Acessibilidade / Reportar erro

DEFICIÊNCIA DE VITAMINA A EM CRIANÇAS BRASILEIRAS E VARIÁVEIS ASSOCIADAS

RESUMO

Objetivo:

Analisar variáveis associadas à deficiência de vitamina A (DVA) em crianças brasileiras de 6 a 59 meses de idade, considerando um modelo hierárquico de determinação.

Métodos:

Trata-se de um recorte da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS), realizada em 2006. A análise dos dados incluiu 3.417 crianças de seis a 59 meses com dados de retinol. A DVA foi definida como retinol sérico <0,7 mmol/L. Realizaram-se análises univariada e ajustada por regressão múltipla de Poisson, com nível de significância de 5%, utilizando-se modelo hierárquico de determinação que considerou três blocos de variáveis: vinculadas aos processos estruturais da sociedade (variáveis socioeconômicas e demográficas); ao ambiente imediato da criança (variáveis maternas, de segurança e consumo alimentar); e individuais (características biológicas da criança). Os dados foram expressos em razão de prevalência (RP).

Resultados:

Após ajuste para variáveis de confusão, permaneceram associadas à DVA: residir no Sudeste [RP=1,59; IC95% 1,19-2,17] e no Nordeste [RP=1,56; IC95% 1,16-2,15]; em zona urbana [RP=1,31; IC95% 1,02-1,72]; ter mãe com idade ≥36 anos [RP=2,28; IC95% 1,37-3,98]; sendo proteção consumir carne pelo menos uma vez nos últimos sete dias [RP=0,24; IC95% 0,13-0,42].

Conclusões:

As principais variáveis associadas à DVA no país relacionam-se aos processos estruturais da sociedade e ao ambiente imediato da criança, e não aos individuais.

Palavras-chave:
Deficiência de vitamina A; Saúde da criança; Nutrição da criança; Nutrição em saúde pública

ABSTRACT

Objective:

To analyze the variables associated with vitamin A deficiency (VAD) in Brazilian children aged 6 to 59 months, considering a hierarchical model of determination.

Methods:

This is part of the National Survey on Demography and Health of Women and Children, held in 2006. Data analysis included 3,417 children aged from six to 59 months with retinol data. Vitamin A deficiency was defined as serum retinol <0.7 mol/L. Univariate and multiple Poisson regression analysis were performed, with significance level set at 5%, using a hierarchical model of determination that considered three conglomerates of variables: those linked to the structural processes of community (socioeconomic-demographic variables); to the immediate environment of the child (maternal variables, safety and food consumption); and individual features (biological characteristics of the child). Data were expressed in prevalence ratio (PR).

Results:

After adjustment for confounding variables, the following remained associated with VAD: living in the Southeast [PR=1,59; 95%CI 1,19-2,17] and Northeast [PR=1,56; 95%CI 1,16-2,15]; in urban area [RP=1,31; 95%CI 1,02-1,72]; and mother aged ≥36 years [RP=2,28; 95%CI 1,37-3,98], the consumption of meat at least once in the last seven days was a protective factor [PR=0,24; 95%CI 0,13-0,42].

Conclusions:

The main variables associated with VAD in the country are related to structural processes of society and to the immediate, but not individual, environment of the child.

Keywords:
Vitamin A deficiency; Child health; Child nutrition; Nutrition, public health

INTRODUÇÃO

A deficiência de vitamina A (DVA) ainda se destaca como importante problema nutricional, especialmente nos países de média e baixa renda, com consequências mais evidentes durante as fases da vida com alta demanda nutricional, como na primeira infância. Nas crianças, a DVA representa uma das mais importantes causas de cegueira evitável e um dos principais contribuintes para a morbimortalidade por infecções que afetam os segmentos mais pobres da população.11. World Health Organization. Guideline: vitamin A supplementation in infants and children 6-59 months of age. Geneva: WHO; 2011.,22. Mayo-Wilson E, Imdad A, Herzer K, Yakoob MY, Bhutta ZA. Vitamin A supplements for preventing mortality, illness, and blindness in children aged under 5: systematic review and meta-analysis. BMJ. 2011;343:1-19.,33. Sherwin JC, Reacher MH, Dean WH, Ngondi J. Epidemiology of vitamin A deficiency and xerophthalmia in at-risk populations. Trans R Soc Trop Med Hyg. 2012;106:205-14.

A prevalência global de DVA em crianças menores de cinco anos no período de 1995 a 2005 foi estimada em 33%, representando problema grave de saúde pública em 73 países (prevalência >20%) e moderado (prevalência de 10 a 20%) em 49 países, incluindo o Brasil, cuja prevalência foi estimada em 13%.44. World Health Organization. Global prevalence of vitamin A deficiency in populations at risk 1995-2005. WHO global database on vitamin a deficiency. Geneva: WHO; 2009. Revisões de literatura brasileira mostravam, contudo, uma prevalência mediana de 32%, bem superior à estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS), principalmente nas regiões dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri, no Estado de Minas Gerais, e do Ribeira, no Estado de São Paulo.55. Milagres RC, Nunes LC, Pinheiro-Sant'Ana HM. Vitamin A deficiency among children in Brazil and worldwide. Ciênc Saúde Coletiva. 2007;12(5):1253-66.,66. Ramalho RA, Padilha P, Saunders C. Critical analysis of Brazilian studies about vitamin A deficiency in maternal-child group. Rev Paul Pediatr. 2008;26:392-9.,77. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Manual de condutas gerais do Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.

Pela primeira vez no país, foram obtidos dados de retinol sérico na última Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS), realizada em 2006, que revelou prevalência de 17,4% de níveis inadequados de vitamina A entre crianças de seis a 59 meses, com diferenças regionais marcantes e persistência como problema moderado de saúde pública no país.88. Brasil. Ministério da Saúde. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher. PNDS 2006: Dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.

