166-8. convulsões,9Mangione R, Fries N, Godard P, Capron C, Mirlesse V, Lacombe D et al. Neurodevelopmental outcome following prenatal diagnosis of an isolated anomaly of the corpus callosum. Ultrasound Obstet Gynecol 2011;37:290-5. síndromes,1010 Jacob FD, Dobson LJ, Estroff JA, Khwaja OS. Monozygotic twins with trisomy 21 and partial agenesis of the corpus callosum. Pediatr Neurol 2013;48:314-6. malformações do SNC,1111 Sauerwein HC, Lassonde M. Cognitive and sensori-motor functioning in the absence of the corpus callosum: neuropsychological studies in callosal agenesis and callosotomized patients. Behav Brain Res 1994;64:229-40. entre outras.

Essas doenças associadas podem potencializar ou adicionar outras características clínicas aos casos de ADCC. Assim, déficits cognitivos, sociais, visuais, auditivos, motores e somatossensoriais1212 Hutchinson AD, Mathias JL, Jacobson BL, Ruzic L, Bond NA, Banich MT. Relationship between intelligence and the size and composition of the corpus callosum. Exp Brain Res 2009;192:455-64. são típicos em indivíduos acometidos. Algumas crianças com disgenesia de CC podem apresentar um desenvolvimento típico, mas com alguma deficiência no comportamento psicossocial.1313 Badaruddin DH, Andrews GL, Bölte S, Schilmoeller KJ, Schilmoeller G, Paul LK et al. Social and behavioral problems of children with agenesis of the corpus callosum. Child Psychiatry Hum Dev 2007;38:287-302. Entretanto, observa-se comumente que crianças com ADCC exibem desenvolvimento motor atrasado, o que pode ser evidenciado em desajustes na realização de habilidades e déficits de coordenação bilateral e de controle manual.1111 Sauerwein HC, Lassonde M. Cognitive and sensori-motor functioning in the absence of the corpus callosum: neuropsychological studies in callosal agenesis and callosotomized patients. Behav Brain Res 1994;64:229-40.,1414 Mueller KL, Marion SD, Paul LK, Brown WS. Bimanual motor coordination in agenesis of the corpus callosum. Behav Neurosci 2009;123:1000.

A intervenção motora busca reduzir as alterações decorrentes do distúrbio neurológico, tendo em vista a possibilidade de exploração da plasticidade do SNC mediante intervenção específica.1515 Chiappedi M, Bejor M. Corpus callosum agenesis and Rehabilitative treatment. Ital J Pediatr 2010;36:64. Além da procura por técnicas que promovam a reabilitação, há uma preocupação relativa às formas de intervenção a serem realizadas, as quais devem visar à capacidade funcional.1616 Silva MS, Daltrário SM. Cerebral palsy: functional performance after gait training treadmill. Fisioter Mov 2008;21:109-15. Considerando que a reabilitação tem papel primordial na promoção da funcionalidade e da estimulação do desenvolvimento motor, este estudo teve como objetivo descrever um caso clínico antes e depois de intervenção neurofuncional numa criança com agenesia de corpo caloso (ACC).

Descrição do caso

Este estudo foi realizado na Clínica Escola de Fisioterapia do Centro de Ciências da Saúde e do Esporte (CEFID) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), sendo aprovado pelo Comitê de Etica em Seres Humanos sob o parecer 263/2009 e consentido pelo responsável da criança.

Durante o acompanhamento pré-natal, o achado ultrassonográfico evidenciou que a criança apresentava hidrocefalia. No sexto mês de gestação, diagnosticou-se pré-eclampsia, que resultou em parto cirúrgico de emergência. A criança do sexo masculino nasceu de 35 semanas e 4 dias de idade gestacional, com Apgar de 1º e 5º minutos de sete e oito, respectivamente, peso de 2020g, comprimento de 48cm, perímetro cefálico de 34cm e pequeno para a idade gestacional. Durante o período de 17 dias de internação na UTI neonatal, detectaram-se agenesia do corpo caloso (ACC) e hipoplasia dos ventrículos laterais e vérmis cerebelar (fig. 1).

