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QUALIDADE DE SONO E SUA ASSOCIAÇÃO COM SINTOMAS PSICOLÓGICOS EM ATLETAS ADOLESCENTES

RESUMO

Objetivo:

Verificar a prevalência de má qualidade de sono e sua associação com características pessoais e sintomas de depressão, ansiedade e estresse em adolescentes atletas amadores.

Métodos:

Foram avaliados 309 adolescentes atletas, entre 10 e 19 anos. Para a coleta de dados foram utilizados: questionário estruturado, contendo informações pessoais; Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh (PSQI); e Escala de Ansiedade, Depressão e Stress de 21 itens (EADS-21). Na análise descritiva foram calculados a média e o desvio padrão das variáveis numéricas e as frequências absolutas e relativas das variáveis categóricas. Para a análise inferencial foram realizados teste t de Student e teste do qui-quadrado, além de regressão de Poisson, sendo calculadas as razões de prevalência (RP) em um intervalo de confiança de 95% (IC95%).

Resultados:

A média de idade dos participantes foi de 14,1±2,1, sendo 13,8±2,0 para o grupo de adolescentes com boa qualidade do sono e 15,0±2,1 para o grupo com má qualidade do sono. A má qualidade do sono foi registrada em 28,2% (n=87), a depressão, em 26,9% (n=83) e a ansiedade/estresse, em 40,1% (n=124) da amostra. A má qualidade do sono se associou à faixa etária de 15 a 19 anos (RP 1,24; IC95% 1,14-1,37), a adolescentes com sobrepeso (RP 1,12; IC95% 1,01-1,24) e com sintomas de depressão (RP 1,23; IC95% 1,08-1,40) e de ansiedade/estresse (RP 1,16; IC95% 1,04-1,28).

Conclusões:

A presença de sobrepeso e sintomas psicológicos, bem como a idade superior a 15 anos, se mostraram fatores de risco para aumentar a chance da má qualidade do sono em adolescentes atletas.

Palavras-chave:
Transtornos do sono-vigília; Sintomas afetivos; Adolescente; Psicologia do esporte

ABSTRACT

Objective:

To verify the prevalence of poor sleep quality and its association with personal characteristics and symptoms of depression, anxiety and stress in amateur adolescent athletes.

Methods:

309 adolescent athletes aged between 10 and 19 years were enrolled. Data collection included: a structured questionnaire, with personal information; the Pittsburgh Sleep Quality Index (PSQI); and the Depression, Anxiety and Stress Scale (DASS-21). Results are described in mean and standard deviation (numeric variables) and absolute and relative frequencies (categorical variables). For the inferential analysis, Student’s t-test and chi-square test were performed, in addition to Poisson regression. Prevalence ratios (PR) were calculated in a 95% confidence interval (95%CI).

Results:

The mean age of participants was 14.1±2.1, being 13.8±2.0 and 15.0±2.1, respectively, for those with good and poor sleep quality. Poor sleep quality was recorded in 28.2% (n=87), depression in 26.9% (n=83) and anxiety/stress in 40.1% (n=124). Poor sleep quality was associated with ages between 15 and 19 years (PR 1.24; 95%CI 1.14-1.37), overweight (PR 1.12; 95%CI 1.01-1.24) and psychological symptoms of depression (PR 1.23; 95%CI 1.08-1.40) and anxiety/stress (PR 1.16; 95%CI 1.04-1.28).

Conclusions:

The presence of overweight and psychological symptoms and the age over 15 years were risk factors for increasing the likelihood of poor sleep quality in adolescent athletes.

