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ASSOCIAÇÃO ENTRE A FRAÇÃO EXALADA DE ÓXIDO NÍTRICO E DADOS DA ESPIROMETRIA E O CONTROLE CLÍNICO DA ASMA EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES

RESUMO

Objetivo:

Avaliar a associação entre os valores da fração exalada de óxido nítrico (FeNO) e do volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) e o grau de controle da asma, segundo proposta do Global Initiative for Asthma (GINA), em crianças e adolescentes asmáticos atendidos no Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira da Fundação Oswaldo Cruz(IFF/FIOCRUZ).

Métodos:

Estudo transversal, com revisão de prontuários de 90 asmáticos entre 7 e17 anos de idade, acompanhados no Ambulatório de Asma do IFF/FIOCRUZ e encaminhados ao setor de Prova de Função Respiratória (PFR) entre março de 2013 e setembro de 2014. Após classificação segundo o GINA, os pacientes realizaram espirometria completa e medida da FeNO. Posteriormente, foram separados em dois grupos: em uso regular e não regular de corticosteroide inalatório (CI), independentemente do padrão ventilatório na espirometria.

Resultados:

Observou-se associação entre os valores de VEF1 e o grau de controle da asma segundo o GINA (p=0,001) em todos os pacientes analisados, independentemente do uso de CI, mas não houve associação entre os valores de VEF1 e os níveis da FeNO.

Conclusões:

A correlação observada entre o GINA e o VEF1 reforça a importância da espirometria no seguimento clínico desses pacientes. Embora não tenha sido detectada associação entre o valor da FeNO e o grau de controle da asma e o VEF1,a FeNO pode constituir um método precoce para detectar inflamação nas vias aéreas, antes mesmo dos sintomas e das alterações espirométricas.

Palavras-chave:
Asma; Espirometria; Crianças; Adolescentes; Óxido nítrico

ABSTRACT

Objective:

To evaluate the association between fraction of exhaled nitric oxide (FeNO) values and forced expiratory volume in the first second (FEV1) and the level of asthma control, as proposed by the Global Initiative for Asthma (GINA), in asthmatic children and adolescents attended at the National Institute of Women, Children and Adolescents Health Fernandes Figueira of Fundação Oswaldo Cruz (IFF/FIOCRUZ).

Methods:

This was a cross-sectional study, with a review of medical records of 90 asthmatics between 7 and 17 years old, who were followed up at the IFF/FIOCRUZ Asthma Outpatient Clinic and were referred to perform respiratory function tests (RFT)between March 2013 and September 2014. After classification according to GINA, patients performed complete spirometry and FeNO measurement. Subsequently, they were separated into two groups: regular and non-regular inhaled corticosteroid (ICS) use, regardless of the ventilatory pattern in spirometry.

Results:

The association between FEV1 values and the degree of asthma control according to GINA (p=0.001) was observed in all patients, regardless of ICS use, but there was no association between FEV1 and levels of FeNO.

Conclusions:

The correlation observed between GINA and FEV1 reinforces the importance of spirometry in the clinical follow-up of these patients. Although no association was found between the value of FeNO and the degree of asthma control and FEV1, FeNO may be an early method to detect airway inflammation, even before the symptoms and spirometric changes.

Keywords:
Asthma; Spirometry; Children; Adolescents; Nitric oxide

INTRODUÇÃO

A asma é uma doença heterogênea, usualmente caracterizada por inflamação crônica das vias aéreas.11. Global Initiative for Asthma. Global strategy for asthma management and prevention revised 2016 [homepage on the Internet]. [cited June 2016]. Available from: http://www.ginasthma.org
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É definida pela história de sintomas respiratórios, como sibilos, falta de ar, opressão torácica e tosse, que variam ao longo do tempo e de intensidade, conjuntamente com o fluxo aéreo expiratório variável. A asma é um problema de saúde global que afeta cerca de 300 milhões de indivíduos de todas as idades, grupos étnicos e países. É uma das principais doenças respiratórias na infância, com impacto social e econômico, além de causar cerca de 250.000 mortes prematuras anualmente,22. Bousquet J, Khaltaev N, editors. Global surveillance, prevention and control of chronic respiratory diseases: a comprehensive approach. Global Alliance against Chronic Respiratory Diseases. Geneva: World Health Organization; 2007.,33. Maia JG, Marcopito LF, Amaral AN, Tavares BF, Santos FA. Prevalência de asma e sintomas asmáticos em escolares de 13 e 14 anos de idade. Rev Saúde Pública. 2004;38:292-9. número provavelmente subestimado.44. Glushkova AV, Grjibovski AM. Prevalence and correlates of asthma among children in central St. Petersburg, Russia: cross-sectional study. Croat Med J. 2008;49:741-50.

