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ALIMENTAÇÃO DE CRIANÇAS NOS PRIMEIROS DOIS ANOS DE VIDA

RESUMO

Objetivo:

Avaliar a frequência do aleitamento materno e a introdução da alimentação complementar em crianças de zero a 24 meses.

Métodos:

Estudo transversal de base populacional, composto por amostra representativa de crianças menores de 24 meses da cidade de Montes Claros, Minas Gerais. A coleta de dados foi realizada em 2015 por meio de entrevista, realizada nos domicílios dos participantes, com os responsáveis pelas crianças. Aplicou-se um questionário para avaliar a situação sociodemográfica da família, as características materno-infantis e o consumo alimentar. A análise de sobrevivência foi utilizada para calcular a prevalência e a duração mediana dos padrões de aleitamento materno e introdução da alimentação complementar.

Resultados:

Ao completarem 180 dias de vida, 4,0% das crianças estavam em aleitamento materno exclusivo, 22,4%, em aleitamento materno predominante, e 43,4%, em aleitamento materno complementar. As crianças já recebiam água (56,8%), suco natural/fórmula infantil (15,5%) e leite de vaca (10,6%) no terceiro mês de vida. Aos 12 meses de idade, o suco artificial foi oferecido para 31,1% das crianças e 50,0% já consumiam doces. E antes de completar um ano de idade, 25,0% das crianças já haviam consumido macarrão instantâneo.

Conclusões:

A introdução da alimentação complementar mostrou-se precoce para líquidos, mel, açúcar e guloseimas, próxima da adequação para alimentos sólidos e semissólidos, o que pode afetar diretamente o sucesso do aleitamento materno. As práticas alimentares inadequadas identificadas são capazes de comprometer a saúde da criança; por isso, ressalta-se a importância de realizar ações para a promoção do aleitamento materno acompanhadas de orientações para a introdução da alimentação complementar.

Palavras-chave:
Aleitamento materno; Alimentação complementar; Nutrição infantil

ABSTRACT

Objective:

To analyze the prevalence of breastfeeding and the introduction of complementary food for zero to 24-month-old infants.

Methods:

This is a population-based cross-sectional study of children aged less than 24 months in Montes Claros, Minas Gerais, Brazil. Data were collected in 2015, by interviews with people in charge of infant care in the house. The questionnaire administered assessed the sociodemographic status of the family, maternal and infant characteristics and food consumption habits. Survival analysis was used to calculate median prevalence and duration of breastfeeding and the introduction of complementary feeding.

Results:

With 180 days of life, 4.0% of the children were exclusively breastfed, 22.4% were mostly breastfed and 43.4% were fed breast milk as complementary food. In the third month of life, children were consuming water (56.8%), fruit juice or formula (15.5%) and cow’s milk (10.6%). At the age of 12 months, 31.1% were consuming artificial juice and 50.0% were eating candies. Before the age of 1 year, 25.0% of them had already eaten instant noodles.

Conclusions:

The introduction of drinks, honey, sugar and candies as complementary food was found to be premature; and solid and semi-solid foods were almost appropriate. The habits described can directly affect the success of breastfeeding. Given that the inadequate eating practices identified can compromise the infant’s health, actions that promote breastfeeding and provide guidance on the introduction of complementary foods are important.

