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RELAÇÃO DA DURAÇÃO DA POSIÇÃO CANGURU E INTERAÇÃO MÃE-FILHO PRÉ-TERMO NA ALTA HOSPITALAR

RESUMO

Objetivo:

Analisar a influência da duração da Posição Canguru nas interações iniciais da díade mãe-filho pré-termo.

Métodos:

Trata-se de um estudo observacional, prospectivo exploratório, que analisou, por meio de filmagens, a interação mãe-filho, durante a amamentação, previamente à alta hospitalar, utilizando o “Protocolo de Interação Mãe-Bebê 0 a 6 meses”. Foi correlacionado o tempo da Posição Canguru durante toda a internação hospitalar e a interação mãe-filho pré-termo. Todos os recém-nascidos elegíveis (idade gestacional entre 28 e 32 semanas e peso ao nascimento entre 1000 e 1800 g) foram incluídos no período de 11 de junho a 31 de setembro de 2014.

Resultados:

Quanto maior o tempo em Posição Canguru, mais os recém-nascidos realizaram tentativas de contato físico com as mães durante a amamentação (r=0,37; p=0,03); e quanto maior o tempo na Posição Canguru, menos as mães conversaram com os filhos (r=-0,47; p=0,006).

Conclusões:

Os dados apontam que o maior tempo de Posição Canguru favorece as trocas iniciais de contato entre o filho pré-termo e a mãe, o que sugere maior estado de alerta e melhor disponibilidade do recém-nascido para interações com a mãe durante a amamentação.

Palavras-chave:
relações mãe-filho; prematuro; recém-nascido de baixo peso; Método Canguru; linguagem; crescimento e desenvolvimento

ABSTRACT

Objective:

To analyze the influence of the Kangaroo Position duration in the initial interactions between mothers and preterm infants.

Methods:

This is an exploratory prospective observational study that analyzed the mother-infant interaction during breastfeeding, before hospital discharge. All eligible newborns, with a gestational age of 28-32 weeks and a birth weight of 1,000-1,800 g from June 11 to September 31, 2014 were included. The films of the interaction were evaluated by the “Mother-Baby Interaction Protocol 0-6 months” tool. The duration of the Kangaroo Position during all the hospitalization period was correlated with the interaction between mother and preterm infant.

Results:

The longer the dyad spent time in the Kangaroo Position, the more the newborns made physical contact attempts with their mothers during breastfeeding (r=0.37; p=0.03); and the longer the time in the Kangaroo Position, the less the mothers talked to their children (r=-0.47; p=0.006).

Conclusions:

Longer periods in the Kangaroo Position stimulates the initial exchanges of contact between preterm infant with his mother, which suggests a higher alert status of the newborn and a better availability for interactions with the mother during breastfeeding.

Keywords:
mother-child relations; premature infant; newborn low weight; kangaroo care; language; growth and development

INTRODUÇÃO

Os recém-nascidos pré-termo são considerados grupo de risco para o desenvolvimento neuropsicomotor e podem apresentar desvantagens para estabelecer relações interacionais satisfatórias,11. Schermann L. Considerações sobre a interação mãe-criança e o nascimento pré-termo. Temas em Psicologia da SBP. 2001;9:55-61. além de atrasos na aquisição e no desenvolvimento da linguagem.22. Silveira RC. Manual seguimento ambulatorial do prematuro de risco. Porto Alegre: SBP-Departamento Científico de Neonatologia; 2012.,33. Stolt S, Korja R, Matomäki J, Lapinleimu H, Haataja L, Lehtonen L. Early relations between language development and the quality of mother-child interaction in very-low-birth-weight children. Early Hum Dev. 2014;90:219-25. O recém-nascido, que necessita permanecer no cuidado intensivo, pode despertar na mãe sentimentos de culpa e tristeza, prejudicando o surgimento da sensibilidade materna.44. Klaus MH, Kennell JH. Pais/bebê: a formação do apego. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

