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EFEITOS IMEDIATOS E APÓS CINCO MESES DE UM PROGRAMA DE EDUCAÇÃO POSTURAL PARA ESCOLARES DO ENSINO FUNDAMENTAL

RESUMO

Objetivo:

Avaliar os efeitos em curto e médio prazo de um Programa de Educação Postural (PEP) para escolares do ensino fundamental sobre o conhecimento teórico e o modo de execução das atividades de vida diária (AVDs).

Métodos:

Amostra composta de 38 escolares (8-12 anos) do terceiro ano do ensino fundamental de uma escola de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Os escolares foram avaliados em três momentos: antes de participar do PEP (pré-teste); após participação no PEP (pós-teste); e após cinco meses da participação no PEP, imediatamente após um reforço de aprendizagem de quatro aulas (follow-up cinco meses). A avaliação das AVDs e o nível de conhecimento teórico sobre a coluna vertebral e a postura corporal foram avaliados por instrumentos específicos (layout for assessing the dynamic posture - LADy; e questionário). Para verificar as diferenças entre os momentos avaliativos foram realizados o teste de Friedman e post hoc o teste de Wilcoxon e correção de Bonferroni (α<0,05).

Resultados:

Quanto ao conhecimento teórico, não houve diferença significativa entre pós-teste e follow-up. Na avaliação das AVDs, o desempenho dos escolares foi superior no pós-teste e follow-up quando comparados com o pré-teste, e na comparação entre os escores pós-teste e follow-up não houve diferença significativa.

Conclusões:

Constatou-se que o PEP apresentou efeito positivo imediatamente após o seu término na execução das AVDs e que houve manutenção desses efeitos e do nível de conhecimento teórico no follow-up após o reforço de aprendizagem.

Palavras-chave:
postura; educação em saúde; saúde da criança

ABSTRACT

Objective:

To assess the short- and medium-term effects of the posture education program (PEP) for students of elementary school regarding theoretical knowledge and posture during activities of daily living (ADLs).

Methods:

The sample consisted of 38 students (aged 8-12 years) in the third grade of elementary school in Porto Alegre, Rio Grande do Sul (Southern Brazil). The children were evaluated in three moments: prior to attending the PEP (pretest); after attending the PEP (post-test); and five months after the conclusion of the PEP, immediately after a learning review of four lessons (five months follow-up). The posture during ADLs and the theoretical knowledge about spine and body posture were assessed, based on specific instruments (layout for assessing the dynamic posture - LADy; and questionnaire). The Friedman test, post hoc Wilcoxon test, and Bonferroni correction were applied to identify the differences among the evaluative moments, as they are statistically significant at α<0.05.

Results:

No statistically significant difference was found between the post-test and follow-up concerning the theoretical knowledge. In addition, no statistically significant difference was found between post-test and follow-up in relation to ADLs; however, the performance of students was higher in the post-test and follow-up, when compared with the pretest.

Conclusions:

Immediately after the PEP’s conclusion, the students improved their posture in ADLs. These positive effects and the theoretical knowledge were retained in the follow-up (after the review lessons).

Keywords:
posture; health education; child health

INTRODUÇÃO

Dores na coluna e problemas posturais são bastante prevalentes na sociedade atual. Alocados entre os problemas de saúde mais comuns no mundo, frequentemente incapacitam os indivíduos na realização das atividades de vida diária (AVDs) e restringem a vida ativa dos trabalhadores.11. Hoy D, March L, Brooks P, Woolf A, Blyth F, Vos T, et al. Measuring the global burden of low back pain. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2010;24:155-65. Ainda, dados de pesquisas epidemiológicas e clínicas têm alertado para a alta prevalência de dores nas costas e desvios posturais entre crianças e adolescentes, mostrando que são necessárias formas de intervenção no tocante a esses grupos.22. Noll M, da Rosa BN, Candotti CT, Furlametto TS, Gontijo KN, Sedrez JA. Alterações posturais em escolares do ensino fundamental de uma escola de Teutônia/RS. R Bras Ci e Mov. 2012;20:32-42.,33. Bueno RC, Rech RR. Desvios posturais em escolares de uma cidade do Sul do Brasil. Rev Paul Pediatr. 2013;31:237-42.,44. Cruz A, Nunes H. Prevalência e fatores de risco de dores nas costas em adolescentes: uma revisão sistemática da literatura. Rev Enf Ref. 2012;6:131-46.,55. Noll M, Candotti CT, Rosa BN, Schoenell MC, Tiggemann CL, Loss JF. Back pain and the postural and behavioral habits of students in the municipal school network of Teutônia, Rio Grande do Sul. J Hum Growth Dev. 2013;23:129-35.