Keywords:
Sleep wake disorders; Affective symptoms; Adolescent; Sport psychology

INTRODUÇÃO

O sono é uma condição fisiológica caracterizada por um estado comportamental reversível, com modificações do nível de consciência e da responsividade a estímulos.11. Ciampo LA. O sono na adolescência. Adolesc Saude. 2012;9:60-6. Nesse contexto, estudos têm avaliado a relação entre sono e mecanismos fisiológicos essenciais à vida, como produção de energia, plasticidade neural e secreção do hormônio do crescimento.22. Berger RJ, Phillips NH. Energy conservation and sleep. Behav Brain Res. 1995;69:65-73.,33. Fernandes RM. O sono normal. Medicina, Ribeirão Preto. 2006;39:157-68. Na adolescência, a qualidade do sono sofre mudanças significativas devido a influências diversas, podendo haver insônia, sonolência diurna excessiva, alterações no ciclo sono-vigília e outras desordens.44. Carskadon MA. Sleep in adolescents: the perfect storm. Pediatr Clin North Am. 2011;58:637-47.,55. Gould CE, Beaudreau SA, O'Hara R, Edelstein BA. Perceived anxiety control is associated with sleep disturbance in young and older adults. Aging Ment Health. 2016;20:856-60.

Apesar da necessidade do sono ser uma característica individual, recomenda-se, em média, um mínimo de 8,3 horas de sono por noite aos adolescente para proteção contra a sonolência diurna excessiva.66. Pereira ÉF, Barbosa DG, Andrade RD, Claumann GS, Pelegrini A, Louzada FM. Sono e adolescência: quantas horas os adolescentes precisam dormir? J Bras Psiquiatr. 2015;64:40-4. A boa qualidade de sono é essencial para jovens atletas por garantir melhor desempenho nas atividades psicomotoras e cognitivas e diminuir as chances de desenvolver fatores de risco para dores musculoesqueléticas.77. Myrtveit SM, Sivertsen B, Skogen JC, Frostholm L, Stormark KM, Hysing M. Adolescent neck and shoulder pain-the association with depression, physical activity, screen-based activities, and use of health care services. J Adolesc Health. 2014;55:366-72.,88. Auvinen JP, Tammelin TH, Taimela SP, Zitting PJ, Järvelin MR, Taanila AM, et al. Is insufficient quantity and quality of sleep a risk factor for neck, shoulder and low back pain? A longitudinal study among adolescents. Eur Spine J. 2010;19:641-9. Em âmbito nacional, foi apontado que 48,5% dos jovens atletas dormem menos de 8 horas diárias, com prevalência de 41,7% de baixa qualidade do sono.99. Bleyer FT, Barbosa DG, Andrade RD, Teixeira CS, Felden ÉP. Sleep and musculoskeletal complaints among elite athletes of Santa Catarina. Rev Dor. 2015;16:102-8.

A perda de sono durante a adolescência não é impulsionada pela menor necessidade de dormir, mas por uma convergência de influências biológicas, psicológicas e socioculturais, relacionadas a mudanças nos ritmos circadianos, autonomia para o horário de dormir, pressão acadêmica, uso de dispositivos de tela e redes sociais.44. Carskadon MA. Sleep in adolescents: the perfect storm. Pediatr Clin North Am. 2011;58:637-47. Cabe salientar que as repercussões da má qualidade de sono podem ter relação de reciprocidade com sintomas psicológicos, como a depressão, que pode desencadear intenções suicidas em adolescentes.1010. Lustberg L, Reynolds CF. Depression and insomnia: questions of cause and effect. 2000;4:253-62. Por volta dos 15 anos de idade, cerca da metade das desordens psiquiátricas pode emergir, indicando que essa fase é marcada por grandes mudanças capazes de expor os adolescentes a situações de vulnerabilidade emocional.1111. Brand S, Kirov R, Kalak N, Gerber M, Schmidt NB, Lemola S, et al. Poor sleep is related to lower emotional competence among adolescents. Behav Sleep Med. 2016; 14:602-14.