Keywords:
Breast Feeding; Supplementary Feeding; Infant nutrition

INTRODUÇÃO

Os primeiros anos de vida de uma criança são caracterizados por rápida velocidade de crescimento e desenvolvimento, tendo a alimentação um papel fundamental para assegurar que tais fenômenos ocorram de forma adequada.11. Bhutta ZA, Ahmed T, Black RE, Cousens S, Dewey K, Giugliani, et al. What works? Interventions for maternal and child undernutrition and survival. Lancet. 2008;371:417-40.,22. World Health Organization. Essential nutrition actions: improving maternal, newborn, infant and young child health and nutrition. Geneva: WHO; 2013. A qualidade e a quantidade de alimentos consumidos pela criança são aspectos críticos e têm repercussões ao longo de toda a vida, associando-se ao perfil de saúde e nutrição, já que a infância é um dos estágios da vida biologicamente mais vulnerável às deficiências e aos distúrbios nutricionais.33. Walker SP, Wachs TD, Gardner JM, Lozoff B, Wasserman GA, Pollitt E, et al. Child development: risk factors for adverse outcomes in developing countries. Lancet. 2007;369:145-57.,44. Cunha AJ, Leite AJ, Almeida IS. The pediatrician's role in the first thousand days of the child: the pursuit of healthy nutrition and development. J Pediatr (Rio J). 2015;91:S44-51.,55. Victora CG, Bahnl R, Barros AJ, França GV, Horton S, Murch S, et al. Breastfeeding in the 21st century: epidemiology, mechanisms, and lifelong effect. Lancet. 2016;387:475-90.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a criança seja alimentada exclusivamente com o leite materno até os seis meses de idade,66. Kramer MS, Kakuma R. The optimal duration of exclusive breastfeeding: a systematic review. Geneva: WHO; 2002. o que tem impacto positivo na sobrevida e na saúde nessa fase e na vida adulta.55. Victora CG, Bahnl R, Barros AJ, França GV, Horton S, Murch S, et al. Breastfeeding in the 21st century: epidemiology, mechanisms, and lifelong effect. Lancet. 2016;387:475-90.,77. Horta BL, Victora CG. Long-term effects of breastfeeding: a systematic review. Geneva: WHO; 2013. Crianças submetidas ao aleitamento materno exclusivo (AME) durante os seis primeiros meses de idade têm menos chances de desenvolver doenças crônicas não transmissíveis na infância, adolescência e vida adulta.77. Horta BL, Victora CG. Long-term effects of breastfeeding: a systematic review. Geneva: WHO; 2013. O leite materno contém energia e nutrientes adequados ao grau de maturidade fisiológica do lactente, além de fatores de proteção contra doenças, o que o torna ideal para os primeiros meses de vida.55. Victora CG, Bahnl R, Barros AJ, França GV, Horton S, Murch S, et al. Breastfeeding in the 21st century: epidemiology, mechanisms, and lifelong effect. Lancet. 2016;387:475-90.,77. Horta BL, Victora CG. Long-term effects of breastfeeding: a systematic review. Geneva: WHO; 2013. A partir dos seis meses deve-se dar início à alimentação complementar, uma vez que a quantidade e a composição do leite materno já não são suficientes para atender às necessidades nutricionais da criança.88. ESPGHAN Committee on Nutrition, Agostini C, Decsi T, Fewtrell M, Goulet O, Kolacek S, et al. Medical position paper - complementary feeding: a commentary by the ESPGHAN Committee on Nutrition. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2008;46:99-110.

A introdução inadequada de alimentos à dieta do lactente pode resultar em consequências danosas para a saúde, principalmente quando a oferta é realizada antes do completo desenvolvimento fisiológico.11. Bhutta ZA, Ahmed T, Black RE, Cousens S, Dewey K, Giugliani, et al. What works? Interventions for maternal and child undernutrition and survival. Lancet. 2008;371:417-40. Quanto ao aspecto nutricional, é desfavorável, pois aumenta o risco de contaminação e reações alérgicas, interfere na absorção de nutrientes importantes do leite materno e implica em risco de desmame precoce. Por outro lado, a iniciação tardia de alimentos é desvantajosa, na medida em que a partir do sexto mês o leite materno não mais atende às necessidades energéticas da criança, levando à desaceleração do crescimento e aumentando o risco de deficiência de nutrientes.88. ESPGHAN Committee on Nutrition, Agostini C, Decsi T, Fewtrell M, Goulet O, Kolacek S, et al. Medical position paper - complementary feeding: a commentary by the ESPGHAN Committee on Nutrition. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2008;46:99-110.

Existem poucos estudos no Brasil sobre o padrão de introdução da alimentação complementar com amostras probabilísticas de crianças99. Mello CS, Barros KV, Morais MB. Brazilian infant and preschool children feeding: literature review. J Pediatr (Rio J). 2016;92:451-63 nas diferentes regiões do país e que avaliem a sobrevida livre de alimentos inadequados. Este estudo teve o objetivo de avaliar a frequência do aleitamento materno e a introdução da alimentação complementar em crianças de zero a 24 meses.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa de corte transversal de base populacional realizada no ano de 2015 em Montes Claros, Minas Gerais, principal polo urbano da região norte do Estado. A população-alvo foi composta por crianças com menos de 24 meses residentes na área urbana da cidade-sede do estudo.

