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A RÁPIDA EVOLUÇÃO CLÍNICA DE UM NEVO DE SPITZ: ACOMPANHAMENTO DE TRÊS ANOS EM CRIANÇA

RESUMO

Objetivo:

Descrever a evolução clínica do nevo de Spitz, desde sua característica inicial plana até o aparecimento de uma superfície irregular, nodular e avermelhada e a conduta perante essas alterações.

Descrição do caso:

Criança do sexo feminino, fototipo II, com um pequeno nevo congênito na perna esquerda e outros pequenos nevos adquiridos. Paciente passou por avaliações anuais clínicas e dermatoscópicas para controle entre 3 e 7 anos de idade, quando um desses nevos, localizado na coxa esquerda, apresentou crescimento rápido. A hipótese clínica foi nevo de Spitz, com indicação de remoção cirúrgica com margem de segurança e posterior análise anatomopatológica. Considerando a idade da paciente e os aspectos clínicos e histológicos, a lesão foi diagnosticada como nevo de Spitz.

Comentários:

Uma lesão de padrão dermatoscópico globular e menor que 5 mm permitia acompanhamento clínico, porém a hipercromia, a estética local, o crescimento rápido, a possibilidade de trauma na região e os riscos de transformação maligna na puberdade nortearam a decisão de remoção total e posterior acompanhamento para monitorar qualquer recidiva.

Palavras-chave:
Nevo de Spitz; Nevo; Nevos e Melanomas; Dermoscopia

ABSTRACT

Objective:

To report the clinical evolution and handling of a Spitz nevus, from its initial flat feature to becoming an irregular, nodular, reddish lesion.

Case description:

Female child, phototype II, with a small congenital nevus on the left lower limb and other sustained small nevi. The patient went through annual clinical and dermoscopic evaluations between the ages of three and seven, period during which the nevi located on the left thigh grew rapidly. The clinical hypothesis was Spitz nevus, with indication of surgical removal with a safety margin and anatomopathological study. Considering patient’s age and clinical/histological aspects, the diagnosis of Spitz nevus was confirmed.

Comments:

Initial globular pattern and size under 5 mm upon dermoscopy allowed clinical follow-up. However, onset of hyperchromia and rapid growing of the lesion, along with aesthetic concerns, possibility of trauma in the region, and risk of malignancy at puberty guided the decision of total resection and follow-up for recurrence.

Keywords:
Spitz Nevus; Nevus; Nevi and Melanomas; Dermoscopy

INTRODUÇÃO

Os nevos, também chamados de pintas, são hamartomas na pele congênitos ou adquiridos ao longo da vida, podendo apresentar pigmentação amarronzada ou rósea, enegrecida pela atividade das células melanocíticas, responsáveis pelo surgimento da lesão. Ainda sem consenso, mas considerado como hipótese, acredita-se que fatores genéticos e a radiação solar podem alterar as características dessas lesões.11. Vallarellil AF, Harrison SL, Souza EM. Melanocytic nevi in a Brazilian community of predominantly Dutch descent (1999-2007). An Bras Dermatol. 2010;85:469-77. Nevos inicialmente simétricos, pequenos, planos e monocromáticos podem se tornar lesões abauladas, verrucosas, irregulares e com mescla de coloração. As lesões névicas devem ser acompanhadas clinicamente, e o auxílio do dermatoscópio digital ou manual aumenta a acurácia diagnóstica quanto à malignidade de 46% a olho nu para 93%. Dessa forma, a dermatoscopia define a melhor conduta e tratamento no tocante a algumas lesões mais complexas (lesões borderline: lesões com baixo potencial de malignidade, mas que se não acompanhadas, podem se transformar),22. Argenziano G, Zalaudek I, Ferrara G, Hoffmann-Wellenhof R, Soyer H. Proposal of a new classification system for melanocytic naevi. Br J Dermatol. 2007;157:217-27. que muitas vezes necessitarão de exames anatomopatológicos mais sofisticados, com uso de marcadores ou estudos moleculares.33. Diaconeasa A, Boda D, Solovan C, Enescu DM, Vîlcea AM, Zurac S. Histopathologic features of Spitzoid lesions in different age groups. Rom J Morphol Embryol. 2013;54:51-62.