Figura 1
Tomografia computadorizada craniana. (A) vista sagital demonstrando a agenesia de corpo caloso e hipoplasia de vérmis cerebelar; (B) vista transversal, apresenta hipoplasia dos ventrículos laterais e vérmis

Após a alta da unidade neonatal, o lactente foi submetido à intervenção precoce aos três meses de idade corrigida na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Florianópolis. Durante os dois primeiros anos de vida, passou por procedimentos de remoção cirúrgica de hérnia inguinal, polidáctilo, testículo esquerdo (atrofia) e adenoide. Aos dois anos de idade, iniciaram-se as primeiras crises convulsivas, tratadas atualmente com fármacos. O estudo genético, embora não conclusivo, pode ser compatível com síndrome acrocalosal, de acordo com o relato médico.

Aos dois anos e seis meses de idade cronológica, foi admitido para tratamento na clínica escola do CEFID/UDESC. Para a avaliação da criança na insituição foi utilizada uma ficha neurofuncional infantil, composta por: 1) identificação (dados pessoais); 2) anamnese (história clínica pregressa e atual, antecedentes familiares, doenças associadas e hábitos de vida); 3) comportamento motor (reflexos e reações, padrão motor que envolvia a descrição de simetrias, transferências, movimentação e ajustes posturais em todas as posições); e 4) exame físico (tônus, deformidades, desvios posturais e sensibilidade). A Medida da Função Motora Grossa (GMFM-88)1717 Russell D, Rosenbaum P, Avery LM, Lane M. Medida da função motora grossa [GMFM-66 & GMFM-88]: Manual do usuário. São Paulo: Memnon; 2011. e o Sistema de Classificação da Função Motora Grossa - Ampliado & Revisto (GMFCS-E&R),1818 CanChild Centre for Childhood Disability Research, McMaster University [omepage on the Internet]. Gross motor function classification system-expanded & revised (GMFCS-E&R), 2007 [cited 2013 Feb 10]. Available from: http://motorgrowth.canchild.ca/en/gmfcs/resources/gmfcs-er.pdf
http://motorgrowth.canchild.ca/en/gmfcs/...
publicado em versão brasileira,1919 Silva DB, Pfeifer LI, Funayama CA. Sistema de Classificação da Função Motora Grossa: ampliado e revisto (GMFCS - E & R). Canadá: Hamilton; 2010. foram aplicados para avaliar o desempenho funcional pré e pós-intervenção.

Na avaliação inicial, a criança apresentava tônus normal em membros superiores (MMSS) e flutuante em membros inferiores (MMII). Apesar de não ter deformidade articular, o paciente mostrava tendência ao pé equino valgo. Além disso, as reações de Landau, de para-quedas, de retificação labiríntica, cervical e corporal, de proteção de MMSS para trás, de equilíbrio em quatro apoios, em pé e na posição sentada apresentavam-se ausentes.

Em relação aos padrões motores: a) o membro superior permaneceu embaixo do corpo na transferência de supino para prono; b) houve ausência de apoio de MMSS na posição prona, com extensão cervical incompleta, alcance de objetos pobre e padrão extensor de MMII; c) não realizou transferência de supino para sentado; d) não se manteve sentado com controle de tronco e mãos livres por longo tempo ou em movimentos para trás; e) não realizou transferências a partir da posição sentada; f) apresentou descarga de peso em posição ortostática e simulou passos com apoio em cintura pélvica; g) realizou autolocomoção para curtas distâncias utilizando o rolar e, em prono, tentou rastejar sem o movimento alternado de MMII; h) ausência de controle bimanual com objetos grandes, unimanual deficitário e descoordenação para alcance de objetos. No GMFM inicial, os pontos obtidos foram basicamente em posturas mais baixas (prono, supino e sentado); porém, mesmo nessas posições, não obteve pontuação máxima, já que não atingiu transferências posturais, equilíbrio e controle seletivo de membros. De acordo com o GMFCS-E&R, a criança foi classificada no nível IV (automobilidade com limitações) na faixa etária correspondente entre dois e quatro anos.