Tendo em vista a necessidade da boa qualidade de sono para o desenvolvimento neuropsicomotor do adolescente e seu bem-estar cognitivo e mental, é de extrema importância o estudo sobre a associação entre a má qualidade do sono e a presença dos sintomas de ansiedade, depressão e estresse, a fim de fornecer subsídios aos profissionais de saúde para acompanhar os adolescentes atletas nos domínios físico e comportamental. Apesar da existência de estudos que evidenciam a associação da má qualidade de sono com sintomas psicológicos, ainda são poucos os que avaliam especificamente a população adolescente atleta. Dessa forma, o presente estudo teve como objetivo verificar a prevalência de má qualidade de sono e sintomas de depressão, ansiedade e estresse em adolescentes atletas amadores, além de avaliar a associação entre má qualidade de sono e características pessoais e sintomas psicológicos.

MÉTODO

Trata-se de um estudo observacional, de caráter correlacional e corte transversal. Foram incluídos no estudo adolescentes de ambos os sexos, com idade entre 10 e 19 anos, que eram atletas amadores de diferentes modalidades esportivas com, no mínimo, 1 ano de prática, na cidade de Petrolina, Pernambuco. Foram considerados atletas amadores os adolescentes que praticavam sua modalidade desportiva sem receber nenhuma forma de remuneração e que participavam de competições regulares ou eventuais, no âmbito educacional, promovidas por órgãos municipais ou estaduais. Adolescentes que não preencheram os questionários de forma adequada ou se recusaram a realizar as medidas antropométricas foram excluídos da amostra.

Foi realizado levantamento do número de adolescentes atletas amadores nos 20 centros esportivos e escolas do município, chegando-se ao número total de 521 indivíduos. A partir dessa população, foi calculado o tamanho da amostra no programa WinPepi versão 11.6, utilizando-se os seguintes critérios: população estimada de 521 atletas, prevalência estimada de 37,2% de má qualidade de sono, perda amostral de 10% e efeito de delineamento de 1,3; chegando-se a uma amostra mínima de 308 participantes.

O procedimento de amostragem obedeceu aos seguintes passos: na primeira etapa foi observado o número total de escolas e centros de treinamento que apresentavam equipes esportivas. Na segunda etapa foi realizado o procedimento de amostragem por conglomerados de modalidade esportiva como unidades amostrais, considerando-se a proporcionalidade das modalidades. A escolha das equipes foi definida por lista gerada de forma aleatória no programa WinPepi versão 11.6, que determinou a sequência de escolas ou centros esportivos que deveriam ser incluídos até que fosse alcançado o número mínimo de sujeitos por modalidade.

Por fim, os dados foram coletados em 10 instituições, entre escolas e centros esportivos, chegando-se a uma amostra final de 317 adolescentes, sendo incluídos no estudo todos os participantes elegíveis e que tiveram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado pelos responsáveis e o Termo de Assentimento assinado por aqueles participantes maiores de idade. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Pernambuco, sob o protocolo CAAE 38321114.0.0.0000.520.

Foi elaborado um questionário estruturado para coletar informações pessoais como idade e sexo. As medidas antropométricas de peso e estatura foram coletadas e, logo após, calculou-se o índice de massa corpórea (IMC) dos indivíduos. O estado nutricional dos participantes foi categorizado segundo os critérios sugeridos por Cole et al.1212. Cole TJ, Bellizzi MC, Flegal KM, Dietz WH. Establishing a standard definition for child overweight and obesity worldwide: international survey. BMJ. 2000;320:1240-3.,1313. Cole TJ, Flegal KM, Nicholls D, Jackson AA. Body mass index cut offs to define thinness in children and adolescents: international survey. BMJ. 2007;335:194.

