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CONTEÚDO DE GORDURA E ENERGIA NO COLOSTRO: EFEITO DA IDADE GESTACIONAL E DO CRESCIMENTO FETAL

RESUMO

Objetivo:

Avaliar se o conteúdo de gordura e o valor energético estimado no colostro diferem em função da idade gestacional e do crescimento fetal.

Métodos:

Estudo transversal com mães de recém-nascidos pré-termo e a termo nascidos em centro terciário em 2015-2016. Critério de inclusão: gestação única, sem diabetes, corioamnionite e mastite, sem uso de drogas ilícitas e álcool, ausência de malformação ou infecção congênita fetal. Foram constituídos quatro grupos conforme idade gestacional e crescimento fetal: pré-termo pequeno para a idade gestacional (n=33); pré-termo adequado (n=60); a termo pequeno (n=59) e a termo adequado para a idade gestacional (controle, n=73). O colostro foi coletado por extração manual entre 24 e 72 h pós-parto. Foram analisadas variáveis gestacionais e de nascimento. Os desfechos foram o conteúdo de gordura no colostro, pelo método do crematócrito, e o valor energético estimado. Na comparação entre grupos foram utilizados os testes do qui-quadrado ou Exato de Fisher, ANOVA e regressão linear multivariada.

Resultados:

A idade gestacional média foi de 34 semanas nos neonatos pré-termo e 39 semanas nos a termo. O crematócrito não diferiu entre os grupos, com valores médios de 3,3 a 4,0%; e o valor energético estimado foi de 52 a 56 kcal/dL. Crematócrito ≥4% foi mais frequente no grupo a termo pequeno para idade gestacional. Apenas no grupo de recém-nascidos pré-termo pequenos para a idade gestacional houve correlação entre crematócrito e índice de massa corpórea materno.

Conclusões:

O conteúdo de gordura e o valor energético estimado do colostro não diferiram em função da idade gestacional e do crescimento fetal.

Palavras-chave:
Recém-nascido; Prematuro; Aleitamento materno; Colostro; gordura

ABSTRACT

Objective:

To determine whether fat content and energy value change in colostrum according to gestational age and fetal growth.

Methods:

Cross-sectional study with mothers of preterm and term infants born in a tertiary center in 2015-2016. Inclusion criteria: single pregnancy, absence of diabetes, chorioamnionitis and mastitis, no use of illicit drugs or alcohol, without fetal congenital malformation or infection. Four groups were formed according to gestational age and fetal growth: preterm infants small for gestational age (PT-SGA; n=33) and appropriate for gestational age (PT-AGA; n=60), term infants small for gestational age (T-SGA; n=59) and appropriate for gestational age (T-AGA; control, n=73). Colostrum was collected between 24-72 hours postpartum. Gestational and birth variables were analyzed. Outcome variables were: fat content in colostrum (evaluated by crematocrit method) and estimated energy value. Chi-square or Fisher exact tests, ANOVA, and multivariable linear regression were used for comparison among groups.

Results:

Mean gestational age was 34 weeks in preterm infants and 39 weeks in term neonates. Crematocrit did not differ between groups, with mean values varying between 3.3 and 4.0%; estimated energy value was 52 to 56 kcal/dL. Crematocrit ≥4% was more frequent in the T-SGA group. Only in the PT-SGA group there was a correlation between crematocrit and body mass index of the mother.

Conclusions:

The fat content and energy value of colostrum did not change according to gestational age or fetal growth.

Keywords:
Infant; Premature; Breast feeding; Colostrum; Fat

INTRODUÇÃO

O aleitamento materno é considerado padrão ouro na alimentação de recém-nascidos e tem sido bastante incentivado para os nascidos pré-termo devido às propriedades imunológicas do leite materno, seu papel na maturação gastrintestinal e na formação do vínculo mãe-filho, contribuindo, assim, para um melhor prognóstico de crescimento e desenvolvimento.11. World Health Organization. Guidelines on optimal feeding of low birthweight infants in low-and middle-income countries. Geneva: WHO; 2011.,22. Underwood MA. Human milk for the premature infant. Pediatr Clin North Am. 2013;60:189-207.,33. Gibertoni D, Corvaglia L, Vandini S, Rucci P, Savini S, Alessandroni R, et al. Positive effect of human milk feeding during NICU hospitalization on 24 month neurodevelopment of very low birth weight infants: An Italian cohort study. PLoS ONE. 2015;10:e0116552.,44. Andreas NJ, Kampmann B, Mehring Le-Doare K. Human breast milk: A review on its composition and bioactivity. Early Hum Dev. 2015;91:629-35.