A fim de minimizar os efeitos negativos da internação neonatal, o Método Canguru, introduzido nas unidades de saúde brasileiras desde a década de 1990, foi incorporado às políticas de saúde e inserido no contexto da humanização da assistência neonatal, que inclui a Posição Canguru. A Posição Canguru consiste em manter o recém-nascido de baixo peso em contato pele a pele, na posição vertical, junto ao peito dos pais ou de outros familiares. Deve ser realizada de maneira orientada, segura e acompanhada de suporte assistencial por uma equipe de saúde adequadamente treinada.55. Brazil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Atenção humanizada ao recém-nascido de baixo peso: Método Canguru. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.

Entre os benefícios do Método Canguru, citam-se: menor risco de mortalidade,66. Conde-Agudelo A, Díaz-Rossello JL. Kangaroo mother care to reduce morbidity and mortality in low birthweight infants. Cochrane Database Syst Rev. 2014;4:CD002771. estabilidade fisiológica, diminuição do tempo de internação hospitalar, fortalecimento da interação da díade mãe-filho,77. Brito MH, Krebs VL, Grisi SJ. Reflexões sobre a humanização da assistência ao recém-nascido de muito baixo peso. Pediatria (São Paulo). 2010;32:281-7. melhora nos estados de humor materno88. Cruvinel FG, Macedo EC. Interação mãe-bebê pré-termo e mudança no estado de humor: comparação do método mãe-canguru com visita na unidade de terapia intensiva Neonatal. Rev Bras Saude Matern Infant. 2007;7:449-55. e aumento da manutenção do aleitamento materno.99. Flacking R, Ewald U, Wallin L. Positive effect of kangaroo mother care on long-term breastfeeding in very preterm infants. J Obstet Gynecol Neonatal Nurs. 2011;40:190-7.

As primeiras trocas entre mãe e filho retratadas pelo comportamento emocional - vocalizações, olhar para mãe, reatividade e prontidão para interagir1010. Laucht M, Esser G, Schmidt MH. Differential development of infants at risk for psychopathology: the moderating role of early maternal responsivity. Dev Med Child Neurol. 2001;43:292-300. - são consideradas como fonte do surgimento e do desenvolvimento das habilidades sociais e emocionais, da construção do apego e da aquisição da linguagem.1111. Silva EC, Silva AC, Diniz MC. Padrões de organização do sistema de comunicação mãe-bebê nas interações face a face: Estudo de cinco díades. Estud psicol. 2012;17:63-71. A Posição Canguru parece influenciar no desenvolvimento da interação mãe-filho (desde o período pré-verbal) e na sensibilidade materna (durante o período de internação hospitalar). Entretanto, a literatura ainda não descreve com clareza como são essas interações iniciais em recém-nascidos pré-termo que realizaram a Posição Canguru e, especialmente, se há influência da duração dessa posição na interação da díade mãe-filho.

Nesse contexto, o presente estudo teve o objetivo de analisar a influência da duração da Posição Canguru nas interações iniciais da díade mãe-filho pré-termo.

MÉTODO

Trata-se de um estudo observacional, prospectivo exploratório, que adotou uma amostra não probabilística. Foram incluídos os recém-nascidos pré-termo com idade gestacional entre 28 e 32 semanas e com peso ao nascimento entre 1000 e 1800 g, nascidos no Hospital Sofia Feldman, entre 11 de junho e 31 de setembro de 2014, que permaneceram em alguma unidade neonatal dessa instituição e evoluíram para aleitamento materno exclusivo ou aleitamento materno misto. Foram excluídos os recém-nascidos que apresentaram algum comprometimento neurológico grave, como hemorragias peri-intraventriculares (graus III e IV) e leucomalácia; escore de Apgar no 5º minuto inferior a sete; mães que desistiram por desconforto com a filmagem; díades mãe-filho que não registraram e/ou perderam a ficha de registro da frequência e duração da Posição Canguru durante a internação hospitalar; e os recém-nascidos que não evoluíram para aleitamento materno.