A avaliação do controle clínico da asma proposta pelo Global Initiative for Asthma (GINA) é baseada exclusivamente em parâmetros clínicos, segundo os quais a doença é classificada como controlada, parcialmente controlada e não controlada,55. Global Initiative for Asthma. Global strategy for asthma management and prevention [homepage on the Internet]. Updated 2015 [Cited May 2015]. Available from: http://www.ginasthma.org
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e parâmetros funcionais, que têm como objetivo avaliar a limitação do fluxo aéreoe contribuir para a determinação do tratamento mais adequado.66. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia para o Manejo da Asma. IV Diretrizes Brasileiras para o Manejo da Asma. J Bras Pneumol. 2006;32(Suppl. 7):S447-74.

A gravidade da asma e a resposta ao tratamento podem ser avaliadas por meio do monitoramento clínico e de parâmetros funcionais respiratórios: volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1), relação VEF1/capacidade vital forçada (CVF), fluxo expiratório forçado entre 25 e 75% da CVF (FEF25-75%), capacidade vital lenta (CVL) e pico de fluxo expiratório (PFE), obtidos por meio da espirometria. Porém, nem o monitoramento clínico nem o funcional permitem avaliar diretamente a intensidade da inflamação da via aérea do paciente.77. Paiva M, Martins P, Carvalho S, Chambel M, Matos A, Almeida I, et al. Avaliação do controlo da asma: Utilização de diferentes métodos. Rev Port Imunoalergologia.2010;18:227-41.,88. Costa E, Rizzo JA, Machado AS, França AT, Sano F, Wandalsen GF, et al. Marcadores inflamatórios na asma. Rev Bras Alerg Imunopatol. 2011;34:193-202. Nesse contexto, o marcador inflamatório pode ser um instrumento importante para o monitoramento da asma.

A fração exalada de óxido nítrico (FeNO) é um método não invasivo que permite avaliar o grau da inflamação das vias aéreas. Possibilita resultados imediatos e apresenta valores elevados em asmáticos.99. Horváth I, Hunt J, Barnes PJ, Alving K, Antczak A, ATS/ERS Task Force on Exhaled Breath Condensate, et al. Exhaled breath condensate: methodological recommendations and unresolved questions. Eur Respir J. 2005;26:523-48.,1010. Silkoff PE, McClean PA, Slutsky AS, Caramori M, Chapman KR, Gutierrez C, et al. Exhaled nitric oxide and bronchial reactivity during and after inhaled beclomethasone in mild asthma. J Asthma.1998;35:473-9. Evidências atuais sugerem que a detecção precoce da inflamação podedirecionar a terapêutica entre asmáticos.1111. Pedersen S, Szefler S. Pharmacological interventions. Childhood asthma. Eur Respir J Suppl. 1998;27:40-5s. Como a asma é o resultado de diferentes mecanismos inflamatórios que podem se sobrepor ou se suceder, a medida da FeNO pode ser um instrumento importante paraorientar a terapêutica desses pacientes.

Nessa perspectiva, o objetivo deste estudo foi avaliar a associação entre os dados espirométricos e os níveis de inflamação das vias aéreas por meio da FeNO e o grau de controle clínico de crianças e adolescentes asmáticos. Partiu-se da hipótese de que crianças e adolescentes asmáticos com função pulmonar mais grave apresentam níveis da FeNO mais elevada e grau de controle clínico pior, e de que há associação entre a função pulmonar e o controle clínico daasma.

