Acessibilidade / Reportar erro

INFECÇÃO RESPIRATÓRIA AGUDA BAIXA EM CRIANÇAS INDÍGENAS GUARANI, BRASIL

RESUMO

Objetivo:

Descrever o perfil clínico e o tratamento realizado nas crianças da etnia Guarani menores de cinco anos hospitalizadas por infecção respiratória aguda baixa (IRAB), residentes em aldeias nos estados do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Sul.

Métodos:

Das 234 crianças, 23 foram excluídas (dados incompletos), sendo analisadas 211. Os dados foram extraídos dos prontuários por meio de formulário. Com base no registro de sibilância e padrão radiológico, a IRAB foi classificada em: bacteriana, viral e viral-bacteriana. Foi utilizada regressão multinomial para análise bivariada.

Resultados:

A mediana de idade foi de 11 meses. Do total da amostra, os casos de IRAB foram assim distribuídos: viral (40,8%), bacteriana (35,1%) e viral-bacteriana (24,1%). Verificou-se que 53,1% das hospitalizações não possuíam evidências clínico-radiológico-laboratoriais que as justificassem. Na análise de regressão multinomial, ao comparar a IRAB bacteriana com a viral-bacteriana, a chance de ter tosse foi 3,1 vezes maior na primeira (intervalos de 95% de confiança - IC95% 1,11-8,70) e de ter tiragem 61,0% menor (Odds Ratio - OR 0,39, IC95% 0,16-0,92). Na comparação da IRAB viral com a viral-bacteriana, a chance de ser do sexo masculino foi 2,2 vezes maior na viral (IC95% 1,05-4,69) e de ter taquipneia, 58,0% menor (OR 0,42, IC95% 0,19-0,92) na mesma categoria.

Conclusões:

Identificou-se maior proporção de processos virais do que processos bacterianos, bem como a presença de infecção viral-bacteriana. A tosse foi um sintoma indicativo de infecção bacteriana, enquanto a tiragem e a taquipneia apontaram infecção viral-bacteriana. Parte da resolubilidade da IRAB não grave ocorreu em âmbito hospitalar; portanto, propõe-se que os serviços priorizem ações que visem à melhoria da assistência à saúde indígena na atenção primária.

Palavras-chave:
Infecções respiratórias; Pneumonia; População indígena; Criança

ABSTRACT

Objective:

To describe the clinical profile and treatment of Brazilian Guarani indigenous children aged less than five years hospitalized for acute lower respiratory infection (ALRI), living in villages in the states from Rio de Janeiro to Rio Grande do Sul.

Methods:

Of the 234 children, 23 were excluded (incomplete data). The analysis was conducted in 211 children. Data were extracted from charts by a form. Based on record of wheezing and x-ray findings, ALRI was classified as bacterial, viral and viral-bacterial. A bivariate analysis was conducted using multinomial regression.

Results:

Median age was 11 months. From the total sample, the ALRI cases were classified as viral (40.8%), bacterial (35.1%) and viral-bacterial (24.1%). It was verified that 53.1% of hospitalizations did not have clinical-radiological-laboratorial evidence to justify them. In the multinomial regression analysis, the comparison of bacterial and viral-bacterial showed the likelihood of having a cough was 3.1 times higher in the former (95%CI 1.11-8.70), whereas having chest retractions was 61.0% lower (OR 0.39, 95%CI 0.16-0.92). Comparing viral with viral-bacterial, the likelihood of being male was 2.2 times higher in the viral (95%CI 1.05-4.69), and of having tachypnea 58.0% lower (OR 0.42, 95%CI 0.19-0.92).

Conclusions:

Higher proportion of viral processes was identified, as well as viral-bacterial co-infections. Coughing was a symptom indicative of bacterial infection, whereas chest retractions and tachypnea showed viral-bacterial ALRI. Part of the resolution of non-severe ALRI still occurs at hospital level; therefore, we concluded that health services need to implement their programs in order to improve indigenous primary care.

Keywords:
Respiratory tract infections; Pneumonia; Indigenous population; Child

INTRODUÇÃO

Mundialmente, as infecções respiratórias agudas (IRAs) são a principal causa de morbimortalidade entre crianças. Nos países em desenvolvimento, as pneumonias - uma das principais infecções respiratórias agudas baixas (IRABs)11. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes brasileiras em pneumonia adquirida na comunidade em pediatria - 2007. J Bras Pneumol. 2007;33:S31-50. - são responsáveis por 20 a 40% das hospitalizações de crianças menores de cinco anos e por 20% das mortes na mesma faixa etária.22. Wardlaw T, Johansson EW, Hodge M, World Health Organization, UNICEF. Pneumonia: the forgotten killer of children. Geneva: WHO; 2006.

Na saúde infantil, as IRABs são representadas principalmente pela pneumonia adquirida na comunidade (PAC)11. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes brasileiras em pneumonia adquirida na comunidade em pediatria - 2007. J Bras Pneumol. 2007;33:S31-50. e pela bronquiolite viral aguda (BVA).33. Sociedade Brasileira de Pediatria. Diretrizes para o manejo da infecção causada pelo vírus sincicial respiratório (VSR). Rio de Janeiro: SBP; 2011. Embora a maioria das IRABs seja causada por vírus, a infecção viral-bacteriana é vista em mais de um quarto das crianças hospitalizadas.44. Michelow IC, Olsen K, Lozano J, Rollins NK, Duffy LB, Ziegler T, et al. Epidemiology and clinical characteristics of community-acquired pneumonia in hospitalized children. Pediatrics. 2004;113:701-7. Em 83 aldeias da etnia Guarani situadas no Sul e no Sudeste do Brasil, a proporção de internação pela mesma causa foi de 77,6% em menores de cinco anos e de 83,4% em menores de um ano.55. Cardoso AM, Coimbra Jr. CE, Tavares FG. Hospital morbidity among Guarani indians in Southeastern and Southern Brazil. Rev Bras Epidemiol. 2010;13:21-34. A elevada prevalência de sibilância encontrada entre crianças Guarani internadas por IRAB66. Souza PG, Cardoso AM, Sant'Anna CC. Prevalência de sibilância e fatores associados em crianças indígenas Guarani hospitalizadas por doença respiratória aguda no Sul e Sudeste do Brasil. Cad Saúde Pública. 2014;30:1427-37. sugere alta frequência da etiologia viral,33. Sociedade Brasileira de Pediatria. Diretrizes para o manejo da infecção causada pelo vírus sincicial respiratório (VSR). Rio de Janeiro: SBP; 2011. bem como de infecção viral-bacteriana.77. O'Grady KF, Chang AB. Lower respiratory in Australian indigenous children. J Paediatr Child Health. 2010;46:461-5.