Este estudo foi desenvolvido no Hospital Sofia Feldman, uma instituição filantrópica que assiste atualmente, em média, a 900 partos por mês.1212. Brazil - Ministério da Saúde - DATASUS [homepage on the Internet]. Consulta Estabelecimento - Módulo Hospitalar - Leitos [cited 2015 Feb 24]. Available from: http://cnes.datasus.gov.br
http://cnes.datasus.gov.br...
A coleta de dados aconteceu em cinco fases:

  • FASE 1: Foi realizada busca ativa diária, a fim de encontrar os recém-nascidos que se enquadravam nos critérios de inclusão desta pesquisa. Logo após a leitura do prontuário, o esclarecimento sobre possíveis dúvidas, a aceitação da participação na pesquisa e a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, a díade mãe-filho foi incluída na pesquisa e acompanhada até a alta hospitalar. Nessa abordagem, uma ficha de registro da Posição Canguru com informações sobre o dia, a frequência e a duração da realização dessa posição foi fixada na incubadora e tanto a equipe quanto a mãe e a família foram orientadas sobre o preenchimento. Vale ressaltar que todos os recém-nascidos incluídos neste estudo passaram pelas três etapas descritas pelo Método Canguru.

  • FASE 2: Na alta fonoaudiológica, momento em que o recém-nascido estava em via oral exclusiva, a equipe de pesquisa abordou a mãe e preencheu o questionário elaborado para esta pesquisa, com dados pessoais e socioeconômicos (endereço e telefone, idade materna, condições sociais - renda, licença maternidade, convívio familiar), além de dados sobre histórico gestacional, conhecimento prévio sobre Método Canguru, experiência com a amamentação e relação com o filho na sala de parto.

  • FASE 3: Entre a alta fonoaudiológica e a alta hospitalar, os recém-nascidos que estavam em aleitamento materno exclusivo ou aleitamento materno misto foram filmados por três minutos de interação mãe-filho durante o momento da amamentação. A filmagem foi realizada no próprio leito hospitalar e a câmera foi posicionada em um suporte (tripé), ajustada cerca de 90 cm de altura, de modo que focasse tanto as respostas do filho quanto as da mãe e obtivesse o melhor ângulo lateral.

  • FASE 4: Duas examinadoras com experiência e atuação em Neonatologia foram previamente capacitadas para realizar análises dos vídeos de interação iniciais por meio do Protocolo de Observação da Interação Mãe-Bebê 0-6 Meses (POIMB 0-6).1313. Schermann-Eizirik L, Hagekull B, Bohlin G, Persson K, Sedin G. Interaction between mothers and infants born at risk during the first six months of corrected age. Acta Paediatr. 1997;86:864-72. Esse instrumento1313. Schermann-Eizirik L, Hagekull B, Bohlin G, Persson K, Sedin G. Interaction between mothers and infants born at risk during the first six months of corrected age. Acta Paediatr. 1997;86:864-72. é constituído por 20 itens, sendo 11 referentes ao comportamento da mãe, 8 ao comportamento do recém-nascido e um ao comportamento da díade. Os itens da mãe são categorizados em: sensibilidade, intrusividade e envolvimento materno. Cada um dos itens do protocolo possui cinco opções de pontuação entre um e cinco, em ordem crescente, do menos satisfatório ao mais satisfatório, com descrição detalhada do comportamento correspondente. Em consenso entre as avaliadoras dos vídeos e o apoio na literatura, a fim de adaptar a situação de alimentação, considerou-se o sugar como forma de contato físico entre o filho e a mãe. A Figura 1 ilustra os critérios adaptados à situação da amamentação. As avaliadoras foram cegadas quanto ao status de frequência e duração da Posição Canguru da díade mãe-filho, com o objetivo de amenizar o juízo de valores. Foi realizada uma fase de teste e aplicado o coeficiente Kappa, que obteve o valor de 0,72, o que sugere concordância boa ou substancial entre as avaliadoras.