MÉTODO

Estudo transversal, com revisão de prontuários de 90 pacientes com diagnóstico de asma, entre 7 e 17 anos de idade, acompanhados no Ambulatório de Asma do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira da Fundação Oswaldo Cruz (IFF/FIOCRUZ) e encaminhados ao setor de Prova de Função Respiratória (PFR) dessa instituição no período de março de 2013 a setembro de 2014. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal Fluminense (CEP/UFF) - Hospital Universitário Antônio Pedro da Faculdade de Medicina da UFF - HUFMUFF-CAAE:47567715.1.0000.5243.

Avaliaram-se todos os adolescentes e crianças atendidos no período do estudo, independentemente do nível clínico de controle e gravidade, segundo a classificação do GINA 2016.11. Global Initiative for Asthma. Global strategy for asthma management and prevention revised 2016 [homepage on the Internet]. [cited June 2016]. Available from: http://www.ginasthma.org
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Primeiramente, foi estabelecido o grau de controle da asmapelo médico segundo a recomendação do GINA. Em seguida, os pacientes foram submetidos à medida da FeNO e à espirometria completa. Além dos valores da FeNO e dos parâmetros espirométricos (VEF1, CVF, VEF1/CVF, FEF25-75%), foram coletados dos prontuários as descrições de características antropométricas (idade, sexo e índice de massa corporal - IMC) e a dose regular de corticosteroide inalado - CI (budesonida ou equivalente), compreendida como uso diário e por pelo menos três meses. Esse período é o tempo mínimo para obter o controle sintomático da asma.66. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia para o Manejo da Asma. IV Diretrizes Brasileiras para o Manejo da Asma. J Bras Pneumol. 2006;32(Suppl. 7):S447-74.

Durante a consulta médica, foi avaliada a adesão ao medicamento por julgamento clínico, relato do paciente e de familiares. Nessa consulta também era ajustada a dose de CI de acordo com os achados clínicos e funcionais. Para categorizá-la, foram utilizados os critérios determinados pelo GINA:11. Global Initiative for Asthma. Global strategy for asthma management and prevention revised 2016 [homepage on the Internet]. [cited June 2016]. Available from: http://www.ginasthma.org
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crianças de 6-11 anos: 100-200 mcg = dose baixa, 200-400 mcg = dose moderada e >400 mcg = dose alta; crianças >12 anos: 200-400 mcg = dose baixa, 400-800 mcg = dose moderada e >800 = dose alta. Posteriormente, os pacientes foram separados em dois grupos: os que estavam e os que não estavam sob uso de CI, independentemente do resultado da espirometria. Foram excluídos do estudo crianças e adolescentes com comorbidade pulmonar associada, bem como aqueles que não realizaram adequadamente os testes espirométricos e a FeNO.

O grau de controle da asma foi avaliado segundo o GINA de 2016. Assim, para a classificação da gravidade, os pacientes responderam ao questionário que avalia o controle da asma instituída nas últimas quatro semanas. Foram analisados os seguintes parâmetros: sintomas, despertares noturnos, uso de medicação de alívio, limitação de atividade e valor do VEF1. Ao final, os pacientes foram estratificados como asma controlada, parcialmente controlada e não controlada. O PFE também é um parâmetro funcional que pode ser utilizado nessa classificação, mas não é realizado rotineiramente em todas as crianças e adolescentes no Ambulatório de Asma do IFF. Por essa razão, não foi incluído no estudo.

A medida da FeNO foi realizada de acordo com as recomendações da American Thoracic Society (ATS)1212. Dweik RA, Boggs PB, Erzurum SC, Irvin CG, Leigh MW, Lundberg JO, et al. An Official ATS Clinical Practice Guideline: Interpretation of Exhaled Nitric Oxide Levels (FeNO) for Clinical Applications. Am J Respir Crit Care Med. 2011;184:602-15. de 2011 e antes da espirometria, para que não alterasse os valores desta. Foi utilizado um analisador portátil Niox® Mino (Aerocrine, Suécia), no qual o fluxo expiratório é mantido em 50 mL/s e controlado por emissão de sinal sonoro. Os valores da FeNO foram estratificados em: níveis baixos (<20 ppb para crianças menores de 12 anos e <25 ppb para maiores de 12 anos), níveis intermediários (20-35 ppb para crianças menores de 12 anos e 35-50 ppb para maiores de 12 anos) e níveis altos (>35 ppb para crianças menores de 12 anos e >50 ppb para maiores de 12 anos).