O tamanho da amostra foi fixado com base em uma estimativa conservadora de 50% para a prevalência do evento estudado (desmame precoce), considerando-se um erro de 5% e fator de correção para o desenho amostral (“deff”) igual a 1,5. Estabeleceu-se ainda um acréscimo de 10% para compensar possíveis perdas. Os cálculos evidenciaram a necessidade de participação de, no mínimo, 427 indivíduos.

Foi utilizada amostra probabilística de domicílios particulares permanentes (DPP) da zona urbana, selecionada em dois estágios (setor censitário e quadras). No primeiro, foram escolhidos, de forma sistemática, 64 setores censitários dentre os 385 que constam na Base Operacional Geográfica (BOG) de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No segundo, em cada setor censitário foram selecionadas, aleatoriamente, as quadras que seriam visitadas, incluindo, na coleta de dados, todas as crianças dos domicílios com menos de 24 meses. Quando a residência selecionada não contava com crianças na faixa etária do estudo, realizava-se nova seleção de casas, seguindo a ordem do sorteio prévio.

Uma equipe devidamente treinada e calibrada coletou os dados por meio de entrevistas com os responsáveis pelas crianças nos próprios domicílios. O instrumento de coleta de dados incluía questões sobre a situação sociodemográfica da família (idade e cor da pele materna, escolaridade e ocupação da mãe, estado conjugal, renda familiar e paridade), além de informações sobre o início do pré-natal, tipo de parto, características da criança (sexo, peso ao nascer), participação dela em programas de suplementação alimentar (vitamina A e sulfato ferroso) e análise do consumo alimentar (consumo e frequência de leite materno, leite de vaca, fórmula infantil, cereais, açúcar, mel, achocolatado, frutas, suco de frutas, suco artificial, vegetais, feijão, carne, macarrão instantâneo e guloseimas).

Para a avaliação do aleitamento materno, a terminologia empregada neste texto foi a proposta pela OMS:

  • AME: uso do leite humano como único alimento para a criança.

  • Aleitamento materno predominante (AMP): uso do leite humano como principal fonte de nutrição, permitindo a utilização de outros líquidos (água, sucos ou chás).

  • Alimentação complementar: utilização do leite humano associado a outros alimentos, lácteos ou não, sólidos ou líquidos.

  • Desmame precoce: introdução de alimentação complementar antes de seis meses de vida, com a interrupção do AME ou predominante antes desse período.

Para a caracterização da amostra, utilizou-se estatística descritiva com valores de frequência absoluta (n) e percentual (%). Na descrição das proporções, calculou-se o intervalo de confiança de 95% (IC95%), e para analisar o aleitamento materno e a introdução alimentar, foram elaboradas curvas de sobrevida. O tratamento estatístico das informações foi realizado com o programa computacional Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 11.0.

Este estudo respeitou os preceitos éticos, sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros, pelo parecer número 473.371.

RESULTADOS

A partir do conjunto de domicílios visitados foram alcançadas informações referentes a 545 crianças. O índice de perdas foi mínimo. Quanto à idade das mães, 48,5% (IC95% 43,9-52,3) tinham de 25 a 34 anos, 49,5% (IC95% 45,4-53,7) referiam cor da pele parda, 77,1% (IC95% 73,3-80,4) eram casadas e/ou viviam em união estável e 26,2% (IC95% 22,2-29,5) estudaram até o ensino fundamental. Mais da metade das mães entrevistadas (54,7%) vivia com renda familiar inferior a dois salários mínimos (IC95% 41,7-50,1), conforme consta na Tabela 1. Com relação às variáveis relacionadas à saúde materna e infantil, observaram-se maiores frequências de início de pré-natal antes de 14 semanas de gestação (78,5%; IC95% 72,0-79,2), parto normal (57,7%; IC95% 53,1-61,3), criança do sexo masculino (53,9%; IC95% 49,6-57,9) e peso ao nascer ≥ que 2500g (90,5%; IC95% 7,3-12,3). A maior parte das crianças fazia acompanhamento das condições de saúde em serviço público (73,8%; IC95% 69,9-77,3), o que pode ser verificado na Tabela 2.