Estudos evidenciam etiologia multifatorial para a dor nas costas e os problemas posturais.44. Cruz A, Nunes H. Prevalência e fatores de risco de dores nas costas em adolescentes: uma revisão sistemática da literatura. Rev Enf Ref. 2012;6:131-46.,66. Trigueiro MJ, Massada L, Garganta R. Back pain in Portuguese schoolchildren: prevalence and risk factors. Eur J Public Health. 2012;23:499-503. Entre tantos fatores de risco apontados na literatura, é possível encontrar aqueles que relacionam a dor e os problemas posturais entre jovens ao mobiliário escolar inadequado44. Cruz A, Nunes H. Prevalência e fatores de risco de dores nas costas em adolescentes: uma revisão sistemática da literatura. Rev Enf Ref. 2012;6:131-46.,66. Trigueiro MJ, Massada L, Garganta R. Back pain in Portuguese schoolchildren: prevalence and risk factors. Eur J Public Health. 2012;23:499-503.,77. Trevelyan FC, Legg SJ. Back pain in school children - Where to from here? Appl Ergon. 2006;37:45-54. e à postura corporal adotada em determinadas situações, como ao transportar o material escolar,44. Cruz A, Nunes H. Prevalência e fatores de risco de dores nas costas em adolescentes: uma revisão sistemática da literatura. Rev Enf Ref. 2012;6:131-46. ao permanecer sentado55. Noll M, Candotti CT, Rosa BN, Schoenell MC, Tiggemann CL, Loss JF. Back pain and the postural and behavioral habits of students in the municipal school network of Teutônia, Rio Grande do Sul. J Hum Growth Dev. 2013;23:129-35.,88. Siivola SM, Levoska S, Latvala K, Hoskio E, Vanharanta H, Keinänen-Kiukaanniemi S. Predictive factors for neck and shoulder pain: a longitudinal study in young adults. Spine (Phila Pa 1976). 2004;29:1662-9. e ao dormir.55. Noll M, Candotti CT, Rosa BN, Schoenell MC, Tiggemann CL, Loss JF. Back pain and the postural and behavioral habits of students in the municipal school network of Teutônia, Rio Grande do Sul. J Hum Growth Dev. 2013;23:129-35. Considerada fator de risco, a postura corporal adotada nas AVDs determina a quantidade e a distribuição do esforço sobre todos os segmentos do corpo, podendo potencializar ou amenizar a sobrecarga na coluna vertebral.99. Karahan A, Bayraktar N. Determination of the usage of body mechanics in clinical settings and the occurrence of low back pain in nurses. Int J Nurs Stud. 2004;41:67-75.

A infância é o período de mais importância para o desenvolvimento musculoesquelético do indivíduo, com mais probabilidade de prevenção e de tratamento das alterações posturais. Assim, ao iniciar a prevenção já nos primeiros anos escolares, os jovens podem aprender a estabelecer padrões adequados de movimento sem ter de corrigir padrões ineficientes e hábitos inadequados. Ainda, há a possibilidade de se oferecer diversos reforços durante a vida escolar, de modo que grande porcentagem da população pode ser educada quando a prevenção é realizada na escola.1010. Cardon G, Clercq D, Bourdeaudhuij I. Effects of back care education in elementary schoolchildren. Acta Paediatr. 2000;89:1010-7.,1111. Cardon G, Bourdeaudhuij I, Clercq D. Back care education in elementary school: a pilot study investigating the complementary role of the class teacher. Patient Educ Couns. 2001;45:219-26.,1212. Cardon G, Bourdeaudhuij I, Clercq D. Generalization of back education principles by elementary school children: evaluation with a practical test and a candid camera observation. Acta Paediatr. 2001;90:143-50. Além disso, a postura adequada na infância e/ou a correção de desvios posturais nessa fase possibilitam padrões posturais adequados na vida adulta.1313. Bakker EW, Verhagen AP, van Trijffel E, Lucas C, Koes BW. Spinal mechanical load as a risk factor for low back pain: a systematic review of prospective cohort studies. Spine (Phila Pa 1976). 2009;34:E281-93. Pressupõe-se, então, que a implementação de programas educativos, também chamados de escolas posturais, poderia atenuar ou evitar o aparecimento dos problemas posturais na infância.