A ingestão inadequada de fontes alimentares de vitamina A para atender às necessidades fisiológicas dos indivíduos destaca-se como principal causa da DVA,44. World Health Organization. Global prevalence of vitamin A deficiency in populations at risk 1995-2005. WHO global database on vitamin a deficiency. Geneva: WHO; 2009. porém, outras variáveis têm sido associadas à DVA infantil, como condições sociais, econômicas e ambientais,33. Sherwin JC, Reacher MH, Dean WH, Ngondi J. Epidemiology of vitamin A deficiency and xerophthalmia in at-risk populations. Trans R Soc Trop Med Hyg. 2012;106:205-14.,99. Paiva AA, Rondó PH, Gonçalves-Carvalho CM, Illison VK, Pereira JA, Vaz-de-Lima LR, et al. Prevalence and factors associated with vitamin A deficiency in preschool children from Teresina, Piauí, Brazil. Cad Saúde Pública. 2006;22:1979-87.,1010. Oliveira JS, Lira PI, Osório MM, Sequeira LA, Costa EC, Gonçalves FC, et al. Anemia, hypovitaminosis A and food insecurity in children of municipalities with Low Human Development Index in the Brazilian Northeast. Rev Bras Epidemiol. 2010;13:651-64.,1111. Stevens GA, Bennett JE, Hennocq Q, Lu Y, De-Regil LM, Rogers L, et al. Trends and mortality effects of vitamin A deficiency in children in 138 low-income and middle-income countries between 1991 and 2013: pooled analysis of population-based surveys. Lancet Glob Health. 2015;3:e528-36.,1212. Kurihayashi AY, Augusto RA, Escaldelai FM, Martini LA. Vitamin A and D status among child participants in a food supplementation program. Cad Saúde Pública. 2015;31:531-42. características maternas,99. Paiva AA, Rondó PH, Gonçalves-Carvalho CM, Illison VK, Pereira JA, Vaz-de-Lima LR, et al. Prevalence and factors associated with vitamin A deficiency in preschool children from Teresina, Piauí, Brazil. Cad Saúde Pública. 2006;22:1979-87.,1313. Miglioli TC, Fonseca VM, Gomes Jr SC, Lira PIC, Batista Filho M. Vitamin a deficiency in mothers and children in the state of Pernambuco. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18:1427-40.,1414. Queiroz D, Paiva AA, Pedraza DF, Cunha MA, Esteves GH, Luna JG, et al. Vitamin A deficiency and associated factors in children in urban areas. Rev Saúde Pública. 2013;47:248-56. estado nutricional,66. Ramalho RA, Padilha P, Saunders C. Critical analysis of Brazilian studies about vitamin A deficiency in maternal-child group. Rev Paul Pediatr. 2008;26:392-9. processos infecciosos1313. Miglioli TC, Fonseca VM, Gomes Jr SC, Lira PIC, Batista Filho M. Vitamin a deficiency in mothers and children in the state of Pernambuco. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18:1427-40.,1414. Queiroz D, Paiva AA, Pedraza DF, Cunha MA, Esteves GH, Luna JG, et al. Vitamin A deficiency and associated factors in children in urban areas. Rev Saúde Pública. 2013;47:248-56.,1515. Silva LL, Peixoto MR, Hadler MC, Silva SA, Cobayashi F, Cardoso MA. Vitamin A status and associated factors in infants attending at Primary Health Care in Goiânia, Goiás, Brazil. Rev Bras Epidemiol. 2015;18:490-502. e idade das crianças.99. Paiva AA, Rondó PH, Gonçalves-Carvalho CM, Illison VK, Pereira JA, Vaz-de-Lima LR, et al. Prevalence and factors associated with vitamin A deficiency in preschool children from Teresina, Piauí, Brazil. Cad Saúde Pública. 2006;22:1979-87.,1616. Sales MC, Paiva AA, Queiroz D, Costa RA, Cunha MA, Pedraza DF. Nutritional status of iron in children from 6 to 59 months of age and its relation to vitamin A deficiency. Nutr Hosp. 2013;28:734-40. Todavia, há de se considerar que tais associações nem sempre são observadas, de forma que os estudos são pouco conclusivos na identificação de fatores associados à DVA infantil.

Com vistas a contribuir para o entendimento das variáveis associadas à DVA no campo da saúde coletiva, que concebe o processo saúde-doença como socialmente determinado,1717. Rocha PR, David HM. Determination or determinants? A debate based on the Theory on the Social Production of Health. Rev Esc Enferm USP. 2015;49:129-35. o presente estudo partiu do pressuposto de que o contexto de determinação da DVA resulta da inter-relação de elementos de dimensões distintas, que devem ser estudados por meio de abordagem hierárquica. Estudo realizado em Pernambuco que adotou modelo explicativo hierárquico indica que vários aspectos ainda carecem de esclarecimentos para a compreensão das variáveis associadas à DVA.1010. Oliveira JS, Lira PI, Osório MM, Sequeira LA, Costa EC, Gonçalves FC, et al. Anemia, hypovitaminosis A and food insecurity in children of municipalities with Low Human Development Index in the Brazilian Northeast. Rev Bras Epidemiol. 2010;13:651-64.,1313. Miglioli TC, Fonseca VM, Gomes Jr SC, Lira PIC, Batista Filho M. Vitamin a deficiency in mothers and children in the state of Pernambuco. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18:1427-40.

Assim, mesmo reconhecido como problema relevante e bastante explorado, ainda há espectros de interesse epidemiológico a serem investigados, destacando-se nesse âmbito que poucos estudos analisam a segurança alimentar e o consumo alimentar das crianças. Considerando que, apesar de divulgados em relatório, os dados nacionais de retinol sérico, obtidos pela primeira vez em âmbito nacional pela PNDS/2006, não foram explorados no que se refere a essas variáveis, julgou-se pertinente realizar tal análise em crianças brasileiras, com base em um modelo hierárquico de determinação, objetivo do presente estudo.

MÉTODO

Trata-se de um recorte da PNDS/2006, cujos dados são de domínio público e encontram-se disponíveis on-line (http://bvsms.saude.gov.br/bvs/pnds/banco_dados.php).