Para avaliar a qualidade do sono dos atletas, foi utilizada a versão brasileira do Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh (PSQI), validada por Bertolazi et al.,1414. Bertolazi AN, Fagondes SC, Hoff LS, Dartora EG, Miozzo IC, de Barba ME, et al. Validation of the Brazilian Portuguese version of the Pittsburgh Sleep Quality Index. Sleep Med. 2011;12:70-5. que se propõe a avaliar a qualidade do sono de um indivíduo no período de um mês. Esse questionário foi validado para a população adolescente por Passos et al.1515. Passos MH, Silva HA, Pitangui AC, Oliveira VM, Lima AS, Araújo RC. Confiabilidade e validade da versão brasileira do Índice de Qualidade do Sono De Pittsburgh em adolescentes. J Pediatr (Rio J). 2017;93:200-6. e se mostrou uma ferramenta com elevada consistência interna - alfa de Cronbach de 0,82 - e moderada confiabilidade na avaliação dos distúrbios de sono dessa população. É constituído por 7 componentes, que podem receber pontuação de 0 a 3, obtendo-se um escore total que varia de 0 a 21 pontos. Os valores maiores do que 5 pontos indicam má qualidade do sono do indivíduo.

A Escala de Ansiedade, Depressão e Estresse de 21 itens (EADS-21) foi utilizada para avaliar a presença de sintomas de depressão, ansiedade e estresse nos participantes. A versão original dessa escala foi traduzida e validada por Vignola e Tucci,1616. Vignola RC, Tucci AM. Adaptation and validation of the depression, anxiety and stress scale (DASS) to Brazilian Portuguese. J Affect Disord. 2014;155:104-9. a qual contém três domínios que avaliam os estados emocionais de depressão, ansiedade e estresse na última semana. No presente estudo, foi utilizada a versão em português validada para adolescentes,1717. Silva HA, Passos MH, Oliveira VM, Palmeira AC, Pitangui AC, Araujo RC. Short version of the Depression Anxiety Stress Scale?: is it valid for Brazilian adolescents?? Einstein (São Paulo). 2016;14:486-93. na qual os constructos de ansiedade e estresse foram avaliados de forma conjunta, com base em uma análise fatorial exploratória dos itens da escala. Foi observado que, na população adolescente, os dois domínios ansiedade e estresse apresentaram itens com fortes cargas fatoriais, dificultando a diferenciação entre ambos e permitindo uma melhor análise dos dados com apenas dois domínios: depressão; ansiedade e estresse. O coeficiente alfa de Cronbach para os domínios ansiedade e estresse foi de 0,82, e para o domínio depressão, de 0,80. Além disso, os resultados do instrumento foram reorganizados em uma variável dicotômica, definida pela presença ou ausência dos sintomas.

Os dados foram tabulados no programa Microsoft Excel e a análise foi realizada no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 20. Foi verificada a normalidade dos dados pelo teste Kolmogorov-Smirnov. Na fase descritiva da análise, foram calculados a média e o desvio padrão das variáveis numéricas e as frequências absolutas e relativas das variáveis categóricas. Na fase analítica, foi realizado teste t de Student para amostras independentes, a fim de avaliar a existência de diferença significativa entre as variáveis numéricas dos dois grupos de adolescentes, com boa e má qualidade do sono. Além disso, foi realizado teste do qui-quadrado para avaliar a diferença entre as frequências das variáveis categóricas dos dois grupos e examinar a associação entre duas variáveis. Foi aplicada, ainda, regressão de Poisson com variância robusta, sendo calculadas as razões de prevalência (RP) e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Foi realizado também o teste de Omnibus, para verificar a significância dos modelos desenvolvidos. O nível de significância estatística adotado para as análises foi de 5%.

RESULTADOS

Foram coletados os dados de 317 adolescentes atletas amadores, porém, foram excluídos 8 participantes por preenchimento incompleto dos instrumentos, com amostra final de 309 adolescentes. Os dados descritivos dessa amostra, estratificados quanto à classificação da qualidade do sono, são apresentados na Tabela 1.

Em relação às modalidades esportivas, 31,7% (n=98) praticavam voleibol, 25,2% (n=78), handebol, 18,4% (n=57), basquete, 13,6% (n=42), natação e 11% (n=34), judô. A má qualidade do sono ocorreu em 87 (28,2%) adolescentes; os sintomas psicológicos de depressão, em 83 (26,9%); e os de ansiedade/estresse, em 124 (40,1%).