Há referências que afirmam que participantes de escolas posturais tendem a modificar positivamente sua postura nas AVDs, bem como melhorar seus conhecimentos teóricos sobre a coluna vertebral logo após o término do Programa de Educação Postural (PEP).1414. Candotti CT, Macedo CH, Noll M, de Freitas K. Escola postural: uma metodologia adaptada para crianças. Arq Mov. 2009;5:34-49.,1515. Candotti CT, Macedo CH, Noll M, Freitas K. Escola de postura: uma metodologia adaptada aos pubescentes. REMEFE. 2010;9:91-100. No entanto, ainda que se verifiquem efeitos imediatos positivos das escolas posturais para escolares, estudos que visam identificar se essas mudanças são permanentes ainda são escassos. Com esse objetivo, existe um estudo que avaliou os efeitos de um PEP para crianças e adolescentes, oito meses depois do término da intervenção (follow-up), que observou que os aprendizados adquiridos em relação à postura dinâmica ao final da intervenção não se mantiveram após o intervalo de oito meses.1616. Candotti CT, Nunes SE, Noll M, Freitas K, Macedo CH. Efeitos de um programa de educação postural para crianças e adolescentes após oito meses do seu término. Rev Paul Pediatr. 2011;29:577-83. Nesse sentido, o estudo demonstrou que um intervalo dessa magnitude entre o término da PEP e o follow-up sem orientação nem reforço das novas aprendizagens pode ter afetado negativamente os efeitos do programa em longo prazo, o que indica a relevância de uma intervenção que proponha o follow-up antecedido por estratégias de revisão e reforço de aprendizagem, como o proposto no presente estudo.

Assim, considerando os achados na literatura que apontam para efeitos imediatos positivos de escolas posturais para escolares, bem como a escassez de trabalhos que verifiquem o efeito das escolas posturais em médio prazo, este trabalho teve por objetivo verificar os efeitos em curto e médio prazo de um PEP para escolares do ensino fundamental sobre o conhecimento teórico e o modo de execução das AVDs.

MÉTODO

Neste estudo longitudinal,1717. Gaya A. Ciências do movimento humano: introdução à metodologia de pesquisa. Porto Alegre: Artmed; 2008. a amostra foi definida com base em cálculo amostral, utilizando o software G*Power, admitindo tamanho de efeito de moderado (f=0,3), α=0,05 e poder de 90%, resultando em uma amostra mínima de 25 sujeitos. Considerando a probabilidade de perda em estudos longitudinais, a amostra inicial foi composta de 44 escolares de 8 a 12 anos, com média de idade 8,8±1,1 anos, sendo 54,5% (n=24) do sexo feminino, que cursavam o terceiro ano do ensino fundamental de uma escola estadual de ensino fundamental do município de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. A escolha dessa escola foi por conveniência, e o período de realização da pesquisa foi de abril a novembro de 2015.

Para serem incluídos, os estudantes deveriam possuir no mínimo sete anos de idade e estar aptos fisicamente para a avaliação das AVDs. O critério de exclusão foi faltar em um dos encontros avaliativos em ambas as categorias de avaliação (vídeo e prova). Todos os alunos, após receberem autorização dos pais ou responsáveis, por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, participaram voluntariamente da pesquisa. O estudo está inserido em um projeto maior - intitulado Programa de Educação Postural para Escolares - aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) (CAAE: 15356913.2.0000.5347), que busca implementar um PEP para escolares em escolas estaduais do estado do Rio Grande do Sul.