Tabela 1:
Características socioeconômicas e demográficas da população de crianças menores de 24 meses. Montes Claros (MG), 2015.
Tabela 2:
Características relacionadas à saúde materna e infantil da população de crianças menores de 24 meses. Montes Claros (MG), 2015.

Na análise da participação da criança em programas de suplementação alimentar de sulfato ferroso e de vitamina A, preconizados pelo Ministério da Saúde, observaram-se índices de 61,0% (IC95% 8,8-14,1) e 67,0% (IC95% 9,8-15,3), respectivamente.

A Figura 1 apresenta as curvas de sobrevida do aleitamento materno para os seis primeiros meses de vida. Ao completarem 180 dias, 4,0% das crianças recebiam AME, 22,4%, AMP, e 43,4%, aleitamento materno complementar (AMC).

Figura 1:
Função de sobrevida para aleitamento materno, aleitamento materno predominante e aleitamento materno exclusivo da população de crianças menores de 24 meses. Montes Claros (MG), 2015.

Já a Figura 2 mostra a época da introdução dos três grandes grupos alimentares entre as crianças do estudo. Na análise de oferta de líquidos, no terceiro mês de vida, elas já recebiam água (56,8%), suco natural/fórmula infantil (15,5%) e leite de vaca (10,6%). O suco artificial foi oferecido para 31,1% dos participantes da pesquisa aos 12 meses de idade.

Figura 2:
Função de sobrevida para introdução de alimentação complementar: (A) líquidos; (B) alimentos sólidos e semissólidos e (C) guloseimas da população de crianças menores de 24 meses. Montes Claros (MG), 2015.

Com relação aos alimentos sólidos e semissólidos, os cereais, vegetais, feijão e carne foram introduzidos aos seis meses de idade em aproximadamente metade das crianças. Já as frutas foram oferecidas mais cedo, a 45,0% dos participantes, aos cinco meses de vida. Antes de completar um ano, 25,0% já haviam consumido macarrão instantâneo.

Quanto à análise do consumo de guloseimas, observou-se que aproximadamente metade das crianças já havia ingerido doces (pirulitos, balas e caramelos) antes de um ano de vida. Nesse mesmo período, o açúcar e o achocolatado foram introduzidos para aproximadamente 30,0% das crianças, enquanto 10,0% provaram mel pela primeira vez.

DISCUSSÃO

Neste estudo de base populacional, foi possível identificar o consumo alimentar de crianças menores de 24 meses no município de Montes Claros, Minas Gerais. No período de AME, as crianças já recebiam água e leite não materno e, na introdução da alimentação complementar, a oferta de guloseimas ocorreu precocemente. Esses resultados refletem a necessidade da implantação de políticas públicas, considerando que ações de promoção da alimentação saudável na infância repercutem no perfil de saúde da população.33. Walker SP, Wachs TD, Gardner JM, Lozoff B, Wasserman GA, Pollitt E, et al. Child development: risk factors for adverse outcomes in developing countries. Lancet. 2007;369:145-57.,44. Cunha AJ, Leite AJ, Almeida IS. The pediatrician's role in the first thousand days of the child: the pursuit of healthy nutrition and development. J Pediatr (Rio J). 2015;91:S44-51.,55. Victora CG, Bahnl R, Barros AJ, França GV, Horton S, Murch S, et al. Breastfeeding in the 21st century: epidemiology, mechanisms, and lifelong effect. Lancet. 2016;387:475-90.

A Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS)1010. Brasil. Ministério da Saúde. Centro brasileiro de análise e planejamento. PNDS 2006: pesquisa nacional de demografia e saúde da criança e da mulher. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. avaliou as tendências de amamentação no país e identificou a prevalência de 13,2% de AMP em crianças com menos de seis meses. Resultados similares também foram obtidos em um estudo no Estado do Paraná,1111. Saldan PC, Venancio SI, Saldiva SR, Pina JC, Mello DF. Breastfeeding practices of children under two years of age based on World Health Organization indicators. Rev Nutr. 2015;28:409-20. em que a prevalência de AMP nessa faixa etária foi de 11,1%. Entre as crianças do município pesquisado, a prática de AMP superou essas estimativas (22,4%), refletindo piores índices de AME. O resultado demonstra que embora todas as mães amamentassem os seus filhos, poucas o fizeram de modo exclusivo até os seis meses.