O nevo de Spitz é uma lesão que predomina em crianças e jovens e recebe esse nome pois, em 1948, Sophie Spitz, ao descrevê-lo, denominou-o de melanoma juvenile. Quando presente na idade adulta, esse nevo pode ser confundido com o melanoma e, para descartar a hipótese de uma lesão agressiva, a avaliação cautelosa, por meio da dermatoscopia, bem como mediante estudos histológicos, faz-se necessária.44. Honda R, Iino Y, Ito S, Tanaka M. Verrucous Spitz nevus in a Japanese female. Case Rep Dermatol. 2013;5:304-8. Raramente o nevo de Spitz é observado nos idosos, o que sugere que, com a idade, possa haver regressão.22. Argenziano G, Zalaudek I, Ferrara G, Hoffmann-Wellenhof R, Soyer H. Proposal of a new classification system for melanocytic naevi. Br J Dermatol. 2007;157:217-27. A grande semelhança com o melanoma, como também o risco de transformação maligna, principalmente em mulheres durante a explosão hormonal na adolescência, faz com que a conduta de excisão cirúrgica e de exame histológico seja mais segura do que apenas o acompanhamento clínico.55. Barnhill RL. The Spitzoid lesion: rethinking Spitz tumors, atypical variants, "Spitzoidmelanoma"and risk assessment. Mod Pathol. 2006;19 Suppl 2:S21-33.

O caso clínico teve por objetivo demonstrar a evolução clínica do nevo de Spitz em criança.

RELATO DE CASO

Criança do sexo feminino, fototipo II, com um pequeno nevo congênito na perna esquerda, além de contar com outros pequenos nevos adquiridos, passou por avaliações anuais clínicas e dermatoscópicas para controles entre 3 e 7 anos de idade.

Aos 3 anos e 7 meses de idade, durante o verão, uma nova lesão na coxa esquerda, próxima à virilha, surgiu, sendo ela plana, com aproximadamente 1 mm (Figura 1A) e classificada como nevo simples adquirido. Um ano depois, a lesão, clinicamente ainda plana, mostrou leve aumento na pigmentação. A dermatoscopia definiu-a como nevo simples, padrão globular com medida de 1,5 mm (Figura 1B). Aos 5 anos e 7 meses de idade, a lesão aumentou de tamanho para 2 mm, apresentando-se levemente elevada e acastanhada (Figura 2A) e assim se mantendo por aproximadamente nove meses. Entre os 6 anos e 5 meses e os 6 anos e 8 meses, em um intervalo de três meses e associada temporalmente à maior exposição solar durante o verão, houve crescimento rápido da lesão em extensão (de 2 para 4,5 mm), além de sua elevação como um domus (Figuras 2B a 2E). A evolução clínica e dermatoscópica da lesão pode ser acompanhada na Tabela 1. Uma nova avaliação clínica e dermatoscópica foi realizada, com a hipótese diagnóstica de nevo de Spitz, quando então a remoção cirúrgica foi indicada.

Figura 1:
Dermatoscopia digital: (A) 1 mm em fevereiro de 2010; (B) 1,5 mm em março de 2011.

Figura 2:
Evolução clínica do nevo: (A) 2,0 mm em fevereiro de 2012; (B-E) 4,5 mm em março de 2013.

Tabela 1:
Controle do crescimento: nevo coxa esquerda.

Sob sedação gasosa e anestesia infiltrativa local, uma incisão em fuso foi realizada com margem de segurança de 2 mm, tanto ao redor da lesão como também na profundidade. A cirurgia foi finalizada com suturas em mononáilon 7,0, a peça foi fixada em formol 10% e encaminhada para análise histológica. À macroscopia, observou-se nevo retirado da coxa esquerda medindo 0,5×0,4×0,2 cm, com aspecto central sobrelevado, pardo acastanhado e superfície levemente bocelada, sendo submetido a exame histológico. À microscopia, analisou-se um fragmento de pele com leve abaulamento central em razão de proliferação intradérmica. Na junção derme/epiderme, havia a presença de ninhos de células névicas com pequena quantidade de pigmento melânico no citoplasma. Seus núcleos mostravam-se arredondados, com leve variação de volume, sem atipias, mas com algumas binucleações ou multinucleações. Havia predomínio de ninhos juncionais de padrão epitelioide. Não se identificou componente fusocelular, porém vários corpos de Kamino e componente dérmico maturado estavam presentes. A epiderme suprajacente exibiu intensa papilomatose com leve hiperqueratose, e as margens cirúrgicas estavam livres de lesão. Não havia sinais de malignidade, e, diante dos achados histológicos agregados à macroscopia e ao relato clínico, o diagnóstico foi nevo de Spitz (Figura 3).