Tabela 1:
Características gerais da amostra total e dos grupos de adolescentes com boa e má qualidade do sono.

A Tabela 2 apresenta os resultados do modelo de regressão de Poisson, com os valores das RP das variáveis sexo, idade, IMC e sintomas de depressão e ansiedade/estresse em relação à má qualidade do sono. Esse modelo apresentou resultado satisfatório no teste de Omnibus (p<0,001).

Tabela 2:
Razões de prevalência bruta e ajustada para os fatores associados à má qualidade do sono em adolescentes atletas amadores.

DISCUSSÃO

A saúde do adolescente tem sido cada vez mais estudada e seus padrões de sono são objeto de atenção. No presente estudo, a prevalência de má qualidade do sono foi de 28,2%. Essa prevalência difere do resultado encontrado por Paiva et al.,1818. Paiva T, Gaspar T, Matos MG. Sleep deprivation in adolescents: correlations with health complaints and health-related quality of life. Sleep Med. 2015;16:521-7. no qual a má qualidade do sono foi registrada em 37,2% dos adolescentes avaliados. Destaca-se que tal divergência pode ser explicada pelas diferentes populações avaliadas, visto que o presente estudo analisou adolescentes atletas amadores, e o exercício físico, quando praticado regularmente, promove benefícios na qualidade do sono.1818. Paiva T, Gaspar T, Matos MG. Sleep deprivation in adolescents: correlations with health complaints and health-related quality of life. Sleep Med. 2015;16:521-7. Em investigação feita com jovens atletas, a prevalência de má qualidade do sono foi de 62,3%, entretanto, os participantes foram avaliados em momento anterior a alguma competição. Sabe-se que a excitação e a ansiedade favorecem a ocorrência de má qualidade do sono, latência do sono prolongada e despertares noturnos nas noites que antecedem alguma avaliação esportiva ou competição.1818. Paiva T, Gaspar T, Matos MG. Sleep deprivation in adolescents: correlations with health complaints and health-related quality of life. Sleep Med. 2015;16:521-7.

Dentre os sintomas psicológicos avaliados na presente amostra, houve prevalência de 26,9% para depressão e de 40,1% para ansiedade/estresse. A elevada prevalência de desordens psicológicas está de acordo com estudos epidemiológicos que mostram padrão crescente na prevalência desses sintomas em adolescentes.1919. Kessler RC, Avenevoli S, Merikangas KR. Mood disorders in children and adolescents: an epidemiologic perspective. 2001;49:1002-14. A coleta de dados referentes a sintomas psicológicos por meio de escalas e questionários pode ser uma das explicações para esse achado. Tais métodos facilitam a superestimativa de transtornos de humor leves e momentâneos, comparados a métodos mais convencionais, como entrevistas. Porém, a aquisição desses dados por autorrelato é indispensável por informar a percepção única do indivíduo sobre seu próprio comportamento.2020. Kohlsdorf M, Junior ÁL. O Autorrelato na Pesquisa em Psicologia da Saúde: Desafios metodológicos. Psicol Argum. 2009;27:131-9.

As queixas quanto à qualidade do sono são mais frequentes em adolescentes com depressão, que requerem maior atenção por reportarem intenções suicidas e automutilação.2121. Gangwisch JE, Babiss LA, Malaspina D, Turner JB, Zammit GK, Posner K. Earlier parental set bedtimes as a protective factor against depression and suicidal ideation. Sleep. 2010;33:97-106. No presente estudo, os adolescentes atletas que apresentavam má qualidade do sono tinham maior probabilidade de reportar sintomas de depressão. A explicação para essa associação pode residir no fato da falta de sono resultar em uma modulação inapropriada das respostas cerebrais emocionais à estimulação aversiva, pois jovens que têm privação do sono exibem uma resposta hiper-límbica pela amígdala em consequência da exposição a estímulos de imagem cada vez mais negativos.2121. Gangwisch JE, Babiss LA, Malaspina D, Turner JB, Zammit GK, Posner K. Earlier parental set bedtimes as a protective factor against depression and suicidal ideation. Sleep. 2010;33:97-106. Vale a pena ressaltar que a falta de sono tem sido apontada como fator de interferência na capacidade dos adolescentes para lidar com o estresse diário e como prejudicial a seus relacionamentos com colegas e adultos.2222. Carskadon MA, Wolfson AR, Acebo C, Tzischinsky O, Seifer R. Adolescent sleep patterns, circadian timing, and sleepiness at a transition to early school days. Sleep. 1998;21:871-81.

