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ASSOCIAÇÃO ENTRE O EQUILÍBRIO POSTURAL E INDICADORES ANTROPOMÉTRICOS EM ESCOLARES

RESUMO

Objetivo:

Analisar a associação entre o equilíbrio postural e indicadores antropométricos em escolares do primeiro ano do ensino fundamental.

Métodos:

Estudo transversal, descritivo e quantitativo que incluiu crianças regularmente matriculadas no primeiro ano do ensino fundamental, de ambos os sexos, na faixa etária de 6 a 7 anos. Foram excluídas as crianças com qualquer incapacidade física ou cognitiva, as que não participaram de todas as etapas de avaliação do estudo ou as que não conseguiram realizar a avaliação do equilíbrio postural. As crianças realizaram uma avaliação do equilíbrio por meio da posturografia dinâmica computadorizada (PDC), por meio dos testes de organização sensorial (TOSs) em seis diferentes condições sensoriais. Para verificar os indicadores antropométricos, foram avaliadas as medidas de peso corporal e estatura, para posterior cálculo do índice de massa corporal (IMC), sendo este categorizado em quatro grupos: baixo peso, normal, sobrepeso e obesidade.

Resultados:

Foram incluídas 80 crianças (6,2±0,8 anos), sendo 47 meninas (58,8%). A análise dos indicadores antropométricos identificou 26,3% de escolares com sobrepeso e 15% com obesidade. As crianças apresentaram médias abaixo dos valores de referência considerados para sua faixa etária nas condições III e VI. Foi verificada associação negativa entre a condição V com o IMC e uma associação positiva entre os valores abaixo da normalidade na condição VI com o sobrepeso e a obesidade.

Conclusões:

Foram verificadas associações entre o excesso de peso corporal e valores abaixo da normalidade em algumas condições do equilíbrio, indicando que os indicadores antropométricos interferiram no equilíbrio postural das crianças.

Palavras-chave:
Criança; Equilíbrio postural; Estado nutricional; Obesidade; Sobrepeso

ABSTRACT

Objective:

To analyze the association between postural balance and anthropometric indicators in elementary school students.

Methods:

This cross-sectional, descriptive and quantitative study included children enrolled in the first year of elementary school, of both sexes, in the age group of 6 to 7 years. Children with any physical or cognitive impairment, children who did not participate in all stages of the study evaluation, or those who failed to perform postural balance assessments were excluded. The children underwent a balance evaluation through a computerized dynamic posturograph, with sensory organization tests (TOSs) in six different sensory conditions. In order to verify the anthropometric indicators, the body weight and height measurements were evaluated for later calculation of the body mass index (BMI), which was categorized into four groups: low weight, normal, overweight and obesity.

Results:

Eighty children with a mean age of 6.2±0.8 years were included, being 47 girls (58.8%). The analysis of the anthropometric indicators identified that 26.3% of students were overweight and 15% were obese. The children had averages below the reference values considered for their age range in conditions III and VI. There was a negative association between condition V and BMI and a positive association between values below normal in condition VI with overweight and obesity.

Conclusions:

There were associations between excess body weight and values below normal in some balance conditions, indicating that the anthropometric indicators interfered in the children’s postural balance.

Keywords:
Child; Postural balance; Nutritional status; Obesity; Overweight

INTRODUÇÃO

Por meio dos movimentos corporais, a criança interage e atua de forma dinâmica nos ambientes físico e social.11. Manoel E. Criança e desenvolvimento: algumas notas numa perspectiva etária. In: Krebs RJ, editor. Desenvolvimento Infantil em Contexto. Florianópolis: UDESC; 2001. p. 47-60. Contudo, para que a criança possa agir, é necessário ter como suporte básico o equilíbrio corporal,22. Westcott SL, Burtner P. Postural control in children: implications for pediatric practice. Phys Occup Ther Pediatr. 2004;24:5-55. definido como uma integração sensório motora que garante a manutenção da postura.33. Lemos LF, David AC, Teixeira CS, Mota CB. Childhood obesity and its effect on corporeal balance. Acta Fisiatr. 2009;16:138-41. O controle e a estabilidade postural estão associados às funções dos sistemas visual, proprioceptivo e vestibular e ao controle neuromuscular.44. Mignardot JB, Olivier I, Promayon E, Nougier V. Origins of balance disorders during a daily living movement in obese: can biomechanical factors explain everything? PLoS One. 2013;8:e60491. Durante a infância, ocorre um aprimoramento dos padrões de controle postural para a realização das atividades da vida diária, com o amadurecimento da função proprioceptiva em torno dos 3 ou 4 anos de idade. Já os sistemas visual e vestibular parecem atingir o nível adulto aos 15 ou 16 anos.55. Steindl R, Kunz K, Schrott-Fischer A, Scholtz AW. Effect of age and sex on maturation of sensory systems and balance control. Dev Med Child Neurol. 2006;48:477-82.