  • FASE 5: Os vídeos foram realizados com o uso de uma filmadora, marca Samsung, Modelo S630. Para a edição, utilizou-se os programas Windows Movie Maker, versão 2014, a fim de que todos tivessem aproximadamente o mesmo tempo de filmagem. O programa Audacity, versão 2012, foi utilizado para amenizar os altos volumes de ruídos ambientais. Foram excluídos os 20 segundos iniciais, momento em que a pesquisadora ainda encontrava-se presente orientando a mãe sobre o procedimento. Essa medida foi realizada para amenizar o viés diante do fato de que, inicialmente, a câmera poderia inibir a ação das mães até que se habituassem com a presença desse objeto.

Figura 1:
Critérios adaptados à situação da amamentação na análise do Protocolo de Observação da Interação Mãe-Bebê 0-6 Meses.1313. Schermann-Eizirik L, Hagekull B, Bohlin G, Persson K, Sedin G. Interaction between mothers and infants born at risk during the first six months of corrected age. Acta Paediatr. 1997;86:864-72.

No presente estudo, foram utilizadas as análises uni e bivariada. A análise univariada teve como propósito caracterizar a amostra por meio de estatística descritiva. A análise bivariada avaliou a correlação linear a partir dos coeficientes de correlação linear de Pearson ou Spearman. Os dados coletados foram tabulados em uma planilha do Microsoft Office Excel, versão 2007, e para analisar a associação/correlação entre duas variáveis, utilizou-se o coeficiente de correlação linear de Pearson (r), que fornece o grau e a direção da associação linear entre duas variáveis. Se r=0, as variáveis não são correlacionadas linearmente; se r>0, existe uma relação linear positiva; se r<0, existe uma relação linear negativa. Cabe ressaltar que todas as análises estatísticas foram realizadas no freeware R.1414. Team RC. R: a language and environment for statistical computing. Viena: R Foundation for Statistical Computing; 2014.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Sofia Feldman (HSF), sob o protocolo nº 668.309.

RESULTADOS

Foram analisados 32 vídeos de interação inicial mãe-filho. A Figura 2 apresenta o fluxograma com a distribuição da amostra elegível, os critérios de exclusão, as perdas e a amostra final analisada. Participaram desta pesquisa 29 mães (das quais 3 são mães de gemelares) e 32 recém-nascidos. Entre essas mães, 18 mulheres (62,0%) eram primigestas e as demais (38,0%) variaram da segunda à oitava gestação. Dezessete (53,12%) conceptos nasceram de parto normal, e 15 (47,87%), de cesáreas. Apenas 2 mães (6,8%) relataram conhecer o Método Canguru antes da atual internação hospitalar, nenhuma amamentou o filho na sala de parto e apenas uma (3,4%) relatou realizar breve contato pele a pele com o filho na sala de parto. A Tabela 1 apresenta características referentes ao contexto materno.

Figura 2:
Fluxograma com a distribuição da amostra elegível, as perdas e a amostra analisada.

Tabela 1:
Caracterização do contexto materno.

Em relação aos recém-nascidos, 17 (53,0%) eram do sexo masculino. A Tabela 2 apresenta as características dos recém-nascidos e da realização da Posição Canguru.

Tabela 2:
Caracterização dos recém-nascidos e da realização da Posição Canguru.

Ao excluir as díades que não realizaram a Posição Canguru, a frequência mínima desse posicionamento foi 1 vez e a máxima foi 21 vezes. Em relação à duração da Posição Canguru, o tempo total mínimo foi de 60 minutos e o máximo foi de 4.290 minutos (cerca de 70 horas). A internação hospitalar variou de 14 a 70 dias. Logo, quanto mais dias de internação hospitalar, mais horas as mães realizaram a Posição Canguru (r=0,36; p=0,01).