O estudo de Jin et al.2323. Jin Y, He L, Kang Y, Chen Y, Lu W, Ren X, et al. Prevalence and risk factors of anxiety status among students aged 13-26 years. Int J Clin Exp Med. 2014;7:4420-6. avaliou 5.259 adolescentes e jovens adultos chineses entre 13 e 26 anos de idade e concluiu que 14,1% deles reportaram sintomas apenas de ansiedade. No presente estudo, de maneira divergente, os adolescentes apresentavam tanto ansiedade quanto estresse, sendo ambos reunidos em uma categoria única (ansiedade/estresse). Os adolescentes atletas com má qualidade de sono também têm maior probabilidade de reportar sintomas de ansiedade/estresse. Em estudo realizado com estudantes de nível médio em períodos de um mês, uma semana e uma noite antes de exames da prática de esporte, foi constatada má qualidade de sono, latência do sono prolongada e mais despertares noturnos na noite anterior à avaliação, em relação à semana ou mês anteriores,1717. Silva HA, Passos MH, Oliveira VM, Palmeira AC, Pitangui AC, Araujo RC. Short version of the Depression Anxiety Stress Scale?: is it valid for Brazilian adolescents?? Einstein (São Paulo). 2016;14:486-93. o que pode ter sido ocasionado pelo estresse ao qual os adolescentes atletas são submetidos quando estão em ritmo de competição.2424. Romyn G, Robey E, Dimmock JA, Halson SL, Peeling P. Sleep, anxiety and electronic device use by athletes in the training and competition environments. Eur J Sport Sci. 2016;16:301-8.

Dentre as variáveis pessoais associadas à má qualidade do sono, verificou-se que os adolescentes atletas mais velhos e os que estavam acima do peso tinham maior probabilidade de reportar má qualidade do sono. Corroborando esses achados, uma meta-análise que avaliou os padrões de sono na saúde do adolescente demonstrou que sexo, idade e região geográfica influenciam nos padrões de sono. Assim, as meninas tendem a dormir 11 minutos por noite a mais do que os meninos; os adolescentes tendem a perder 14 minutos ao dia e 7 minutos à noite na duração do sono a cada ano; e os adolescentes de países da Ásia dormem cerca de 40 a 60 minutos a menos do que os americanos e 60 a 120 minutos a menos do que os europeus.2525. Olds T, Blunden S, Petkov J, Forchino F. The relationships between sex, age, geography and time in bed in adolescents: A meta-analysis of data from 23 countries. Sleep Med Rev. 2010;14:371-8.

O presente estudo encontrou maior probabilidade dos adolescentes mais velhos, com idade entre 15 e 19 anos, reportarem má qualidade do sono, corroborando o estudo de Felden et al.,2626. Felden ÉP, Filipin D, Barbosa DG, Andrade RD, Meyer C, Louzada FM. Fatores associados à baixa duração do sono em adolescentes. Rev Paul Pediatr. 2015;34:64-70. que identificou que o risco de má qualidade do sono aumentava com o avanço da idade. Essa associação pode ser explicada pelo fato de que, enquanto há aumento cumulativo de atividades acadêmicas e recreacionais, há decréscimo do tempo de sono com o passar dos anos.2727. Iglowstein I, Jenni OG, Molinari L, Largo RH. Sleep duration from infancy to adolescence: reference values and generational trends. Pediatrics. 2003;111:302-7. Além disso, o atraso no processo biológico da secreção de melatonina, hormônio responsável por controlar o ciclo sono-vigília, está relacionado com o avanço da puberdade e com a diminuição das horas de sono em adolescentes.2222. Carskadon MA, Wolfson AR, Acebo C, Tzischinsky O, Seifer R. Adolescent sleep patterns, circadian timing, and sleepiness at a transition to early school days. Sleep. 1998;21:871-81.