Nos países em desenvolvimento, devido às dificuldades na realização de exames laboratoriais para identificação dos vírus,88. Sant'Anna CC, D'Elia C. Bronquiolite. In: Benguigui Y, Antuñano FJL, Schumunis G, Yunes J, editors. Infecções respiratórias em crianças. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde; 1998. p.263-81. os critérios clínico-radiológicos são os mais usados para a distinção entre as infecções viral e bacteriana.11. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes brasileiras em pneumonia adquirida na comunidade em pediatria - 2007. J Bras Pneumol. 2007;33:S31-50. Conhecer o perfil das IRABs causadas por diferentes agentes é necessário para formular o tratamento e reduzir o uso desnecessário de antibióticos.99. Esposito S, Zampiero A, Terranova L, Ierardi V, Ascolese B, Daleno C, et al. Pneumococcal bacterial load colonization as a marker of mixed infection in children with alveolar community-acquired pneumonia and respiratory syncytial virus or rhinovirus infection. Pediatr Infect Dis J. 2013;32:1199-204.,1010. Tsolia MN, Psarras S, Bossios A, Audi H, Paldanius M, Gourgiotis D, et al. Etiology of community-acquired pneumonia in hospitalized school-age children: evidence for high prevalence of viral infections. Clin Infect Dis. 2004;39:681-6. Este estudo visou a descrever o perfil clínico e o tratamento realizado nas crianças Guarani hospitalizadas por IRAB no Sul e no Sudeste do Brasil, bem como reunir evidências que auxiliem a presunção de etiologia e a tomada de decisões terapêuticas em contextos com limitados recursos diagnósticos.

MÉTODO

Estudo transversal do perfil clínico e do tratamento de crianças Guarani menores de cinco anos hospitalizadas por IRAB (2007-2008), residentes em 83 aldeias nos estados do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Sul. A atenção primária à saúde indígena é prestada por equipe multidisciplinar de saúde indígena sob a responsabilidade do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, componente do Sistema Único de Saúde (SUS). As hospitalizações são encaminhadas para a rede de serviços do SUS fora das aldeias por meio do Sistema de Referência e Contrarreferência.1111. Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Política nacional de atenção dos povos indígenas. Brasília: Ministério da Saúde; 2002.

As internações foram recrutadas a partir de um sistema de vigilância de um estudo caso-controle,1212. Cardoso AM, Coimbra Jr. CE, Werneck GL. Risk factors for hospital admission due to acute lower respiratory tract infection in Guarani indigenous children in Southern Brazil: a population-based case-control study. Trop Med Int Health. 2013;18:596-607. sendo a extração de dados dos prontuários realizada por meio da aplicação de um formulário padronizado. Detalhes metodológicos estão descritos em outros artigos.55. Cardoso AM, Coimbra Jr. CE, Tavares FG. Hospital morbidity among Guarani indians in Southeastern and Southern Brazil. Rev Bras Epidemiol. 2010;13:21-34.,1212. Cardoso AM, Coimbra Jr. CE, Werneck GL. Risk factors for hospital admission due to acute lower respiratory tract infection in Guarani indigenous children in Southern Brazil: a population-based case-control study. Trop Med Int Health. 2013;18:596-607.

As variáveis são:

  • Demográficas e estações do ano de internação: faixa etária (0 a <2 meses, 2 a 23 meses e 24 a 59 meses), sexo, região de residência (Sul ou Sudeste) e estações do ano (outono, inverno, primavera e verão).

  • Clínicas: complexidade hospitalar no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, categorizada em alta e média com base no maior nível de complexidade existente no hospital.

  • Hipótese diagnóstica (HD) do médico assistente usada para a classificação diagnóstica no estudo, com base nas hipóteses etiológicas: PAC1=IRAB bacteriana, BVA3=IRAB viral e PAC+BVA = IRAB viral-bacteriana.

Sinais e sintomas avaliados: tosse; febre; dispneia; taquipneia; estertores; tiragem; sibilos; sinais de gravidade; presença simultânea de outras doenças, como doença sibilante recorrente - asma ou lactente sibilante, cardiopatia e pneumonia de repetição. A classificação do estado nutricional foi realizada com base no “peso/idade” padronizado em escore Z: peso adequado para a idade (≥escore Z -2 e ≤escore Z +2) e baixo peso para a idade (<escore Z -2). Foram verificadas as evidências clínico-laboratorial-radiológicas usadas para a indicação de hospitalização11. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes brasileiras em pneumonia adquirida na comunidade em pediatria - 2007. J Bras Pneumol. 2007;33:S31-50.,33. Sociedade Brasileira de Pediatria. Diretrizes para o manejo da infecção causada pelo vírus sincicial respiratório (VSR). Rio de Janeiro: SBP; 2011., sendo as laboratoriais baseadas em contagem de leucócitos e bastonetes, anemia (hemoglobina <11 g/dL), saturação periférica de oxigênio (SpO2) e hemocultura. O padrão radiológico foi classificado em:

  • Viral: opacidade intersticial, atelectasia, hiperinsuflação pulmonar.