Na Tabela 3, estão descritos os resultados da correlação linear de Pearson entre a duração da Posição Canguru e os escores dos itens do POIMB.

Tabela 3:
Correlação entre a duração da Posição Canguru e os escores do Protocolo de Observação da Interação Mãe-Bebê 0-6 meses.1313. Schermann-Eizirik L, Hagekull B, Bohlin G, Persson K, Sedin G. Interaction between mothers and infants born at risk during the first six months of corrected age. Acta Paediatr. 1997;86:864-72.

A Tabela 4 apresenta a distribuição da pontuação de acordo com as categorias do POIMB. Vale ressaltar que quanto maior a pontuação, melhor é a interação entre a díade mãe-filho. Não houve diferença estatisticamente significante entre duração e a frequência da realização da Posição Canguru e a sensibilidade materna, o envolvimento materno e a intrusividade. Não houve associação estatisticamente significante entre esses fatores maternos analisados e as respostas do recém-nascido dessa amostra (p>0,05).

Tabela 4:
Distribuição da pontuação de acordo com as categorias propostas pelo Protocolo de Observação da Interação Mãe-Bebê 0-6 meses.1515. Seidl-de-Moura ML, Mendes DM, Pessôa LF, Marca RG. Regulação dos estados de vigília de bebês (um e cinco meses) em contextos didádicos mãe-bebê. Psicologia em Pesquisa. 2011;5:51-60.

DISCUSSÃO

Os resultados mostraram que a Posição Canguru favoreceu as tentativas de contato físico do filho com sua mãe durante a amamentação (r=0,37; p=0,03).

Em relação ao contato físico, o recém-nascido necessita da manutenção da capacidade regulatória para desenvolver a interação com a mãe. Em alerta, o recém-nascido realiza as tentativas de contatos verbais e físicos, o que provoca resposta na mãe. Essa troca de turnos futuramente torna-se um jogo simbólico e favorece a aquisição e o desenvolvimento da linguagem, tendo a mãe posição privilegiada. Em um estudo1515. Seidl-de-Moura ML, Mendes DM, Pessôa LF, Marca RG. Regulação dos estados de vigília de bebês (um e cinco meses) em contextos didádicos mãe-bebê. Psicologia em Pesquisa. 2011;5:51-60. com o objetivo de analisar o estado de vigília de lactentes de um e cinco meses, os autores observaram que os lactentes com um mês de idade variaram amplamente na distribuição dos estados de vigília, ou seja, esse foi o período de maior variação de cada estado regulatório específico. Isso sugere que, nessa fase da vida, manter estado de vigília por curto período de tempo pode influenciar na menor disponibilidade para interagir. Esses autores, ao compararem1616. Montirosso R, Borgatti R, Trojan S, Zanini R, Tronick E. A comparison of dyadic interactions and coping with still-face in healthy pre-term and full-term infants. Br J Dev Psychol. 2010;28:347-68. os lactentes termo e pré-termo aos seis e nove meses, observaram que crianças nascidas prematuramente apresentaram distanciamento (como arquear, afastar, retorcer) de suas mães durante as filmagens, demonstrando que os lactentes pré-termo têm diferentes capacidades de regulação e interação em relação às crianças nascidas a termo.

