Acessibilidade / Reportar erro

DOENÇA ÓSSEA INDUZIDA PELOS GLICOCORTICOIDES: MECANISMOS E IMPORTÂNCIA NA PRÁTICA PEDIÁTRICA

RESUMO

Objetivo:

Descrever os mecanismos pelos quais os glicocorticoides provocam osteoporose, com risco consequente de fraturas, integrando esse conhecimento a uma possível mudança de conduta dos profissionais de saúde.

Fontes de dados:

Foi realizada pesquisa aprofundada nas bases de dados (SciELO, PubMed, Medline e Scopus), buscando consensos, artigos de revisão, incluindo revisões sistemáticas e meta-análises, publicados em inglês, entre 2000 e 2016. As palavras-chaves utilizadas na busca foram glicocorticoides, esteroides, fraturas, osteoporose, saúde óssea, crianças e adolescentes.

Síntese dos dados:

A revisão foi dividida em quatro tópicos principais: 1) introdução, com breve enfoque nas fraturas em pediatria; 2) osteoporose em crianças e adolescentes, destacando-a como causa silenciosa de fraturas; 3) glicocorticoides e doença óssea secundária, com a descrição dos mecanismos deletérios desse grupo de esteroides na estrutura óssea; 4) efeitos moleculares do excesso de glicocorticoides no osso, com o detalhamento dos mecanismos nocivos a nível molecular do tecido ósseo.

Conclusões:

Os glicocorticoides em excesso determinam doença óssea precoce, favorecendo a ocorrência de fraturas. Dessa forma, uma criança ou adolescente que requer corticoterapia, sobretudo crônica e sistêmica, mas também em ciclos repetidos com doses cumulativas altas, necessita de cuidados e orientações relacionados à saúde óssea logo ao início do tratamento. Por outro lado, aqueles com fratura, mesmo entrelaçada a um trauma, podem sinalizar fragilidade óssea subjacente e desconhecida, incluindo a secundária ao uso de glicocorticoides e à deficiência de vitamina D.

Palavras-chave:
glicocorticoides; osteoporose; fraturas; crianças; adolescentes

ABSTRACT

Objective:

To describe mechanisms by which glucocorticoids cause osteoporosis, with fracture risk, combining this learning with a possible professional behavior change.

Data sources:

A systematic search on SciELO, PubMed, Scopus, and Medline databases was carried out for consensus, review articles, including systematic reviews and meta-analysis, which were published in English, between 2000 and 2016. Keywords used on the search were the following: glucocorticoids, fractures, osteoporosis, bone health, vitamin D, children, and adolescents.

Data synthesis:

The review was divided into four topics: 1) introduction, with a brief focus on pediatric fractures; 2) osteoporosis in children and adolescents, highlighting it as a silent cause of fractures; 3) glucocorticoids and secondary bone disease, describing deleterious mechanisms of this steroids group on bone structure; 4) molecular effects of glucocorticoids excess on bone, with details about the harmful mechanisms on bone molecular level.

Conclusions:

Glucocorticoids excess determines early bone disease, favoring the occurrence of fractures. Thus, a child or an adolescent who uses glucocorticoids, especially systemically and chronically, but also repeats cycles at high cumulative doses of the medication, needs care and guidance related to bone health at the onset of treatment. On the other hand, the presence of fractures, even if related to trauma, can be a sign of underlying and unknown bone fragility, which may be secondary to the use of glucocorticoids and/or vitamin D deficiency.

Keywords:
glucocorticoids; osteoporosis; fractures; children; adolescents

INTRODUÇÃO

Estudos europeus mostram que 30 a 50% dos jovens sofrerão pelo menos uma fratura até os 17 anos, com incidência anual em torno de 103-257/10.000 indivíduos, predomínio entre meninos (61-64%), pico na faixa de 13 e 14 anos para eles e de 11 e 12 anos para as meninas, e acometimento predominante dos ossos do antebraço.11. Clark EM. The epidemiology of fractures in otherwise healthy children. Curr Osteoporos Rep. 2014;12:272-8.,22. Cooper C, Dennison EM, Leufkens HG, Bishop N, Staa TP. Epidemiology of childhood fractures in Britain: a study using the general practice research database. J Bone Miner Res. 2004;19:1976-81.,33. Chevalley T, Bonjour JP, Rietbergen B, Ferrari S, Rizzoli R. Fractures during childhood and adolescence in healthy boys: relation with bone mass, microstructure, and strength. J Clin Endocrinol Metab. 2011;96:3134-42.,44. Hedström EM, Svensson O, Bergström U, Michno P. Epidemiology of fractures in children and adolescents. Acta Orthop. 2010;22(81):148-53.,55. Ryan LM. Forearm fractures in children and bone health. Curr Opin Endocrinol Diabetes Obes. 2010;17:530-4. As fraturas ocorreram em 12,1% dos acidentes em crianças brasileiras de 0 a 9 anos, a maioria após quedas no domicílio.66. Malta DC, Mascarenhas MD, Silva MM, Macário EM. Profile of unintentional injuries involving children under ten years of age in emergency departments--Brazil, 2006 to 2007. Ciênc Saúde Colet. 2009;14:1669-79.

Além da intensidade do trauma, uma rede de fatores intrínsecos e extrínsecos - formada por genética, puberdade, nutrição adequada em cálcio, proteína e vitamina D, obesidade, atividade física, estados mórbidos inflamatórios crônicos e uso de medicamentos - está envolvida com a ocorrência de uma fratura. A herança genética, que responde por 60-80% da massa óssea, é o fator mais importante.77. McDevitt H, Ahmed SF. Establishing good bone health in children. Paediatr Child Health (Oxford). 2010;20:83-7.

OSTEOPOROSE EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Uma fratura pode sinalizar fragilidade óssea subjacente, ou seja, osteoporose, que não é uma exclusividade dos idosos. O Instituto Nacional de Saúde (NIH), órgão americano, após um consenso em 2001, estabeleceu a definição atual de osteoporose: “Doença esquelética caracterizada por comprometimento da força óssea, predispondo ao aumento do risco de fraturas”.88. Lorentzon M, Cummings SR. Osteoporosis: the evolution of a diagnosis. J Intern Med. 2015;277:650-61. É silenciosa, prevalente em todo o mundo e tem morbimortalidade relacionada às fraturas que determina.99. Sànchez-Riera L, Wilson N, Kamalaraj N, Nolla JM, Kok C, Li Y, et al. Osteoporosis and fragility fractures. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2010;24:793-810.

O osso, aparentemente inerte, tem função protetora, de sustentação, e participa ativamente do metabolismo mineral. Dessa forma, manter a integridade óssea é fundamental, até porque o osso estabelece comunicação com o sistema imune, sendo considerado também um órgão endócrino, já que produz hormônios, como o fator 23 de crescimento do fibroblasto (fibroblast growth factor 23 - FGF 23) e a osteocalcina.1010. Mäkitie O. Causes, mechanisms and management of paediatric osteoporosis. Nat Rev Rheumatol. 2013;9:465-75.,1111. Stubbs J, Liu S, Quarles LD. Role of fibroblast growth factor 23 in phosphate homeostasis and pathogenesis of disordered mineral metabolism in chronic kidney disease. Semin Dial. 2007;20:302-8.