A PNDS/2006 foi aprovada por comitê de ética nacional e conduzida de acordo com os padrões éticos.88. Brasil. Ministério da Saúde. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher. PNDS 2006: Dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. Delineia-se como estudo transversal de representatividade nacional, que teve como propósito caracterizar a população feminina em idade fértil e crianças menores de cinco anos das cinco macrorregiões do país. A descrição do método, incluindo a técnica de amostragem e de seleção das unidades de análise em vários estágios, procedimentos para coleta de dados, verificação de consistência interna, técnicas de análises laboratoriais e de aferição antropométrica, bem como os aspectos éticos, encontra-se no relatório oficial da PNDS/2006. Os níveis de retinol sérico foram determinados em 3.499 crianças.88. Brasil. Ministério da Saúde. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher. PNDS 2006: Dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.

O presente estudo analisou dados de 3.417 crianças, sendo excluídas 82 com amostras de sangue inadequadas para análise de retinol. Para avaliar a precisão e a validade dessa amostra, calculou-se o efeito do desenho (Deff) e consideraram-se os pesos amostrais adotados pela PNDS/2006, que resultou em amostra expandida, correspondente a 9 milhões e 206 mil crianças.

Os níveis de retinol sérico foram analisados por cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC).88. Brasil. Ministério da Saúde. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher. PNDS 2006: Dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. Para classificar a DVA em relação ao seu nível de importância epidemiológica em saúde pública, foram utilizados os critérios recomendados pela OMS:1818. World Health Organization. Indicators for assessing vitamin A deficiency and their application in monitoring and evaluating intervention programmes. Geneva: WHO; 1996. leve para prevalências <10%; moderado de 10 a 20%; e grave >20%.

A DVA constituiu a variável de desfecho. As variáveis exploratórias foram categorizadas em três blocos, seguindo-se um modelo hierárquico de determinação da DVA, elaborado previamente com base nas relações teóricas propostas para explicar a ocorrência desse evento.1010. Oliveira JS, Lira PI, Osório MM, Sequeira LA, Costa EC, Gonçalves FC, et al. Anemia, hypovitaminosis A and food insecurity in children of municipalities with Low Human Development Index in the Brazilian Northeast. Rev Bras Epidemiol. 2010;13:651-64.,1313. Miglioli TC, Fonseca VM, Gomes Jr SC, Lira PIC, Batista Filho M. Vitamin a deficiency in mothers and children in the state of Pernambuco. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18:1427-40. O primeiro (bloco 1) foi composto pelas variáveis vinculadas aos processos estruturais, determinadas pelas políticas sociais e econômicas que impactam diretamente nas condições de vida da população (variáveis das condições socioeconômicas e demográficas). O segundo bloco (bloco 2) foi constituído pelas variáveis relativas ao ambiente imediato da criança (variáveis materna, de segurança e consumo alimentar); e o último bloco (bloco 3) foi integrado pelas variáveis infantis (características individuais da criança) (Figura 1).

Figura 1:
Modelo hierárquico proposto para a análise das variáveis associadas à deficiência de vitamina A.

Variáveis exploratórias do bloco 1: macrorregião de residência (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste); zona de residência (urbana e rural); classe econômica (A a E) conforme Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa1919. Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. Critério padrão de classificação econômica Brasil [Internet]. 2008 [cited on Dec 09, 2011]. Available from: http://www.abep.org/criterio-brasil
http://www.abep.org/criterio-brasil...
e renda per capita (<0,5 salário mínimo e ≥0,5 salário mínimo). No bloco 2, foram analisadas as variáveis maternas: idade (<20 anos, 20 a 35 anos e ≥36 anos) e anos de estudo (0 a 4 anos, 5 a 8 anos e 9 e mais); de segurança alimentar, classificada mediante uso da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (composta de 15 questões que avaliam preocupação com falta de alimentos, comprometimento da qualidade da alimentação da família e restrição quantitativa na disponibilidade de alimentos, com classificação das famílias em uma das quatro categorias: segurança alimentar, insegurança leve, insegurança moderada ou insegurança grave);2020. Segall-Corrêa AM, Pérez-Escamilla R, Maranha LK, Sampaio MFA, Marin-Leon L, Panigassi G, et al. Acompanhamento e avaliação da segurança alimentar de famílias brasileiras: validação de metodologia e de instrumento de coleta de informação. Relatório técnico. Brasília: Ministério da Saúde; 2004. e consumo alimentar dos últimos sete dias, analisado segundo os grupos de alimentos (cereais/pães e massas; legumes/verduras; frutas; feijão; carnes; leite e derivados e doces). As variáveis exploratórias do bloco 3 incluíram características infantis: idade (<2 anos e ≥2 anos); sexo (feminino e masculino); amamentada alguma vez (sim e não); aleitamento materno exclusivo (AME) (<30 dias e ≥30 dias); aleitamento materno total (AM) (<6 meses, 6 a 11 meses e ≥12 meses); suplementação de vitamina A e ferro (sim e não); internação nos últimos 12 meses (sim e não). A presença de anemia (sim e não) foi definida como hemoglobina (Hb) <11 g/dL, determinada pelo método da cianometa-hemoglobina;88. Brasil. Ministério da Saúde. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher. PNDS 2006: Dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. e o estado nutricional foi analisado pelo índice de massa corporal por idade (IMC/idade), segundo padrão de referência da OMS para escore Z, classificado em eutrofia (-2 escore Z £IMC/idade £+2 escore Z), magreza (IMC <-2 escore Z) e excesso de peso (IMC >+2 escore Z).2121. World Health Organization. WHO child growth standards: length/height-for-age, weight-for-age, weight-for length, weight-for-height and body mass index-for-age: methods and development. Geneva: WHO; 2006.

Os parâmetros e os respectivos valores de intervalo de confiança de 95% (IC95%) foram estimados para os dados expandidos considerando-se o efeito do desenho amostral. A força de associação entre a variável de desfecho e as variáveis exploratórias foi analisada pela razão de prevalência (RP) e pela regressão de Poisson, com nível de significância de 5%.