Os sujeitos foram avaliados em três momentos distintos:

  • Antes de participar do PEP (pré-teste).

  • Após a participação no PEP (pós-teste).

  • Após cinco meses da participação no PEP, imediatamente depois da realização de um reforço de aprendizagem de quatro aulas (follow-up cinco meses).

O PEP do qual os sujeitos participaram foi baseado na Escola Postural da Escola de Educação Física da UFRGS,1818. Souza JL. Efeitos de uma Escola Postural para indivíduos com dores nas costas. Movimento. 1996;3:56-71. e também na Escola de Postura Adaptada, proposta por Candotti et al.1414. Candotti CT, Macedo CH, Noll M, de Freitas K. Escola postural: uma metodologia adaptada para crianças. Arq Mov. 2009;5:34-49. O PEP foi estruturado em dez encontros: um para a aplicação do pré-teste, oito para o desenvolvimento dos conteúdos teórico-práticos e um para a aplicação do pós-teste. Cada aula durava 90 minutos e ocorria uma vez por semana. Os conteúdos desenvolvidos nas aulas envolveram o estudo das estruturas, curvaturas e funções da coluna vertebral, bem como das AVDs: permanecer em pé e caminhar, carregar a mochila, pegar objetos no solo, sentar, mastigar e deitar. Cada aula acompanhou a seguinte dinâmica: retorno sobre as tarefas dadas para a casa; breve revisão sobre o conteúdo anterior; apresentação do novo conteúdo; prática sobre o novo conteúdo; feedback acerca da aula e; apresentação da tarefa para a casa.

O reforço de aprendizagem teve início após 3 meses do término do PEP e foi estruturado em 4 encontros com duração de 90 minutos cada, realizados com intervalo quinzenal. Nesses encontros, realizou-se revisão dos conteúdos teórico-práticos desenvolvidos no PEP. Para essas aulas foi mantida a mesma metodologia de ensino do PEP, à exceção do último encontro, no qual ocorreu a revisão final. Na revisão final foi utilizado como material de trabalho um folheto que contava a história da própria turma das crianças em relação aos aprendizados sobre postura, que foi elaborado pelas pesquisadoras de acordo com tópicos gerados pelos alunos na aula anterior (Figura 1). Imediatamente na semana seguinte ao quarto encontro, os escolares foram reavaliados conforme os mesmos procedimentos do pós-teste, caracterizando o follow-up cinco meses.

Figura 1:
Ilustração de desenhos de um aluno participante do Programa de Educação Postural, no folheto desenvolvido no follow-up.

Os participantes foram submetidos a dois tipos de avaliação: um questionário, com o objetivo de avaliar o conhecimento teórico acerca da coluna vertebral e da postura corporal e; um circuito de filmagem, para avaliar a postura dinâmica nas AVDs. No pré-teste, somente a avaliação da postura dinâmica foi realizada. No pós-teste e no follow-up cinco meses, todos os sujeitos da amostra foram submetidos às duas avaliações referidas.

O questionário utilizado e elaborado pelas pesquisadoras abordou questões sobre a estrutura da coluna vertebral e as maneiras de executar as AVDs. Ele possui 12 questões que são objetivas e descritivas, com escore total de 12 pontos, e maiores pontuações indicam melhor nível de conhecimento teórico. Por conta dos diferentes assuntos abordados nas questões, elas foram divididas em duas seções, “anatomia” e “hábitos posturais”, que somam respectivamente 5 e 7 pontos. A primeira incluiu questões nas quais os escolares deveriam nomear regiões da coluna vertebral e estruturas, como ísquios, vértebras e disco intervertebral, enquanto na segunda, necessitavam discriminar posturas adequadas e inadequadas representadas em figuras.