Identificam-se dois tipos de osso no ser humano: o cortical ou o compacto, que representa 85% do esqueleto e tem função protetora e mecânica; e o trabecular ou esponjoso, que proporciona força e a maior parte das funções metabólicas.1212. Feng X, McDonald JM. Disorders of bone remodeling. Annu Rev Pathol. 2011;6:121-45.,1313. Rho JY, Kuhn-Spearing L, Zioupos P. Mechanical properties and the hierarchical structure of bone. Med Eng Phys. 1998;20:92-102. O tecido ósseo é constituído por uma matriz (predominantemente de colágeno), minerais (sobretudo cálcio, fósforo e manganês) e células (osteoblastos, osteócitos e osteoclastos). O acúmulo mineral ósseo ocorre por toda a infância e adolescência, até atingir um platô, em torno do fim da segunda década, denominado de pico de massa óssea (PMO), que será determinante para a massa óssea ao longo de toda a vida.1414. Boot AM, Ridder MA, Sluis IM, Slobbe I, Krenning EP, Keizer-Schrama SM. Peak bone mineral density, lean body mass and fractures. Bone. 2010;46:336-41.

Estima-se que um incremento de 10% no PMO pode retardar a osteoporose senil em 13 anos.1515. Bonjour JP, Chevalley T. Pubertal timing, bone acquisition, and risk of fracture throughout life. Endocr Rev. 2014;35:820-47. De 40-60% da massa óssea do adulto é obtida na adolescência, e 25% do PMO é acumulado no período dos dois anos em torno do estirão do crescimento.1515. Bonjour JP, Chevalley T. Pubertal timing, bone acquisition, and risk of fracture throughout life. Endocr Rev. 2014;35:820-47.,1616. Golden NH, Abrams SA, Committee on Nutrition. Optimizing bone health in children and adolescents. Pediatrics. 2014;134:1229-43. Mesmo sem intensificação da perda óssea, um indivíduo adulto pode desenvolver osteoporose por não ter atingido o seu PMO na infância e na adolescência.1717. Kanis JA, Johansson H, Oden A, McCloskey EV. Assessment of fracture risk. Eur J Radiol. 2009;71:392-7. Conforme já mencionado, a herança genética responde por 75% de variância no PMO.77. McDevitt H, Ahmed SF. Establishing good bone health in children. Paediatr Child Health (Oxford). 2010;20:83-7.,1818. Sopher AB, Fennoy I, Oberfield SE. An update on childhood bone health: mineral accrual, assessment and treatment. Curr Opin Endocrinol Diabetes Obes. 2015;22:35-40.

A densidade mineral óssea representa a quantidade de massa mineral por área ou por volume ósseo.1818. Sopher AB, Fennoy I, Oberfield SE. An update on childhood bone health: mineral accrual, assessment and treatment. Curr Opin Endocrinol Diabetes Obes. 2015;22:35-40. O conceito de saúde óssea, entretanto, é mais abrangente e não está ligado apenas à massa óssea. Esta última é tida como o parâmetro mais importante e mais facilmente mensurável.1717. Kanis JA, Johansson H, Oden A, McCloskey EV. Assessment of fracture risk. Eur J Radiol. 2009;71:392-7. A morfologia (tamanho e proporção dos compartimentos cortical e trabecular) e a qualidade (microarquitetura, turnover e mineralização) também contribuem para a força e a resistência do osso.1919. Ma NS, Gordon CM. Pediatric osteoporosis: where are we now? J Pediatr. 2012;161:983-90.

Três métodos principais são utilizados para avaliar a densitometria óssea: a absortometria de radiação X de dupla energia (dual-energy X-ray absorptiometry - DXA), a tomografia computadorizada quantitativa (QCT) e a ultrassonografia quantitativa.2020. Estrada A, Ramnitz MS, Gafni RI. Bone densitometry in children and adolescents. Curr Opin Obstet Gynecol. 2014;26:339-46. A DXA, cujos resultados são expressos em gramas/cm2, usa feixes de radiação paralelos que atravessam as partes moles e o osso e são captados por um sensor opostamente localizado.2121. Chun KJ. Bone densitometry. Semin Nucl Med. 2011;41:220-8. Dessa forma, ela traduz o osso de forma bidimensional. Apesar de ser a técnica mais empregada, não avalia a geometria óssea, não distingue o osso trabecular do cortical e, em pediatria, requer comparação com indivíduos sadios da mesma idade, sexo e etnia, analisados por equipamento e software semelhantes.2222. Bachrach LK. Diagnosis and treatment of pediatric osteoporosis. Curr Opin Endocrinol Diabetes Obes. 2014;21:454-60.

A tomografia computadorizada quantitativa periférica (pQCT) e a tomografia computadorizada quantitativa periférica de alta resolução (HR-pQCT), técnicas ainda restritas às pesquisas e que utilizam baixa radiação, avaliam o osso de forma tridimensional, quantificam a contribuição da geometria e da massa para a força óssea, além de diferenciarem o osso trabecular do cortical.2222. Bachrach LK. Diagnosis and treatment of pediatric osteoporosis. Curr Opin Endocrinol Diabetes Obes. 2014;21:454-60.,2323. Roggen I, Roelants M, Sioen I, Vandewalle S, De Henauw S, Goemaere S, et al. Pediatric reference values for tibial trabecular bone mineral density and bone geometry parameters using peripheral quantitative computed tomography. Calcif Tissue Int. 2015;96:527-33.

A ultrassonografia quantitativa é um exame rápido, barato, de fácil execução e traz informações sobre a elasticidade e a estrutura óssea, porém a qualidade dos seus resultados, dependente do operador, não permite ainda que substitua a DXA,2020. Estrada A, Ramnitz MS, Gafni RI. Bone densitometry in children and adolescents. Curr Opin Obstet Gynecol. 2014;26:339-46. entretanto o treinamento e o aprimoramento dos profissionais podem ser valiosos, tendo em vista as vantagens desse exame.

