A Neonatologia é uma ciência em franco progresso que revolucionou os cuidados aos recém-nascidos pré-termos. As últimas quatro décadas nos forneceram a tecnologia necessária e o conhecimento específico para prevenir e tratar a síndrome do desconforto respiratório, infecções bacterianas, encefalopatia hipóxico-isquêmica e anomalias congênitas passíveis de cirurgias nesses pacientes. Curiosamente, o suporte nutricional enteral para o neonato pré-termo continua sendo um desafio terapêutico relevante.
As pesquisas sobre nutrição do recém-nascido têm se voltado principalmente para atender às necessidades e ao equilíbrio adequado dos componentes nutricionais parenterais e enterais, buscando promover um crescimento pós-natal semelhante ao intrauterino.1 Tal fato melhorou as soluções nutricionais parenterais, as fórmulas especializadas para pré-termo, os aditivos de leite e suplementos nutricionais, que permitem que os clínicos atendam, hoje em dia, às necessidades especiais de bebês extremamente prematuros.
Entretanto, um dos desafios mais frequentes quando se trata de suporte nutricional em prematuros é a intolerância alimentar.2 É estranho admitir que a linguagem comumente usada entre os profissionais de saúde neonatal reflita nossa ignorância sobre o assunto. Um momento de interação usual entre uma enfermeira de uma unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN) e um médico seria melhor ilustrado da seguinte maneira:
Enfermeira (muitas vezes correndo atrás do médico com uma seringa grande na mão, cheia de um líquido repugnante que lembra leite): Veja o que eu aspirei do estômago do bebê. O que quer que eu faça agora?
Médico: Eu não sei. Afora isso, como está o bebê?
Enfermeira: O bebê parece bem e esta foi a primeira vez hoje que aspirei esse volume de seu estômago.
Médico: Bem, então suspenda a dieta e, no próximo horário, administre, 50% do volume inicialmente prescrito para ver o que acontece.
O fato é que a maioria das situações que envolvem preocupações com tolerância alimentar no bebê prematuro está ligada a problemas funcionais sobre os quais há poucos dados experimentais disponíveis. A pergunta que costumo fazer diante de uma situação dessas é: o que está acontecendo? É o estômago que está retendo o leite, o esfíncter pilórico que não está relaxando ou o problema é o movimento peristáltico intestinal reduzido?
Atualmente, não temos os meios diagnósticos ou conhecimento suficiente sobre a fisiologia gastrointestinal dos prematuros para avaliar e conduzir adequadamente os casos de intolerância alimentar. A maioria dos estudos sobre fatores responsáveis pelo esvaziamento gástrico em neonatos foi realizada há mais de 30 anos.3,4,5,6,7,8 Nas publicações da década de 1980, os prematuros estudados tinham idade gestacional média de 30-34 semanas e haviam sido tratados em condições diferentes das atuais existentes em uma UTIN moderna, o que limita a aplicabilidade desses resultados no presente.
As opções terapêuticas atualmente disponíveis para melhorar a tolerância alimentar são limitadas, muitas ineficazes9,10 e provavelmente prejudiciais.11 As metilxantinas, comumente usadas como estimulantes respiratórios, reduzem a mobilidade gástrica e intestinal,12 possivelmente contribuindo para a intolerância alimentar do prematuro, dado o vasto uso desta farmacoterapia nessa população.
Nós clínicos, talvez, devêssemos retroceder e adotar uma abordagem em relação ao suporte nutricional de recém-nascidos pré-termo pautada no bom-senso, com base no comportamento alimentar do recém-nascido a termo. Os lactentes a termo são introduzidos ao peito o mais rápido possível após o nascimento e podem mamar ad lib. Dados relativos a roedores sugerem que a ingestão de leite pelo recém-nascido é regulada pelo volume no estômago, e não pela saciedade, como é o caso em idades mais avançadas.13
Nossas diretrizes atuais de alimentação para recém-nascidos prematuros se baseiam mais no medo da ocorrência de enterocolite necrozante (ECN) do que nas necessidades fisiológicas desses neonatos. Acredita-se que, o avanço lento da alimentação enteral previne a ECN, mas os dados que suportam tal afirmação são limitados e questionáveis. Recentemente, muitos especialistas têm recomendado evitar a verificação de aspirados gástricos para avaliar a tolerância alimentar e há dados que mostram que essa estratégia resulta em menor tempo para alcançar a alimentação enteral plena.14
Em resumo, assim como pesquisamos e aprendemos muito sobre o suprimento adequado das necessidades nutricionais de recém-nascidos prematuros, agora precisamos focar nos aspectos do desenvolvimento da função e regulação gastrointestinal. Teremos, então, uma resposta para a enfermeira que corre atrás de nós com a seringa cheia de resíduo gástrico; mas muita pesquisa é necessária até estarmos prontos para a resposta mais adequada.