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ABORDAGEM TERAPÊUTICA E SUA RELAÇÃO ENTRE AS CARACTERÍSTICAS SOCIAIS E ECONÔMICAS DE CRIANÇAS NOS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL INFANTOJUVENIS

RESUMO

Objetivo:

Descrever a abordagem terapêutica e estabelecer a relação entre características sociais, econômicas e o cuidado de crianças nos Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenis.

Métodos:

Estudo descritivo com cálculo amostral de 294 crianças em acompanhamento nos dois Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenis em Fortaleza, no Ceará, no período de fevereiro a dezembro de 2012. Os participantes estavam acompanhados por seus cuidadores, pais ou responsáveis. Os dados foram coletados mediante aplicação de formulário validado para os cuidadores, contendo as variáveis sociais, econômicas e cuidado. A análise bivariada utilizou o teste χ2 para verificar diferenças entre as proporções, com nível de significância 5%, intervalo de confiança 95%.

Resultados:

Foram selecionadas 292 crianças de 3 a 12 anos, por ordem de atendimento no serviço, a maioria do sexo masculino (74,3%) pertencentes às classes D e E (89,3%). A hipótese diagnóstica mais frequente referida pelo cuidador foi a de transtornos mentais. Três formas de abordagens terapêuticas foram identificadas: abordagem medicamentosa (44,5%), abordagem não medicamentosa (11,6%) e combinação da abordagem medicamentosa com as técnicas psicoterapêuticas (43,8%). Houve significância estatística entre a presença de abordagem terapêutica e a situação de moradia (p=0,021), bem como com as variáveis, “melhora” com o tratamento (p=0,002) e “problemas” com o tratamento (p=0,004).

Conclusões:

O estudo permitiu evidenciar que a abordagem terapêutica combinada (tratamento medicamentoso e não medicamentoso) proporciona maior efeito benéfico às crianças. Desse modo, associar o medicamento às técnicas psicoterapêuticas pode constituir-se como uma das principais estratégias terapêuticas da política de saúde mental infantojuvenil.

Palavras-chave:
Saúde Mental; Criança; Terapêutica

ABSTRACT

Objective:

To analyze the therapeutic approach and its relationship with the economic and social characteristics and the care of children in Centers for Psychosocial Attention.

Methods:

Descriptive study with a sample of 294 children monitored in two Centers for Psychosocial Attention to Children and Adolescents in Fortaleza, Ceará, Northeast Brazil. The study was conducted from February to December, 2012. Participants were accompanied by their parents or caregivers. Data were collected in a structured questionnaire containing social, economic and care variables. The bivariate analysis used the χ2 test to test the association between variables.

Results:

In this study, 292 children aged 3-12 were selected, following the order of attendance at the service, most of them male (74.3%) and belonging to social classes D and E (89.3%). The most frequent diagnosis referred to by the caregivers was mental disorders. Three different therapeutic approaches were identified: pharmacological approach (44.5%); non-pharmacological approach (11.6%); association of both techniques (43.8%). For all therapeutic approaches, there was association with the variable living situation (p=0.021), as well as with the variables, “improving” with the treatment (p=0.002) and “problems” with the treatment (p=0,004).

Conclusions:

It was possible to highlight that the associated therapeutic approach (pharmacological and non-pharmacological treatment) provides more benefits to children. Therefore, associating the medicines to the psychotherapeutic practices may be recommended as a strategy in the mental health policy directed to children and adolescents.

Keywords:
Mental health; Child; Therapeutic

INTRODUÇÃO

Os transtornos mentais são estimados em 12 a 29% das crianças,11. World Health Organization. Mental Health Policy Service Guidance Package. Child and Adolescent Mental Health Policies and Plans. Geneva: WHO; 2005.,22. Hoffmann MC, Santos DN, Mota EL. Characteristics of individuals and care delivered at the Psychosocial Care Centers for Children and Adolescents. Cad. Saúde Pública. 2008;24:633-42. dentre os quais se encontram: transtornos do desenvolvimento intelectual e comunicação; espectro do autismo; déficit de atenção/hiperatividade; déficit de aprendizagem específica, motores, de conduta, de controle do impulso e disrupção; esquizofrenia e outros transtornos psicóticos, além dos transtornos de ansiedade.22. Hoffmann MC, Santos DN, Mota EL. Characteristics of individuals and care delivered at the Psychosocial Care Centers for Children and Adolescents. Cad. Saúde Pública. 2008;24:633-42.,33. Brasil. Ministério da Saúde - DATASUS [homepage on the Internet]. Centro Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em Português - CBCD. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - CID-10 versão 2008 [cited 2017 Jan 23]. Available from: http://www.datasus.gov.br/cid10/V2008/cid10.htm.
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As abordagens terapêuticas dos transtornos na infância devem ser fundamentadas em uma clínica de atenção psicossocial como uma “clínica ampliada”, territorializada, inter e transdisciplinar, voltada para o sujeito e seu contexto sociocultural.44. Zaniani EJ, Luzio AC. Intersectional in publications about the Children and Youths Psychosocial Care Center. Psicol Rev. 2014;20:56-77. Essas abordagens devem ser constituídas por atividades multi e interdisciplinares, com a participação de educadores, profissionais de saúde e familiares, realizando desde o tratamento medicamentoso individualizado até o tratamento não medicamentoso e coletivo.55. Moretto CC, Conejo SP, Terzis A. The attention in an institution of child mental health. Vínculo. 2008;5:55-69.