  • Bacteriano: opacidade alveolar, condensação, derrame pleural, pneumatocele.11. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes brasileiras em pneumonia adquirida na comunidade em pediatria - 2007. J Bras Pneumol. 2007;33:S31-50.

  • Sem descrição.

O tratamento foi avaliado como: antibióticos - dose adequada ao peso, intervalo adequado entre doses, duração recomendada, início da antibioticoterapia em relação à admissão hospitalar (até quatro horas, após quatro horas), troca do antibiótico na hospitalização -, corticoide sistêmico e/ou inalado, nebulização com broncodilatador, oxigenoterapia e adequação do tratamento.11. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes brasileiras em pneumonia adquirida na comunidade em pediatria - 2007. J Bras Pneumol. 2007;33:S31-50.,33. Sociedade Brasileira de Pediatria. Diretrizes para o manejo da infecção causada pelo vírus sincicial respiratório (VSR). Rio de Janeiro: SBP; 2011. Foram ainda avaliadas as variáveis: tempo de hospitalização (1-3 dias, 4-6 dias, 7-14 dias e 15 dias ou mais), reinternação da criança pelo mesmo episódio (até 14 dias pós-alta), complicações e óbito. As variáveis sem registro no prontuário foram definidas como ausentes.

Com base em critérios clínico-radiológicos dos protocolos,11. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes brasileiras em pneumonia adquirida na comunidade em pediatria - 2007. J Bras Pneumol. 2007;33:S31-50.,33. Sociedade Brasileira de Pediatria. Diretrizes para o manejo da infecção causada pelo vírus sincicial respiratório (VSR). Rio de Janeiro: SBP; 2011. a classificação diagnóstica do estudo foi assim estabelecida:

  • IRAB bacteriana: sem registro de sibilância e radiografia de tórax com, pelo menos, uma das seguintes alterações: condensação, infiltrado alveolar, derrame pleural, pneumatocele, sem descrição do laudo ou que não fez o exame.

  • IRAB viral: com registro de sibilância e radiografia de tórax com, pelo menos, um dos seguintes achados: infiltrado intersticial, atelectasia, hiperinsuflação pulmonar, retificação dos arcos costais, sem descrição do laudo ou que não fez o exame. Também é considerado IRAB viral se estiver sem registro de sibilância e radiografia de tórax com, no mínimo, um dos achados: infiltrado intersticial, atelectasia, hiperinsuflação pulmonar ou retificação dos arcos costais.

  • IRAB viral-bacteriana: com registro de sibilância e radiografia de tórax com, pelo menos, um dos achados: condensação, infiltrado alveolar, derrame pleural ou pneumatocele.

A indicação de hospitalização foi avaliada considerando-se a idade, os aspectos clínico-radiológicos e a saturação de oxigênio correspondentes aos critérios para internação de PAC e BVA.11. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes brasileiras em pneumonia adquirida na comunidade em pediatria - 2007. J Bras Pneumol. 2007;33:S31-50.,33. Sociedade Brasileira de Pediatria. Diretrizes para o manejo da infecção causada pelo vírus sincicial respiratório (VSR). Rio de Janeiro: SBP; 2011.

Analisou-se a adequação do tratamento a partir da HD do médico assistente, seguindo as recomendações dos protocolos.11. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes brasileiras em pneumonia adquirida na comunidade em pediatria - 2007. J Bras Pneumol. 2007;33:S31-50.,33. Sociedade Brasileira de Pediatria. Diretrizes para o manejo da infecção causada pelo vírus sincicial respiratório (VSR). Rio de Janeiro: SBP; 2011. Foi avaliada a indicação dos seguintes medicamentos: prescrição do antibiótico, uso do antibiótico empírico como primeira escolha, oxigenoterapia, nebulização com broncodilatador e corticoterapia.

O banco de dados e a análise estatística foram realizados no programa SPSS Statistics versão 21. Na análise descritiva, foram calculados média±desvio padrão (DP) e mediana para as variáveis contínuas, e distribuição de frequências absoluta e relativa para as categóricas. A classificação diagnóstica do estudo foi considerada variável dependente. Procedeu-se à análise da distribuição das variáveis de interesse segundo as categorias de classificação diagnóstica do estudo, utilizando-se o teste do qui-quadrado ou teste exato de Fisher para verificar as diferenças estatisticamente significantes nas distribuições, considerando o nível de significância de 5%, além do cálculo dos respectivos valores de intervalo de confiança de 95% (IC95%).

Posteriormente, realizou-se a análise bivariada por meio de regressão logística multinomial, estimando-se na forma de Odds Ratio (OR) a associação entre as variáveis, sendo considerada a IRAB viral-bacteriana a categoria de referência.

Este subprojeto integra um estudo caso-controle sobre doenças respiratórias agudas nos indígenas Guarani.1212. Cardoso AM, Coimbra Jr. CE, Werneck GL. Risk factors for hospital admission due to acute lower respiratory tract infection in Guarani indigenous children in Southern Brazil: a population-based case-control study. Trop Med Int Health. 2013;18:596-607. O projeto geral foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa.

RESULTADOS

Foram incluídas na presente pesquisa 234 crianças com IRAB, das quais 23 foram excluídas por dados incompletos quanto ao manejo clínico. A análise foi realizada em 211 crianças, sendo a mediana de idade 11 meses (zero a 58 meses), com 75% delas menores de 21 meses.