A respeito da maior probabilidade dos adolescentes acima do peso reportarem má qualidade de sono, a obesidade não está relacionada apenas com a falta de dieta ou a inatividade física, mas com a percepção negativa do sono.2828. Petribú MM, Tassitano RM, Nascimento WM, Santos EM, Cabral PC. Fatores associados ao sobrepeso e à obesidade em estudantes do ensino médio da rede pública estadual do município de caruaru (PE). Rev Paul Pediatr. 2011;29:536-45. Entre eles, a privação do sono parece se associar ao aumento de estímulos de ativação da região orbitofrontal do córtex, ínsula, tálamo, precuneus, giro do cíngulo e giro supramarginal, as quais se relacionam à motivação e ao valor da recompensa de alimentos, bem como ao processamento cognitivo, à tomada de decisão e ao autocontrole. Com isso, a restrição do sono alteraria a atividade neuronal, predispondo indivíduos a uma maior suscetibilidade a estímulos alimentares e explicando, em parte, a associação entre má qualidade do sono e altos valores de IMC.2929. St-Onge MP, McReynolds A, Trivedi ZB, Roberts AL, Sy M, Hirsch J. Sleep restriction leads to increased activation of brain regions sensitive. Am J Clin Nutr. 2012;95:818-24. Em acréscimo, outros mecanismos são descritos na literatura como responsáveis pela associação entre falta de sono e aumento de peso, como alterações nos hormônios do apetite. Além disso, o sono insuficiente tende a ter impacto no consumo e no gasto de energia, com aumento do tempo e das oportunidades para a ingestão de alimentos, principalmente de alto teor calórico.3030. Chaput JP, Dutil C. Lack of sleep as a contributor to obesity in adolescents: impacts on eating and activity behaviors. Int J Behav Nutr Phys Act. 2016;13:103.

As limitações do presente estudo estão relacionadas ao desenho transversal, que não permite estabelecer uma relação de causalidade entre as características pessoais, os sintomas psicológicos e a má qualidade do sono. Além disso, a dicotomização dos resultados da escala EADS-21 e a junção dos domínios de ansiedade e estresse podem ter superestimado a prevalência dos sintomas psicológicos. Vale ressaltar que a avaliação da qualidade do sono dos participantes não levou em consideração o calendário de atividades esportivas, não distinguindo períodos de treinamento, pré-competição e competição, sabendo-se que tais momentos podem influenciar na qualidade de sono do atleta.

Por fim, ao concluir que a boa qualidade do sono é crucial para o bem-estar físico e mental, em especial para adolescentes atletas, sugere-se que estudos futuros avaliem a eficácia da inserção de técnicas e métodos que visem ao relaxamento e ao desenvolvimento da saúde cognitiva nas rotinas de treinamento, com o intuito de preservar aspectos comportamentais e psicológicos.

Assim, os achados deste estudo indicam que os adolescentes atletas apresentam alta prevalência de má qualidade do sono e de sintomas de depressão e ansiedade/estresse. Além disso, foi constatada associação significativa da má qualidade do sono com a idade, o IMC e os sintomas psicológicos avaliados.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Programa de Fortalecimento Acadêmico (PFA) da Universidade de Pernambuco (UPE) e à Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (FACEPE) pelo apoio financeiro.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jul 2017
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    03 Ago 2016
  • Aceito
    22 Dez 2016
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