A osteoporose possui peculiaridades diagnósticas entre crianças e adolescentes. Ou seja, os marcadores bioquímicos de turnover ósseo podem ser alterados por vários fatores, além de existirem dificuldades na interpretação da densitometria relacionadas ao crescimento e à puberdade, impossibilitando o uso isolado dessa ferramenta para a definição diagnóstica.2020. Estrada A, Ramnitz MS, Gafni RI. Bone densitometry in children and adolescents. Curr Opin Obstet Gynecol. 2014;26:339-46.,2222. Bachrach LK. Diagnosis and treatment of pediatric osteoporosis. Curr Opin Endocrinol Diabetes Obes. 2014;21:454-60. Dessa forma, especialistas reunidos em um consenso mundial estabeleceram o diagnóstico de osteoporose em pediatria, além das indicações, da interpretação e do uso da densitometria óssea nessa faixa de idade.2222. Bachrach LK. Diagnosis and treatment of pediatric osteoporosis. Curr Opin Endocrinol Diabetes Obes. 2014;21:454-60.,2424. Bianchi ML, Leonard MB, Bechtold S, Högler W, Mughal MZ, Schönau E, et al. Bone health in children and adolescents with chronic diseases that may affect the skeleton: the 2013 ISCD Pediatric Official Positions. J Clin Densitom. 2014;17:281-94. O achado isolado de uma ou mais fraturas compressivas vertebrais (na ausência de doença local ou trauma grave) ou o encontro de um escore Z (ajustado para a idade e para o gênero) de densidade mineral óssea igual ou abaixo de -2 e associado obrigatoriamente a uma história clinicamente significativa de fratura (duas ou mais fraturas de ossos longos até os 10 anos ou três ou mais fraturas de ossos longos abaixo dos 19 anos) são diagnósticos de osteoporose nessa faixa etária.2222. Bachrach LK. Diagnosis and treatment of pediatric osteoporosis. Curr Opin Endocrinol Diabetes Obes. 2014;21:454-60.,2525. Gordon CM, Leonard MB, Zemel BS, International Society for Clinical Densitometry. 2013 Pediatric Position Development Conference: executive summary and reflections. J Clin Densitom. 2014;17:219-24.

As verdadeiras incidência e prevalência da osteoporose na faixa pediátrica não estão bem definidas, mas sabe-se que pode comprometer igualmente ambos os sexos e ocorrer em qualquer idade, sendo classificada em primária ou genética (cujo principal representante é a osteogênese imperfeita), e secundária, geralmente a condições associadas entre si (inflamação crônica, neoplasias, imobilização prolongada, uso de determinados medicamentos, disfunções hormonais e nutricionais).1010. Mäkitie O. Causes, mechanisms and management of paediatric osteoporosis. Nat Rev Rheumatol. 2013;9:465-75.,2626. Titmuss AT, Biggin A, Korula S, Munns CF. Diagnosis and Management of Osteoporosis in Children. Curr Pediatr Rep. 2015;3:187-99. Anticonvulsivantes, antineoplásicos (metotrexato, especialmente), inibidores da calcineurina, anticoagulantes e glicocorticoides (GC) são drogas associadas ao desenvolvimento de osteoporose,1010. Mäkitie O. Causes, mechanisms and management of paediatric osteoporosis. Nat Rev Rheumatol. 2013;9:465-75. com destaque para as últimas, bastante utilizadas na prescrição pediátrica.

GLICOCORTICOIDES E DOENÇA ÓSSEA SECUNDÁRIA

Os glicocorticoides são hormônios esteroides produzidos fisiologicamente pelas adrenais e sintetizados para uso sistêmico e tópico, seja intermitente, seja contínuo. Reconhecidos pela expressiva atividade anti-inflamatória e imunomoduladora, com demanda no controle da patogenia de autoimunidade e/ou de inflamação em uma gama de doenças, têm sido cada vez mais utilizados na faixa etária pediátrica.2727. Cooper MS. Glucocorticoids in bone and joint disease: the good, the bad and the uncertain. Clin Med. 2012;12:261-5. Estudo realizado no Reino Unido observou que 1,2% das crianças receberam pelo menos uma prescrição de corticosteroide oral no período de um ano, a maioria para tratamento de crises de asma.2828. Staa TP, Cooper C, Leufkens HG, Bishop N. Children and the risk of fractures caused by oral corticosteroids. J Bone Miner Res. 2003;18:913-8.

Esse é o grupo mais visto pelo pediatra geral. A asma é uma doença inflamatória crônica obstrutiva das vias aéreas, com diversidade na apresentação clínica, na gravidade e na resposta ao tratamento, que é geralmente ancorado ao uso de GC.2929. National Asthma Education and Prevention Program. Expert Panel Report 3 (EPR-3): Guidelines for the Diagnosis and Management of Asthma-Summary Report 2007. J Allergy Clin Immunol. 2007;120:S94-138. A Iniciativa Global contra a Asma (GINA), organização que congrega pneumologistas e elabora anualmente guias de condutas, tem preconizado a terapia em etapas ou “passos” para obter o controle da asma, cuja classificação de gravidade (leve, moderada e grave) é estabelecida com base na resposta ao tratamento e pode mudar ao longo do tempo.3030. Horak F, Doberer D, Eber E, Horak E, Pohl W, Riedler J, et al. Diagnosis and management of asthma - Statement on the 2015 GINA Guidelines. 2016;1-14. O tratamento inicial para a maioria dos pacientes com asma (exceto os casos leves em pré-escolares) inclui o GC inalatório, por vários meses e na menor dose diária eficaz. Por outro lado, o GC sistêmico oral é parte do tratamento de resgate nas exacerbações (ciclos de 1 a 2 mg/kg/dia de prednisolona por três a cinco dias) e do tratamento contínuo dos casos mais graves.3030. Horak F, Doberer D, Eber E, Horak E, Pohl W, Riedler J, et al. Diagnosis and management of asthma - Statement on the 2015 GINA Guidelines. 2016;1-14.

Doenças inflamatórias crônicas do tecido conectivo, rins, sistema nervoso, trato digestivo, além das neoplasias e dos transplantes, também demandam a terapia com GC sistêmico oral, porém de forma contínua e por mais de três meses. A artrite idiopática juvenil, o lúpus eritematoso sistêmico, a dermatomiosite juvenil, a doença de Crohn e a síndrome nefrótica são os principais exemplos.3131. Scheven E, Corbin KJ, Stagi S, Stefano S, Cimaz R. Glucocorticoid-associated osteoporosis in chronic inflammatory diseases: epidemiology, mechanisms, diagnosis, and treatment. Curr Osteoporos Rep. 2014;12:289-99.,3232. Tsampalieros A, Gupta P, Denburg MR, Shults J, Zemel BS, Mostoufi-Moab S, et al. Glucocorticoid effects on changes in bone mineral density and cortical structure in childhood nephrotic syndrome. J Bone Miner Res. 2013;28:480-8.,3333. Burnham JM. Inflammatory diseases and bone health in children. Curr Opin Rheumatol. 2012;24:548-53. A própria doença inflamatória crônica promove liberação de citocinas, desnutrição, imobilização prolongada, perda de massa muscular, atraso da puberdade e diminuição da exposição solar, comprometendo de forma negativa a saúde óssea.3131. Scheven E, Corbin KJ, Stagi S, Stefano S, Cimaz R. Glucocorticoid-associated osteoporosis in chronic inflammatory diseases: epidemiology, mechanisms, diagnosis, and treatment. Curr Osteoporos Rep. 2014;12:289-99.,3333. Burnham JM. Inflammatory diseases and bone health in children. Curr Opin Rheumatol. 2012;24:548-53. Entretanto, ensaios clínicos com voluntários evidenciaram que há a ação direta do corticoide na diminuição da formação óssea, desvinculado da inflamação.3434. Briot K, Roux C. Glucocorticoid-induced osteoporosis. RMDOpen. 2015;1:e000014. De qualquer maneira, a soma das ações nocivas da doença e da terapia esteroide converge para comprometer a saúde óssea.