Os recém-nascidos do presente estudo apresentaram mais tentativas de contato físico com a mãe. Os resultados desta pesquisa corroboram o estudo de Seidl-de-Moura et al., 1515. Seidl-de-Moura ML, Mendes DM, Pessôa LF, Marca RG. Regulação dos estados de vigília de bebês (um e cinco meses) em contextos didádicos mãe-bebê. Psicologia em Pesquisa. 2011;5:51-60. no qual os autores concluíram que a linguagem também depende do sistema de regulação, uma vez que, quando há maior tempo em alerta, há mais possibilidade de se estabelecer contato físico (meios gestuais) e comunicação (meios vocais e verbais) com a mãe. Portanto, os recém-nascidos que realizaram a Posição Canguru e obtiveram mais tentativas de contato físico também tiveram mais oportunidade de comunicação com a mãe, o que pode favorecer, em conjunto com outros fatores, a aquisição da linguagem. No estudo de Kritzinger e Rooyen,1717. Kritzinger A, Rooyen E. The effect of formal, neonatal communication-intervention training on mothers in kangaroo care. Afr J Prim Health Care Fam Med. 2014;6:1-9. com objetivo de determinar a eficiência do treinamento de comunicação e a influência desta na interação mãe-filho pré-termo, - foram formados três grupos para avaliação:

  1. com treinamento de linguagem e praticantes de Posição Canguru.

  2. sem treinamento de linguagem e praticantes de Posição Canguru.

  3. sem treinamento e Posição Canguru esporádica.

Os grupos 1 e 2, praticantes da Posição Canguru, foram os que obtiveram efeito positivo sobre a comunicação e a interação mãe-filho, demonstrado por meio de questionário, roteiro de entrevista sobre o conhecimento da habilidade de comunicação dos filhos e análise de vídeo do comportamento de interação da díade mãe-filho.

Os resultados deste estudo não se mostraram significativos em relação à sensibilidade materna e à frequência da realização da Posição Canguru, apesar de todos os recém-nascidos incluídos evoluírem para o aleitamento materno. Esses achados contradizem os resultados de Frota et al.,1818. Frota MA, Bezerra JA, Férrer ML, Martins MC, Silveira VG. Percepção materna em relação ao cuidado e desenvolvimento infantil. RBPS. 2011;24:245-50. que observaram que o aleitamento materno favoreceu a sensibilidade materna. Contudo, ao investigarem sobre a relação entre o tipo de alimentação do lactente e os comportamentos de interação mãe-filho, a partir do conceito de sensibilidade materna, em três grupos (lactentes nascidos pré-termo que necessitaram de tratamento intensivo neonatal, lactentes nascidos a termo que necessitaram de tratamento intensivo neonatal e díades com lactentes nascidos a termo sadios), Alfaya e Schermann1919. Alfaya C, Schermann L. Sensibilidade e aleitamento materno em díades com recém-nascidos de risco. Est psicol. 2005;10:279-85. inferiram que a sensibilidade materna é mais favorável em mães de lactentes nascidos a termo e sadios (grupo com as maiores taxas de aleitamento materno) do que em mães de lactentes nascidos com risco neonatal.

Em relação ao pós-parto imediato, diferente do que é preconizado para recém-nascidos a termo saudáveis, nenhuma mãe amamentou o filho na sala de parto e apenas uma (3,4%) relatou realizar breve contato pele a pele com o filho. Isto pode ter acontecido devido à prematuridade, ao baixo peso ou à necessidade de algum suporte ventilatório imediato. Desse modo, De Schuymer et al.,2020. De Schuymer L, De Groote I, Striano T, Stahl D, Roeyers H. Dyadic and triadic skills in preterm and full term infants: a longitudinal study in the first year. Infant Behav Dev. 2011;34:179-88. ao compararem o desenvolvimento das habilidades de interação de lactentes termo e pré-termo no primeiro ano de vida, observaram que as crianças pré-termo, aos seis meses de idade, apresentaram menos provocação durante a interação face a face e, aos nove meses, apresentaram menos episódios do seguimento do olhar. Com isso, pode-se concluir que, além da imaturidade, as experiências perinatais são diferentes entre os nascidos a termo e pré-termo, o que pode justificar os possíveis atrasos nas aquisições e no desenvolvimento neuropsicomotor dos últimos.