Figura 3:
Fotomicrografia dos cortes histológicos do nevo de Spitz pela coloração para microscopia ótica de luz hematoxilina e eosina (HE): (A) expansão epitelial exibindo as bordas livres (40x de aumento); (B) arranjos em ninhos de células melanocíticas (200x de aumento); (C) presença dos característicos corpos de Kamino, de coloração eosinofílica, subjacentes ao epitélio (400x de aumento).

DISCUSSÃO

O nevo de Spitz hoje é tratado como uma entidade única e, diante de seu difícil diagnóstico, mesmo com análise histológica, muitas vezes pode ser classificado pelas características de sua arquitetura como nevo juncional, nevo intradérmico ou, mais comumente, como nevo composto.66. Requena C, Requena I, Kutzner H, Sanchez Yus E. Spitz nevus: a clinicolpathological study of 349 cases. Am J Dermatopathol. 2009;31:107-16.

Muitas lesões são indistinguíveis histologicamente do melanoma no adulto,77. Su L, Sepehr A, Tsao H. Spitz nevi and other Spitzoid lesions: Part I. Background and Diagnoses. J Am Acad Dermatol. 2011;65:1073-84. pois na avaliação histológica se identificamos agregados de corpo de Kamino, estruturas globulares compostas de membrana basal residual da apoptose celular e com características eosinofílicas. Outra característica é a presença de células epitelioides e/ou fusiformes juntamente com ninhos celulares de melanócitos, que, muitas vezes, mostram atipia celular com citoplasma abundante e grande proliferação de mitoses, porém inferior a duas por mm2.88. Miteva M, Lazova R. Spitz Nevus and Atypical Spitzoid Neoplasm. Semin Cutan Med Surg. 2010;29:165-73.,99. Lyon VB. The Spitz Nevus: review and update. Clin Plast Surg. 2010;37:21-33.

O padrão dermatoscópico mais relevante e peculiar dessa lesão é o estelar (starburst), que ocorre em 53% dos casos, seguido do globular (22%) e do atípico (25%), sendo este último considerado um padrão de confusão diagnóstica com o melanoma.22. Argenziano G, Zalaudek I, Ferrara G, Hoffmann-Wellenhof R, Soyer H. Proposal of a new classification system for melanocytic naevi. Br J Dermatol. 2007;157:217-27.

Os critérios para definir o comportamento biológico dessa lesão ainda não são claros. Algumas características clínicas sugerem maior potencial de malignidade, como tamanho superior a 1 cm, extensão do tumor para tecidos subcutâneos, presença de ulcerações e, histologicamente, alto índice de mitoses.88. Miteva M, Lazova R. Spitz Nevus and Atypical Spitzoid Neoplasm. Semin Cutan Med Surg. 2010;29:165-73.

O nevo de Spitz tem predileção pela face e pelos membros inferiores de crianças e adolescentes.99. Lyon VB. The Spitz Nevus: review and update. Clin Plast Surg. 2010;37:21-33.,1010. Cerrato F, Wallins JS, Webb ML, McCarty ER, Schmidt BA, Labow BI. Outcomes in pediatric atypical spitz tumors treated without sentinel lymph node biopsy. Pediatr Dermatol. 2012;29:448-53. Um de seus padrões dermatoscópicos é o globular22. Argenziano G, Zalaudek I, Ferrara G, Hoffmann-Wellenhof R, Soyer H. Proposal of a new classification system for melanocytic naevi. Br J Dermatol. 2007;157:217-27. e os nevos podem ter seu crescimento influenciado pelo tipo de pele e pela radiação solar,11. Vallarellil AF, Harrison SL, Souza EM. Melanocytic nevi in a Brazilian community of predominantly Dutch descent (1999-2007). An Bras Dermatol. 2010;85:469-77. como também pela ação hormonal no período de crescimento.55. Barnhill RL. The Spitzoid lesion: rethinking Spitz tumors, atypical variants, "Spitzoidmelanoma"and risk assessment. Mod Pathol. 2006;19 Suppl 2:S21-33. Os fatores aqui descritos explicam o comportamento da lesão da paciente deste relato de caso.