Do total, 86 (40,8%) foram classificadas com IRAB viral, 74 (35,1%) com bacteriana e 51 (24,1%) com viral-bacteriana. Verificou-se maior frequência de hospitalização no sexo feminino (51,7%), em menores de 24 meses (79,6%), em residentes no Sudeste (67,3%), nos hospitais de alta complexidade (70,1%) e no outono (34,2%), conforme pode ser observado na Tabela 1. O sexo mostrou-se associado significativamente à IRAB, com maior proporção de meninos com IRAB viral. As demais variáveis não foram associadas ao tipo de IRAB (Tabela 1).

Tabela 1:
Frequência de hospitalização e proporção de infecção respiratória aguda baixa, segundo variáveis demográficas e climáticas.

A PAC (167; 79,2%) foi a maior causa de hospitalização. A classificação diagnóstica do estudo não foi compatível com a HD do médico assistente em 54,5% dos casos; 53,1% das hospitalizações não possuíam evidências clínico-radiológico-laboratoriais que as justificassem (Tabela 2). Verificou-se registro de comorbidade em 43,6% das internações, sendo, em sua maioria, por doenças sibilantes recorrentes. O peso adequado para a idade foi verificado em 71,6% das 176 crianças com registro de peso. Taquipneia, dispneia, tiragem, febre, tosse e estertores apresentaram frequências que variaram de 30,8% (tiragem) a 80,1% (tosse), como pode ser verificado na Tabela 2, ao passo que a sibilância foi registrada em 125 (59,2%) prontuários (dados não tabulados). Não ocorreram convulsão, sonolência e estridor; recusa alimentar ou de líquidos teve frequência inferior a 5%, sendo esses dados excluídos da análise.

Tabela 2:
Frequência de hospitalização e proporção de infecção respiratória aguda baixa, segundo variáveis clínicas.

A IRAB mostrou-se associada à compatibilidade entre classificação do estudo e HD do médico, comorbidades, taquipneia, tiragem e tosse. A presença de compatibilidade e tosse foi mais frequente na IRAB bacteriana, enquanto a tiragem foi menos comum nesse grupo. Adicionalmente, o registro de comorbidades e taquipneia foi maior na IRAB viral-bacteriana (Tabela 2).

Dos prontuários analisados, verificou-se ausência de 26 (12,3%) registros de hemograma, 16 (7,6%) radiografias de tórax, 187 (88,6%) hemoculturas e 186 (88,2%) registros de SpO2. Foram excluídas das análises a hemocultura e a SpO2, em decorrência da baixa frequência de registro. A frequência do infiltrado alveolar associado ou não a derrame pleural e/ou pneumatocele foi de 48,2%, infiltrado intersticial associado ou não à atelectasia e/ou à hiperinsuflação pulmonar e/ou à retificação dos arcos costais foi de 20,5%, enquanto 31,3% das radiografias não tinham laudo. Dos 25 registros de SpO2, 13 apresentaram hipoxemia. Duas hemoculturas foram positivas para Staphylococcus aureus - ambos os casos eram IRAB bacteriana. A leucocitose com desvio para esquerda foi registrada em 50,8% das crianças e a anemia, em 68,1% dos casos, porém sem associação com a IRAB.

Foi prescrito antibiótico em 206 (97,6%) hospitalizações, das quais 20 (9,7%) tinham HD do médico de BVA. Verificou-se que 147 (71,4%) crianças tiveram a antibioticoterapia iniciada nas primeiras quatro horas de admissão. A penicilina foi o antibiótico empírico mais usado como primeira escolha (85,9%), seguida das cefalosporinas (12,1%). A dose de antibiótico prescrita foi considerada adequada ao peso da criança em 52,3% das internações (Tabela 3). A via endovenosa foi a mais usada (86,4%) e o intervalo entre as doses foi considerado adequado em 94,2% das prescrições. A troca do primeiro esquema do antibiótico ocorreu em metade das hospitalizações, em média a cada 3,3 dias. Ainda com relação ao tratamento, 201 (95,3%) pacientes fizeram uso de nebulização com broncodilatador, 24 (11,4%) de corticoide inalado, 27 (12,8%) de oxigenoterapia e 145 (68,7%) de corticoide sistêmico. Pouco mais de um terço das crianças teve o conjunto do tratamento considerado adequado com base nos protocolos.

Tabela 3:
Frequência de hospitalização e proporção de infecção respiratória aguda baixa, segundo tratamento e desfecho.

O início do antibiótico, a sua troca, o corticoide e a adequação do tratamento se mostraram associados à IRAB. Houve maior frequência de pacientes com IRAB bacteriana que iniciaram o antibiótico até quatro horas, ao passo que o uso de corticoide foi menor nesse grupo. Por outro lado, ter realizado a troca do antibiótico e feito um tratamento adequado foi mais frequente na IRAB viral-bacteriana (Tabela 3).

A média de tempo de permanência hospitalar foi de 7,8±6,6 dias, com variação de um a 63 dias, sendo que 8,5% das internações permaneceram por menos de três dias e 79,1% por até dez (Tabela 3). Oito crianças foram reinternadas pelo mesmo episódio, duas foram transferidas para tratamento intensivo e uma evoluiu para óbito (classificada com IRAB viral-bacteriana).

Na análise de regressão multinomial, ao comparar a IRAB bacteriana com a viral-bacteriana, na primeira a chance de ter tosse foi 3,1 vezes maior (IC95% 1,11-8,70) e a de ter tiragem, 61,0% menor (OR 0,39, IC95% 0,16-0,92). Na comparação da IRAB viral com a viral-bacteriana, na viral a chance de ser do sexo masculino foi 2,2 vezes maior (IC95% 1,05-4,69) e a de ter taquipneia, 58,0% menor (OR 0,42, IC95% 0,19-0,92), como pode ser observado na Tabela 4.