Com base nessa avaliação, foram traçados os objetivos da intervenção neurofuncional: melhorar o apoio de MMSS em prono, a coordenação e o manuseio de objetos bi e unimanual; promover a extensão de MMII na posição sentada; adquirir novas posturas (quatro apoios, ajoelhado, semiajoelhado e em posição ortostática) e promover a passagem ativa entre elas. Visou-se ainda desenvolver equilíbrio, reações de proteção e descarga de peso em todas as posições, assim como fortalecimento dos membros e dos abdominais. Durante a intervenção, buscou-se prevenir as alterações na amplitude do movimento e das deformidades.

A intervenção neurofuncional baseou-se na utilização de recursos cinesioterapêuticos, sensoriais e proprioceptivos, em sessões de 40 minutos, duas vezes por semana. A cinesioterapia consistia em fortalecimento muscular, alongamento e mobilização dos MMSS e MMII, treino de manutenção e troca de posturas, descarga de peso, bem como estímulos às reações de equilíbrio, retificação e proteção. Durante o atendimento houve participação efetiva da mãe, transmitindo feedback para a terapeuta ao descrever atividades desenvolvidas pelo filho, dando continuidade ao tratamento em casa, realizando exercícios ensinados e oferecendo ao filho maior liberdade de movimento. Para a intervenção foram utilizados um tablado de madeira, colchonetes, bancos, brinquedos, cunha, rolos e bolas suíças.

A reavaliação utilizou os mesmos intrumentos iniciais e occoreu após 15 intervenções, aos 2 anos e 10 meses da criança. Observou-se que a tendência à deformidade em pé equino valgo ainda persistia, mas o alongamento, o posicionamento e as instruções para o cuidador possibilitaram que a deformidade não se instalasse. As reações de equilíbrio foram favorecidas pela intervenção, de forma que houve aquisição destas em quatro apoios, em pé e na posição sentada. Foram adquiridas as reações de proteção, de retificação labiríntica, cervical e corporal.

Em relação ao comportamento motor, houve aquisição de movimentos e melhora do tempo de permanência postural. Dessa forma, obteve-se: a) em prono: apoio total de MMSS sobre as mãos e realizando alcance; b) sentado: melhora do equilíbrio para trás, permitindo sentar em banco e de lado, realizando manuseio de objetos; c) em quatro apoios: permaneceu com os cotovelos estendidos e arrastou-se com os MMII; d) ajoelhado: sustentou ativamente com suporte em cintura pélvica ou com apoio em banco baixo; e) semiajoelhado: manteve-se ativamente por breve tempo; f) em posição ortostática: início da marcha com apoio do terapeuta em mãos ou cintura pélvica. Após treinamento houve aquisição das transferências posturais de supino para sentado, de sentado para ajoelhado (ativo assistido), de ajoelhado para semiajoelhado (ativo assistido) e de ajoelhado para em pé com apoio em banco alto (fig. 2).

Figura 2
Resultados pós-intervenção: (A) sentado em banco baixo, manteve-se com controle de tronco realizando manipulação de objetos uni ou bimanualmente; (B) consegue passar de sentado para ajoelhado utilizando suporte em banco baixo; (C) mantém-se na postura de quatro apoios e realiza dissociação de membros; (D) em posição ortostática realiza a passada com suporte do terapeuta

A criança passou a manusear objetos pequenos e grandes com melhor coordenação e preensão, o que favoreceu suas atividades diárias e no brincar, segundo informações maternas. Essa melhora no controle dos movimentos foi evidenciada pelo GMFM, já que posturas que exigiam domínio ou suporte de peso em mãos e MMSS foram conquistadas.