Na análise múltipla, a entrada das variáveis exploratórias no modelo seguiu a ordem hierarquizada previamente estabelecida. A seleção das variáveis para o modelo foi realizada com o procedimento stepwise forward selection, utilizando-se como critério de exclusão, em cada passo, o valor p≥0,20. Contudo, as variáveis classe econômica; segurança alimentar; anos de estudo da mãe; consumo do grupo de legumes/verduras, frutas e feijões; idade; internação nos últimos 12 meses e IMC/idade da criança, que não apresentaram significância no nível de p<0,20 na análise univariada, foram mantidas no modelo final de DVA, tendo em vista a relevância na determinação da DVA.1010. Oliveira JS, Lira PI, Osório MM, Sequeira LA, Costa EC, Gonçalves FC, et al. Anemia, hypovitaminosis A and food insecurity in children of municipalities with Low Human Development Index in the Brazilian Northeast. Rev Bras Epidemiol. 2010;13:651-64.,1313. Miglioli TC, Fonseca VM, Gomes Jr SC, Lira PIC, Batista Filho M. Vitamin a deficiency in mothers and children in the state of Pernambuco. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18:1427-40.

Para as análises, utilizou-se o pacote estatístico “R” versão 2.12.2. (R Foundation for Statistical Computing, Viena, Áustria; http://www.R-project.org).

RESULTADOS

A prevalência de DVA foi de 17,5% (IC95% 15,1-20,2%) e a Tabela 1 mostra os resultados das análises brutas para o desfecho estudado. Na análise univariada, as variáveis do bloco 1 e parte do bloco 2 que se associaram estatisticamente (p<0,05) à ocorrência de DVA foram: macrorregião de residência (p<0,001), com maior prevalência no Sudeste e Nordeste, morar na zona urbana (p=0,027) e idade materna maior que 36 anos (p<0,001). A variável anos de estudo da mãe não apresentou associação significativa com a ocorrência de DVA, porém, observou-se que as crianças de mãe com menos de cinco anos de estudo tinham mais chance de ter DVA. Ainda, verificou-se o número importante de crianças com DVA em insegurança alimentar grave, no entanto, não se constatou associação significativa entre as variáveis analisadas.

Tabela 1:
Prevalência de deficiência de vitamina A em crianças de seis a 59 meses de idade, segundo variáveis socioeconômicas, maternas e de segurança alimentar.

Em relação ao consumo alimentar dos últimos sete dias (bloco 2), a prevalência de DVA associou-se estatisticamente (p<0,05) apenas com o consumo de carne, como fator de proteção (RP=0,60; IC95% 0,41-0,88). Constatou-se que a base da alimentação das crianças era representada pelo grupo de cereais/pães e massas (n=2.630) e feijões (n=2.193) consumidos “todos os dias”, com inadequação no consumo dos demais grupos de alimentos (Tabela 2).

Tabela 2:
Prevalência da deficiência de vitamina A em crianças de seis a 59 meses de idade segundo as variáveis de consumo alimentar dos grupos de alimentos nos últimos sete dias.

Não se observou associação estatística entre DVA e características individuais da criança na análise univariada (bloco 3) (Tabela 3). Chamou a atenção a elevada prevalência de DVA (16,9%) entre as crianças que faziam uso da suplementação profilática com vitamina A (dado não apresentado em tabela).

Tabela 3:
Prevalência da deficiência de vitamina A em crianças de seis a 59 meses de idade, segundo variáveis infantis.

A Tabela 4 apresenta as variáveis que permaneceram no modelo de análise múltipla, após ajuste. Do bloco 1, associaram-se à DVA: residir na macrorregião nordeste (RP=1,56; IC95% 1,16-2,15) e sudeste (RP=1,59; IC95% 1,19-2,17); na zona urbana (RP=1,31; IC95% 1,02-1,72); e ter mãe com idade ≥36 anos (RP=2,28; IC95% 1,37-3,98), destacando-se como proteção consumir carne pelo menos uma vez nos últimos sete dias (RP=0,24; IC95% 0,13-0,42) (bloco 2).

Tabela 4:
Modelo múltiplo final das variáveis associadas à deficiência de vitamina A.

DISCUSSÃO

No âmbito das variáveis vinculadas aos processos estruturais, a DVA associou-se à macrorregião de residência, com maior prevalência nas crianças residentes no Sudeste, uma das regiões mais desenvolvidas do Brasil, de forma similar às crianças do Nordeste, uma das regiões mais pobres do país. Tal resultado mostra que a DVA não se restringe às microrregiões que apresentam maior gravidade dos transtornos por DVA, como os Vales do Jequitinhonha e do Mucuri, no Estado de Minas Gerais, e do Ribeira, no Estado de São Paulo.55. Milagres RC, Nunes LC, Pinheiro-Sant'Ana HM. Vitamin A deficiency among children in Brazil and worldwide. Ciênc Saúde Coletiva. 2007;12(5):1253-66.,66. Ramalho RA, Padilha P, Saunders C. Critical analysis of Brazilian studies about vitamin A deficiency in maternal-child group. Rev Paul Pediatr. 2008;26:392-9. Assim, poder-se-ia questionar se a DVA não teria um caráter trans-social por afetar tanto as macrorregiões menos quanto as mais desenvolvidas do país e se o Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A - Vitamina A Mais não deveria ser expandido, uma vez que, mesmo com sua ampliação, contempla apenas a totalidade dos municípios da Região Nordeste desde 1980, os municípios que compõem a Amazônia Legal desde 2010 e, desde 2012, todos os municípios da região norte, 585 municípios integrantes do Plano Brasil Sem Miséria das Regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste e todos os distritos sanitários especiais indígenas.77. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Manual de condutas gerais do Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.