Nesse contexto, nos primeiros anos de vida as crianças são mais dependentes da informação visual em detrimento das informações somatossensoriais e vestibulares, e apenas ao redor dos sete anos de idade é que passam a integrar da mesma forma que adultos as informações provenientes desses três canais sensoriais.66. Bortolaia AP, Barela AM, Barela JA. Postural control in 3 to 11 year-old children with visual impairment. Motriz. 2003;9:79-86. De acordo com Schimid et al.,77. Schimid M, Conforto S, Lopez L, Renzi P, D'Alessio T. The development of postural strategies in children: a factorial design study. J Neuroeng Rehabil. 2005;2:29. há uma correlação entre o desenvolvimento do controle de equilíbrio e a idade na população pediátrica, uma vez que existe evidente modificação nas estratégias posturais entre as idades de 7 a 11 anos em crianças com desenvolvimento típico.

Considerando a infância como o estágio mais importante de crescimento e desenvolvimento, a avaliação do equilíbrio postural em crianças se torna relevante, a fim de determinar os fatores relacionados aos possíveis transtornos do equilíbrio,88. Moraes AG, David AC, Castro OG, Marques BL, Carolino MS, Maia EM. Comparison of a single leg stance balance between children and adults. Rev Bras Educ Fís Esporte. 2014;28:571-7. uma vez que dados reportam altos índices de atrasos motores em crianças brasileiras.99. Valentini NC, Coutinho MT, Pansera SM, Santos VA, Vieira JL, Ramalho MH, et al. Prevalence of motor deficits and developmental coordination disorders in children from South Brazil. Rev Paul Pediatr. 2012;30:377-84. De fato, Alonso et al.1010. Alonso AC, Vieira PR, Macedo OG. Avaliação e reeducação proprioceptiva. In: Greve JM. Tratado Medicina de Reabilitação. São Paulo: Roca; 2007. p. 997-1004. reiteram que existe uma série de fatores que podem comprometer o equilíbrio, entre eles os fatores antropométricos.

Nesse sentido, parece existir uma relação entre o equilíbrio postural e o estado nutricional: o sobrepeso e a obesidade podem influenciar as habilidades motoras e a capacidade de controle postural da criança.1111. Shultz SP, Byrne NM, Hills AP. Musculoskeletal function and obesity: implications for physical activity. Curr Obes Rep. 2014;3:355-60. Assim, maiores tamanho e massa corporal podem contribuir para a instabilidade postural na infância.44. Mignardot JB, Olivier I, Promayon E, Nougier V. Origins of balance disorders during a daily living movement in obese: can biomechanical factors explain everything? PLoS One. 2013;8:e60491. Apesar de os estudos discutirem a existência de estratégias posturais diferentes e a capacidade de equilíbrio reduzido em crianças com excesso de peso,1212. Pau M, Kim S, Nussbaum MA. Does load carriage differentially alter postural sway in overweight vs. normal-weight schoolchildren? Gait Posture. 2012;35:378-82. há poucas pesquisas evidenciando a influência da massa corporal sobre o equilíbrio postural1313. Alonso AC, Mochizuki L, Monteiro CB, Santos S, Luna NM, Brech GC, et al. Fatores antropométricos que interferem no equilíbrio postural. BJB. 2012;13:63-70., bem como as relações entre o equilíbrio corporal e a obesidade infantil são pouco investigadas.33. Lemos LF, David AC, Teixeira CS, Mota CB. Childhood obesity and its effect on corporeal balance. Acta Fisiatr. 2009;16:138-41.