Os resultados obtidos na aplicação final das escalas foram positivos, conforme exposto na tabela 1. Devido aos valores nulos ou baixos adquiridos nas dimensões C, D e E, optou-se por apresentar o escore meta das dimensões A e B na avaliação incial. Após a intervenção, para esse escore foi acrescentada a dimensão C. No GMFCS-E&R, a criança passou do nível IV para o III. Nesse nível, já realizava o engatinhar sobre mãos e joelhos, puxava-se para levantar e andava com auxílio de terceiros. Apesar de realizar atividades referentes ao nível II, como engatinhar alternadamente, esta ainda não pôde ser considerada porque a criança necessitava de assistência em transferencia da postura sentada, além de não utilizar auxiliares de marcha para a locomoção.

Tabela 1
Função pré e pós-intervenção

Discussão

O objetivo da reabilitação em pacientes com ACC é melhorar o funcionamento global do indivíduo por meio de uma equipe multiprofissional e orientação aos cuidadores.1515 Chiappedi M, Bejor M. Corpus callosum agenesis and Rehabilitative treatment. Ital J Pediatr 2010;36:64. O paciente deste estudo apresentou hérnia inguinal, atrofia de testículo esquerdo e adenoide, que não fazem parte da ADCC. Já a polidactilia, as crises convulsivas e a hidrocefalia, também encontradas, podem estar associadas à malformação do CC. Essas alterações, associadas ou não, realçam a necessidade de intervenção multiprofissional. A criança relatada no presente estudo mostra atraso no desenvolvimento motor, que é comum nessa população.1414 Mueller KL, Marion SD, Paul LK, Brown WS. Bimanual motor coordination in agenesis of the corpus callosum. Behav Neurosci 2009;123:1000. Mas crianças com ACC também podem apresentar um desenvolvimento típico e dentro da faixa normal de inteligência.1313 Badaruddin DH, Andrews GL, Bölte S, Schilmoeller KJ, Schilmoeller G, Paul LK et al. Social and behavioral problems of children with agenesis of the corpus callosum. Child Psychiatry Hum Dev 2007;38:287-302. A intervenção precoce possibilita a prevenção mais eficaz dos fatores que podem causar ou ampliar as alterações no desenvolvimento. Assim, é importante iniciar o tratamento o mais cedo possível, a fim de prevenir complicações secundárias, físicas ou psíquicas para, dessa forma, explorar a plasticidade do SNC o quanto possível.1515 Chiappedi M, Bejor M. Corpus callosum agenesis and Rehabilitative treatment. Ital J Pediatr 2010;36:64.

Neste caso, a criança não apresentou deformidades ortopédicas ou limitações na amplitude dos movimentos. Contudo, a fraqueza muscular e a alteração de tônus determinaram a necessidade da intervenção preventiva, o que, em longo prazo, poderia resultar em quadros de deformidade. As deformidades e as limitações funcionais prejudicam o desempenho de habilidade motoras e devem ser prevenidas.

Estudos1111 Sauerwein HC, Lassonde M. Cognitive and sensori-motor functioning in the absence of the corpus callosum: neuropsychological studies in callosal agenesis and callosotomized patients. Behav Brain Res 1994;64:229-40.,2020 Wahl M, Lauterbach-Soon B, Hattingen E, Jung P, Singer O, Volz S et al. Human motor corpus callosum: topography, somatotopy, and link between microstructure and function. J Neurosci 2007;27:12132-8. têm demonstrado que indivíduos com ACC têm importante déficit na preensão, na destreza e na coordenação manual. É fundamental que a intervenção precoce contemple tais aspectos, visando à estimulação da funcionalidade. Neste relato de caso, a criança obteve grande melhora na aquisição motora manual e bimanual em manipulação de objetos por meio do treino da habilidade.