Tratamentos medicamentosos são baseados no uso de psicofármacos, segundo o consenso clínico e em evidências empíricas adaptadas às melhores práticas e experiências clínicas.66. Ribeiro MS. Ferramentas para descomplicar a atenção básica em saúde mental. Juiz de Fora: Editora UFJF; 2007. Já no que se refere aos tratamentos não medicamentosos, trabalham-se as intervenções socioeducativas, consistindo em grupos terapêuticos, orientação familiar e terapia familiar.55. Moretto CC, Conejo SP, Terzis A. The attention in an institution of child mental health. Vínculo. 2008;5:55-69. Tais intervenções são uma forma de trabalhar a humanização do tratamento, desenvolvendo a autonomia, a corresponsabilidade, o protagonismo entre os envolvidos, a solidariedade entre os vínculos estabelecidos, o respeito aos direitos dos usuários e a participação coletiva na gestão do tratamento.77. Campos RO. Clinical practice: denied words - on clinical practices in Mental Health substitutive services. Saúde em Debate. 2001;25:98-111. Em alguns casos, é necessária a adoção do tratamento medicamentoso imediato, embora sejam recomendadas, como primeira escolha, técnicas psicoterapêuticas para o tratamento de transtornos mentais na infância.88. Vitiello B. Principles in using psychotropic medication in children and adolescents. In: Rey JM, editor. IACAPAP e-textbook of child and adolescent mental health. Geneva: International Association for Child and Adolescent Psychiatry and Allied Professions; 2012.

Os Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPS i) integram a rede de atenção de saúde mental do Sistema Único de Saúde (SUS), com a missão de disponibilizar um atendimento do cuidado às crianças que sofrem de transtornos mentais graves e persistentes, por meio de regime de tratamento intensivo (diário), semi-intensivo (frequente) ou não-intensivo (eventual).99. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Secretaria de Atenção à Saúde. Legislação em saúde mental: 1990-2004. 5th ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2004. Os objetivos das ações desses serviços devem ser planejados e estabelecidos mediante o projeto terapêutico singular e executados por uma equipe multiprofissional, voltada à recuperação do usuário, desde a admissão até a alta, evitando assim a medicalização.99. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Secretaria de Atenção à Saúde. Legislação em saúde mental: 1990-2004. 5th ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2004.,1010. Borges CF, Baptista TW. The mental health care model in Brazil: a history of policy development from 1990 to 2004. Cad Saúde Pública. 2008;24:456-68. Possui uma equipe técnica multidisciplinar constituída por psicólogo, assistente social, enfermeira, farmacêutico, auxiliar de enfermagem, médico clínico e psiquiatra, que prestam atendimento aos usuários e seus familiares.1010. Borges CF, Baptista TW. The mental health care model in Brazil: a history of policy development from 1990 to 2004. Cad Saúde Pública. 2008;24:456-68.

O objetivo deste estudo foi descrever a abordagem terapêutica e estabelecer a relação entre as características sociais, econômicas e o cuidado de crianças nos CAPS i.

MÉTODO

Estudo descritivo, com abordagem quantitativa, de uma amostra aleatória simples representativa das crianças em acompanhamento nos dois CAPS i em Fortaleza, Ceará, realizado no período de fevereiro a dezembro de 2012.