Os GC, utilizados de forma crônica, são considerados a principal causa de osteoporose secundária e iatrogênica.2727. Cooper MS. Glucocorticoids in bone and joint disease: the good, the bad and the uncertain. Clin Med. 2012;12:261-5.,3535. Weinstein RS. Glucocorticoid-induced osteoporosis and osteonecrosis. Endocrinol Metab Clin North Am. 2012;41:595-611. Todavia, a potencialidade para fraturas muitas vezes é desvalorizada pelo profissional que prescreve o GC e ignorada pelo paciente e pelos familiares. O risco relativo aumenta com a dose e com a duração da terapia esteroide, enquanto o risco absoluto é determinado por uma série de condições clínicas associadas, porém valores diários baixos de 2,5 mg de prednisolona, em ciclos intermitentes, repetidos, podem ter efeito cumulativo também nocivo.3636. Seibel MJ, Cooper MS, Zhou H. Glucocorticoid-induced osteoporosis: mechanisms, management, and future perspectives. Lancet Diabetes Endocrinol. 2013;1:59-70. O risco é maior nos três primeiros meses de terapia contínua e diminui lentamente após o término, mas parece não retornar à normalidade.3737. Buehring B, Viswanathan R, Binkley N, Busse W. Glucocorticoid-induced osteoporosis: an update on effects and management. J Allergy Clin Immunol. 2013;132:1019-30. Adicionalmente, essa rápida ascensão do risco de fratura não é flagrada pelos exames de densitometria, o que sugere uma alteração mais importante da qualidade óssea em relação à quantidade.3535. Weinstein RS. Glucocorticoid-induced osteoporosis and osteonecrosis. Endocrinol Metab Clin North Am. 2012;41:595-611. Então, a ausência de alterações na densitometria óssea não descarta a existência de osteoporose induzida pelos GC.

Amplo estudo de coorte britânico, abrangendo indivíduos de 4 a 17 anos, observou que o uso anual de mais de quatro ciclos de GC sistêmico oral aumentou o risco de fraturas, enquanto outro estudo de coorte, na mesma faixa etária e no mesmo país, relacionou o maior risco de fratura à gravidade da asma, e não ao uso de esteroide inalatório.2828. Staa TP, Cooper C, Leufkens HG, Bishop N. Children and the risk of fractures caused by oral corticosteroids. J Bone Miner Res. 2003;18:913-8.,3838. Staa TP, Bishop N, Leufkens HG, Cooper C. Are inhaled corticosteroids associated with an increased risk of fracture in children? Osteoporos Int. 2004;15:785-91.

A doença óssea induzida pelos GC acomete sobretudo o osso trabecular, justificando o maior encontro de fraturas vertebrais e de costelas.4040. Henneicke H, Gasparini SJ, Brennan-Speranza TC, Zhou H, Seibel MJ. Glucocorticoids and bone: local effects and systemic implications. Trends Endocrinol Metab. 2014;25:197-211. Estudo britânico, no entanto, observou que o úmero foi o osso mais fraturado em crianças que usaram quatro ou mais ciclos curtos de corticoide oral.2828. Staa TP, Cooper C, Leufkens HG, Bishop N. Children and the risk of fractures caused by oral corticosteroids. J Bone Miner Res. 2003;18:913-8. As pesquisas experimental, molecular e genética têm elucidado os mecanismos de ação do excesso de GC no osso. Esses esteroides possuem efeito catabólico sobre o músculo e sobre a vitamina D, que compromete a mineralização óssea.4141. Cianferotti L, Brandi ML. Muscle-bone interactions: basic and clinical aspects. Endocrine. 2014;45:165-77.,4242. Society for Adolescent Health and Medicine. Recommended vitamin D intake and management of low vitamin D status in adolescents: a position statement of the society for adolescent health and medicine. J Adolesc Health. Society for Adolescent Health and Medicine. 2013;52:801-3. Osso e músculo formam uma unidade, com mútua influência trófica. Além disso, a corticoterapia crônica favorece a adipogênese e a obesidade, com sequestro e redução da vitamina D.4343. Çizmecioglu FM, Etiler N, Görmüs U, Hamzaoglu O, Hatun S. Hypovitaminosis D in obese and overweight schoolchildren. J Clin Res Pediatr Endocrinol. 2008;1:89-96.,4444. Wakayo T, Whiting SJ, Belachew T. Vitamin D Deficiency is Associated with overweight and/or obesity among cchoolchildren in Central Ethiopia: A cross-sectional study. Nutrients. 2016;8:190.

A diminuição da absorção intestinal de cálcio, o aumento da eliminação do cálcio urinário, a redução na secreção do hormônio do crescimento (GH) e as alterações no metabolismo dos esteroides sexuais e da pulsatilidade do hormônio da paratireoide (PTH) são outros efeitos negativos indiretos dos GC na saúde óssea.4040. Henneicke H, Gasparini SJ, Brennan-Speranza TC, Zhou H, Seibel MJ. Glucocorticoids and bone: local effects and systemic implications. Trends Endocrinol Metab. 2014;25:197-211. Entretanto, o próprio tecido ósseo é alvo para os GC. As pesquisas têm evidenciado que a ação direta desses esteroides sobre as células ósseas é o principal mecanismo na gênese da osteoporose resultante.3737. Buehring B, Viswanathan R, Binkley N, Busse W. Glucocorticoid-induced osteoporosis: an update on effects and management. J Allergy Clin Immunol. 2013;132:1019-30.,4040. Henneicke H, Gasparini SJ, Brennan-Speranza TC, Zhou H, Seibel MJ. Glucocorticoids and bone: local effects and systemic implications. Trends Endocrinol Metab. 2014;25:197-211. A Figura 1 resume a patogenia da fratura secundária ao excesso de GC.

Figura 1:
Patogenia das fraturas relacionadas ao excesso de glicocorticoides (GC).

EFEITOS MOLECULARES DO EXCESSO DE GLICOCORTICOIDES NO OSSO

Os GC exercem os seus efeitos haja vista quatro mecanismos: o genômico clássico (o mais importante), que envolve os receptores citosólicos dos GCs (cGCR) e se divide em dois processos, a transrepressão e transativação; o não genômico secundário, também iniciado com os cGCR; o não genômico efetuado pelos receptores de membrana (mGCR); e o não genômico inespecífico, decorrente de interações com membranas celulares (incluindo as de organelas).4545. Spies CM, Strehl C, Goes MC, Bijlsma JW, Buttgereit F. Glucocorticoids. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2011;25:891-900.,4646. Stahn C, Löwenberg M, Hommes DW, Buttgereit F. Molecular mechanisms of glucocorticoid action and selective glucocorticoid receptor agonists. Mol Cell Endocrinol. 2007;275:71-8.,4747. Bouvard B, Audran M, Legrand E, Chappard D. Ultrastructural characteristics of glucocorticoid-induced osteoporosis. Osteoporos Int. 2009;20:108-92. As ações anti-inflamatórias e imunomoduladoras surgem daí, mas também os efeitos adversos, que são determinados por um ou mais desses quatro mecanismos.