A frequência de AMC neste estudo foi semelhante à observada em uma pesquisa nacional prévia, que aponta essa prática em 40,1% das crianças com menos de seis meses. Ele reflete, quase sempre, a introdução precoce de outros tipos de leite na alimentação infantil em detrimento do AME.1212. Bortolini GA, Vitolo MR, Gubert MB, Santos LM. Early cow's milk consumption among Brazilian children: results of a national survey. J Pediatr (Rio J). 2013;89:608-13.

A oferta de alimentos antes dos seis meses de vida ocasiona prejuízos à saúde infantil. Entretanto, muitas mães acreditam que líquidos, como sucos e outros leites, são complementares ao leite materno, oferecendo mais energia e nutrientes aos lactentes.1313. Schincaglia RM, Oliveira AC, Sousa LM, Martins KA. Feeding practices and factors associated with early introduction of complementary feeding of children aged under six months in the northwest region of Goiânia, Brazil. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24:465-74.

Nessa população, verificou-se que as crianças eram expostas a leites não maternos aos três meses de idade. Os achados estão em consonância com os resultados dos estudos de Bortolini et al.,1212. Bortolini GA, Vitolo MR, Gubert MB, Santos LM. Early cow's milk consumption among Brazilian children: results of a national survey. J Pediatr (Rio J). 2013;89:608-13. Schincaglia et al.1313. Schincaglia RM, Oliveira AC, Sousa LM, Martins KA. Feeding practices and factors associated with early introduction of complementary feeding of children aged under six months in the northwest region of Goiânia, Brazil. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24:465-74. e Coelho et al.,1414. Coelho LC, Asakura L, Sachs A, Erbert I, Novaes CR, Gimeno SG. Food and Nutrition Surveillance System/SISVAN: getting to know the feeding habits of infants under 24 months of age. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20:727-38. que verificaram que o consumo de outros leites é elevado em crianças com menos de seis meses; as que estão em aleitamento materno não precisam receber outros leites ou produtos lácteos.1212. Bortolini GA, Vitolo MR, Gubert MB, Santos LM. Early cow's milk consumption among Brazilian children: results of a national survey. J Pediatr (Rio J). 2013;89:608-13.

A complementação do leite materno com líquidos não nutritivos, como água e chás, não é uma prática recomendada antes dos seis meses de idade. Em um estudo realizado na região Sudeste1515. Audi CA, Correa AM, Latorre MR. Complementary feeding and factors associated to breast-feeding and exclusive breast-feeding among infant up to 12 months of age, Itapira, São Paulo, 1999. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2001;3:85-93. constatou-se que, aos 90 dias de vida, 23,6% das crianças ingeriam água. Estimativas mais elevadas foram observadas no presente estudo, com quase o dobro já fazendo uso de água na mesma faixa etária. O consumo precoce de alimentos diferentes do leite materno por crianças menores de seis meses sofre forte influência da região em que residem. O norte de Minas é quente, com condições climáticas similares às das regiões Norte e Nordeste do país, em que se observa alto consumo de líquidos antes do momento adequado.1616. Saldiva SR, Venancio SI, Gouveia AG, Castro AL, Escuder MM, Giugliani ER. Regional influence on early consumption of foods other than breast milk in infants less than 6 months of age in Brazilian State capitals and the Federal District. Cad Saúde Pública. 2011;27:2253-62. Trata-se de uma prática difundida pois a mãe teme que, especialmente no verão, em dias quentes, a criança fique desidratada; por isso acredita que os líquidos sejam necessários para saciar a sede dos bebês.1717. Campos AM, Chaoul CO, Carmona EV, Higa R, Vale IN. Exclusive breastfeeding practices reported by mothers and the introduction of additional liquids. Rev Latino-Am Enfermagem. 2015;23:283-90. A introdução precoce de água e chás pode contribuir para a interrupção do AME.1414. Coelho LC, Asakura L, Sachs A, Erbert I, Novaes CR, Gimeno SG. Food and Nutrition Surveillance System/SISVAN: getting to know the feeding habits of infants under 24 months of age. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20:727-38.