Para verificar a postura corporal dinâmica dos escolares durante as AVDs foi utilizado o Circuito de Avaliação da Postura Dinâmica (layout for assessing the dynamic posture - LADy), um instrumento proposto e validado por Noll et al.1919. Noll M, Candotti CT, Rosa BN, Sedrez J, Vieira A, Loss JF. Layout for Assessing Dynamic Posture (LADy): development, validation, and reproducibility. Pediatr Phys Ther. 2016;28(4):435-44. O LADy possibilita avaliar a postura corporal dinâmica em nove AVDs de escolares por meio de filmagem. Neste estudo, optou-se por avaliar apenas cinco AVDs:

  1. Transportar mochila escolar.

  2. Pegar um objeto no solo.

  3. Transportar o objeto.

  4. Posição sentada em um banco sem encosto.

  5. Posição sentada na cadeira para escrever.

Os escolares, ao percorrerem o LADy, foram filmados, e a análise da postura dinâmica foi realizada posteriormente por meio da observação da filmagem por um único avaliador treinado no método. Para cada postura analisada existe uma quantidade diferente de itens a serem pontuados. Considerando as cinco AVDs avaliadas neste trabalho, cada criança poderia atingir pontuação total máxima de 27 pontos (quanto maior o escore, mais adequada a realização da AVD). O circuito utilizado e os itens avaliados em cada AVD estão expostos na Figura 2.

Figura 2:
Esquema do circuito layout for assessing the dynamic posture (LADy) para avaliação da postura dinâmica com descrição dos itens pontuados em cada atividade de vida diária. Cada item observado marca 1 ponto no escore da cada atividade de vida diária, conforme critério pré-estabelecido no LADy.

A análise estatística foi realizada no software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 20.0, sendo utilizado teste de Shapiro-Wilk para verificar a normalidade dos dados, além de estatística descritiva com média e desvio padrão (DP). Para constatar as diferenças entre os momentos avaliativos, desenvolveu-se o teste de Friedman (considerando α<0,05); e a fim de traçar comparações entre os diferentes momentos foi realizado desdobramento post hoc com o teste de Wilcoxon e correção de Bonferroni (α/3, sendo 3 o número de comparações realizadas - pré versus pós; pré versus follow-up e pós versus follow-up), adotando-se no post hoc α<0,017, conforme sugerido por Field.2020. Field A. Descobrindo a estatística utilizando o SPSS. 2nd ed. Porto Alegre: Artmed; 2009.

RESULTADOS

A amostra inicial foi composta de um total de 44 escolares de ambos os sexos. Deles, 2 não responderam ao questionário em 1 das 2 vezes em que foi aplicado, 13 deixaram de participar de pelo menos 1 momento avaliativo do LADy e 4 escolares não participaram de pelo menos 1 etapa dos 2 tipos de avaliação. Assim, considerando os critérios de exclusão, obteve-se amostra final de 38 escolares para avaliação por questionário e outra de 27 escolares para avaliação do LADy.

O teste de Wilcoxon, na análise dos questionários, não demonstrou diferença significativa entre o período pós-teste e o follow-up quando comparadas especificamente as seções de anatomia e hábitos posturais, bem como no escore geral do questionário (Tabela 1). Portanto, os escolares mantiveram nível semelhante de conhecimento teórico a respeito da coluna vertebral, seja relacionado às questões anatômicas ou aos hábitos posturais, na avaliação final e cinco meses após o término do PEP.

Tabela 1:
Média e desvio padrão dos escores obtidos nos questionários, na avaliação das seções anatomia, hábitos posturais e escore geral, nos períodos pós-teste e follow-up (n=38).

Os resultados da análise dos escores obtidos na avaliação da postura dinâmica, nos períodos pré-teste, pós-teste e follow-up de cada uma das AVDs estudadas e também do escore final do LADy são apresentados na Tabela 2. Pode-se observar que apenas a AVD transportar mochila não apresentou diferença significativa entre os momentos avaliativos.

Tabela 2:
Média e desvio padrão dos escores obtidos na avaliação dinâmica para cada uma das atividades de vida diária e para o escore final do layout for assessing the dynamic posture (LADy), nos períodos pré e pós-teste e follow-up (n=27).