O polimorfismo dos genes relacionados a esses receptores pode contribuir para as diferenças na intensidade da doença óssea e das fraturas induzidas pelo uso dos GC.4747. Bouvard B, Audran M, Legrand E, Chappard D. Ultrastructural characteristics of glucocorticoid-induced osteoporosis. Osteoporos Int. 2009;20:108-92. A observação clínica e os estudos do metabolismo celular dos GC também identificaram sensibilidades diversas a esses hormônios, relacionadas ao sistema enzimático intracelular 11β-hidroxiesteroide desidrogenase (11β-HSD), especificamente ao tipo 1(11β-HSD1), que converte formas inativas de corticoide (cortisona e prednisona) em formas ativas (cortisol e prednisolona).2727. Cooper MS. Glucocorticoids in bone and joint disease: the good, the bad and the uncertain. Clin Med. 2012;12:261-5.,4848. Weinstein RS, Wan C, Liu Q, Wang Y, Almeida M, O'Brien CA, et al. Endogenous glucocorticoids decrease skeletal angiogenesis, vascularity, hydration, and strength in aged mice. Aging Cell. 2010;9:147-61. Estudos imuno-histoquímicos e de hibridização in situ mostraram expressão da 11β-HSD1 nos osteoblastos, crescente com a idade, que favorece a maior concentração de GC nessas células e que pode sofrer modulação por citocinas, fator de crescimento e outras enzimas.3636. Seibel MJ, Cooper MS, Zhou H. Glucocorticoid-induced osteoporosis: mechanisms, management, and future perspectives. Lancet Diabetes Endocrinol. 2013;1:59-70.

O aumento da expressão da enzima 11β-HSD1 é considerado fator de risco para a osteoporose induzida pelos GC.1212. Feng X, McDonald JM. Disorders of bone remodeling. Annu Rev Pathol. 2011;6:121-45. Em sua forma ativa, o GC acopla-se a um receptor (GRα ou GRβ), membro da superfamília dos receptores nucleares,4949. Moutsatsou P, Kassi E, Papavassiliou AG. Glucocorticoid receptor signaling in bone cells. Trends Mol Med. 2012;18:348-59. e migra do citoplasma ao núcleo, em que pode se ligar aos elementos de resposta do glicocorticoide (GREs) e a outros fatores de transcrição (fator ativador da proteína 1 [AP1], fator nuclear κB [NF-κb], transdutor de sinal e ativador de transcrição 5 [STAT5]), resultando em uma transativação ou em uma transrepressão.3636. Seibel MJ, Cooper MS, Zhou H. Glucocorticoid-induced osteoporosis: mechanisms, management, and future perspectives. Lancet Diabetes Endocrinol. 2013;1:59-70.,4949. Moutsatsou P, Kassi E, Papavassiliou AG. Glucocorticoid receptor signaling in bone cells. Trends Mol Med. 2012;18:348-59. Portanto, as ações dos GC a nível do genoma, modificando a expressão gênica, vão repercutir na estrutura do tecido ósseo.

O outro lado da equação do sistema HSD é formado pela enzima inativadora dos GC, a HSD 2. A vulnerabilidade dos diferentes tipos de GC a essa enzima é variável, e a dexametasona, por possuir um átomo de flúor na posição 9α do anel B com bloqueio do local da HSD2, é o esteroide mais resistente a essa inativação e, assim, é o que causa mais osteoporose.3535. Weinstein RS. Glucocorticoid-induced osteoporosis and osteonecrosis. Endocrinol Metab Clin North Am. 2012;41:595-611. A Figura 2 esquematiza o sistema enzimático 11β-HSD e a ligação com o mecanismo de ação genômico dos GC. O resultado da ativação, ou da resistência à inativação, do excesso de GC no osso contribui para a osteoporose.

Figura 2:
Mecanismo genômico de ação dos GC e o sistema enzimático hidroxiesteroide desidrogenase (HSD).

Os GC interferem, a partir dessa ação nuclear, com a formação, diferenciação, destruição e sobrevida das células ósseas. Exercem um comando metabólico pela modulação de inúmeros fatores reguladores e das proteínas da matriz, tais quais o colágeno; a fosfatase alcalina; o receptor ativador do Fator Nuclear kapa B - NF-κB (RANK) -; o sistema ligante do receptor ativador do NF-κB (RANKL)/osteoprotegerina (OPG), a osteocalcina, a osteopontina (OPN); as proteínas pró e antiapoptóticas; além dos fatores de crescimento e das citocinas, os quais interferem de forma importante no metabolismo ósseo.4949. Moutsatsou P, Kassi E, Papavassiliou AG. Glucocorticoid receptor signaling in bone cells. Trends Mol Med. 2012;18:348-59.

Os estudos experimentais têm revelado que importante via sinalizadora do osso, a via Wnt/β-catenina, é comprometida pelo excesso de GC. O termo Wnt provém da fusão do nome de 2 locus envolvidos, int-1 e Wg, mas compreende também outras vias sinalizadoras proteicas, sendo a Wnt/β-catenina a primordial.5050. Johnson ML, Kamel MA. The Wnt signaling pathway and bone metabolism. Curr Opin Rheumatol. 2007;19:376-82. A Wnt liga-se a um conjunto duplo de receptores (as proteínas 5 e 6 relacionadas ao receptor da lipoproteína de baixa densidade [Lrp5 e Lrp6]) e a um membro da família das proteínas frisadas (Frizz), acarretando a ativação da proteína intracelular Dish e recebendo a ligação da proteína Axin, a qual se conecta às proteínas do complexo de degradação (com destaque para a glicogênio sintase quinase-3b [GSK-3b]), impedindo a fosforilação e inativação da β-catenina, que se acumula dentro da célula.5050. Johnson ML, Kamel MA. The Wnt signaling pathway and bone metabolism. Curr Opin Rheumatol. 2007;19:376-82.,5151. Guañabens N, Gifre L, Peris P. The role of Wnt signaling and sclerostin in the pathogenesis of glucocorticoid-induced osteoporosis.Curr Osteoporos Rep. 2014;12:90-7.

A β-catenina, acumulada e aglomerada no citoplasma celular, transloca-se para dentro do núcleo, em que se liga a membros da família de fatores de transcrição (T-cell fator/lymphocyte elongation factor [TCF/Lef]), regulando a expressão gênica para o favorecimento da homeostase óssea, por meio do direcionamento da diferenciação das células mesenquimais em osteoblastos e da inibição da apoptose de osteoblastos e ostócitos.5050. Johnson ML, Kamel MA. The Wnt signaling pathway and bone metabolism. Curr Opin Rheumatol. 2007;19:376-82.,5151. Guañabens N, Gifre L, Peris P. The role of Wnt signaling and sclerostin in the pathogenesis of glucocorticoid-induced osteoporosis.Curr Osteoporos Rep. 2014;12:90-7. Além disso, ao promover a expressão da osteoprotegerina (OPG), competidora do ligante RANKL, inibe a osteoclastogênese.5151. Guañabens N, Gifre L, Peris P. The role of Wnt signaling and sclerostin in the pathogenesis of glucocorticoid-induced osteoporosis.Curr Osteoporos Rep. 2014;12:90-7. Dessa forma, essa via sinalizadora contribui para o acúmulo de massa óssea. A resposta óssea à sobrecarga mecânica também é influenciada pela via Wnt β-catenina.5050. Johnson ML, Kamel MA. The Wnt signaling pathway and bone metabolism. Curr Opin Rheumatol. 2007;19:376-82.