Ao correlacionar a Posição Canguru e a verbalização que as mães realizaram durante a amamentação, os dados do presente estudo revelaram que, quanto maior o tempo na Posição Canguru, menos as mães conversaram como os filhos (r=-0,47; p=0,006).

A literatura evidencia que a voz materna ou o “manhês” é parte de um ciclo interativo que pode desempenhar um importante papel no desenvolvimento cognitivo e social da criança. Uma revisão sistemática2121. Saint-Georges C, Chetouani M, Cassel R, Apicella F, Mahdhaoui A, Muratori F, et al. Motherese in interaction: at the cross-road of emotion and cognition? (A systematic review). PLoS One. 2013;8: e78103. listou quatro funções principais da fala materna: comunicação afetiva, facilitação na interação social, manutenção da atenção da criança e aquisição da linguagem. Em outro estudo,1515. Seidl-de-Moura ML, Mendes DM, Pessôa LF, Marca RG. Regulação dos estados de vigília de bebês (um e cinco meses) em contextos didádicos mãe-bebê. Psicologia em Pesquisa. 2011;5:51-60. entretanto, a fala da mãe com o filho de 1 mês pareceu ter um efeito perturbador em 67% das transições (acordado a inquieto), pois não auxiliou o recém-nascido a retornar para o estado acordado (alerta passivo); pelo contrário, manteve-o no estado inquieto. Acredita-se que, no presente estudo, as mães verbalizaram menos durante a amamentação porque perceberam esse efeito perturbador, principalmente associado ao alto índice de ruído das unidades neonatais.2222. Cardoso SM, Kozlowski LC, Lacerda AB, Marques JM, Ribas A. Newborn physiological responses to noise in the neonatal unit. Braz J Otorhinolaryngol. 2015;81:538-8. Além disso, vale ressaltar a possibilidade de a câmera ter inibido as mães nesse momento.

Excluídas as díades que não realizaram a Posição Canguru, a frequência mínima desse posicionamento foi de uma vez e a máxima foi de 21 vezes. Em relação à duração da Posição Canguru, o tempo mínimo nesse grupo foi de 60 minutos e o máximo de 4.290 minutos. Logo, quanto mais dias de internação hospitalar, mais horas as mães realizaram essa posição (r=0,36; p=0,01). Essa correlação foi positiva e estatisticamente significante, provavelmente pelo incentivo de alguns profissionais ou até mesmo pela presença materna na unidade neonatal. Acerca disso, a literatura aponta que os profissionais que atuam na Neonatologia, com a intervenção precoce, são responsáveis pelo apoio à interpretação dos sinais das crianças e pelo ensino às mães sobre como ajudar os seus filhos a organizarem a atividade regulatória.2323. Forcada-Guex M, Pierrehumbert B, Borghini A, Moessinger A, Muller-Nix C. Early dyadic patterns of mother-infant interactions and outcomes of prematurity at 18 months. Pediatrics. 2006;118: e107-14. A adesão das mães ao Método Canguru como uma tecnologia de cuidado para a aproximação e a adaptação da família ao contexto hospitalar não depende apenas da própria vontade materna, mas também do apoio dado pela família, pela comunidade e pela equipe de saúde.2424. Seidman G, Unnikrishnan S, Kenny E, Myslinski S, Cairns-Smith S, Mulligan B, et al. Barriers and enablers of kangaroo mother care practice: a systematic review. PLoS One. 2015;10:e0125643. Faz-se necessário ampliar a discussão sobre esse tema2525. Boundy EO, Dastjerdi R, Spiegelman D, Fawzi W, Missmer S, Lieberman E, et al. Kangaroo mother care and neonatal outcomes: a meta-analysis. Pediatrics. 2016;137. com ênfase nas mulheres como sujeitos participantes do processo.77. Brito MH, Krebs VL, Grisi SJ. Reflexões sobre a humanização da assistência ao recém-nascido de muito baixo peso. Pediatria (São Paulo). 2010;32:281-7.,2626. D'Artibale EF, Bercini LO. Early contact and breastfeeding in a baby friendly hospital. Online Braz J Nurs. 2013;12 Suppl587-90.