O post hoc de Wilcoxon/Bonferroni demonstrou diferença significativa entre os escores dos períodos pré e pós-teste para as variáveis pegar objeto do solo (p=0,008), escrever (p<0,001), sentar em um banco (p<0,001), bem como para o escore final da avaliação dinâmica (p<0,001), não havendo diferença para a variável transportar objeto (p=0,041). Encontrou-se também diferença significativa entre os períodos pré-teste e follow-up para as variáveis pegar objeto do solo (p=0,008), sentar em um banco (p<0,001), transportar objeto (p=0,005) e também para o escore final da avaliação dinâmica (p<0,001), não encontrando diferença significativa para a postura ao escrever (p=0,019). Quando houve, as diferenças indicaram melhores escores no período pós-teste e follow-up quando comparados ao período pré-teste.

DISCUSSÃO

Nos resultados relacionados ao conhecimento teórico sobre a anatomia da coluna vertebral, nos períodos pós-teste e ­follow-up, os escolares atingiram em média 54% de acertos, ficando evidente a necessidade de reforços de aprendizado sobre esse conteúdo. No entanto, quanto aos hábitos posturais, os escolares obtiveram níveis melhores, atingindo em média 88% de acertos, apresentando bom conhecimento teórico sobre os hábitos posturais. Além disso, não foi encontrada diferença significativa entre os momentos avaliados, sugerindo que houve manutenção do nível de conhecimento teórico da avaliação final, seja relacionado às questões anatômicas, seja associado aos hábitos posturais, cinco meses após o término do PEP. São escassos os estudos que avaliam o nível de conhecimento teórico após o período de encerramento de um PEP,1616. Candotti CT, Nunes SE, Noll M, Freitas K, Macedo CH. Efeitos de um programa de educação postural para crianças e adolescentes após oito meses do seu término. Rev Paul Pediatr. 2011;29:577-83. mas estudos que avaliam esse item imediatamente após o PEP têm obtido resultados satisfatórios.1414. Candotti CT, Macedo CH, Noll M, de Freitas K. Escola postural: uma metodologia adaptada para crianças. Arq Mov. 2009;5:34-49.,1515. Candotti CT, Macedo CH, Noll M, Freitas K. Escola de postura: uma metodologia adaptada aos pubescentes. REMEFE. 2010;9:91-100. Foi o caso de um estudo de Candotti et al.,1515. Candotti CT, Macedo CH, Noll M, Freitas K. Escola de postura: uma metodologia adaptada aos pubescentes. REMEFE. 2010;9:91-100. que avaliou 28 pubescentes divididos entre grupo experimental e grupo controle e encontrou que o grupo experimental aprimorou seus conhecimentos quanto ao funcionamento da coluna vertebral e da postura, quando comparados ao pré-experimento.

Um aspecto importante que pode ter influenciado os baixos escores obtidos pelos escolares nas avaliações é o fato do presente estudo ter sido conduzido em uma escola pública, na qual os pais e/ou responsáveis pelas crianças não possuíam o hábito de estudar nem de auxiliar nas lições de casa. Não obstante, Fonseca et al.,2121. Fonseca CD, Santos AC, Candotti CT, Noll M, Luz AM, Corso CO. Postural education and behavior among students in a city in southern Brazil: student postural education and behavior. J Phys Ther Sci. 2015;27:2907-11. em um estudo de base populacional em uma cidade do sul do Brasil, não encontraram associação significativa entre o tipo de escola (pública ou privada) e o nível de conhecimento teórico sobre educação postural, no entanto, ainda é insipiente a discussão sobre o efeito da educação postural em diferentes tipos de escolas, sendo importante a condução de novos estudos.