A estabilidade articular, o alongamento e a força muscular devem estar associados ao controle central, envolvendo atividades funcionais de movimentação, aquisição e manutenção de diferentes posturas.2121 Cargnin AP, Mazzitelli C. Proposta de tratamento fisioterapêutico para crianças portadoras de paralisia cerebral espástica, com ênfase nas alterações musculoesqueléticas. Rev Neurociencias 2003;11:34-9. A abordagem terapêutica baseada na prevenção de limitações funcionais, no fortalecimento muscular e no treinamento das reações de retificação, proteção e equilíbrio, influenciou o desenvolvimento da capacidade funcional ao longo do período analisado.

A intervenção motora com enfoque na funcionalidade mostrou ser efetiva, pois tanto o GMFCS-E&R quanto o GMFM indicaram a melhora da função motora grossa num curto período de intervenção. Contudo, destacase, neste caso, a grande participação da mãe da criança para o sucesso da intervenção. É fundamental enfatizar a importância da participação da família na promoção do desenvolvimento infantil em âmbito domiciliar.

Os pais de crianças com ACC podem auxiliar na melhoria das características deficitárias que interferem no cotidiano da criança.2222 Brown WS, Paul LK. Cognitive and psychosocial deficits in agenesis of the corpus callosum with normal intelligence. Cognitive Neuropsychiatry 2000;5:135-57.Evidências sugerem que, em crianças com desordens congênitas ou adquiridas, a terapia centrada na família, voltada para identificar precocemente as compensações funcionais, adaptar o ambiente e as tarefas por meio do feedback e orientações aos responsáveis, ajuda a melhorar a qualidade do seu desempenho.2323 Baker T, Haines S, Yost J, DiClaudio S, Braun C, Holt S. The role of family-centered therapy when used with physical or occupational therapy in children with congenital or acquired disorders. Physical Therapy Reviews 2012;17:29-36.

A agenesia de corpo caloso tem sido pouco abordada em estudos científicos, e um dos motivos para isso pode ser o número reduzido de casos no mundo. Além disso, dos casos existentes, nenhum estudo havia proposto a intervenção neurofuncional no que diz respeito ao controle postural na ACC. Dessa forma, este relato pode servir como base para futuros trabalhos envolvendo a intervenção motora em crianças com ACC, a fim de aprofundar o tema e fortalecer esses resultados.

  • Estudo conduzido na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Florianópolis, SC, Brasil.

Agradecimento

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pela bolsa de estudos recebida.