Com relação aos instrumentos para avaliar o equilíbrio postural de indivíduos, a posturografia dinâmica computadorizada (PDC) representa um padrão-ouro na medição da contribuição motora e sensorial na manutenção do equilíbrio.1414. Mancini M, Horak FB. The relevance of clinical balance assessment tools to differentiate balance deficits. Eur J Phys Rehabil Med. 2010;46:239-48. A PDC analisa as informações visuais, proprioceptivas e vestibulares, sua interação com o Sistema Nervoso Central e as respostas motoras dos membros inferiores e do corpo em geral , por meio de uma plataforma com sensores, para captar os movimentos corporais em diferentes situações.1515. Quitschal RM, Fukunaga JY, Ganança MM, Caovilla HH. Evaluation of postural control in unilateral vestibular hypofunction. Braz J Otorhinolaryngol. 2014;80:339-45. Apesar de haver muitos dados sobre a estabilidade postural na população pediátrica, informações confiáveis e completas sobre o equilíbrio postural nessa faixa etária ainda são poucas,1616. Barozzi S, Socci M, Soi D, Di Berardino F, Fabio G, Forti S, et al. Reliability of postural control measures in children and young adolescents. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2014;271:2069-77. fato que justifica a avaliação de crianças por meio da PDC.

Apesar de estudos reportarem a influência do peso corporal sobre o equilíbrio postural em crianças, a associação entre essa variável e os sistemas neurais responsáveis pela estabilidade postural é limitada, o que fundamenta a relevância do presente estudo. Dessa forma, o objetivo do trabalho foi identificar a associação entre o equilíbrio postural e indicadores antropométricos em escolares do primeiro ano do ensino fundamental.

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal, descritivo e quantitativo, no qual foi incluída uma amostra de conveniência de estudantes de uma escola pública do município de Uruguaiana, interior do Rio Grande do Sul, no primeiro semestre de 2015. Os critérios de inclusão foram: ser estudante matriculado regularmente no primeiro ano do ensino fundamental; participantes de ambos os sexos; e ter entre 6 e 7 anos de idade. Foram excluídas as crianças: com qualquer incapacidade física ou cognitiva atestada por meio de laudo médico; que não participaram de todas as etapas de avaliação do estudo; ou que não conseguiram realizar a avaliação do equilíbrio postural.

Cabe ressaltar que todos os preceitos éticos foram respeitados, de acordo com a Declaração de Helsinque (2008) e a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, na qual foi realizada uma reunião com os responsáveis legais de cada estudante, para assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Pampa, sob o Parecer n° 457.088.

As crianças realizaram uma avaliação do equilíbrio postural (Figura 1), por meio da PDC (Sistema EquiTest® - NeuroCom International, Inc.). O equipamento possui uma superfície de referência, na qual o sujeito permanece em posição ortostática. Nessa plataforma há sensores de pressão, ativados em função do deslocamento do peso do indivíduo sobre a planta do pé, em resposta ao deslocamento do corpo. A superfície de referência é circundada por um campo visual móvel, que sofre deslocamentos anteroposteriores.1717. Oda DT, Ganança CF. Computerized dynamic posturography in the assessment of body balance in individuals with vestibular dysfunction. Audiol Commun Res. 2015;20:89-95.

Figura 1:
Avaliação do equilíbrio postural por meio da posturografia dinâmica computadorizada.

A avaliação seguiu os critérios estabelecidos pela pelo fabricante, incluindo os testes de organização sensorial (TOSs), e foi conduzida por um avaliador treinado. Para o exame, a criança permanecia em posição ortostática e descalça, presa ao aparelho por meio de um colete, com os membros superiores ao longo do corpo e os pés em um local pré-designado.

Os TOSs apresentam seis condições, que submetem o indivíduo a diferentes informações sensoriais, obrigando-o a utilizar estratégias diversas para a manutenção do equilíbrio corporal. Esses testes consistem em um procedimento não invasivo que fornece informações sobre a integração e a proporção dos componentes visuais, proprioceptivos e vestibulares de equilíbrio1818. Hu M, Chen T, Dong H, Wang W, Xu K, Lin P. Clinical values of the sensory organization test in vestibular diseases. Zhonghua Er Bi Yan Hou Tou Jing Wai Ke Za Zhi. 2015;50:712-7., bem como determinam o desempenho do equilíbrio postural nas seis diferentes condições sensoriais, avaliando os sistemas visual, proprioceptivo e vestibular (TOS I, III e IV), proprioceptivo e vestibular (TOS II e V), e proprioceptivo (TOS IV). A avaliação de cada condição dura 20 segundos, sendo repetida três vezes. A pontuação varia de 0 a 100 e, quanto maior a pontuação, melhor é o equilíbrio postural do sujeito. Ao final do teste, o resultado é expresso pelo índice total do equilíbrio (composto) e pelas condições sensoriais avaliadas. Dados normativos para crianças de seis anos de idade foram propostos em porcentagem por Casselbrant et al.1919. Casselbrant ML, Mandel EM, Sparto PJ, Perera S, Redfern MS, Fall PA, et al. Longitudinal posturography and rotational testing in children three to nine years of age: Normative data. Otolaryngol Head Neck Surg. 2010;142:708-14. e utilizados como valores de referência no presente estudo, sendo: TOS I=85%; TOS II=80%; TOS III=78%; TOS IV=62%; TOS V=43%; TOS VI=46%; e escore composto=64%.