Ao analisar os escores obtidos na avaliação dinâmica de cada uma das AVDs, observa-se que a AVD transportar mochila, independentemente do período analisado, foi a tarefa em que as crianças obtiveram escore mais próximo ao máximo (em média 63% do máximo), seguida da postura transportar objeto, cujo escore médio representa 56% da pontuação máxima. Nas demais posturas (pegar objeto do solo, sentar em um banco e escrever), as crianças apresentaram em média cerca de 30% da pontuação máxima no período pré-teste e 50% da pontuação máxima no período pós-teste e follow-up. Nesse sentido, é importante ressaltar que, apesar da melhora dos resultados nos períodos pós-teste e follow-up, os escores alcançados pelas crianças na avaliação da postura dinâmica estão aquém do desejado. Assim, percebe-se que a retomada do PEP ao longo da vida escolar dessas crianças seria relevante na tentativa de aumentar esses escores para níveis mais próximos da pontuação máxima.

Concernente às mudanças na postura dinâmica, o presente estudo encontrou diferença significativa na comparação do escore final das AVDs entre os momentos pré-teste e pós-teste do PEP, com resultado superior no segundo momento, indicando melhora na postura corporal durante a prática de AVDs. Tal resultado está de acordo com aqueles destacados por uma revisão sistemática que incluiu nove estudos referentes às escolas posturais desenvolvidas para escolares no Brasil. Na revisão foi encontrado que esses programas, além de contribuírem com a melhora imediata dos conhecimentos teóricos acerca do assunto, também estão relacionados com a mudança positiva na postura dinâmica dos escolares, quando avaliada imediatamente após a intervenção.2222. Noll M, Candotti CT, Vieira A. Escola postural: revisão sistemática dos programas desenvolvidos para escolares no Brasil. Movimento. 2012;18:265-91.

Estudos em que são avaliados os efeitos imediatos dos PEP sobre o conhecimento teórico ou a prática de AVDs têm sido encontrados com mais frequência na literatura, ainda que com diferenças metodológicas no que tange à estrutura do PEP ou aos instrumentos avaliativos.1414. Candotti CT, Macedo CH, Noll M, de Freitas K. Escola postural: uma metodologia adaptada para crianças. Arq Mov. 2009;5:34-49.,1515. Candotti CT, Macedo CH, Noll M, Freitas K. Escola de postura: uma metodologia adaptada aos pubescentes. REMEFE. 2010;9:91-100. Por outro lado, estudos que pretendem avaliar a permanência desses efeitos ainda são poucos. Há um estudo que teve como objetivo avaliar os efeitos de um PEP para as crianças e adolescentes oito meses após o seu término, o qual avaliou postura estática, postura dinâmica e conhecimento teórico, nos momentos pré-intervenção, pós-intervenção e follow-up.1616. Candotti CT, Nunes SE, Noll M, Freitas K, Macedo CH. Efeitos de um programa de educação postural para crianças e adolescentes após oito meses do seu término. Rev Paul Pediatr. 2011;29:577-83. Quanto à postura dinâmica, os autores concluíram que os aprendizados adquiridos após a intervenção não se mantiveram pelo período de oito meses, demonstrando que um intervalo dessa magnitude, sem orientação nem reforço das novas aprendizagens, provavelmente afetou negativamente os efeitos do programa em longo prazo.1616. Candotti CT, Nunes SE, Noll M, Freitas K, Macedo CH. Efeitos de um programa de educação postural para crianças e adolescentes após oito meses do seu término. Rev Paul Pediatr. 2011;29:577-83. Ao contrário disso, o presente estudo, ao realizar o follow-up cinco meses após o término do PEP, não encontrou diferença significativa no escore final ao comparar as avaliações pós-teste e follow-up, sugerindo que a melhora da postura dinâmica encontrada após o PEP perdurou após cinco meses. Possivelmente essa manutenção dos resultados está relacionada ao trabalho de reforço de aprendizagem oferecido.