Para o dimensionamento da amostra, utilizou-se o cálculo para populações finitas em estudos transversais. Definiu-se a população finita de 2.883 pacientes, com idade entre 3 e 12 anos, cadastrados nos CAPS i até o ano de 2012. A faixa etária foi baseada no Estatuto da Criança e do Adolescente, que preconiza a classificação de criança até 12 anos.1111. Brasil. Ministério da Justiça. Lei n° 8.069, de 13 de Julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília: Ministério da Justiça; 1990. Considerando-se uma porcentagem de transtornos mentais (p=50,0%) para essa população, o nível de significância fixo em 97,0% e o erro amostral relativo de 6,0%, a amostra calculada foi de 294 crianças.1212. Scheeaffer RL, Mendenhall W, Ott RL, Gerow KG. Elementary survey sampling. 4th ed. California: Duxbury Press; 1990. A seleção dessa amostra ocorreu sequencialmente nos dois serviços, nos dias do atendimento, desde que os participantes estivessem acompanhados pelos pais ou responsáveis. Os critérios de exclusão foram: participantes que não estavam em acompanhamento no CAPS i, pacientes fora da faixa etária estabelecida e aqueles que não estavam acompanhados de seus pais ou responsáveis. Duas crianças foram excluídas por não estarem acompanhadas de seus pais ou responsáveis.

Para a coleta de dados, elaborou-se um formulário, codificado, previamente testado em estudo piloto e calibrado para obter informações dos cuidadores e dos pacientes. Esse formulário foi aplicado aos cuidadores, pais ou responsáveis que acompanhavam a criança no momento em que elas estavam aguardando o atendimento.

As variáveis analisadas no estudo quanto às características sociais e clínicas das crianças, foram: idade da criança (em anos), sexo (masculino/feminino), benefício social (sim/não) e hipótese diagnóstica referida pelo cuidador (transtornos mentais/transtornos de comportamento/transtornos emocionais/transtornos que não condizem com o diagnóstico/outras afecções). As características sociais e econômicas dos cuidadores e da família foram: idade do cuidador (em anos), grau de parentesco (pai/mãe/outros), escolaridade (Ensino Fundamental/Ensino Médio/Ensino Superior), classe econômica da família (B/C/D/E), renda familiar (menor ou igual a R$ 622,00 ou maior que R$ 622,00), tipo de moradia da família (casa/outros), número de moradores (1-4/5-12) e situação de moradia da família (própria/outros). As características das abordagens terapêuticas empregadas nos CAPS i foram: tratamento medicamentoso, não-medicamentoso e tratamento combinado, referidos pelo cuidador. As características sobre o conhecimento do tratamento: melhora com o tratamento, problema com o tratamento e apoio da família ao tratamento.

A variável benefício social foi definida pelo acompanhamento dos usuários que recebem algum benefício social do governo (bolsa-família, previdência social e passe livre) aos CAPS i. A hipótese diagnóstica foi classificada a partir da descrição dos sintomas referidos pelos cuidadores. A variável grau de parentesco foi definida de acordo com Código Civil Brasileiro.1313. Brasil. Presidência da República. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil no Brasil. Brasília: Diário Oficial da União; 2002. A variável classe econômica seguiu o Critério de Classificação Econômica Brasil, da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa.1414. Associação Brasileira de Empresas e Pesquisa. [homepage on the Internet]. Critérios de classificação econômica Brasil [cited 2016 Jun 22]. Available from: http://www.abep.org/criterio-brasil.
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O valor da renda familiar foi baseado no salário mínimo estabelecido em 2012, no valor de R$ 622,00.1515. Brasil. Presidência da República. Decreto nº 7.655, de 23 de dezembro de 2011. Regulamenta a Lei no 12.382, de 25 de fevereiro de 2011, que dispõe sobre o valor do salário mínimo e a sua política de valorização de longo prazo. Brasília: Diário Oficial da União; 2011. A variável número de moradores foi dividida em dois grupos a partir da média dos moradores. A variável referente ao problema com o tratamento objetivou identificar se os usuários apresentaram algum evento adverso relacionado ao tratamento. A variável apoio da família ao tratamento foi descrita para identificar se a família apoiava a abordagem terapêutica estabelecida para o usuário no CAPS i.

Os dados foram armazenados utilizando-se o programa estatístico EPI INFO™ for Windows, versão 3.5.4 (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, EUA), e analisados com o auxílio do programa STATA, versão 11 (Statacorp, Texas, EUA). O plano de análise dos dados iniciou-se com uma análise estatística simples, apresentando as proporções para as variáveis categóricas e as medidas de tendência (médias) e de dispersão (desvio padrão) para as variáveis numéricas. A análise bivariada foi realizada para comparar as diferentes abordagens terapêuticas (variável dependente) para o tratamento das crianças acompanhadas nos CAPS i em relação às variáveis independentes representadas por todos os grupos de variáveis. Para isso, utilizou-se o teste χ2, considerando nível de significância 5,0% e intervalo de confiança 95,0%.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Fortaleza e aprovado sob o Protocolo nº 189/2011.