Tabela 4:
Infecção respiratória aguda baixa e fatores associados, segundo regressão logística multinomial.

DISCUSSÃO

É notória a disparidade na saúde entre povos indígenas e não indígenas,1313. Chang AB, Brown N, Toombs M, Marsh RL, Redding GJ. Lung disease in indigenous children. Paediatr Respir Rev. 2014;15:325-32.,1414. Montenegro RA, Stephens C. Indigenous health in Latin America and the Caribbean. Lancet. 2006;367:1859-69.,1515. Coimbra Jr. CE, Santos RV. Health, minorities and inequality: some webs of inter-relations, emphasizing indigenous peoples in Brazil. Ciênc Saúde Coletiva. 2000;5:125-32. fato que tem sido atribuído, por exemplo, às precárias condições socioeconômicas, à elevada carga de doenças infecciosas e às limitações na continuidade dos seus modos tradicionais de subsistência.1616. Gracey M, King M. Indigenous health part 1: determinants and disease patterns. Lancet. 2009;374:65-75.

O presente estudo identificou maior proporção de presumidos processos virais, bem como aponta a presença da coinfecção viral-bacteriana. Essa parece representar maior gravidade e pior resposta terapêutica, ao passo que os casos de IRAB não combinada viral ou bacteriana impõem um desafio ao diagnóstico e à decisão da conduta terapêutica. A pesquisa traz como contribuição ao tema não só o conhecimento do perfil clínico manifestado por crianças Guarani hospitalizadas com IRAB, mas sobretudo uma proposta de classificação clínico-radiológica da hipótese etiológica.

A IRAB é uma das principais causas de hospitalização de crianças indígenas nos países desenvolvidos77. O'Grady KF, Chang AB. Lower respiratory in Australian indigenous children. J Paediatr Child Health. 2010;46:461-5.,1717. Moore H, Burgner D, Carville K, Jacoby P, Richmond P, Lehmann D. Diverging trends for lower respiratory infections in non-Aboriginal and Aboriginal children. J Paediatr Child Health. 2007;43:451-7. e em desenvolvimento.55. Cardoso AM, Coimbra Jr. CE, Tavares FG. Hospital morbidity among Guarani indians in Southeastern and Southern Brazil. Rev Bras Epidemiol. 2010;13:21-34. No caso das Guarani, nossos resultados indicam alta frequência de internação por IRAB não grave (53,1%), com discreta preponderância da viral em comparação à bacteriana. Uma vez que esses agravos são potencialmente tratáveis na atenção primária,11. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes brasileiras em pneumonia adquirida na comunidade em pediatria - 2007. J Bras Pneumol. 2007;33:S31-50.,33. Sociedade Brasileira de Pediatria. Diretrizes para o manejo da infecção causada pelo vírus sincicial respiratório (VSR). Rio de Janeiro: SBP; 2011. constata-se que a indicação de internação nem sempre é clínica, mas pode resultar de fatores como a dificuldade da família no tratamento domiciliar,11. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes brasileiras em pneumonia adquirida na comunidade em pediatria - 2007. J Bras Pneumol. 2007;33:S31-50. as barreiras linguísticas, as dificuldades na marcação de consulta e na obtenção dos medicamentos e a alta rotatividade de profissionais, bem como a capacitação insuficiente deles para o manejo dos casos.55. Cardoso AM, Coimbra Jr. CE, Tavares FG. Hospital morbidity among Guarani indians in Southeastern and Southern Brazil. Rev Bras Epidemiol. 2010;13:21-34.

Verificou-se maior número de hospitalizações por IRAB viral em crianças menores de 24 meses e do sexo masculino, à semelhança de estudos em populações indígenas da Nova Zelândia1818. Grimwood K, Cohet C, Rich FJ, Cheng S, Wood C, Redshaw N, et al. Risk factors for respiratory syncytial virus bronchiolitis hospital admission in New Zealand. Epidemiol Infect. 2008;136:1333-41. e dos Estados Unidos,1919. Holman RC, Curns AT, Cheek JE, Bresee JS, Singleton RJ, Carver K, et al. Respiratory syncytial virus hospitalizations among American Indian and Alaska Native Infants and the General United States Infant Population. Pediatrics. 2004;114:e437-44.,2020. Lowther SA, Shay DK, Holman RC, Clarke MJ, Kaufman SF, Anderson LJ. Bronchiolitis-associated hospitalizations among American Indian and Alaska Native children. Pediatr Infect Dis J. 2000;19:11-7. bem como em crianças não indígenas.2121. Alvarez AE, Marson FA, Bertuzzo CS, Arns CW, Ribeiro JD. Epidemiological and genetic characteristics associated with the severity of acute viral bronchiolitis by respiratory syncytial virus. J Pediatr (Rio J). 2013;89:531-43. Segundo a literatura, a aglomeração intradomiciliar e a exposição à fumaça do fogão a lenha foram associados ao maior risco de hospitalização por BVA em indígenas.1212. Cardoso AM, Coimbra Jr. CE, Werneck GL. Risk factors for hospital admission due to acute lower respiratory tract infection in Guarani indigenous children in Southern Brazil: a population-based case-control study. Trop Med Int Health. 2013;18:596-607.