Os seguintes indicadores antropométricos foram avaliados: peso, medido em balança antropométrica, com as crianças em roupas leves e descalças; estatura, verificada por meio de um estadiômetro fixo na parede, em posição ereta, com as crianças descalças; e índice de massa corporal (IMC), calculado pela divisão da massa corporal (kg) pelo quadrado da estatura (m). Para a classificação do IMC, foram utilizados os critérios do Projeto Esporte Brasil (PROESP-Br),2020. Gaya A, Lemos A, Gaya A, Teixeira D, Pinheiro E, Moreira R. Projeto esporte Brasil: Manual de testes e avaliação. Porto Alegre: UFRGS; 2012. que categoriza os resultados em quatro grupos - baixo peso, normal, sobrepeso e obesidade.

Para a análise dos dados, primeiramente foi utilizada estatística descritiva com medidas de média, desvio padrão e análise de frequências. Para avaliar a normalidade dos dados, aplicou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov, que indicou distribuição normal. As diferenças nos escores dos TOSs entre os sexos foi analisada pelo teste t de Student para amostras independentes. A análise das diferenças nas distribuições de frequências entre os sexos foi realizada pelo teste exato de Fisher. A correlação entre os TOSs e as variáveis antropométricas foi verificada pelo teste de correlação de Pearson. A análise bivariada foi realizada pelo teste do qui-quadrado, no qual os indicadores antropométricos relacionados à massa corporal (normal, sobrepeso, obesidade) foram associados aos valores dos TOSs dicotomizados (normal e déficit). Para todas as análises, foi considerado significante p-valor<0,05.

RESULTADOS

De um total de 119 crianças selecionadas inicialmente para o estudo, 39 foram excluídas por não atenderem aos critérios de inclusão estabelecidos pelo trabalho. Assim, foram avaliadas 80 crianças com média de idade de 6,2±0,8 anos, sendo 47 meninas (58,8%). A análise dos indicadores antropométricos dos escolares identificou que 41,7% deles estavam fora dos padrões de normalidade: 26,3% com sobrepeso e 15% com obesidade. Considerando os sexos, o grupo feminino apresentou valores de sobrepeso de 31,9% e de obesidade 10,6%, enquanto que no grupo masculino os valores foram 18,2 e 21,2%, respectivamente.

As características antropométricas da amostra são mostradas na Tabela 1, não havendo diferenças significativas entre os sexos. Na mesma tabela, o perfil do equilíbrio postural das crianças é apresentado por meio de medidas descritivas dos TOS, tanto do grupo geral, quanto por sexo, bem como os valores de referência para essa amostra. Foi possível evidenciar no grupo geral que as médias das condições III, VI e do escore composto apresentaram-se abaixo dos valores de referência. Com relação ao sexo, houve melhor equilíbrio nas meninas, quando comparadas aos meninos, na condição I do TOS (p=0,03).

Tabela 1:
Valores descritivos das características antropométricas e dos testes de organização sensorial das crianças.

A Figura 2 apresenta a frequência de escolares com valores de referência abaixo da média nos TOS. A maioria dos avaliados apresentou indicadores de equilíbrio abaixo da normalidade no TOS VI e no escore composto para a idade, sendo esses valores mais expressivos no grupo feminino em comparação com o grupo masculino, porém sem significância estatística entre os sexos.

Figura 2:
Frequência de escolares com valores de referência abaixo da normalidade nos testes de organização sensorial.

A correlação entre as variáveis antropométricas e os valores dos TOS está apresentada na Tabela 2, que mostra associação inversamente proporcional e significativa do IMC com o TOS na condição V, no grupo geral e no sexo feminino.

Tabela 2:
Valores de correlação entre as variáveis antropométricas e o teste de organização sensorial do grupo geral e de acordo com o sexo.

A Tabela 3 mostra a associação entre os valores abaixo da normalidade na condição VI do TOS com o sobrepeso e a obesidade do grupo geral. Com relação ao sexo , foi possível identificar, no grupo feminino, associação entre o sobrepeso e a obesidade e valores abaixo da normalidade na condição V do TOS.