Um ensaio clínico randomizado2727. White-Traut R, Norr KF, Fabiyi C, Rankin KM, Li Z, Liu L. Mother-infant interaction improves with a developmental intervention for mother-preterm infant dyads. Infant Behav Dev. 2013;36:694-706. com lactentes pré-termo aos seis meses de idade demonstrou que intervir na interação mãe-filho é uma abordagem promissora para ajudar os lactentes pré-termo a atingirem os padrões de interação social essencial para o desenvolvimento ideal. O investimento materno é uma aposta lucrativa para o desenvolvimento em médio e longo prazo.2828. Fuertes M, Faria A, Soares H, Oliveira-Costa A. Momentos de interação em que as emoções se apre(e)ndem: estudo exploratório sobre a prestação materna e infantil em jogo livre. Psicologia USP. 2010;21:833-57.,2929. Evans T, Whittingham K, Sanders M, Colditz P, Boyd RN. Are parenting interventions effective in improving the relationship between mothers and their preterm infants? Infant Behav Dev. 2014;37: 131-54.,3030. Holditch-Davis D, White-Traut RC, Levy JA, O'Shea TM, Geraldo V, David RJ. Maternally administered interventions for preterm infants in the NICU: effects on maternal psychological distress and mother-infant relationship. Infant Behav Dev. 2014;37:695-710.

Este estudo é o primeiro, dentro do limite do nosso conhecimento, a analisar precocemente a interação da díade mãe-filho pré-termo e correlacioná-la com a duração da Posição Canguru. Isso justifica os resultados conflitantes entre a presente pesquisa e outros estudos realizados com lactentes a termo ou sem risco para o desenvolvimento ou, ainda, em lactentes pré-termo após a alta hospitalar. Contudo, houve algumas limitações, como o tamanho e a perda amostral, a dificuldade de adesão da equipe em não descartar a Ficha Canguru durante a limpeza das incubadoras, a unidade neonatal ruidosa (fator que interferiu no áudio da câmera, na análise da filmagem e, possivelmente, na interação mãe-filho), além da presença da câmera filmadora. Apesar dessas limitações, pode-se concluir com o presente estudo de análise da interação mãe-filho em curto prazo, após o nascimento, que o maior tempo de Posição Canguru favoreceu as tentativas de contato físico do filho com a mãe. Isso sugere maior disponibilidade do recém-nascido para intensificar a relação com a mãe durante a amamentação. O recém-nascido pré-termo tem a capacidade de ir além da alimentação e ter o momento da amamentação como oportunidade de realizar as trocas iniciais de contato.

São necessárias outras pesquisas que definam os demais padrões de interação dos recém-nascidos pré-termo, a fim de possibilitar o desenvolvimento de estratégias de intervenção precoce. Para isso, é importante que os profissionais envolvidos em Neonatologia concentrem sua atenção nas relações mãe-filho e sejam capazes de identificar e intervir precocemente nas dificuldades de interação durante a internação hospitalar. Investir no cuidado centrado na família é uma estratégia promissora, além de utilizar a Posição Canguru como facilitadora de trocas entre a díade mãe-filho. Entretanto, faz-se necessário avançar no que diz respeito à qualidade da Posição Canguru tanto em infraestrutura e ambiência como em termos de orientação e auxílio às mães, para favorecer a ocorrência do contato pele a pele com o filho. Vale ressaltar que o tempo ideal para a permanência em Posição Canguru depende do prazer e do conforto sentidos pela mãe e pelo recém-nascido, o que demanda orientação adequada e apoio por parte da equipe local.

REFERÊNCIAS

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  • Financiamento: O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    19 Maio 2016
  • Aceito
    09 Out 2016
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