RESULTADOS

Dentre as 292 crianças selecionadas para o estudo, a maioria era do sexo masculino (74,3%), tinha idade de 7 a 9 anos (45,5%) - idade média 8,1±0,5 anos - e 63,5% tinha benefícios sociais. Quanto aos cuidadores, o principal grau de parentesco foi mãe (81,0%), idade de 22 a 39 anos (56,2%) e que estudaram até o Ensino Fundamental (62,3%). A maior parte das famílias pertencia às classes econômicas D e E (89,3%), com renda familiar média de R$ 756,40, variando de R$ 99,00 a R$ 5.000,00. Quase todas as famílias residiam em casa (94,1%), em moradia própria (61,03%), com uma média de 4,4 moradores por residência (Tabela 1).

Tabela 1:
Distribuição das crianças e dos cuidadores segundo características sociais e econômicas nos Centros de Atenção Psicossocial InfantoJuvenil.

A hipótese diagnóstica referida mais frequentemente pelo cuidador foi transtornos mentais (44,9%) e a abordagem terapêutica mais utilizada foi o tratamento medicamentoso (44,5%), seguida pela combinação de tratamento medicamentoso e não-medicamentoso (43,8%) e tratamento não-medicamentoso (11,6%). No estudo, a maior parte das pessoas melhorava com o tratamento medicamentoso (80,6%), não sentia problemas com o tratamento (75,0%) e a família apoiava o tratamento (96,7%) (Tabela 2).

Tabela 2:
Distribuição das crianças segundo as características da hipótese diagnóstica referida pelos cuidadores, abordagem terapêutica, melhora com o tratamento, problema com o tratamento e apoio da família com o tratamento, identificados pelos cuidadores nos Centros de Atenção Psicossocial InfantoJuvenil.

A Tabela 3 compara as diferentes abordagens terapêuticas às características sociais e econômicas das crianças, dos cuidadores e da família. O sexo masculino foi predominante entre as distintas abordagens. O tratamento ­não-medicamentoso foi predominante na faixa etária entre 3 e 7 anos, enquanto o tratamento medicamentoso e a combinação de tratamento medicamentoso e não-medicamentoso predominaram na faixa etária de 8 a 12 anos. O benefício social concedido às crianças foi presente nos três grupos de tratamento.

Tabela 3:
Comparação da abordagem terapêutica com as características sociais, econômicas e do cuidado adotada nos Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil.

Entre os cuidadores, a faixa etária de 22 a 39 anos e o nível de escolaridade ensino fundamental foram os mais evidenciados. Quanto às características da família, predominaram as classes D e E, renda familiar abaixo de R$ 622,00, residir em casas próprias, com menos de quatro moradores por domicílio. Essas características foram as mais frequentes e não se mostraram relacionadas a qualquer tipo de abordagem terapêutica. Apenas a variável “situação de moradia” apresentou significância estatística (p=0,021), quando relacionada com a abordagem terapêutica (Tabela 3).

A Tabela 4 compara as diferentes abordagens terapêuticas com relação ao conhecimento do tratamento, empregando as variáveis “melhora com o tratamento”, “problema com o tratamento” e “apoio da família ao tratamento” que caracteriza esse conhecimento. Observou-se que a maior parte das crianças (83,9%) melhorou quando a abordagem utilizada para o tratamento foi a combinação dos tratamentos medicamentoso e não-medicamentoso. Um terço das crianças apresentou problemas com o tratamento, quer fosse medicamentoso ou combinado, enquanto 2,9% apresentaram problemas de natureza não farmacológica com o tratamento. As variáveis “melhora com o tratamento” (p=0,002) e “problemas com o tratamento” (p=0,004) apresentaram significância estatística em relação à abordagem terapêutica.

Tabela 4:
Comparação da abordagem terapêutica com a melhora e o surgimento de problemas durante o tratamento adotado nos Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil.