Tabela 3:
Associação entre valores abaixo da normalidade (déficit) nos testes de organização sensorial e o índice de massa corporal nos escolares.

DISCUSSÃO

No presente estudo, encontrou-se percentual expressivo de crianças com indicadores antropométricos fora dos padrões de normalidade; em relação ao equilíbrio postural, as crianças apresentaram valores abaixo dos de referência considerados em duas das seis condições sensoriais avaliadas. Com relação ao sexo, observou-se melhor equilíbrio nas meninas, quando comparadas aos meninos, na condição I do TOS. Quanto às associações entre as variáveis do estudo, o IMC apresentou associação inversamente proporcional com o equilíbrio e houve uma associação entre déficit de equilíbrio e sobrepeso e obesidade nas crianças avaliadas.

Com relação aos indicadores antropométricos, o presente estudo evidenciou uma prevalência de 41,3% de crianças com peso corporal acima do adequado, incluindo 26,3% com sobrepeso e 15% com obesidade. Da mesma forma, percentuais expressivos de sobrepeso e obesidade infantil também foram encontrados no estudo de Matsudo et al.,2121. Matsudo VK, Ferrari GL, Araújo TL, Oliveira LC, Mire E, Barreira TV, et al. Socioeconomic status indicators, physical activity, and overweight/obesity in Brazilian children. Rev Paul Pediatr. 2016;34:162-70. no qual 485 crianças (com idades entre 9 e 11 anos) foram avaliadas, e houve prevalência de 23,1% de sobrepeso e 22,3% de obesidade. Corroborando os dados apresentados pelo presente estudo, Ferreira et al.2222. Ferreira SD, Carballo FP, Sousa FF, Silva DM. Prevalence and factors associated with overweight/obesity and systemic arterial hypertension in the private education network children of Divinópolis, MG. Cad Saúde Colet. 2015;23:289-97. encontraram uma prevalência de 19,1% de sobrepeso e 14,1% de obesidade em 199 crianças de 8 a 10 anos de idade.

No estudo atual, as meninas apresentaram média da condição I do TOS significativamente superior à dos meninos. Esses achados vão ao encontro do estudo de Alves et al.,2324. Cumberworth VL, Patel NN, Rogers W, Kenyon GS. The maturation of balance in children. J Laryngol Otol. 2007;121:449-54. que, por meio de TOS, compararam o equilíbrio postural de 282 crianças quanto ao gênero e encontraram que as meninas, na faixa etária de 8 anos, apresentaram valores superiores em relação aos meninos na condição I do TOS, indicando uma leve antecipação do início do seu período de maturação. Autores reportam que, assim como em outros sistemas, a maturação dos sistemas responsáveis pelo equilíbrio postural parece se desenvolver antes nas meninas do que nos meninos,2424. Cumberworth VL, Patel NN, Rogers W, Kenyon GS. The maturation of balance in children. J Laryngol Otol. 2007;121:449-54. fator que poderia explicar as diferenças encontradas entre os gêneros no presente estudo.

Em outra pesquisa realizada com crianças entre 7 e 10 anos de idade, na qual foram comparadas as habilidades motoras entre os gêneros, o equilíbrio foi superior nas meninas.2525. Miranda TB, Beltrame TS, Cardoso FL. Motor performance and nutritional status of schoolchildren with and without developmental coordination disorder. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum. 2011;13:59-66. De fato, Ruiz et al.2626. Ruiz LM, Graupera JL, Gutiérrez M, Miyahara M. The assessment of motor coordination in children with the Movement ABC test: A comparative study among Japan, USA and Spain. Int J Appl Sport Sci. 2003;15:22-35. reportam que as habilidades de equilíbrio estático e dinâmico tendem a ser melhores em meninas do que em meninos.

Em nosso trabalho, houve uma associação significativa de valores de referência abaixo da normalidade na condição VI do TOS com o sobrepeso e a obesidade nos escolares, enquanto no grupo feminino essa associação ocorreu na condição V do TOS. Essa relação vem sendo amplamente descrita na literatura, com especial destaque às suas repercussões no desenvolvimento do sistema neuromotor, conforme demonstram Gentier et al.2727. Gentier I, D'Hondt E, Shultz S, Deforche B, Augustijn M, Hoorne S, et al. Fine and gross motor skills differ between healthy weight and obese children. Res Dev Disabil. 2013;34:4043-51. Esses autores identificaram que crianças obesas encontram maior dificuldade na integração da informação sensorial, o que corrobora os achados do presente estudo, em que, na avaliação dos sistemas visual, vestibular e proprioceptivo (condição VI do TOS), a condição nutricional influenciou negativamente o resultado.