Embora a maioria das IRABs seja de etiologia viral,1818. Grimwood K, Cohet C, Rich FJ, Cheng S, Wood C, Redshaw N, et al. Risk factors for respiratory syncytial virus bronchiolitis hospital admission in New Zealand. Epidemiol Infect. 2008;136:1333-41. infecções viral-bacterianas foram verificadas em aproximadamente um quarto das crianças não indígenas hospitalizadas,2222. Cevey-Macherel M, Galetto-Lacour A, Gervaix A, Siegrist C, Bille J, Bescher-Ninet B, et al. Etiology of community-acquired pneumonia in hospitalized children based on WHO clinical guidelines. Eur J Pediatr. 2009;168:1429-36.,2323. Juvén T, Mertsola J, Waris M, Leinonen M, Meurman O, Roivainen M, et al. Etiology of community-acquired pneumonia in 254 hospitalized children. Pediatr Infect Dis J. 2000;19:293-8. assim como no presente trabalho, no qual o número representou 24,1%. Pesquisas com povos indígenas na Austrália77. O'Grady KF, Chang AB. Lower respiratory in Australian indigenous children. J Paediatr Child Health. 2010;46:461-5. reportaram a ocorrência da coinfecção viral-bacteriana em pacientes com IRAB.

Estudos de etiologia de PAC em população não indígena relataram frequência de infecção viral-bacteriana em 30 a 66% dos casos.2222. Cevey-Macherel M, Galetto-Lacour A, Gervaix A, Siegrist C, Bille J, Bescher-Ninet B, et al. Etiology of community-acquired pneumonia in hospitalized children based on WHO clinical guidelines. Eur J Pediatr. 2009;168:1429-36.,2424. Oliveira JR. Etiologia da pneumonia adquirida na comunidade em crianças hospitalizadas, com ênfase em derrame pleural [master's thesis]. Bahia: Universidade Federal da Bahia; 2012. Nas coinfecções, é comum o S. pneumoniae estar associado ao rinovírus humano1010. Tsolia MN, Psarras S, Bossios A, Audi H, Paldanius M, Gourgiotis D, et al. Etiology of community-acquired pneumonia in hospitalized school-age children: evidence for high prevalence of viral infections. Clin Infect Dis. 2004;39:681-6.,2323. Juvén T, Mertsola J, Waris M, Leinonen M, Meurman O, Roivainen M, et al. Etiology of community-acquired pneumonia in 254 hospitalized children. Pediatr Infect Dis J. 2000;19:293-8.,2525. Honkinen M, Lahti E, Österback R, Ruuskanen O, Waris M. Viruses and bacteria in sputum samples of children with community-acquired pneumonia. Clin Microbiol Infect. 2012;18:300-7. ou ao vírus sincicial respiratório.1010. Tsolia MN, Psarras S, Bossios A, Audi H, Paldanius M, Gourgiotis D, et al. Etiology of community-acquired pneumonia in hospitalized school-age children: evidence for high prevalence of viral infections. Clin Infect Dis. 2004;39:681-6.,2323. Juvén T, Mertsola J, Waris M, Leinonen M, Meurman O, Roivainen M, et al. Etiology of community-acquired pneumonia in 254 hospitalized children. Pediatr Infect Dis J. 2000;19:293-8. Nos casos aqui relatados, essa análise não foi realizada pela ausência de exames para pesquisa de vírus respiratórios, além da baixa solicitação de hemocultura.

Tosse, tiragem e taquipneia foram associadas com IRAB, confirmando a sua importância no diagnóstico.11. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes brasileiras em pneumonia adquirida na comunidade em pediatria - 2007. J Bras Pneumol. 2007;33:S31-50.,33. Sociedade Brasileira de Pediatria. Diretrizes para o manejo da infecção causada pelo vírus sincicial respiratório (VSR). Rio de Janeiro: SBP; 2011. A tosse foi associada à IRAB bacteriana, demonstrando ser um sintoma indicativo de infecção bacteriana,11. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes brasileiras em pneumonia adquirida na comunidade em pediatria - 2007. J Bras Pneumol. 2007;33:S31-50. enquanto tiragem e taquipneia estiveram associadas à IRAB viral-bacteriana. Uma vez que a tiragem e a taquipneia são achados presentes também na IRAB bacteriana,11. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes brasileiras em pneumonia adquirida na comunidade em pediatria - 2007. J Bras Pneumol. 2007;33:S31-50. a valorização desses dados clínicos acrescidos da sibilância auxiliaria no diagnóstico clínico diferencial entre IRAB bacteriana e viral-bacteriana.11. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes brasileiras em pneumonia adquirida na comunidade em pediatria - 2007. J Bras Pneumol. 2007;33:S31-50.,33. Sociedade Brasileira de Pediatria. Diretrizes para o manejo da infecção causada pelo vírus sincicial respiratório (VSR). Rio de Janeiro: SBP; 2011.

A radiografia de tórax, o hemograma, a hemocultura e a SpO2 são recomendados às crianças com PAC que necessitam de hospitalização.11. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes brasileiras em pneumonia adquirida na comunidade em pediatria - 2007. J Bras Pneumol. 2007;33:S31-50. Apesar de quase 80% das internações terem sido por PAC, notou-se que nem todas as pacientes realizaram tais exames. Tal fato pode refletir dificuldades operacionais nas unidades de saúde ou mesmo o conhecimento insuficiente a respeito dos protocolos.11. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes brasileiras em pneumonia adquirida na comunidade em pediatria - 2007. J Bras Pneumol. 2007;33:S31-50. O padrão radiológico foi, em sua maioria, de infiltrado alveolar associado ou não a derrame pleural e/ou pneumatocele. Tendo em vista a alta frequência de sibilância nessa população, o que sugere a existência de obstrução brônquica e a possibilidade desses casos evoluírem para atelectasia, especula-se a possibilidade de equívoco diagnóstico radiológico entre o infiltrado alveolar e o intersticial e/ou atelectasia, superestimando o diagnóstico de PAC.11. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes brasileiras em pneumonia adquirida na comunidade em pediatria - 2007. J Bras Pneumol. 2007;33:S31-50.