Estudo experimental constatou que a dexametasona inibe toda a via Wnt β-catenina, desde a superfície celular até a translocação nuclear.5252. Chen Z, Xue J, Shen T, Mu S, Fu Q. Curcumin alleviates glucocorticoid-induced osteoporosis through the regulation of the Wnt signaling pathway. Int J Mol Med. 2016;37:329-38. Além disso, a experimentação animal evidenciou que o uso de GC, sobretudo por tempo prolongado, aumenta a expressão dos antagonistas da via Wnt β-catenina (a esclerostina e a proteína 1 da família de proteínas Dickkopf [Dkk1]), produzidos sobretudo pelos osteócitos.5151. Guañabens N, Gifre L, Peris P. The role of Wnt signaling and sclerostin in the pathogenesis of glucocorticoid-induced osteoporosis.Curr Osteoporos Rep. 2014;12:90-7. Esses achados revelam a complexidade das ações negativas desses esteroides sobre essa via proteica, constituindo parte dos seus efeitos nocivos sobre o osso.

A Figura 3 ilustra as principais ações do excesso de glicocorticoides nas células ósseas. A maior expressão de citocinas promotoras da osteoclastogênese, tais como o fator estimulante de colônias de macrófagos (M-CSF) e o RANKL, associada à diminuição da OPG (que tem efeito oposto), respondem pela fase inicial de aumento rápido da reabsorção óssea. Essa fase é seguida por uma mais lenta e duradora, de diminuição da formação óssea, secundária à diminuição da osteoblastogênese, ao aumento na apoptose dos osteoblastos e à supressão da produção do colágeno tipo I (principal componente da matriz óssea) e de fatores estimulantes da formação (tais quais o IGF-1).3131. Scheven E, Corbin KJ, Stagi S, Stefano S, Cimaz R. Glucocorticoid-associated osteoporosis in chronic inflammatory diseases: epidemiology, mechanisms, diagnosis, and treatment. Curr Osteoporos Rep. 2014;12:289-99.,3737. Buehring B, Viswanathan R, Binkley N, Busse W. Glucocorticoid-induced osteoporosis: an update on effects and management. J Allergy Clin Immunol. 2013;132:1019-30.,4747. Bouvard B, Audran M, Legrand E, Chappard D. Ultrastructural characteristics of glucocorticoid-induced osteoporosis. Osteoporos Int. 2009;20:108-92. Assim, à fase inicial de predomínio reabsortivo, segue-se a fase crônica de comprometimento na formação.

Figura 3:
Síntese das principais ações deletérias do excesso de glicocorticoides no osso.

O excesso de GC ocasiona, em suma, diminuição da osteoblastogênese, incremento da apoptose de osteoblastos e osteócitos e aumento temporário da osteoclastogênese e da sobrevida dos osteoclastos.3737. Buehring B, Viswanathan R, Binkley N, Busse W. Glucocorticoid-induced osteoporosis: an update on effects and management. J Allergy Clin Immunol. 2013;132:1019-30. O favorecimento da apoptose dos osteócitos, os quais são sensores de dano e suporte paro o reparo, interfere no remodelamento ósseo, com redução na reposição do osso escavado pelos osteoclastos.2727. Cooper MS. Glucocorticoids in bone and joint disease: the good, the bad and the uncertain. Clin Med. 2012;12:261-5.,3131. Scheven E, Corbin KJ, Stagi S, Stefano S, Cimaz R. Glucocorticoid-associated osteoporosis in chronic inflammatory diseases: epidemiology, mechanisms, diagnosis, and treatment. Curr Osteoporos Rep. 2014;12:289-99.,4747. Bouvard B, Audran M, Legrand E, Chappard D. Ultrastructural characteristics of glucocorticoid-induced osteoporosis. Osteoporos Int. 2009;20:108-92.,5353. Lian JB, Stein GS. Runx2/Cbfa1: a multifunctional regulator of bone formation. Curr Pharm Des. 2003;9:2677-85.,5454. Ramji DP, Foka P. CCAAT/enhancer-binding proteins: structure, function and regulation. Biochem J. 2002;365:561-75. Um dado que chama a atenção é o comprometimento precoce da força óssea em desproporção à intensidade da diminuição da massa óssea, avaliada pelos exames de densitometria.

Estudos experimentais evidenciaram que a OPG (diminuída pelos GC) favorece a proliferação endotelial (angiogênese), enquanto o RANKL, opostamente, inibe a angiogênese.5555. McGonigle JS, Giachelli CM, Scatena M. Osteoprotegerin and RANKL differentially regulate angiogenesis and endothelial cell function. Angiogenesis. 2009;12:35-46. Além disso, os osteoblastos e os osteócitos produzem o fator de crescimento endotelial (VEGF) e o incremento da sua apoptose, secundária ao excesso de GC, o que seria um fator a mais para favorecer a quebra da vasculatura óssea (ligada ao transporte fluido canalicular), com prejuízo da bomba hidráulica e diminuição maior da força óssea em relação à massa.5656. Weinstein RS. Glucocorticoids, osteocytes, and skeletal fragility: the role of bone vascularity. Bone. 2010;46:564-70. O excesso de GC parece cercar o osso de todas as formas, em uma cascata de comprometimento, relacionada com a dose e duração da exposição, mas dependente das características genéticas individuais.

CONCLUSÕES

O aprofundamento das técnicas de pesquisa tem contemplado descobertas valiosas para a compreensão da ação dos GC a nível ósseo celular, especialmente quando da sua administração crônica, abrindo caminhos para buscas terapêuticas e preventivas mais específicas da doença óssea resultante. O profissional que prescreve o esteroide e, do outro lado, aquele que atende a crianças e adolescentes com fraturas devem estar cientes da possibilidade dessa fragilidade óssea associada, para direcionar a sua investigação e melhorar a sua abordagem preventiva e terapêutica.

RECOMENDAÇÕES

Uma criança ou adolescente que requer corticoterapia, sobretudo de forma crônica e sistêmica, mas também em ciclos repetidos, com doses cumulativas altas (>1 g/ano), necessita de cuidados e orientações relacionados à saúde óssea logo ao iniciar o tratamento. A maneira correta de administração, incluindo o horário, a duração e o modo de descontinuar o tratamento, deve ser esclarecida.