Dessa forma, Pau et al.1212. Pau M, Kim S, Nussbaum MA. Does load carriage differentially alter postural sway in overweight vs. normal-weight schoolchildren? Gait Posture. 2012;35:378-82. sugerem a existência de estratégias posturais diferentes e capacidade de equilíbrio reduzido entre crianças com sobrepeso. Do ponto de vista neurofisiológico, acredita-se que o estiramento da pele nas crianças obesas possa aumentar a distância entre os mecanoceptores cutâneos e reduzir a discriminação da percepção somatossensorial.2828. Mignardot JB, Olivier I, Promayon E, Nougier V. Obesity Impact on the Attentional Cost for Controlling Posture. PLoS One. 2010;5:e14387. Ainda, os autores hipotetizam que o esquema corporal seja construído com base nas entradas multissensoriais, incluindo receptores cutâneos e proprioceptivos, e que, com a obesidade, esses receptores possam prover informações alteradas da área cortical somatossensorial, modificando a representação do esquema corporal em indivíduos obesos. Nessa perspectiva, existem evidências de que alguns receptores sensoriais em indivíduos obesos poderiam ser associados com a instabilidade postural.2929. Wang L, Li JX, Xu DQ, Hong YL. Proprioception of ankle and knee joints in obese boys and nonobese boys. Med Sci Monit. 2008;14:CR129-35. Adicionalmente, a obesidade causa uma pressão acima do esperado nas plantas dos pés das crianças. Isso parece ter relação com o declínio de sensibilidade plantar, levando a uma menor capacidade de receber informações sensoriais e promover ajustes posturais.3030. Rocha ES, Bratz DT, Gubert LC, David A, Carpes FP. Obese children experience higher plantar pressure and lower foot sensitivity than non-obese. Clin Biomech (Bristol, Avon). 2014;29:822-7.

As crianças obesas vivenciam maior dificuldade na realização das tarefas diárias devido à pobre estabilidade postural, conforme apontam Lemos et al.33. Lemos LF, David AC, Teixeira CS, Mota CB. Childhood obesity and its effect on corporeal balance. Acta Fisiatr. 2009;16:138-41. Esses autores encontraram, em seu trabalho de revisão, que a dificuldade da manutenção do equilíbrio corporal em crianças obesas está relacionada principalmente às modificações físicas do corpo somadas às menores quantidades de vivências corporais.

Com relação ao sexo, no presente estudo, houve associação entre o excesso de peso corporal e valores de referência abaixo da normalidade considerados nos sistemas proprioceptivo e vestibular (condição V do TOS) apenas no grupo das meninas. Assim, acredita-se que o equilíbrio corporal das meninas seja mais afetado pelo excesso de peso do que o dos meninos. Apesar de estudos inferirem que as meninas têm maior capacidade de utilizar informações sensoriais para manter a postura do que meninos,2323. Alves RF, Rossi AG, Pranke GI, Lemos LF. Influence of gender in postural balance of school age children. Rev CEFAC. 2013;15:528-537. o estudou verificou que o excesso de peso corporal pareceu afetar essa capacidade nas meninas.

Considerando que os sujeitos do estudo estão em fase de desenvolvimento e encontram-se em uma faixa etária em que mudanças consistentes ocorrem na estabilidade postural, o fato de a coleta ter sido realizada em apenas um momento pode ser considerado como uma limitação importante do estudo. Entretanto, os resultados trazem evidências consideráveis de que o excesso de peso é capaz de influenciar negativamente a estabilidade postural de crianças, o que serve de alerta como mais uma consequência da obesidade para o desenvolvimento infantil. Ademais, destacam-se também como limitações do estudo o fato da amostra ter sido selecionada por meio de conveniência, bem como a ausência da realização de um cálculo do tamanho amostral.

Concluindo, pode-se dizer que, no presente estudo, foram verificadas associações entre o excesso de peso corporal e valores abaixo da normalidade em algumas condições do equilíbrio, sugerindo que os indicadores antropométricos podem interferir no equilíbrio postural das crianças.

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  • Financiamento: O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Nov 2017
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    01 Dez 2016
  • Aceito
    11 Abr 2017
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