Embora, mundialmente, a população residente na zona rural seja a que apresenta maior vulnerabilidade para deficiências nutricionais, pela maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde, educação e aquisição de alimentos de melhor valor nutricional,44. World Health Organization. Global prevalence of vitamin A deficiency in populations at risk 1995-2005. WHO global database on vitamin a deficiency. Geneva: WHO; 2009. no Brasil a DVA prevaleceu na zona urbana, como constatado no Estado de Pernambuco,1313. Miglioli TC, Fonseca VM, Gomes Jr SC, Lira PIC, Batista Filho M. Vitamin a deficiency in mothers and children in the state of Pernambuco. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18:1427-40. porém, contrário ao verificado em região semiárida do Estado de Alagoas.2222. Ferreira HS, Moura RM, Assunção ML, Horta BL. Factors associated with hypovitaminosis A in children aged under five years. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2013;13:223-35. O intenso processo de urbanização pelo qual o país passou nas últimas décadas poderia justificar esse resultado: de 56%, em 1970, para 84%, em 2010, bem como pela aglomeração metropolitana, que aumentou em termos absolutos de 27 para 70 milhões, entre os anos de 1970 e 2010.2323. Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, MacInko J. The Brazilian health system: History, advances, and challenges. Lancet. 2011;377:1778-97. Essa transformação também favorece as atividades econômicas, porém atua como difusora de novos padrões de relações sociais e de estilos de vida que exacerbam a desigualdade e a iniquidade, resultando em pessoas que passam a viver, principalmente na periferia, em condições precárias, com importante reflexo nas condições de vida, em razão da falta de oportunidades de trabalho, dos baixos salários e das condições insalubres de habitação que interferem, negativamente, no estado de saúde.2323. Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, MacInko J. The Brazilian health system: History, advances, and challenges. Lancet. 2011;377:1778-97. Ademais, em nosso meio, comparado aos da zona urbana, os residentes da zona rural apresentam maior consumo de alimentos básicos e melhor qualidade da dieta, com predomínio de alimentos como arroz, feijão, mandioca, batata-doce, frutas, carnes e peixes, enquanto na zona urbana predomina o consumo de alimentos ultraprocessados.2424. Fernandes TF, Diniz AS, Cabral PC, Oliveira RS, Lóla MM, Silva SM, et al. Vitamin A deficiency among preschool children attending public day care centres of Recife: biochemical and dietetic indicators. Rev Nutr. 2005;18:471-80.,2525. Brasil. Ministério da Saúde. Política nacional de alimentação e nutrição. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.,2626. Bortolini GA, Gubert MB, Santos LM. Food consumption Brazilian children by 6 to 59 months of age. Cad Saúde Pública. 2012;28:1759-71. Assim, aparentemente, o lócus de pobreza e subnutrição infantil tem mudado gradualmente das áreas rurais para as urbanas. Vale ressaltar que, ainda que aparentem estar bem alimentadas, com calorias suficientes para manter suas atividades cotidianas, as crianças podem sofrer de “fome oculta”, causada pela falta de micronutrientes como vitamina A, ferro ou zinco, essenciais ao crescimento e ao desenvolvimento infantil adequados,2626. Bortolini GA, Gubert MB, Santos LM. Food consumption Brazilian children by 6 to 59 months of age. Cad Saúde Pública. 2012;28:1759-71. como aqui constatado.

Ainda na dimensão dos processos estruturais, não se evidenciou associação entre DVA e as variáveis classe econômica e renda per capita. Tal resultado também tem sido obtido em estudos populacionais nacionais e internacionais.33. Sherwin JC, Reacher MH, Dean WH, Ngondi J. Epidemiology of vitamin A deficiency and xerophthalmia in at-risk populations. Trans R Soc Trop Med Hyg. 2012;106:205-14.,1010. Oliveira JS, Lira PI, Osório MM, Sequeira LA, Costa EC, Gonçalves FC, et al. Anemia, hypovitaminosis A and food insecurity in children of municipalities with Low Human Development Index in the Brazilian Northeast. Rev Bras Epidemiol. 2010;13:651-64.,1111. Stevens GA, Bennett JE, Hennocq Q, Lu Y, De-Regil LM, Rogers L, et al. Trends and mortality effects of vitamin A deficiency in children in 138 low-income and middle-income countries between 1991 and 2013: pooled analysis of population-based surveys. Lancet Glob Health. 2015;3:e528-36.,1212. Kurihayashi AY, Augusto RA, Escaldelai FM, Martini LA. Vitamin A and D status among child participants in a food supplementation program. Cad Saúde Pública. 2015;31:531-42.,1313. Miglioli TC, Fonseca VM, Gomes Jr SC, Lira PIC, Batista Filho M. Vitamin a deficiency in mothers and children in the state of Pernambuco. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18:1427-40.,1515. Silva LL, Peixoto MR, Hadler MC, Silva SA, Cobayashi F, Cardoso MA. Vitamin A status and associated factors in infants attending at Primary Health Care in Goiânia, Goiás, Brazil. Rev Bras Epidemiol. 2015;18:490-502. De fato, com exceção das situações de extrema pobreza, a renda parece não atuar como variável associada à DVA, reforçando a tese de que a ingestão inadequada de alimentos fontes desse micronutriente talvez seja a principal causa da ocorrência da DVA.44. World Health Organization. Global prevalence of vitamin A deficiency in populations at risk 1995-2005. WHO global database on vitamin a deficiency. Geneva: WHO; 2009.,2424. Fernandes TF, Diniz AS, Cabral PC, Oliveira RS, Lóla MM, Silva SM, et al. Vitamin A deficiency among preschool children attending public day care centres of Recife: biochemical and dietetic indicators. Rev Nutr. 2005;18:471-80.