É classicamente conhecido que a lactação evolui em três fases, sendo a primeira representada pelo colostro, produzido nos primeiros cinco dias após o parto. O colostro é um fluido peculiar, produzido em pequena quantidade, rico em componentes imunológicos, lactoferrina, leucócitos e fatores de crescimento, que apresenta concentrações relativamente baixas de lactose e maior conteúdo proteico e lipídico em comparação ao leite maduro.55. Castellote C, Casillas R, Ramirez-Santana C, Pérez-Cano FJ, Castell M, Moretones MG, et al. Premature delivery influences the immunological composition of colostrum and transitional and mature human milk. J Nutr. 2011;141:1181-7.,66. Pang WW, Hartmann PE. Initiation of human lactation: secretory differentiation and secretory activation. J Mammary Gland Biol Neoplasia. 2007;12:211-21. A segunda fase é de transição, que ocorre do sexto dia até o final da segunda semana após o parto; a seguir, o leite é classificado como maduro.77. Nommsen-Rivers LA, Dolan LM, Huang B. Timing of stage II lactogenesis is predicted by antenatal metabolic health in a cohort of primipars. Breastfeed Med. 2012;7:43-9.

O leite materno contém uma combinação adequada de macronutrientes (proteínas, lipídios e carboidratos) e micronutrientes, incluindo minerais, vitaminas e vários componentes bioativos.88. World Health Organization. Collaborative Study Team on the Role of Breastfeeding on the prevention of infant mortality. Effect of breastfeeding on infant and child mortality due to infectious disease in less developed countries: a pooled analysis. Lancet. 2000;355:451-5.,99. Ballard O, Morrow AL. Human milk composition nutrients and bioactive factors. Pediatr Clin North Am. 2013;60:49-74. Já está bem documentada na literatura a diferença na composição do leite de mães de conceptos pré-termo em comparação às mães de recém-nascidos a termo, com maior conteúdo de proteínas, lipídios e consequente maior valor energético no leite materno de nascidos pré-termo.99. Ballard O, Morrow AL. Human milk composition nutrients and bioactive factors. Pediatr Clin North Am. 2013;60:49-74. Nas primeiras oito semanas de lactação são referidos valores médios de 1,3 g/Dl de proteína; 3,5 g/dL de lipídeos; e 7,3 g/dL de carboidratos no leite de mães de neonatos pré-termo. Entretanto, esses dados devem ser interpretados com cautela, pois os valores encontrados referem-se à média das concentrações em colostro e leite maduro.1010. Boyce C, Watson M, Lazidis G, Reeve S, Dods K, Simmer K, et al. Preterm human milk composition: a systematic literature review. Br J Nutr. 2016;15:1033-45.

Especificamente em relação aos lipídios, sua concentração no leite materno difere conforme as condições geográficas, os hábitos alimentares das mães, a idade gestacional e pós-natal, o período do dia, o estado nutricional materno e o tempo de mamada (maior quantidade no final da mamada).1111. Iranpour R, Kelishadi R, Babaie S, Khosravi-Darani K, Farajian S. Comparison of long chain polyunsaturated fatty acid content in human milk in preterm and term deliveries and its correlation with mothers' diet. J Res Med Sci. 2013;18:1-5.,1212. Sinanoglou VJ, Cavouras D, Boutsikou T, Briana DD, Lantzouraki DZ1, Paliatsiou S, et al. Factors affecting human colostrum fatty acid profile: A case study. PLoS One. 2017;12:e0175817. Diferenças marcantes no conteúdo de lipídios do leite materno são descritas em nascidos abaixo de 30 semanas, com valores médios de 4,0 g/dL com uma semana de lactação, enquanto aqueles acima de 30 semanas e os nascidos a termo apresentam quantidades semelhantes (média de 2,5 g/dL).22. Underwood MA. Human milk for the premature infant. Pediatr Clin North Am. 2013;60:189-207. Essa diferença na composição lipídica do leite de mães de conceptos pré-termo merece destaque, pois os lipídios são fundamentais não apenas para o fornecimento de energia, mas também para o desenvolvimento do sistema nervoso central e da retina.1313. Lauritzen L, Hansen HS, Jorgensen MH, Michaelsen KF. The essentiality of long chain n-3 fatty acids in relation to development and function of the brain and retina. Prog Lipid Res. 2001;40:1-94.