Em pacientes pediátricos, com menos de 12 anos de idade, e portadores de lesões clínicas e dermatoscópicas sugestivas de nevo de Spitz, acompanhados em consultas regulares pelo período de dois anos, mostrou-se que algumas lesões podem involuir, outras estacionar e outras evoluir, aumentando de tamanho com o mesmo padrão celular ou se malignizar.1111. Pedrosa AF, Lopes JM, Azevedo F, Motal A. Spitz/Reed nevi: a review of clinical-dermatoscopic and histological correlation. Dermatol Pract Concept. 2016;6:37-41.

Conclui-se, assim como outros autores,1212. Tlougan BE, Orlow SJ, Schaffer JV. Spitz nevi: beliefs, behaviors, and experiences of pediatric dermatologists. JAMA Dermatol. 2013;149:283-91.,1313. Colucci R, Berruti V, Moretti S. Pediatric pigmented Spitz nevus: A natural course toward involution assessed with dermoscopy. J Am Acad Dermatol. 2016;75:e61-2. que lesões típicas podem ser acompanhadas, porém, mesmo que as características encontradas neste caso clínico sugerissem lesão típica por apresentar bordas regulares, tamanho bem menor que 10 mm, aspecto não maligno e a possibilidade de regressão com a idade, o protocolo de excisão cirúrgica com margem de segurança, análise histológica e controle de recidivas foi a escolha terapêutica para diminuir as expectativas quanto a um possível crescimento súbito e para minimizar o risco de traumas no local, assim como para melhorar a estética, com a remoção da lesão visível.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Vallarellil AF, Harrison SL, Souza EM. Melanocytic nevi in a Brazilian community of predominantly Dutch descent (1999-2007). An Bras Dermatol. 2010;85:469-77.
  • 2
    Argenziano G, Zalaudek I, Ferrara G, Hoffmann-Wellenhof R, Soyer H. Proposal of a new classification system for melanocytic naevi. Br J Dermatol. 2007;157:217-27.
  • 3
    Diaconeasa A, Boda D, Solovan C, Enescu DM, Vîlcea AM, Zurac S. Histopathologic features of Spitzoid lesions in different age groups. Rom J Morphol Embryol. 2013;54:51-62.
  • 4
    Honda R, Iino Y, Ito S, Tanaka M. Verrucous Spitz nevus in a Japanese female. Case Rep Dermatol. 2013;5:304-8.
  • 5
    Barnhill RL. The Spitzoid lesion: rethinking Spitz tumors, atypical variants, "Spitzoidmelanoma"and risk assessment. Mod Pathol. 2006;19 Suppl 2:S21-33.
  • 6
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    Miteva M, Lazova R. Spitz Nevus and Atypical Spitzoid Neoplasm. Semin Cutan Med Surg. 2010;29:165-73.
  • 9
    Lyon VB. The Spitz Nevus: review and update. Clin Plast Surg. 2010;37:21-33.
  • 10
    Cerrato F, Wallins JS, Webb ML, McCarty ER, Schmidt BA, Labow BI. Outcomes in pediatric atypical spitz tumors treated without sentinel lymph node biopsy. Pediatr Dermatol. 2012;29:448-53.
  • 11
    Pedrosa AF, Lopes JM, Azevedo F, Motal A. Spitz/Reed nevi: a review of clinical-dermatoscopic and histological correlation. Dermatol Pract Concept. 2016;6:37-41.
  • 12
    Tlougan BE, Orlow SJ, Schaffer JV. Spitz nevi: beliefs, behaviors, and experiences of pediatric dermatologists. JAMA Dermatol. 2013;149:283-91.
  • 13
    Colucci R, Berruti V, Moretti S. Pediatric pigmented Spitz nevus: A natural course toward involution assessed with dermoscopy. J Am Acad Dermatol. 2016;75:e61-2.
  • Financiamento: O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Set 2017
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    05 Dez 2016
  • Aceito
    19 Fev 2017
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