O acompanhamento nutricional é fundamental, prevenindo a obesidade, mas garantindo também a ingestão adequada de cálcio (1.300 mg/dia entre os 9 e 18 anos) e proteínas, além da manutenção de níveis suficientes de vitamina D, com ingestão diária mínima de 600 UI após o primeiro ano de vida.2222. Bachrach LK. Diagnosis and treatment of pediatric osteoporosis. Curr Opin Endocrinol Diabetes Obes. 2014;21:454-60. A orientação para a exposição solar diária, por cerca de 20 minutos, deve ser acompanhada da dosagem sérica da 25(OH) vitamina D no início do tratamento e a cada três a seis meses, dependendo dos resultados. Se os níveis séricos estiverem abaixo de 30 ng/mL, preconiza-se a reposição oral na forma medicamentosa.

A atividade física regular e supervisionada, apesar de poder favorecer acidentes,5757. Clark EM, Ness AR, Tobias JH. Vigorous physical activity increases fracture risk in children irrespective of bone mass: a prospective study of the independent risk factors for fractures in healthy children. J Bone Miner Res. 2008;23:1012-22. deve ser preconizada, tendo em vista sua ação favorável à força óssea e muscular, além de prevenir a obesidade.

A suspeição de fraturas espontâneas, sobretudo em vértebras (traduzidas por dor ou apenas por diminuição da estatura), deve ser latente e demandar investigação radiológica.2222. Bachrach LK. Diagnosis and treatment of pediatric osteoporosis. Curr Opin Endocrinol Diabetes Obes. 2014;21:454-60. A peculiaridade do acometimento vertebral realça a importância do acompanhamento clínico e da antropometria rotineira. O profissional que atende a uma criança ou adolescente com fratura, especialmente após um trauma leve, deve estar alerta à possibilidade de fragilidade óssea subjacente, o que inclui questionar o uso de GC e investigar deficiência de vitamina D.