DISCUSSÃO

O estudo revelou que as abordagens terapêuticas nos CAPS i de Fortaleza são centradas no tratamento com psicofármacos e os atendimentos são prioritariamente médicos, denotando uma hegemonia do modelo biomédico no SUS. Tal fato contraria os princípios da reforma psiquiátrica1616. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Caminhos para uma política de saúde mental Infantojuvenil. Brasília: Ministério da Saúde; 2005. e da proposta de política de saúde mental infantojuvenil, como interdisciplinaridade, flexibilidade e versatilidade nos atendimentos ao paciente.1717. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Coordenação Geral de Saúde Mental. Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil. Conferência regional de reforma dos serviços de saúde mental: 15 anos depois de Caracas. Brasília: OPAS; 2005. O tratamento não farmacológico favorece maior interação entre os profissionais de saúde e usuários, proporcionando o desenvolvimento de atitudes saudáveis para todos os envolvidos, bem como a busca de maior autonomia por parte dos usuários.1818. Campos RO. Pesquisa avaliativa de uma rede de Centros de Atenção Psicossocial: entre a saúde coletiva e a saúde mental. Cad Bras Saude Mental. 2011;1:232-42.

Do ponto de vista dos cuidadores, observou-se que as famílias apoiam o tratamento das crianças nos CAPS i, independentemente da abordagem adotada. As famílias demonstram pouca participação no processo decisório do tratamento. Quando perguntados sobre melhora, problemas e dificuldades no tratamento, não expressam nenhum tipo de desagrado ou discordância, indicando um comportamento de aceitação, independentemente da conduta adotada. Entretanto, os cuidadores relataram apresentar problemas com o tratamento mediante o uso do psicofármaco, o que sugere eventos adversos. Embora neste estudo tenham sido registrados problemas como diarreia e sonolência, a causalidade desses eventos não foi avaliada.1919. Safer DJ. Age-grouped differences in adverse drug events from psychotropic medication. J Child Adolesc Psychopharmacol. 2011;21:299-309.

As características sociais e econômicas das crianças atendidas nos dois CAPS i mostram que estas são provenientes de classes sociais economicamente desfavorecidas (classes D e E), com renda familiar inferior a um salário mínimo, residentes em casas próprias, com menos de quatro moradores por domicílio, dependentes da seguridade social e que comparecem aos CAPS i acompanhados pelas mães, que são jovens, casadas e de baixa escolaridade. Essas características parecem ser determinantes na escolha do tipo de tratamento destinado a essas crianças. Além disso, ressalta-se a precocidade etária desse grupo (média de idade de 8,1 anos) e o fato de serem, em sua maioria, do sexo masculino. O predomínio do sexo masculino também ocorre em outros estudos realizados em CAPS i do país: São Paulo (61,2%),2020. Dombi-Barbosa C, Bertolino Neto MM, Fonseca FL, Tavares CM, Reis AO. Therapeutic interventions for children's and adolescents's families assisted in psychosocial care centres from São Paulo State. Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum. 2009;19:262-8. Recife (83,3%)2121. Lopes CM, Facundes VL, Nóbrega KB. Perfil e desempenho funcional das crianças com transtornos invasivos do desenvolvimento atendidas em um centro de atenção psicossocial infanto-juvenil da cidade de Recife. Neurobiologia. 2010;73:1-12. e na região Sudeste (62,8%).2222. Santos PL. Mental health problems of children and adolescents assisted by a public service of psychology directed to children. Psicol estud. 2006;11:315-21. Estudo realizado em serviços de psicologia também apontam para um maior número de meninos (59,7%) utilizando esse tipo de serviço, como encontrado neste estudo, embora realizado em CAPS i.2222. Santos PL. Mental health problems of children and adolescents assisted by a public service of psychology directed to children. Psicol estud. 2006;11:315-21.

A média de idade deste estudo foi 8,1 anos, menor que a de outro estudo realizado em um CAPS i em São Paulo, que foi de 9,4 anos.2020. Dombi-Barbosa C, Bertolino Neto MM, Fonseca FL, Tavares CM, Reis AO. Therapeutic interventions for children's and adolescents's families assisted in psychosocial care centres from São Paulo State. Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum. 2009;19:262-8. A faixa etária predominante no estudo foi entre 8 e 12 anos, maior que a de outro estudo realizado no CAPS i em Recife, Pernambuco, no qual a faixa etária foi de 4 a 5 anos.2121. Lopes CM, Facundes VL, Nóbrega KB. Perfil e desempenho funcional das crianças com transtornos invasivos do desenvolvimento atendidas em um centro de atenção psicossocial infanto-juvenil da cidade de Recife. Neurobiologia. 2010;73:1-12. Autores afirmam que a proporção dos transtornos mentais na infância tende a aumentar conforme a idade em razão da dificuldade dos profissionais que atendem crianças, particularmente os pediatras, em definir diagnósticos.2323. Tanaka OY, Ribeiro EL. Mental health in primary care: ways to reach an integral care. Ciênc Saúde Coletiva. 2009;14:477-86.