Todas as espirometrias analisadas neste estudo foram realizadas de acordo com as normas estabelecidas pela American Thoracic Society and European Respiratory Society (ATS/ERS) de 2005.1313. Miller MR, Hankinson J, Brusasco V, Burgos F, Casaburi R, Coates A, et al. Standardization of spirometry. Eur Respir J. 2005;26:319-38. Os exames foram executados sempre pelo mesmo profissional, e todas as manobras expiratórias foram arquivadas em sua sequência original. Foi utilizado o espirômetro Jaeger, Master Scope® (Viasys Healthcare, Hoechberg, Alemanha). Os exames foram realizados sem e com broncodilatador. Os pacientes preencheram todos os requisitos para a realização do exame, como: não ingerir substância de ação broncodilatadora pelo menos 4 horas antes do exame, adiar o exame por 2 semanas após infecção respiratória e adiar o exame por 7 dias após hemoptise e suspensão das medicações broncodilatadoras de curta (6 horas) ou longa (12 horas) duração antes do exame. Para a resposta broncodilatadora foram utilizados 400 mcg de salbutamol, inalado por meio de câmara expansora. Quinze minutos após a administração do medicamento, cada criança realizou nova espirometria para a análise da resposta broncodilatadora. A espirometria era considerada normal quando a relação VEF1/CVF apresentava-se acima do limite superior da normalidade (LSN) do 5º percentil. O distúrbio ventilatório, quando observado, foi caracterizado como obstrutivo quando a relação VEF1/CVF se encontrava abaixo do limite inferior da normalidade (LIN) do 5º percentil. A classificação da gravidade do distúrbio foi considerada como: leve, quando o VEF1 se encontrava ≥70%; moderado, quando estava entre 60-69%; moderado grave, entre 50-59%; grave, entre 35-49%; e muito grave, quando <35%.

Na análise estatística, foram utilizadas medidas descritivas adequadas às diversas variáveis, incluindo frequências e percentuais (variáveis categóricas), médias e desvios padrões (variáveis contínuas com distribuição normal) e medianas, mínimos e máximos (variáveis contínuas com distribuição não normal). A suposição de normalidade foi verificada por meio do teste de Shapiro-Wilk. Para analisar se os valores de VEF1 diferiram segundo os níveis da FeNO, nos 90 asmáticos e nos pacientes categorizados segundo uso ou não de CI foi utilizada a análise de variância (ANOVA). Para avaliar se o VEF1 variou significativamente nas diferentes faixas da classificação de controle da asma, entre os que usavam CI regularmente também foi utilizada a ANOVA. Na avaliação dessa mesma relação entre pacientes que não estavam em uso de CI, utilizou-se o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis. Em relação às características clínicas, funcionais e dose de CI, aplicou-se o teste do qui-quadrado para verificar a existência de associação com os níveis da FeNO. O teste exato de Fisher foi aplicado nos casos em que se observou pelo menos uma frequência esperada menor do que cinco. As análises estatísticas foram feitas utilizando o programa IBM Corp. Released 2013. IBM SPSS Statistics for Windows, Version 22.0. Armonk, NY: IBM Corp., tendo como base um nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Dos 90 adolescentes e crianças asmáticos avaliados, 68 eram tratados com CI e 22, não. A médiade idade foi de 11,5±2,9 anos, com predomínio do sexo masculino (66,7%). A mediana dos níveis da FeNO foi de 35,5 ppb na população total dos asmáticos estudados. Em 55 dos 90 adolescentes e crianças (61,1%) avaliados havia padrão obstrutivo. A Tabela 1 mostra as características gerais da população estudada.

Tabela 1:
Características gerais da população de estudo (n=90).

Na Figura 1, pode-se observar que há associação significante entre VEF1 e GINA (p=0,001) na população estudada. Houve concordância entre a classificação do controle da asma, de acordo com o GINA e os valores de VEF1. Porém, não se verificou associação significante entre o VEF1 e a FeNO (p=0,179).