A questão da segurança alimentar e ocorrência de DVA é pouco estudada no Brasil. Destacam-se apenas dois estudos conduzidos no Nordeste. Um dos estudos evidenciou níveis de retinol mais baixos entre as crianças de famílias com insegurança alimentar moderada e grave, porém, sem associação estatística,1010. Oliveira JS, Lira PI, Osório MM, Sequeira LA, Costa EC, Gonçalves FC, et al. Anemia, hypovitaminosis A and food insecurity in children of municipalities with Low Human Development Index in the Brazilian Northeast. Rev Bras Epidemiol. 2010;13:651-64. enquanto o outro não constatou associação,2727. Pedraza DF, Queiroz D, Paiva AA, Cunha MA, Lima ZN. Food security, growth and vitamin A, hemoglobin and zinc levels of preschool children in the northeast of Brazil. Cienc Saude Coletiva. 2014;19:641-50. de forma similar ao presente estudo. Na dimensão do ambiente imediato da criança, também chama a atenção a não associação entre DVA e baixa escolaridade materna, frequentemente encontrada em pesquisas nacionais e internacionais,66. Ramalho RA, Padilha P, Saunders C. Critical analysis of Brazilian studies about vitamin A deficiency in maternal-child group. Rev Paul Pediatr. 2008;26:392-9.,99. Paiva AA, Rondó PH, Gonçalves-Carvalho CM, Illison VK, Pereira JA, Vaz-de-Lima LR, et al. Prevalence and factors associated with vitamin A deficiency in preschool children from Teresina, Piauí, Brazil. Cad Saúde Pública. 2006;22:1979-87.,1111. Stevens GA, Bennett JE, Hennocq Q, Lu Y, De-Regil LM, Rogers L, et al. Trends and mortality effects of vitamin A deficiency in children in 138 low-income and middle-income countries between 1991 and 2013: pooled analysis of population-based surveys. Lancet Glob Health. 2015;3:e528-36.,1414. Queiroz D, Paiva AA, Pedraza DF, Cunha MA, Esteves GH, Luna JG, et al. Vitamin A deficiency and associated factors in children in urban areas. Rev Saúde Pública. 2013;47:248-56. porém também não constatada em Pernambuco.1313. Miglioli TC, Fonseca VM, Gomes Jr SC, Lira PIC, Batista Filho M. Vitamin a deficiency in mothers and children in the state of Pernambuco. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18:1427-40. Não ter encontrado associação entre a deficiência desse micronutriente com importantes variáveis estruturais e do ambiente imediato merece ser melhor investigado, porém esse resultado sugere que a DVA possa decorrer de alimentação pobre em fontes de vitamina A, como produtos de origem animal ou betacarotenos, uma vez que, além de depender das condições econômicas, a alimentação é uma prática cultural.1111. Stevens GA, Bennett JE, Hennocq Q, Lu Y, De-Regil LM, Rogers L, et al. Trends and mortality effects of vitamin A deficiency in children in 138 low-income and middle-income countries between 1991 and 2013: pooled analysis of population-based surveys. Lancet Glob Health. 2015;3:e528-36. Assim, a presente análise do consumo alimentar das crianças no âmbito nacional preenche uma lacuna importante no estudo das variáveis associadas à DVA infantil no país. De fato, o consumo do grupo das carnes uma vez nos últimos sete dias manteve-se, no modelo final, como protetor da deficiência nutricional estudada, destacando o papel da dieta no que diz respeito ao consumo e à biodisponibilidade da vitamina A, como principal variável associada à DVA.44. World Health Organization. Global prevalence of vitamin A deficiency in populations at risk 1995-2005. WHO global database on vitamin a deficiency. Geneva: WHO; 2009.,2424. Fernandes TF, Diniz AS, Cabral PC, Oliveira RS, Lóla MM, Silva SM, et al. Vitamin A deficiency among preschool children attending public day care centres of Recife: biochemical and dietetic indicators. Rev Nutr. 2005;18:471-80. Esse resultado se deve ao maior poder de bioconversão (absorção+biodisponibilidade) da vitamina A presente nos alimentos de origem animal (retinol), comparado à forma encontrada nos alimentos de origem vegetal (carotenoides com atividade provitamina A).77. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Manual de condutas gerais do Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.,2424. Fernandes TF, Diniz AS, Cabral PC, Oliveira RS, Lóla MM, Silva SM, et al. Vitamin A deficiency among preschool children attending public day care centres of Recife: biochemical and dietetic indicators. Rev Nutr. 2005;18:471-80. Assim, o consumo de carnes, fonte de vitamina A pré-formada, é um dado complementar que reforça o modelo explicativo dos níveis de retinol sérico encontrados nas crianças estudadas.

Ademais, reiterou-se que a base da alimentação das crianças era representada pelo grupo de cereais/pães e massas e feijões, consumidos “todos os dias”, enquanto, nos demais grupos, verificou-se que quase um terço não consumia o grupo de leite e derivados (mesmo tratando-se de crianças de seis a 59 meses de idade), tampouco o grupo de legumes/verduras, além do baixo consumo de frutas nos últimos sete dias, todos importantes fontes de vitamina A. Retrata-se, pois, umpadrão alimentar já detectado na década de 1990, que, aliado à interrupção do aleitamento materno e à introdução precoce da alimentação complementar, explicava a maior ocorrência de DVA em crianças menores de 24 meses.2828. Prado MS, Assis AM, Martins MC, Nazaré MP, Rezende IF, Conceição ME. Vitamin A deficiency in children of rural zones, Northeast region of Brazil. Rev Saúde Pública. 1995;29:295-300. Apesar das evidências de que crianças entre 12 e 48 meses apresentam menor consumo de alimentos fonte de vitamina A em relação às demais faixas etárias,2424. Fernandes TF, Diniz AS, Cabral PC, Oliveira RS, Lóla MM, Silva SM, et al. Vitamin A deficiency among preschool children attending public day care centres of Recife: biochemical and dietetic indicators. Rev Nutr. 2005;18:471-80. no presente estudo não se constatou diferença na prevalência de DVA segundo a faixa etária.