Crianças com suspeita de infecção viral usaram antibiótico, nebulização com broncodilatador e corticoides de forma aparentemente pouco criteriosa. Antibióticos e corticoides não são recomendados na BVA, e o uso de broncodilatadores é controverso, sendo usado como prova terapêutica e mantido na presença de resposta clínica.33. Sociedade Brasileira de Pediatria. Diretrizes para o manejo da infecção causada pelo vírus sincicial respiratório (VSR). Rio de Janeiro: SBP; 2011. Tal conduta pode ser atribuída à dificuldade de se diferenciar IRAB bacteriana de viral11. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes brasileiras em pneumonia adquirida na comunidade em pediatria - 2007. J Bras Pneumol. 2007;33:S31-50.,2626. Virkki R, Juven T, Rikalainen H, Svedström E, Mertsola J, Ruuskanen O. Differentiation of bacterial and viral pneumonia in children. Thorax. 2002;57:438-41. e à ausência de uma equipe médica de rotina. Essa última hipótese poderia explicar a troca do antibiótico empírico em metade das hospitalizações, apesar da sua aparente adequação inicial.

O tempo médio de hospitalização foi mais prolongado do que em crianças não indígenas, em concordância com alguns estudos,2727. Burgner D, Richmond P. The burden of pneumonia in children: an Australian perspective. Paediatr Respir Rev. 2005;6:94-100. o que faz pensar que, na ausência da gravidade clínica11. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes brasileiras em pneumonia adquirida na comunidade em pediatria - 2007. J Bras Pneumol. 2007;33:S31-50. para alta hospitalar, outros fatores devem ser valorizados. É o caso da desnutrição, que pode causar queda da imunidade; da moradia em aldeias indígenas em áreas de difícil acesso; da falta de veículo do serviço público destinado ao transporte de pacientes e da falta de infraestrutura na atenção primária para dar continuidade ao tratamento.2828. Brasil. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. A integração da saúde indígena no SUS: uma proposta da Gestão Estadual. Nota Técnica. Brasília: CONASS; 2014.

Houve limitações inerentes a um estudo com base em dados secundários, tais como os registros incompletos nos prontuários, o que impossibilitou algumas análises. Esse fato indica a necessidade do aperfeiçoamento nos registros hospitalares a fim de aprimorar o cuidado assistencial pela equipe e a oferta de informações acerca da utilização e da qualidade dos serviços, contribuindo para as avaliações das políticas de saúde, estratégias médico-assistenciais e pesquisas.2929. Bittencourt SA, Camacho LA, Leal MC. O Sistema de informação hospitalar e sua aplicação na saúde coletiva. Cad Saúde Pública. 2006;22:19-30. Além disso, a classificação de IRAB adotada neste estudo é passível de críticas, uma vez que foi realizada de maneira arbitrada, sem a devida comprovação etiológica dos casos.

Esta pesquisa sugere que parte da resolubilidade dos casos de IRAB não grave nas crianças Guarani ainda ocorre no âmbito hospitalar. Tal modelo se contrapõe às diretrizes da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas1111. Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Política nacional de atenção dos povos indígenas. Brasília: Ministério da Saúde; 2002. e à Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança;3030. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 1.130, 5 de agosto de 2015. Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) [Internet]. Brasília: Diário Oficial da União; 2015 [citado em 23 de fevereiro de 2017]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2015/prt1130_05_08_2015.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
ambas têm por base uma proposta de atenção integral à saúde, norteada por princípios que visam não só à cura de doenças, mas também à prevenção e à promoção da saúde da criança.

Propõe-se que os serviços destinados ao atendimento dessas populações priorizem ações que tenham por objetivo a melhoria da assistência na atenção primária nas aldeias, levando a uma redução nas taxas de hospitalização. Por outro lado, no âmbito hospitalar, indica-se a necessidade de criar rotinas médicas acompanhadas de capacitação profissional contínua e uma boa articulação entre os níveis de atenção, por meio de um sistema de referência e contrarreferência eficiente.