Figura 1:
Distribuição dos valores do volume expiratório forçado no primeiro segundo, conforme a classificação de controle da asma, de acordo com o Global Initiative for Asthma e os níveis da fração exalada de óxido nítrico, em partes por bilhão, para a população de estudo (n=90).

Nos pacientes em uso de CI, observa-se que os valores percentuais de VEF1 diminuíram gradativamente à medida que o grau de controle da asma piorou (p=0,020). No entanto, essa associação não foi significante entre VEF1 e FeNO (p=0,242) para os asmáticos em uso de CI. Quando realizada a análise no grupo sem CI, fica evidente que não há associação tanto entre o VEF1 e o GINA (p=0,644) quanto entre o VEF1 e a FeNO (p=0,527) (Figura 2).

Figura 2:
Distribuição dos valores do volume expiratório forçado no primeiro segundo conforme a classificação de controle da asma, de acordo com o Global Initiative for Asthma e os níveis da fração exalada de óxido nítrico, em partes por bilhão, para a população de estudo, discriminados pelo uso de corticosteroide inalatório.

Na Tabela 2, pode-se observar que, entre os pacientes em tratamento com CI e níveis da FeNO acima de 20 ppb, 66,7% apresentavam asma controlada; 72,0%, função pulmonar normal; e 81,4% utilizavam dose baixa de CI. Apesar dos achados não mostrarem diferença estatística, pode-se observar que os níveis da FeNO estiveram elevados mesmo quando a asma estava controlada e a função pulmonar normal.

Tabela 2:
Características clínicas, funcionais e dose de corticosteroide inalatório em relação aos níveis da fração exalada de óxido nítrico da população em tratamento (n=68).

DISCUSSÃO

O presente estudo analisou a associação entre os valores dos níveis da FeNO e do VEF1 basal e o grau de controle da asma segundo o GINA, em uma amostra de 90 crianças e adolescentes asmáticos em uso ou não de CI.

Houve associação entre a medida de VEF1 basal e o grau de controle da asma segundo a classificação do GINA, independentemente do uso de CI, uma vez que os valores percentuais de VEF1 diminuíram gradativamente à medida que o grau de controle da asma piorou (p=0,001). Resultado semelhante foi encontrado por Fuhlbrigge et al. em 2006,1414. Fuhlbrigge AL, Weiss ST, Kuntz KM, Paltiel AD, CAMP Research Group. Forced Expiratory Volume in 1 Second Percentage Improves the Classification of Severity Among Children With Asthma. Pediatrics. 2006;118:e347-55. que concluíram que o VEF1 está amplamente associado aos importantes desfechos clínicos em crianças com asma, como sintomas, exacerbações e utilização dos cuidados de saúde. Ao contrário, Vidal et al.,1515. Vidal AG, Escobar AM, Medina ME. Correlación y concordancia entre instrumentos de control del asma eniños. Rev Chil Enferm Respir. 2012;28:29-34. em estudo com 88 pacientes entre 12 e 17 anos, concluíram que o VEF1 não é um instrumento adequado para monitorar o controle de asma em crianças e adolescentes, já que grande parte das crianças e dos adolescentes asmáticos possui valores de VEF1 dentro da faixa de normalidade.