O Ministério da Saúde recomenda1818. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da criança: aleitamento materno e alimentação complementar. Cadernos de Atenção Básica, n.º 23. 2ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2015. a introdução dos alimentos a partir dos seis meses. Nessa fase, o leite materno não supre as demandas nutricionais e a alimentação complementar é essencial para o fornecimento de energia e micronutrientes como ferro, zinco, fósforo, magnésio, cálcio e vitamina B6. Nos países em desenvolvimento, a alimentação complementar continua como um desafio para a boa nutrição em crianças.1919. Abeshu MA, Lelisa A, Geleta B. Complementary feeding: review of recommendations, feeding practices, and adequacy of homemade complementary food preparations in developing countries - lessons from Ethiopia. Front Nutr. 2016;3:41.,2020. Dewey KG. The challenge of meeting nutrient needs of infants and young children during the period of complementary feeding: an evolutionary perspective. J Nutr. 2013;143:2050-4. Os dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) realizada no Brasil em 2013 revelam alta prevalência de comportamentos alimentares não saudáveis na infância.2121. Jaime PC, Frias PG, Monteiro HO, Almeida PV, Malta DC. Healthcare and unhealthy eating among children aged under two years: data from the National Health Survey, Brazil, 2013. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2016;16:159-67.

A introdução de cereais, vegetais, feijão e carne entre as crianças estudadas se encontra dentro do recomendado. No entanto, as frutas foram oferecidas antes dos seis meses de vida. Em um estudo na região noroeste de Goiânia,1313. Schincaglia RM, Oliveira AC, Sousa LM, Martins KA. Feeding practices and factors associated with early introduction of complementary feeding of children aged under six months in the northwest region of Goiânia, Brazil. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24:465-74. verificou-se que no sexto mês as crianças já consumiam frutas (62,7%), sucos (57,2%) e comida de sal (55,1%). Na população de Campinas, no interior de São Paulo,1414. Coelho LC, Asakura L, Sachs A, Erbert I, Novaes CR, Gimeno SG. Food and Nutrition Surveillance System/SISVAN: getting to know the feeding habits of infants under 24 months of age. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20:727-38. 33,1% das mães relataram oferecer papa salgada com verduras, legumes e carnes dos seis aos sete meses.

Constatou-se neste estudo a introdução de alimentos ultraprocessados precocemente na dieta infantil, prática inadequada nos primeiros anos de vida e que reflete o padrão dietético contemporâneo. Esses resultados corroboram dados da literatura conforme Longo-Silva et al.2222. Longo-Silva G, Toloni MH, Menezes RC, Asakura L, Oliveira MA, Taddei JA. Introduction of soft drinks and processed juice in the diet of infants attending public day care centers. Rev Paul Pediatr. 2015;33:34-41. que, ao avaliarem crianças de zero a 36 meses em creches públicas, identificaram que o suco industrializado foi consumido antes do primeiro ano de vida por mais da metade dos participantes, sendo que cerca de 10% o fizeram antes dos seis meses, evidenciando a introdução desses alimentos na dieta dos lactentes de forma inoportuna e precoce. Além disso, o macarrão instantâneo esteve presente em frequências expressivas na alimentação dos avaliados nos primeiros 12 meses de vida. Esse mesmo resultado foi encontrado por Martins et al.,2323. Martins CB, Santos DS, Lima FC, Gaíva MA. Introducing food to infants considered to be at risk at birth. Epidemiol Serv Saúde. 2014;23:79-90. que constataram o consumo de macarrão instantâneo na dieta de lactentes considerados de risco ao nascimento antes dos seis meses.