Somado a isso, considera-se oportuna a realização de estudos que tenham como propósito aprofundar a identificação dos agentes causais das IRABs em populações indígenas, a fim de subsidiar programas adequados na saúde infantil.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Professor Ronir Raggio Luiz (Bioestalística NESC/UFRJ) por sugestões e ajuda no planejamento estatístico.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes brasileiras em pneumonia adquirida na comunidade em pediatria - 2007. J Bras Pneumol. 2007;33:S31-50.
  • 2
    Wardlaw T, Johansson EW, Hodge M, World Health Organization, UNICEF. Pneumonia: the forgotten killer of children. Geneva: WHO; 2006.
  • 3
    Sociedade Brasileira de Pediatria. Diretrizes para o manejo da infecção causada pelo vírus sincicial respiratório (VSR). Rio de Janeiro: SBP; 2011.
  • 4
    Michelow IC, Olsen K, Lozano J, Rollins NK, Duffy LB, Ziegler T, et al. Epidemiology and clinical characteristics of community-acquired pneumonia in hospitalized children. Pediatrics. 2004;113:701-7.
  • 5
    Cardoso AM, Coimbra Jr. CE, Tavares FG. Hospital morbidity among Guarani indians in Southeastern and Southern Brazil. Rev Bras Epidemiol. 2010;13:21-34.
  • 6
    Souza PG, Cardoso AM, Sant'Anna CC. Prevalência de sibilância e fatores associados em crianças indígenas Guarani hospitalizadas por doença respiratória aguda no Sul e Sudeste do Brasil. Cad Saúde Pública. 2014;30:1427-37.
  • 7
    O'Grady KF, Chang AB. Lower respiratory in Australian indigenous children. J Paediatr Child Health. 2010;46:461-5.
  • 8
    Sant'Anna CC, D'Elia C. Bronquiolite. In: Benguigui Y, Antuñano FJL, Schumunis G, Yunes J, editors. Infecções respiratórias em crianças. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde; 1998. p.263-81.
  • 9
    Esposito S, Zampiero A, Terranova L, Ierardi V, Ascolese B, Daleno C, et al. Pneumococcal bacterial load colonization as a marker of mixed infection in children with alveolar community-acquired pneumonia and respiratory syncytial virus or rhinovirus infection. Pediatr Infect Dis J. 2013;32:1199-204.
  • 10
    Tsolia MN, Psarras S, Bossios A, Audi H, Paldanius M, Gourgiotis D, et al. Etiology of community-acquired pneumonia in hospitalized school-age children: evidence for high prevalence of viral infections. Clin Infect Dis. 2004;39:681-6.
  • 11
    Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Política nacional de atenção dos povos indígenas. Brasília: Ministério da Saúde; 2002.
  • 12
    Cardoso AM, Coimbra Jr. CE, Werneck GL. Risk factors for hospital admission due to acute lower respiratory tract infection in Guarani indigenous children in Southern Brazil: a population-based case-control study. Trop Med Int Health. 2013;18:596-607.
  • 13
    Chang AB, Brown N, Toombs M, Marsh RL, Redding GJ. Lung disease in indigenous children. Paediatr Respir Rev. 2014;15:325-32.
  • 14
    Montenegro RA, Stephens C. Indigenous health in Latin America and the Caribbean. Lancet. 2006;367:1859-69.
  • 15
    Coimbra Jr. CE, Santos RV. Health, minorities and inequality: some webs of inter-relations, emphasizing indigenous peoples in Brazil. Ciênc Saúde Coletiva. 2000;5:125-32.
  • 16
    Gracey M, King M. Indigenous health part 1: determinants and disease patterns. Lancet. 2009;374:65-75.
  • 17
    Moore H, Burgner D, Carville K, Jacoby P, Richmond P, Lehmann D. Diverging trends for lower respiratory infections in non-Aboriginal and Aboriginal children. J Paediatr Child Health. 2007;43:451-7.
  • 18
    Grimwood K, Cohet C, Rich FJ, Cheng S, Wood C, Redshaw N, et al. Risk factors for respiratory syncytial virus bronchiolitis hospital admission in New Zealand. Epidemiol Infect. 2008;136:1333-41.
  • 19
    Holman RC, Curns AT, Cheek JE, Bresee JS, Singleton RJ, Carver K, et al. Respiratory syncytial virus hospitalizations among American Indian and Alaska Native Infants and the General United States Infant Population. Pediatrics. 2004;114:e437-44.
  • 20
    Lowther SA, Shay DK, Holman RC, Clarke MJ, Kaufman SF, Anderson LJ. Bronchiolitis-associated hospitalizations among American Indian and Alaska Native children. Pediatr Infect Dis J. 2000;19:11-7.
  • 21
    Alvarez AE, Marson FA, Bertuzzo CS, Arns CW, Ribeiro JD. Epidemiological and genetic characteristics associated with the severity of acute viral bronchiolitis by respiratory syncytial virus. J Pediatr (Rio J). 2013;89:531-43.
  • 22
    Cevey-Macherel M, Galetto-Lacour A, Gervaix A, Siegrist C, Bille J, Bescher-Ninet B, et al. Etiology of community-acquired pneumonia in hospitalized children based on WHO clinical guidelines. Eur J Pediatr. 2009;168:1429-36.
  • 23
    Juvén T, Mertsola J, Waris M, Leinonen M, Meurman O, Roivainen M, et al. Etiology of community-acquired pneumonia in 254 hospitalized children. Pediatr Infect Dis J. 2000;19:293-8.
  • 24
    Oliveira JR. Etiologia da pneumonia adquirida na comunidade em crianças hospitalizadas, com ênfase em derrame pleural [master's thesis]. Bahia: Universidade Federal da Bahia; 2012.
  • 25
    Honkinen M, Lahti E, Österback R, Ruuskanen O, Waris M. Viruses and bacteria in sputum samples of children with community-acquired pneumonia. Clin Microbiol Infect. 2012;18:300-7.
  • 26
    Virkki R, Juven T, Rikalainen H, Svedström E, Mertsola J, Ruuskanen O. Differentiation of bacterial and viral pneumonia in children. Thorax. 2002;57:438-41.
  • 27
    Burgner D, Richmond P. The burden of pneumonia in children: an Australian perspective. Paediatr Respir Rev. 2005;6:94-100.
  • 28
    Brasil. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. A integração da saúde indígena no SUS: uma proposta da Gestão Estadual. Nota Técnica. Brasília: CONASS; 2014.
  • 29
    Bittencourt SA, Camacho LA, Leal MC. O Sistema de informação hospitalar e sua aplicação na saúde coletiva. Cad Saúde Pública. 2006;22:19-30.
  • 30
    Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 1.130, 5 de agosto de 2015. Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) [Internet]. Brasília: Diário Oficial da União; 2015 [citado em 23 de fevereiro de 2017]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2015/prt1130_05_08_2015.html
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2015/prt1130_05_08_2015.html
  • Financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Brasil. Edital MCT-CNPq/MS-SCTIE-DECIT nº 26/2006 (Processo nº 409677/2006-0).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Mar 2018
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    01 Abr 2017
  • Aceito
    22 Jun 2017
Sociedade de Pediatria de São Paulo R. Maria Figueiredo, 595 - 10o andar, 04002-003 São Paulo - SP - Brasil, Tel./Fax: (11 55) 3284-0308; 3289-9809; 3284-0051 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rpp@spsp.org.br