O médico não deve temer prescrever corticoide para asma e outras doenças inflamatórias, quando bem indicado, apenas estar ciente de que a necessidade deve ser precisa e de que o uso de ciclos repetidos, com doses cumulativas superiores a 1 g/ano, pode interferir na saúde óssea. A busca por formas sintéticas de glicocorticoides com configurações que atuem apenas nos mecanismos anti-inflamatórios e imunomoduladores sem os efeitos colaterais nocivos é uma esperança atual.4949. Moutsatsou P, Kassi E, Papavassiliou AG. Glucocorticoid receptor signaling in bone cells. Trends Mol Med. 2012;18:348-59.,5858. Kadmiel M, Cidlowski JA. Glucocorticoid receptor signaling in health and disease. Trends Pharmacol Sci. 2013;34:518-30.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Clark EM. The epidemiology of fractures in otherwise healthy children. Curr Osteoporos Rep. 2014;12:272-8.
  • 2
    Cooper C, Dennison EM, Leufkens HG, Bishop N, Staa TP. Epidemiology of childhood fractures in Britain: a study using the general practice research database. J Bone Miner Res. 2004;19:1976-81.
  • 3
    Chevalley T, Bonjour JP, Rietbergen B, Ferrari S, Rizzoli R. Fractures during childhood and adolescence in healthy boys: relation with bone mass, microstructure, and strength. J Clin Endocrinol Metab. 2011;96:3134-42.
  • 4
    Hedström EM, Svensson O, Bergström U, Michno P. Epidemiology of fractures in children and adolescents. Acta Orthop. 2010;22(81):148-53.
  • 5
    Ryan LM. Forearm fractures in children and bone health. Curr Opin Endocrinol Diabetes Obes. 2010;17:530-4.
  • 6
    Malta DC, Mascarenhas MD, Silva MM, Macário EM. Profile of unintentional injuries involving children under ten years of age in emergency departments--Brazil, 2006 to 2007. Ciênc Saúde Colet. 2009;14:1669-79.
  • 7
    McDevitt H, Ahmed SF. Establishing good bone health in children. Paediatr Child Health (Oxford). 2010;20:83-7.
  • 8
    Lorentzon M, Cummings SR. Osteoporosis: the evolution of a diagnosis. J Intern Med. 2015;277:650-61.
  • 9
    Sànchez-Riera L, Wilson N, Kamalaraj N, Nolla JM, Kok C, Li Y, et al. Osteoporosis and fragility fractures. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2010;24:793-810.
  • 10
    Mäkitie O. Causes, mechanisms and management of paediatric osteoporosis. Nat Rev Rheumatol. 2013;9:465-75.
  • 11
    Stubbs J, Liu S, Quarles LD. Role of fibroblast growth factor 23 in phosphate homeostasis and pathogenesis of disordered mineral metabolism in chronic kidney disease. Semin Dial. 2007;20:302-8.
  • 12
    Feng X, McDonald JM. Disorders of bone remodeling. Annu Rev Pathol. 2011;6:121-45.
  • 13
    Rho JY, Kuhn-Spearing L, Zioupos P. Mechanical properties and the hierarchical structure of bone. Med Eng Phys. 1998;20:92-102.
  • 14
    Boot AM, Ridder MA, Sluis IM, Slobbe I, Krenning EP, Keizer-Schrama SM. Peak bone mineral density, lean body mass and fractures. Bone. 2010;46:336-41.
  • 15
    Bonjour JP, Chevalley T. Pubertal timing, bone acquisition, and risk of fracture throughout life. Endocr Rev. 2014;35:820-47.
  • 16
    Golden NH, Abrams SA, Committee on Nutrition. Optimizing bone health in children and adolescents. Pediatrics. 2014;134:1229-43.
  • 17
    Kanis JA, Johansson H, Oden A, McCloskey EV. Assessment of fracture risk. Eur J Radiol. 2009;71:392-7.
  • 18
    Sopher AB, Fennoy I, Oberfield SE. An update on childhood bone health: mineral accrual, assessment and treatment. Curr Opin Endocrinol Diabetes Obes. 2015;22:35-40.
  • 19
    Ma NS, Gordon CM. Pediatric osteoporosis: where are we now? J Pediatr. 2012;161:983-90.
  • 20
    Estrada A, Ramnitz MS, Gafni RI. Bone densitometry in children and adolescents. Curr Opin Obstet Gynecol. 2014;26:339-46.
  • 21
    Chun KJ. Bone densitometry. Semin Nucl Med. 2011;41:220-8.
  • 22
    Bachrach LK. Diagnosis and treatment of pediatric osteoporosis. Curr Opin Endocrinol Diabetes Obes. 2014;21:454-60.
  • 23
    Roggen I, Roelants M, Sioen I, Vandewalle S, De Henauw S, Goemaere S, et al. Pediatric reference values for tibial trabecular bone mineral density and bone geometry parameters using peripheral quantitative computed tomography. Calcif Tissue Int. 2015;96:527-33.
  • 24
    Bianchi ML, Leonard MB, Bechtold S, Högler W, Mughal MZ, Schönau E, et al. Bone health in children and adolescents with chronic diseases that may affect the skeleton: the 2013 ISCD Pediatric Official Positions. J Clin Densitom. 2014;17:281-94.
  • 25
    Gordon CM, Leonard MB, Zemel BS, International Society for Clinical Densitometry. 2013 Pediatric Position Development Conference: executive summary and reflections. J Clin Densitom. 2014;17:219-24.
  • 26
    Titmuss AT, Biggin A, Korula S, Munns CF. Diagnosis and Management of Osteoporosis in Children. Curr Pediatr Rep. 2015;3:187-99.
  • 27
    Cooper MS. Glucocorticoids in bone and joint disease: the good, the bad and the uncertain. Clin Med. 2012;12:261-5.
  • 28
    Staa TP, Cooper C, Leufkens HG, Bishop N. Children and the risk of fractures caused by oral corticosteroids. J Bone Miner Res. 2003;18:913-8.
  • 29
    National Asthma Education and Prevention Program. Expert Panel Report 3 (EPR-3): Guidelines for the Diagnosis and Management of Asthma-Summary Report 2007. J Allergy Clin Immunol. 2007;120:S94-138.
  • 30
    Horak F, Doberer D, Eber E, Horak E, Pohl W, Riedler J, et al. Diagnosis and management of asthma - Statement on the 2015 GINA Guidelines. 2016;1-14.
  • 31
    Scheven E, Corbin KJ, Stagi S, Stefano S, Cimaz R. Glucocorticoid-associated osteoporosis in chronic inflammatory diseases: epidemiology, mechanisms, diagnosis, and treatment. Curr Osteoporos Rep. 2014;12:289-99.
  • 32
    Tsampalieros A, Gupta P, Denburg MR, Shults J, Zemel BS, Mostoufi-Moab S, et al. Glucocorticoid effects on changes in bone mineral density and cortical structure in childhood nephrotic syndrome. J Bone Miner Res. 2013;28:480-8.
  • 33
    Burnham JM. Inflammatory diseases and bone health in children. Curr Opin Rheumatol. 2012;24:548-53.
  • 34
    Briot K, Roux C. Glucocorticoid-induced osteoporosis. RMDOpen. 2015;1:e000014.
  • 35
    Weinstein RS. Glucocorticoid-induced osteoporosis and osteonecrosis. Endocrinol Metab Clin North Am. 2012;41:595-611.
  • 36
    Seibel MJ, Cooper MS, Zhou H. Glucocorticoid-induced osteoporosis: mechanisms, management, and future perspectives. Lancet Diabetes Endocrinol. 2013;1:59-70.
  • 37
    Buehring B, Viswanathan R, Binkley N, Busse W. Glucocorticoid-induced osteoporosis: an update on effects and management. J Allergy Clin Immunol. 2013;132:1019-30.
  • 38
    Staa TP, Bishop N, Leufkens HG, Cooper C. Are inhaled corticosteroids associated with an increased risk of fracture in children? Osteoporos Int. 2004;15:785-91.
  • 39
    Hansen KE, Kleker B, Safdar N, Bartels CM. A systematic review and meta-analysis of glucocorticoid-induced osteoporosis in children. Semin Arthritis Rheum. 2014;44:47-54.
  • 40
    Henneicke H, Gasparini SJ, Brennan-Speranza TC, Zhou H, Seibel MJ. Glucocorticoids and bone: local effects and systemic implications. Trends Endocrinol Metab. 2014;25:197-211.
  • 41
    Cianferotti L, Brandi ML. Muscle-bone interactions: basic and clinical aspects. Endocrine. 2014;45:165-77.
  • 42
    Society for Adolescent Health and Medicine. Recommended vitamin D intake and management of low vitamin D status in adolescents: a position statement of the society for adolescent health and medicine. J Adolesc Health. Society for Adolescent Health and Medicine. 2013;52:801-3.
  • 43
    Çizmecioglu FM, Etiler N, Görmüs U, Hamzaoglu O, Hatun S. Hypovitaminosis D in obese and overweight schoolchildren. J Clin Res Pediatr Endocrinol. 2008;1:89-96.
  • 44
    Wakayo T, Whiting SJ, Belachew T. Vitamin D Deficiency is Associated with overweight and/or obesity among cchoolchildren in Central Ethiopia: A cross-sectional study. Nutrients. 2016;8:190.
  • 45
    Spies CM, Strehl C, Goes MC, Bijlsma JW, Buttgereit F. Glucocorticoids. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2011;25:891-900.
  • 46
    Stahn C, Löwenberg M, Hommes DW, Buttgereit F. Molecular mechanisms of glucocorticoid action and selective glucocorticoid receptor agonists. Mol Cell Endocrinol. 2007;275:71-8.
  • 47
    Bouvard B, Audran M, Legrand E, Chappard D. Ultrastructural characteristics of glucocorticoid-induced osteoporosis. Osteoporos Int. 2009;20:108-92.
  • 48
    Weinstein RS, Wan C, Liu Q, Wang Y, Almeida M, O'Brien CA, et al. Endogenous glucocorticoids decrease skeletal angiogenesis, vascularity, hydration, and strength in aged mice. Aging Cell. 2010;9:147-61.
  • 49
    Moutsatsou P, Kassi E, Papavassiliou AG. Glucocorticoid receptor signaling in bone cells. Trends Mol Med. 2012;18:348-59.
  • 50
    Johnson ML, Kamel MA. The Wnt signaling pathway and bone metabolism. Curr Opin Rheumatol. 2007;19:376-82.
  • 51
    Guañabens N, Gifre L, Peris P. The role of Wnt signaling and sclerostin in the pathogenesis of glucocorticoid-induced osteoporosis.Curr Osteoporos Rep. 2014;12:90-7.
  • 52
    Chen Z, Xue J, Shen T, Mu S, Fu Q. Curcumin alleviates glucocorticoid-induced osteoporosis through the regulation of the Wnt signaling pathway. Int J Mol Med. 2016;37:329-38.
  • 53
    Lian JB, Stein GS. Runx2/Cbfa1: a multifunctional regulator of bone formation. Curr Pharm Des. 2003;9:2677-85.
  • 54
    Ramji DP, Foka P. CCAAT/enhancer-binding proteins: structure, function and regulation. Biochem J. 2002;365:561-75.
  • 55
    McGonigle JS, Giachelli CM, Scatena M. Osteoprotegerin and RANKL differentially regulate angiogenesis and endothelial cell function. Angiogenesis. 2009;12:35-46.
  • 56
    Weinstein RS. Glucocorticoids, osteocytes, and skeletal fragility: the role of bone vascularity. Bone. 2010;46:564-70.
  • 57
    Clark EM, Ness AR, Tobias JH. Vigorous physical activity increases fracture risk in children irrespective of bone mass: a prospective study of the independent risk factors for fractures in healthy children. J Bone Miner Res. 2008;23:1012-22.
  • 58
    Kadmiel M, Cidlowski JA. Glucocorticoid receptor signaling in health and disease. Trends Pharmacol Sci. 2013;34:518-30.
  • Financiamento O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2017
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    24 Maio 2016
  • Aceito
    27 Set 2016
Sociedade de Pediatria de São Paulo R. Maria Figueiredo, 595 - 10o andar, 04002-003 São Paulo - SP - Brasil, Tel./Fax: (11 55) 3284-0308; 3289-9809; 3284-0051 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rpp@spsp.org.br