A DVA associou-se à idade mais avançada da mãe, resultado contrário ao observado em outro estudo, em que a maior frequência de DVA em crianças urbanas de mães mais jovens foi explicada pela inexperiência materna para o cuidado e s alimentação dos filhos, o que levaria à oferta de alimentação insuficiente em vitamina A.1313. Miglioli TC, Fonseca VM, Gomes Jr SC, Lira PIC, Batista Filho M. Vitamin a deficiency in mothers and children in the state of Pernambuco. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18:1427-40. A maior participação da mulher no mercado de trabalho poderia explicar parcialmente o resultado encontrado, embora estudo realizado com crianças de áreas urbanas de nove municípios do Estado da Paraíba, Região Nordeste do país, não tenha observado associação entre DVA e idade materna.1515. Silva LL, Peixoto MR, Hadler MC, Silva SA, Cobayashi F, Cardoso MA. Vitamin A status and associated factors in infants attending at Primary Health Care in Goiânia, Goiás, Brazil. Rev Bras Epidemiol. 2015;18:490-502.

No que se refere às variáveis individuais da criança, a presente análise não constatou associação. Tal resultado sugere que a DVA, como outros problemas de natureza carencial, encontra-se atrelada aos processos estruturais da sociedade e ao ambiente imediato da criança, prevalecendo nos continentes e países de baixa renda e regiões e famílias menos favorecidas.1111. Stevens GA, Bennett JE, Hennocq Q, Lu Y, De-Regil LM, Rogers L, et al. Trends and mortality effects of vitamin A deficiency in children in 138 low-income and middle-income countries between 1991 and 2013: pooled analysis of population-based surveys. Lancet Glob Health. 2015;3:e528-36. Assim, a maior prevalência encontrada no Sudeste, macrorregião mais rica do país, requer investigação mais detalhada para sua compreensão.

Ressalta-se que, mesmo com redução encontrada, a prevalência de DVA infantil no Brasil ainda se mantém superior à estimativa da OMS (13,3%) e continua como problema moderado de saúde pública no país.44. World Health Organization. Global prevalence of vitamin A deficiency in populations at risk 1995-2005. WHO global database on vitamin a deficiency. Geneva: WHO; 2009. Contudo, há de se considerar que a não avaliação de processos infecciosos constitui uma limitação importante do presente estudo, uma vez que tendem a diminuir as concentrações de retinol sérico nas primeiras 24 horas após sua instalação,2929. Thurnham DI, McCabe GP, Northrop-Clewes CA, Nestel P. Effects of subclinical infection on plasma retinol concentrations and assessment of prevalence of vitamin A deficiency: meta-analysis. Lancet. 2003;362:2052-8. de forma que a prevalência pode estar superestimada. Por outro lado, a avaliação do consumo alimentar dos últimos sete dias representa um avanço considerável em estudos dessa natureza.

Poder-se-ia conjecturar que a redução da DVA estaria relacionada às estratégias de prevenção e controle adotadas pelo governo, destacando-se, entre elas, as intervenções propostas no âmbito da Política Nacional de Alimentação e Nutrição e do Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A, que recomenda a distribuição de cápsulas de megadoses de vitamina A para crianças de seis a 59 meses nas áreas consideradas de risco para essa carência nutricional.77. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Manual de condutas gerais do Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.,2525. Brasil. Ministério da Saúde. Política nacional de alimentação e nutrição. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. Os resultados sinalizam, contudo, a necessidade de expansão do controle da DVA, até então restrita às áreas de risco, pois há evidências de que a suplementação com vitamina A reduz em cerca de 24% a mortalidade de crianças de seis a 59 meses de idade.22. Mayo-Wilson E, Imdad A, Herzer K, Yakoob MY, Bhutta ZA. Vitamin A supplements for preventing mortality, illness, and blindness in children aged under 5: systematic review and meta-analysis. BMJ. 2011;343:1-19. Ressalta-se, no entanto, que a DVA se mostrou elevada mesmo entre as crianças que faziam uso da suplementação com vitamina A (16,9%), resultado que pode estar relacionado ao uso do medicamento para tratamento de DVA já instalada, e não como uso profilático, como recomendado, o que reforça ainda mais a necessidade de melhorias na operacionalização do Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A, com vistas à prevenção e ao controle dessa deficiência.

Trata-se de um estudo que analisou dados de 11 anos atrás, porém, ressalta-se que até o presente momento a PNDS/2006 é a única fonte de dados representativos da DVA em crianças brasileiras no âmbito nacional e a presente análise considerou a técnica de expansão para amostras complexas, de forma a garantir a legitimidade dos dados. A análise hierarquizada das variáveis associadas à DVA infantil no país se mostrou especialmente importante para a revisão das políticas e para o estabelecimento de intervenções que possam reduzir os danos dessa deficiência na população infantil. Contudo, considerando que o delineamento transversal do estudo não permite suposições de causalidade, os resultados obtidos devem ser interpretados com cautela.

Em síntese, os resultados indicam que as principais variáveis associadas à DVA no país relacionam-se aos processos estruturais da sociedade e ao ambiente imediato da criança, e não aos individuais. Dessa forma, o controle dessa carência nutricional, que ainda persiste como problema moderado de saúde pública, requer investimentos não só da área da saúde. Além de iniciar o programa de suplementação onde não existe, como na Região Sudeste, e fortalecer onde a cobertura é baixa, há de se buscar soluções mais sustentáveis, como a melhoria no consumo de alimentos ricos em vitamina A.