Referências

  • 1
    Buklina SB. The corpus callosum, interhemisphere interactions, and the function of the right hemisphere of the brain. Neurosci Behav Physiol 2005;35:473-80.
  • 2
    Fame RM, MacDonald JL, Macklis JD. Development, specification, and diversity of callosal projection neurons. Trends Neurosci 2011;34:41-50.
  • 3
    Schulte T, Müller-Oehring EM. Contribution of callosal connections to the interhemispheric integration of visuomotor and cognitive processes. Neuropsychol Rev 2010;20:174-90.
  • 4
    Davila-Gutierrez G. Agenesis and dysgenesis of the corpus callosum. Seminars in Pediatric Neurology 2002;9:292-301.
  • 5
    Wang LW, Huang CC, Yeh TF. Major brain lesions detected on sonographic screening of apparently normal term neonates. Neuroradiology 2004;46:368-73.
  • 6
    Pitkin RM. Folate and neural tube defects1'2'3. Am J Clin Nutr 2007;85:285S-8S.
  • 7
    Sotiriadis A, Makrydimas G. Neurodevelopment after prenatal diagnosis of isolated agenesis of the corpus callosum: an integrative review. Am J Obstet Gynecol 2012;206:337.
  • 8
    Nass RD. Developmental stutter in a patient with callosal agenesis disappears during steroid therapy. Pediatr Neurol 1996;15:166-8.
  • 9
    Mangione R, Fries N, Godard P, Capron C, Mirlesse V, Lacombe D et al. Neurodevelopmental outcome following prenatal diagnosis of an isolated anomaly of the corpus callosum. Ultrasound Obstet Gynecol 2011;37:290-5.
  • 10
    Jacob FD, Dobson LJ, Estroff JA, Khwaja OS. Monozygotic twins with trisomy 21 and partial agenesis of the corpus callosum. Pediatr Neurol 2013;48:314-6.
  • 11
    Sauerwein HC, Lassonde M. Cognitive and sensori-motor functioning in the absence of the corpus callosum: neuropsychological studies in callosal agenesis and callosotomized patients. Behav Brain Res 1994;64:229-40.
  • 12
    Hutchinson AD, Mathias JL, Jacobson BL, Ruzic L, Bond NA, Banich MT. Relationship between intelligence and the size and composition of the corpus callosum. Exp Brain Res 2009;192:455-64.
  • 13
    Badaruddin DH, Andrews GL, Bölte S, Schilmoeller KJ, Schilmoeller G, Paul LK et al. Social and behavioral problems of children with agenesis of the corpus callosum. Child Psychiatry Hum Dev 2007;38:287-302.
  • 14
    Mueller KL, Marion SD, Paul LK, Brown WS. Bimanual motor coordination in agenesis of the corpus callosum. Behav Neurosci 2009;123:1000.
  • 15
    Chiappedi M, Bejor M. Corpus callosum agenesis and Rehabilitative treatment. Ital J Pediatr 2010;36:64.
  • 16
    Silva MS, Daltrário SM. Cerebral palsy: functional performance after gait training treadmill. Fisioter Mov 2008;21:109-15.
  • 17
    Russell D, Rosenbaum P, Avery LM, Lane M. Medida da função motora grossa [GMFM-66 & GMFM-88]: Manual do usuário. São Paulo: Memnon; 2011.
  • 18
    CanChild Centre for Childhood Disability Research, McMaster University [omepage on the Internet]. Gross motor function classification system-expanded & revised (GMFCS-E&R), 2007 [cited 2013 Feb 10]. Available from: http://motorgrowth.canchild.ca/en/gmfcs/resources/gmfcs-er.pdf
    » http://motorgrowth.canchild.ca/en/gmfcs/resources/gmfcs-er.pdf
  • 19
    Silva DB, Pfeifer LI, Funayama CA. Sistema de Classificação da Função Motora Grossa: ampliado e revisto (GMFCS - E & R). Canadá: Hamilton; 2010.
  • 20
    Wahl M, Lauterbach-Soon B, Hattingen E, Jung P, Singer O, Volz S et al. Human motor corpus callosum: topography, somatotopy, and link between microstructure and function. J Neurosci 2007;27:12132-8.
  • 21
    Cargnin AP, Mazzitelli C. Proposta de tratamento fisioterapêutico para crianças portadoras de paralisia cerebral espástica, com ênfase nas alterações musculoesqueléticas. Rev Neurociencias 2003;11:34-9.
  • 22
    Brown WS, Paul LK. Cognitive and psychosocial deficits in agenesis of the corpus callosum with normal intelligence. Cognitive Neuropsychiatry 2000;5:135-57.
  • 23
    Baker T, Haines S, Yost J, DiClaudio S, Braun C, Holt S. The role of family-centered therapy when used with physical or occupational therapy in children with congenital or acquired disorders. Physical Therapy Reviews 2012;17:29-36.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2014

Histórico

  • Recebido
    23 Dez 2013
  • Aceito
    01 Abr 2014
Sociedade de Pediatria de São Paulo R. Maria Figueiredo, 595 - 10o andar, 04002-003 São Paulo - SP - Brasil, Tel./Fax: (11 55) 3284-0308; 3289-9809; 3284-0051 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rpp@spsp.org.br