A medida da FeNO está entre os biomarcadores atualmente estudados para avaliar a inflamação das vias aéreas. Apesar de ainda haver indefinições na interpretação de seus resultados, seu valor vem sendo correlacionado com a proporção de eosinófilos no escarro induzido e com a hiperreatividade brônquica.77. Paiva M, Martins P, Carvalho S, Chambel M, Matos A, Almeida I, et al. Avaliação do controlo da asma: Utilização de diferentes métodos. Rev Port Imunoalergologia.2010;18:227-41. Estudos realizados por Verini et al.1616. Verini M, Consilvio NP, Di Pillo S, Cingolani A, Spagnuolo C, Rapino D, et al. FeNO as a marker of airways inflammation: the possible implications in childhood asthma management. J Allergy (Cairo). 2010;2010. e Jongste et al.1717. Jongste JC, Carraro S, Hop WC, CHARISM Study Group, Baraldi E. Daily telemonitoring of exhaled nitric oxide and symptoms in the treatment of childhood asthma. Am J Respir Crit Care Med. 2009;179:93-7. sugeriram que a medida da FeNO é um marcador inflamatório válido e eficaz no acompanhamento do tratamento da asma em pacientes pediátricos. Entre os pontos positivos do método, destacam-se o caráter não invasivo e a fácil execução. Porém, o custo elevado ainda dificulta sua ampla utilização nos serviços públicos de saúde. A ATS,1212. Dweik RA, Boggs PB, Erzurum SC, Irvin CG, Leigh MW, Lundberg JO, et al. An Official ATS Clinical Practice Guideline: Interpretation of Exhaled Nitric Oxide Levels (FeNO) for Clinical Applications. Am J Respir Crit Care Med. 2011;184:602-15. em 2011, definiu pontos de corte para FeNO na detecção de inflamação eosinofílica. Para crianças menores de 12 anos, valores superiores a 35 ppb evidenciariam inflamação eosinofílica.1818. Manna A, Caffarelli C, Varini M, Dascola CP, Montella S, Maglione M, et al. Clinical application of exhaled nitric oxide measurement in pediatric lung diseases. Ital J Pediatr. 2012;38:1-10. Em nosso estudo, independentemente do grau de controle da asma (GINA), os pacientes apresentaram mediana superior a 35,5 ppb.

Nesta pesquisa não houve associação entre a espirometria e os níveis da FeNO, independentemente do uso de CI. Apesar de não haver significância estatística, foi possível observar que o VEF1 diminuía gradativamente à medida que o nível da FeNO aumentava. Esses resultados são semelhantes aos do estudo de Paro-Heitor et al.,1919. Paro-Heitor ML, Bussamra MH, Saraiva-Romanholo BM, Martins MA, Okay TS, Rodrigues JC. Exhaled nitric oxide for monitoring childhood asthma inflammation compared to sputum analysis, serum interleukins and pulmonary function. Pediatr Pulmonol. 2008;43:134-41. realizado com 26 crianças e adolescentes asmáticos com idade entre 6 e 18 anos. Entretanto, Colon-Semidey et al.,2020. Colon-Semidey AJ, Marshik P, Crowley M, Katz R, Kelly HW. Correlation between reversibility of airway obstruction and exhaled nitric oxide levels in children with stable bronchial asthma. Pediatr Pulmonol. 2000;30:385-92. em estudo com 49 crianças e adolescentes entre 5 e 16 anos, encontraram correlação significativa entre a reversibilidade da obstrução das vias aéreas e os valores da FeNO, emboratambém não tenham detectado significância estatística entre a FeNOe os valores de VEF1 pré-broncodilatador. Outro estudo, com 230 crianças atópicas, encontrou correlação estatística entre FeNO e VEF1 apenas nos pacientes tratados e clinicamente controlados com dose de beclometasona maior que 200 mcg/dia ou equivalente, concluindo que a relação entre a limitação ao fluxo aéreo, a resposta broncodilatadora e o óxido nítrico exalado é criticamente dependente do uso e da dose de CI.2121. Mahut B, Trinquart L, Bokov P, Peiffer C, Delclaux C. The link between exhaled NO and bronchomotor tone depends on the dose of inhaled steroid in asthma. Respir Med. 2010;104:945-50.

De acordo com a classificação proposta pelo GINA, 36,7% dos pacientes em uso de CI foram classificados como controlados e apresentaram níveis elevados da FeNO (>35ppb). Em 2/68 (16,7%) dos adolescentes e crianças estudados, a asma não estava controlada e os níveis da FeNO eram baixos (<2 ppb). Em contraste com o nosso estudo, Alvares-Gutiérrez et al. Encontraram maior proporção de pacientes com asma não controlada e níveis baixos da FeNO (40%) do que com asma controlada e níveis elevados da FeNO (26%).2222. Alvarez-Gutiérrez FJ, Medina-Gallardo JF, Pérez-Navarro P, Martín-Villasclaras JJ, Etchegoren BM, Romero-Romero B, et al. Relación del test de control del asma (ACT) con la función pulmonar, niveles de óxido nítrico exhalado y grados de control según la Iniciativa Global para el Asma (GINA). Arch Bronconeumol. 2010;46:370-7. Resultados semelhantes aos do presente estudo foram descritos por Khalili et al., que compararam os níveis da FeNO com cinco formas de avaliação clínica da asma, dentre elas o GINA. Nesse estudo, 38% dos pacientes controlados apresentavam valores elevados da FeNO (>35ppb).2323. Khalili B, Boggs PB, Shi R, Bahna SL. Discrepancy between clinical asthma control assessment tools and fractional exhaled nitric oxide. Ann Allergy Asthma Immunol. 2008;101:124-9. Segundo a ATS, asmáticos com ausência de sintomas respiratórios e níveis elevados da FeNO têm risco maior de exacerbações.1212. Dweik RA, Boggs PB, Erzurum SC, Irvin CG, Leigh MW, Lundberg JO, et al. An Official ATS Clinical Practice Guideline: Interpretation of Exhaled Nitric Oxide Levels (FeNO) for Clinical Applications. Am J Respir Crit Care Med. 2011;184:602-15.