A maioria das crianças acompanhadas no CAPS i analisado pertence a famílias de classes sociais D e E, com renda abaixo de R$ 622,00 e com benefício social. Estudo realizado na Nova Zelândia aponta que as características sociais da família influenciam de forma multidimensional os transtornos mentais infantojuvenis.2424. Melchior M, Moffitt TE, Milne BJ, Poulton R, Caspi A. Why do children from socioeconomically disadvantaged families suffer from poor health when they reach adulthood? A life-course study. Am J Epidemiol. 2007;166:966-74. A complementação da renda familiar associada ao benefício favorece melhores condições para a procura dos serviços especializados como o CAPS i. As condições financeiras desfavoráveis dificultam o acesso ao tratamento e favorecem o abandono, o que pode ocasionar o agravamento do estado de saúde.2525. Falaviana OP, Cerqueira MB. Children's and adolescents' mental health: the users and their access to health services. Espaç Saúde. 2008;10:34-46.

Neste estudo, as mães mais jovens, casadas e com menor nível de escolaridade, na maioria das vezes, acompanham seus filhos no tratamento e no cuidado aos CAPS i. No final do século XVIII até início do século XIX, o Brasil, experimentou o movimento higienista, em que a figura feminina passou a ser vista como a principal “conservadora da saúde” dos filhos e que persiste até os tempos atuais.55. Moretto CC, Conejo SP, Terzis A. The attention in an institution of child mental health. Vínculo. 2008;5:55-69.,2626. Costa JF. Ordem médica e norma familiar. 4th ed. Rio de Janeiro: Edições Graal; 1999. Estudos buscam explicar o papel das mulheres no cuidado de portadores de sofrimento psíquico no ambiente doméstico e relacionam uma feminização do encargo de assistir ao portador de transtorno mental, deixando claro que a provisão de cuidado para familiares é uma questão de gênero historicamente produzida e mantida pela sociedade brasileira, que vê na mulher uma cuidadora por excelência, tanto para familiares adoecidos ou não.2727. Santin G, Klafke TE. A família e o cuidado em saúde mental. Barbaroi. 2011;34:146-60.

As queixas de transtornos mentais e alterações de comportamentos nas crianças, sob o conhecimento dos seus cuidadores, podem estar associadas a dimensões culturais e ambientais, necessitando que crianças e adolescentes, nos dias atuais, recebam uma avaliação mais cuidadosa nas escolas ou nos serviços de saúde antes de serem encaminhadas para os serviços de saúde mental.2525. Falaviana OP, Cerqueira MB. Children's and adolescents' mental health: the users and their access to health services. Espaç Saúde. 2008;10:34-46. Assim, cabe ao profissional avaliar o paciente de forma criteriosa e estabelecer adequadamente o limite que separa as questões inerentes ao desenvolvimento daquelas que configuram em conjunto um transtorno mental.

A principal limitação identificada na realização deste estudo consistiu na dificuldade de entendimento dos cuidadores para discernir o que era perguntado sobre problema no tratamento e, consequentemente, o que era considerado melhora do tratamento. No início do estudo, foram perceptíveis as dificuldades por parte dos cuidadores de diferenciar a assistência prestada à criança do que deveria ser considerado como benefício terapêutico obtido. A fim de contornar essa situação, foi realizado um ajuste no instrumento de entrevista para os cuidadores, utilizando linguagem mais apropriada para o grupo entrevistado.

O estudo permitiu evidenciar que a abordagem terapêutica combinada (tratamentos medicamentoso e não-medicamentoso) proporciona maior efeito benéfico às crianças (84%), situação mais referida pelos cuidadores. Desse modo, da perspectiva dos cuidadores, combinar o medicamento às técnicas psicoterapêuticas pode se constituir em uma das principais estratégias terapêuticas da política de saúde mental infantojuvenil.99. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Secretaria de Atenção à Saúde. Legislação em saúde mental: 1990-2004. 5th ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2004. Esses achados oferecem subsídios para reflexões em relação às abordagens terapêuticas adotadas nos CAPS i, que possam subsidiar estratégias que possibilitem melhor atendimento aos pacientes e suas famílias, promovendo o desenvolvimento da autonomia, saúde e bem-estar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    28 Ago 2016
  • Aceito
    26 Jan 2017
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