A ingestão de alimentos com alta concentração de açúcares e gorduras está associado à ocorrência de excesso de peso e cárie em crianças.1919. Abeshu MA, Lelisa A, Geleta B. Complementary feeding: review of recommendations, feeding practices, and adequacy of homemade complementary food preparations in developing countries - lessons from Ethiopia. Front Nutr. 2016;3:41. Nesse sentido, nos primeiros anos de vida, devem ser evitados açúcar, café, enlatados, refrigerantes, balas, salgadinhos e outras guloseimas.2424. Brasil. Ministério da Saúde. Organização Pan-Americana da Saúde. Guia alimentar para crianças menores de dois anos. Brasília: Ministério da Saúde; 2002. O presente estudo identificou que aproximadamente 50,0% das crianças antes de um ano já comiam doces. Corroborando esses resultados, uma pesquisa nacional que investigou crianças nas capitais brasileiras e no Distrito Federal mostrou que a introdução de bolachas/salgadinho foi de 71,7% na faixa dos nove a 12 meses, o que é particularmente preocupante na região Sul, onde o consumo chegou a 57,9% entre participantes de seis e nove meses.2525. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. II pesquisa de prevalência de aleitamento materno nas capitais brasileiras e Distrito Federal. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. Outros autores99. Mello CS, Barros KV, Morais MB. Brazilian infant and preschool children feeding: literature review. J Pediatr (Rio J). 2016;92:451-63 observaram também um alto consumo de frituras, refrigerantes, doces, guloseimas e sal na infância.

Estratégias no cenário nacional têm sido implantadas para melhorar esses índices de qualidade da alimentação infantil. O Ministério da Saúde reformulou as políticas públicas na área e lançou recentemente a Estratégia Nacional para Promoção do Aleitamento Materno e Alimentação Complementar Saudável no SUS - Estratégia Amamenta e Alimenta Brasil (EAAB), que tem como objetivo qualificar o processo de trabalho dos profissionais da atenção básica com o intuito de reforçar e incentivar a promoção do aleitamento materno e da alimentação saudável para crianças menores de dois anos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).2626. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Estratégia nacional para promoção do aleitamento materno e alimentação complementar saudável no Sistema Único de Saúde: manual de implementação. Brasília: Ministério da Saúde; 2015. Neste estudo, apesar de a maioria das crianças frequentar o serviço público de saúde, as práticas alimentares eram inadequadas, o que sugere a necessidade de melhorar as ações nesses serviços.2121. Jaime PC, Frias PG, Monteiro HO, Almeida PV, Malta DC. Healthcare and unhealthy eating among children aged under two years: data from the National Health Survey, Brazil, 2013. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2016;16:159-67.,2727. Baldissera R, Issler RM, Giugliani ER. Effectiveness of the national strategy for healthy complementary feeding to improve complemantary feeding of infants in a municipality in Southern Brazil. Cad Saúde Pública. 2016;32:e00101315.

No presente trabalho destaca-se a amostra representativa das crianças de um município situado em região carente e que os distúrbios nutricionais na infância constituem motivo de preocupação. Os dados são relevantes para o cenário atual da saúde materno-infantil no contexto da região estudada (norte de Minas Gerais), que é uma área de transição entre o Sul/Sudeste e o Nordeste do país, de modo a explorar aspectos regionais da alimentação infantil. Suas informações podem estimular os gestores locais e os profissionais de saúde a proporem medidas efetivas de intervenção para modificar o quadro apresentado.

Os resultados, contudo, devem ser interpretados considerando algumas limitações inerentes à pesquisa. A coleta de dados retrospectivos para algumas variáveis pode estar sujeita ao viés de memória. Além disso, a dificuldade de abordagem sobre alimentação em estudos epidemiológicos é um aspecto limitante que também deve ser considerado.

CONCLUSÃO

Conclui-se que a introdução da alimentação complementar se mostrou precoce para líquidos, mel, açúcar e guloseimas, próxima da adequação para alimentos sólidos e semissólidos, o que pode afetar diretamente o sucesso do aleitamento materno. É possível que as práticas alimentares inadequadas identificadas comprometam a saúde da criança em curto e longo prazo e, por isso, há a necessidade de priorização de atividades de promoção e de melhoria dos serviços materno-infantis para mudar o cenário em questão. Nesse sentido, os profissionais de saúde têm papel importante no aconselhamento das famílias para a alimentação no primeiro ano de vida, reforçando a superioridade do leite materno e desencorajando a introdução de outros leites bem como a inclusão correta da alimentação complementar. Considera-se que estudos posteriores são necessários para abordar as inter-relações entre as variáveis que interferem na prática da alimentação infantil.

REFERÊNCIAS

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  • Financiamento: FKSM recebeu Bolsa de Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e CFO recebeu Bolsa de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    19 Dez 2016
  • Aceito
    12 Maio 2017
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