A classificação de gravidade da asma tem como principal função determinar a dose de medicamentos suficiente para que o paciente atinja o controle da doença no menor prazo possível.66. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia para o Manejo da Asma. IV Diretrizes Brasileiras para o Manejo da Asma. J Bras Pneumol. 2006;32(Suppl. 7):S447-74. Neste estudo, foi observado que 33,3% dos pacientes em tratamento com CI apresentavam asma controlada e níveis baixos da FeNO, independentemente da dose de CI. Entretanto, uma das limitações do estudo foi a análise entre a associação docontrole da asma por meio da FeNO e o tratamento. Para isso, um estudo posterior faz-se necessário com medidas seriadas da FeNO pré e pós-tratamento, afim de avaliar a resposta ao corticosteroide inalatório.

Entre os 18 pacientes (72%) em tratamento com CI que apresentavam parâmetros espirométricos normais, encontramos níveis da FeNO ≥20 ppb, independentemente do controle clínico, semelhante ao observado por Jentzsch et al.,2424. Jentzsch NS, Bourgeois M, Blic J, Scheinmann P, Waernessyckle S, Camargos PA. Óxido nítrico em criança com asma persistente. J Pediatr (Rio J). 2006;82:193-6. que analisaram 45 crianças e adolescentes com asma persistente, e por Kovesi et al.,2525. Kovesi T, Dales R. Exhaled nitric oxide and respiratory symptoms in a community sample of school-aged children.PediatrPulmonol.2008;43:1198-205. que estudaram 1.135 escolares. Ambos registraram valores elevados da FeNO em pacientes que apresentavam normalidade clínica e espirométrica, demonstrando que a função respiratória normal não reflete a ausência de inflamação na via aérea e que, diante de valores espirométricos normais, não é possível afirmar que um paciente está com a asma adequadamente controlada.2424. Jentzsch NS, Bourgeois M, Blic J, Scheinmann P, Waernessyckle S, Camargos PA. Óxido nítrico em criança com asma persistente. J Pediatr (Rio J). 2006;82:193-6. Embora as recomendações do GINA não incluam a medida da FeNO para decidir o início do tratamento com CI em pacientes com sintomas inespecíficos, valores maiores que 50 ppb se associam à resposta favorável ao uso de CI.11. Global Initiative for Asthma. Global strategy for asthma management and prevention revised 2016 [homepage on the Internet]. [cited June 2016]. Available from: http://www.ginasthma.org
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Os resultados obtidos neste estudo sugerem a importância da espirometria no seguimento clínico desses pacientes e que a medida da FeNO pode ser um método precoce para detectar a inflamação nas vias aéreas, antes mesmo dos sintomas e das alterações espirométricas. É possível que essa medida seja, também, um marcador de resposta à corticoterapia inalatória em crianças e adolescentes asmáticos, independentemente da avaliação funcional respiratória.

Aparentemente, a classificação do controle clínico da asma proposta pelo GINA, a medida da FeNO e os valores de VEF1 são independentes entre si, pois analisam diferentes aspectos da mesma doença. A utilização desses métodos associados permitiria uma avaliação mais ampla e objetiva dos pacientes asmáticos.

REFERÊNCIAS

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  • Financiamento: O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jan 2018
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    16 Jan 2017
  • Aceito
    02 Maio 2017
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