REFERÊNCIAS

  • 1
    World Health Organization. Guideline: vitamin A supplementation in infants and children 6-59 months of age. Geneva: WHO; 2011.
  • 2
    Mayo-Wilson E, Imdad A, Herzer K, Yakoob MY, Bhutta ZA. Vitamin A supplements for preventing mortality, illness, and blindness in children aged under 5: systematic review and meta-analysis. BMJ. 2011;343:1-19.
  • 3
    Sherwin JC, Reacher MH, Dean WH, Ngondi J. Epidemiology of vitamin A deficiency and xerophthalmia in at-risk populations. Trans R Soc Trop Med Hyg. 2012;106:205-14.
  • 4
    World Health Organization. Global prevalence of vitamin A deficiency in populations at risk 1995-2005. WHO global database on vitamin a deficiency. Geneva: WHO; 2009.
  • 5
    Milagres RC, Nunes LC, Pinheiro-Sant'Ana HM. Vitamin A deficiency among children in Brazil and worldwide. Ciênc Saúde Coletiva. 2007;12(5):1253-66.
  • 6
    Ramalho RA, Padilha P, Saunders C. Critical analysis of Brazilian studies about vitamin A deficiency in maternal-child group. Rev Paul Pediatr. 2008;26:392-9.
  • 7
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Manual de condutas gerais do Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.
  • 8
    Brasil. Ministério da Saúde. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher. PNDS 2006: Dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.
  • 9
    Paiva AA, Rondó PH, Gonçalves-Carvalho CM, Illison VK, Pereira JA, Vaz-de-Lima LR, et al. Prevalence and factors associated with vitamin A deficiency in preschool children from Teresina, Piauí, Brazil. Cad Saúde Pública. 2006;22:1979-87.
  • 10
    Oliveira JS, Lira PI, Osório MM, Sequeira LA, Costa EC, Gonçalves FC, et al. Anemia, hypovitaminosis A and food insecurity in children of municipalities with Low Human Development Index in the Brazilian Northeast. Rev Bras Epidemiol. 2010;13:651-64.
  • 11
    Stevens GA, Bennett JE, Hennocq Q, Lu Y, De-Regil LM, Rogers L, et al. Trends and mortality effects of vitamin A deficiency in children in 138 low-income and middle-income countries between 1991 and 2013: pooled analysis of population-based surveys. Lancet Glob Health. 2015;3:e528-36.
  • 12
    Kurihayashi AY, Augusto RA, Escaldelai FM, Martini LA. Vitamin A and D status among child participants in a food supplementation program. Cad Saúde Pública. 2015;31:531-42.
  • 13
    Miglioli TC, Fonseca VM, Gomes Jr SC, Lira PIC, Batista Filho M. Vitamin a deficiency in mothers and children in the state of Pernambuco. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18:1427-40.
  • 14
    Queiroz D, Paiva AA, Pedraza DF, Cunha MA, Esteves GH, Luna JG, et al. Vitamin A deficiency and associated factors in children in urban areas. Rev Saúde Pública. 2013;47:248-56.
  • 15
    Silva LL, Peixoto MR, Hadler MC, Silva SA, Cobayashi F, Cardoso MA. Vitamin A status and associated factors in infants attending at Primary Health Care in Goiânia, Goiás, Brazil. Rev Bras Epidemiol. 2015;18:490-502.
  • 16
    Sales MC, Paiva AA, Queiroz D, Costa RA, Cunha MA, Pedraza DF. Nutritional status of iron in children from 6 to 59 months of age and its relation to vitamin A deficiency. Nutr Hosp. 2013;28:734-40.
  • 17
    Rocha PR, David HM. Determination or determinants? A debate based on the Theory on the Social Production of Health. Rev Esc Enferm USP. 2015;49:129-35.
  • 18
    World Health Organization. Indicators for assessing vitamin A deficiency and their application in monitoring and evaluating intervention programmes. Geneva: WHO; 1996.
  • 19
    Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. Critério padrão de classificação econômica Brasil [Internet]. 2008 [cited on Dec 09, 2011]. Available from: http://www.abep.org/criterio-brasil
    » http://www.abep.org/criterio-brasil
  • 20
    Segall-Corrêa AM, Pérez-Escamilla R, Maranha LK, Sampaio MFA, Marin-Leon L, Panigassi G, et al. Acompanhamento e avaliação da segurança alimentar de famílias brasileiras: validação de metodologia e de instrumento de coleta de informação. Relatório técnico. Brasília: Ministério da Saúde; 2004.
  • 21
    World Health Organization. WHO child growth standards: length/height-for-age, weight-for-age, weight-for length, weight-for-height and body mass index-for-age: methods and development. Geneva: WHO; 2006.
  • 22
    Ferreira HS, Moura RM, Assunção ML, Horta BL. Factors associated with hypovitaminosis A in children aged under five years. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2013;13:223-35.
  • 23
    Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, MacInko J. The Brazilian health system: History, advances, and challenges. Lancet. 2011;377:1778-97.
  • 24
    Fernandes TF, Diniz AS, Cabral PC, Oliveira RS, Lóla MM, Silva SM, et al. Vitamin A deficiency among preschool children attending public day care centres of Recife: biochemical and dietetic indicators. Rev Nutr. 2005;18:471-80.
  • 25
    Brasil. Ministério da Saúde. Política nacional de alimentação e nutrição. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.
  • 26
    Bortolini GA, Gubert MB, Santos LM. Food consumption Brazilian children by 6 to 59 months of age. Cad Saúde Pública. 2012;28:1759-71.
  • 27
    Pedraza DF, Queiroz D, Paiva AA, Cunha MA, Lima ZN. Food security, growth and vitamin A, hemoglobin and zinc levels of preschool children in the northeast of Brazil. Cienc Saude Coletiva. 2014;19:641-50.
  • 28
    Prado MS, Assis AM, Martins MC, Nazaré MP, Rezende IF, Conceição ME. Vitamin A deficiency in children of rural zones, Northeast region of Brazil. Rev Saúde Pública. 1995;29:295-300.
  • 29
    Thurnham DI, McCabe GP, Northrop-Clewes CA, Nestel P. Effects of subclinical infection on plasma retinol concentrations and assessment of prevalence of vitamin A deficiency: meta-analysis. Lancet. 2003;362:2052-8.
  • Financiamento: O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Mar 2018
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2017
  • Aceito
    27 Jul 2017
Sociedade de Pediatria de São Paulo R. Maria Figueiredo, 595 - 10o andar, 04002-003 São Paulo - SP - Brasil, Tel./Fax: (11 55) 3284-0308; 3289-9809; 3284-0051 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rpp@spsp.org.br