De modo geral, o desempenho das crianças quanto à postura dinâmica na avaliação pós-teste e no follow-up foi superior, quando comparado com a avaliação inicial, enquanto na comparação entre pós-teste e follow-up foi encontrada a manutenção do desempenho. No entanto, a postura das crianças ao transportar material escolar comportou-se de maneira peculiar. Na avaliação dessa postura não foi encontrada diferença significativa em nenhuma comparação entre os momentos avaliados (Tabela 2). Ou seja, a postura das crianças ao transportar seu material escolar apresentou-se independentemente da intervenção do estudo. É possível que esse resultado esteja associado com o fato das crianças, anteriormente ao PEP, já apresentarem postura adequada para o transporte do material escolar. Tem-se que a forma ideal para os escolares transportarem o material escolar é carregar a mochila na altura do dorso, com as duas alças sobre os ombros, estando essas bem ajustadas.2323. Whittfield J, Legg SJ, Hedderley DI. Schoolbag weight and musculoskeletal symptoms in New Zealand secondary schools. Appl Ergon. 2005;36:193-8.

Ritter e Souza2424. Ritter AL, Souza JL. Transporte do material escolar por escolares da rede municipal de Ensino Fundamental de Porto Alegre - RS. Rev Bras Ci e Mov. 2011;19:51-9. realizaram um estudo com o objetivo de verificar como os escolares do ensino fundamental de Porto Alegre transportam o material escolar e o peso transportado e observaram que os participantes utilizavam principalmente mochila nas costas, com apoio sobre os dois ombros, e com média do peso do material escolar transportado abaixo do limite máximo sugerido na literatura - 10% do peso corporal. Ainda, o estudo de Silva Júnior et al.2525. Silva Junior CL, Sá CL, Batista RR, Caldas MI, Carvalho RG, Gomes LE. Avaliação do peso e da forma de carregar o material escolar de alunos que deixam seus livros na escola. Saúde (Santa Maria). 2015;41:105-10. avaliou as mesmas variáveis, mas em uma amostra de alunos do quinto ano de uma escola de Petrolina, Pernambuco. Nele foi observado que 81% dos alunos utilizam mochila com duas alças, e desses, 82,4% usam a mochila sustentada nos dois ombros, apresentando diferença somente no resultado relacionado ao peso transportado, pois nesse caso, quase a metade dos alunos avaliados carregava o material escolar acima do limite tolerável. Esses estudos corroboram a ideia de que as crianças já têm mais domínio sobre a execução adequada do transporte do material escolar, tornando-se uma AVD bem incorporada pelos escolares.

Considerando que a melhora da postura dinâmica encontrada no encerramento do PEP foi mantida após cinco meses, quando no período entre essas avaliações foi oferecido o reforço de aprendizagem, sugere-se que novas intervenções visando à educação postural também cogitem a oferta de reforços de aprendizagem. Afinal, grandes intervalos sem revisão dos ensinamentos podem conduzir ao desaparecimento progressivo dos padrões motores, enquanto reforços de aprendizagem podem favorecer a assimilação dos conteúdos.1616. Candotti CT, Nunes SE, Noll M, Freitas K, Macedo CH. Efeitos de um programa de educação postural para crianças e adolescentes após oito meses do seu término. Rev Paul Pediatr. 2011;29:577-83.

Como principal limitação do estudo, aponta-se a falta de avaliação do conhecimento teórico no momento pré-teste. Haja vista que a realização da pesquisa se deu no ambiente escolar, no mesmo turno das aulas, e inserido na rotina da escola, optou-se pela não aplicação do questionário sem a apresentação do conteúdo, visto que essa metodologia não seguiria os padrões escolares de aplicação de prova. Do mesmo modo, a falta de avaliação antes da aplicação do reforço de aprendizagem após três meses do encerramento do PEP consiste em outra limitação do estudo.

Em conclusão, os resultados do presente estudo sugerem que o PEP apresenta efeito positivo quando avaliado imediatamente após o seu término, quando foi encontrada melhora na postura dinâmica dos escolares para a maioria das AVDs avaliadas. Ainda, a manutenção desses efeitos positivos ocorreu também no período de follow-up cinco meses, após implementação de reforço de aprendizagem. No que diz respeito à avaliação do conhecimento teórico relacionado à coluna vertebral e aos hábitos posturais, também houve a manutenção do nível de conhecimento entre a avaliação final e o follow-up cinco meses.

REFERÊNCIAS

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  • Financiamento O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Maio 2017
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    27 Jun 2016
  • Aceito
    09 Out 2016
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