A despeito da existência de vários estudos sobre o leite materno, são raros os dados sobre o efeito do crescimento fetal na composição do leite materno e mais escassos ainda os estudos que investigam os efeitos da idade gestacional e do crescimento fetal na composição do colostro. A ênfase atual no uso do colostro aumenta o interesse e a necessidade de aprofundar o conhecimento sobre sua composição e possível variação em função da idade gestacional e do crescimento fetal. Assim, o objetivo deste estudo foi investigar se o conteúdo de gordura e o valor energético do colostro diferem em função da idade gestacional e do crescimento fetal.

MÉTODO

Estudo transversal, envolvendo puérperas cujo parto foi realizado na Maternidade do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu (Universidade Estadual Paulista - UNESP), nos anos de 2015-2016. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição e todas as participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Participaram do estudo as puérperas que preencheram os seguintes critérios: gestação única; ausência de diabetes e de corioamnionite; sem uso de drogas ilícitas e álcool; ausência de malformação fetal e infecção congênita. Não foram incluídas as puérperas com mastite e as que não conseguiram retirar o volume mínimo necessário de colostro.

A amostra estudada correspondeu ao número máximo de puérperas que preencheram os critérios de inclusão no período de estudo. No total, 225 puérperas foram estudadas e distribuídas nos grupos de estudo, obtendo-se, com essa amostra, um poder do teste maior do que 80%.

Foram constituídos quatro grupos de estudo, com base na idade gestacional e no crescimento fetal: neonatos pré-termo pequenos para a idade gestacional (PT-PIG); neonatos pré-termo adequados para a idade gestacional (PT-AIG); recém-nascidos a termo pequenos para a idade gestacional (T-PIG) e recém-nascidos a termo adequados para a idade gestacional (T-AIG ou controle).

A idade gestacional foi calculada pela melhor estimativa obstétrica (ultrassom de primeiro trimestre ou data precisa da última menstruação). A adequação do peso de nascimento para a idade gestacional baseou-se na curva de crescimento intrauterino de Fenton e Kim,1414. Fenton TR, Kim JH. A systematic review and meta-analysis to revise the Fenton growth chart for preterm infants. BMC Pediatrics. 2013;13:59. sendo classificados como adequados para a idade gestacional quando o peso de nascimento se situava entre os percentis 10-90 da referida curva e, pequenos para a idade gestacional, quando o peso era inferior ao percentil 10.

As variáveis independentes do estudo foram: dados maternos, como idade, escolaridade, paridade, tabagismo, índice de massa corpórea (IMC) pré-gestacional, rotura prematura de membranas, sofrimento fetal e tipo de parto; e dados do recém-nascido, como idade gestacional, necessidade de reanimação ao nascimento, Apgar de 1º minuto de vida, peso de nascimento e adequação do peso para a idade gestacional. Os desfechos de interesse foram o conteúdo de gordura e o valor energético estimado do colostro nos quatro grupos de estudo. Como desfecho secundário, definiu-se a correlação entre crematócrito e IMC materno.

Amostras de 0,5 a 1,0 mL de colostro foram coletadas por extração manual entre 24 e 72 horas após o parto, no período da manhã e no intervalo das mamadas. O conteúdo de gordura foi estimado pelo método do crematócrito, conforme descrito por Lucas et al.1515. Lucas A, Gibbs JA, Lyster RL, Baum JD. Creamatocrit: simple clinical technique for estimating fat concentration and energy value of human milk. Br Med J. 1978;1:1018-20. O método do crematócrito é simples, barato e reprodutível, com coeficiente de variação <1%.1616. Meier PP, Engstrom JL, Murtaugh MA, Vasan U, Meier WA, Schanler RJ. Mothers' milk feedings in the neonatal intensive care unit: accuracy of the creamatocrit technique. J Perinatol. 2002;22:646-9. Para determinar o crematócrito, dois tubos capilares foram preenchidos com o colostro imediatamente após a coleta, sendo uma das pontas seladas e os tubos centrifugados durante 15 minutos a 12.000 rpm, em microcentrífuga (Celm®). O crematócrito foi expresso pela porcentagem da coluna de creme no tubo capilar com o auxílio de um cremômetro (régua milimetrada). A aferição do crematócrito foi realizada sempre pelo mesmo autor, que desconhecia a que grupo as amostras pertenciam. O conteúdo energético das amostras de colostro foi calculado pela Equação 1 proposta por Lucas et al. 25

E n e r g i a ( k c a l / d L ) = 5,99 x c r e m a t ó c r i t o ( % ) + 32,5 . (1)

As variáveis contínuas foram descritas em tabelas com cálculo de média e desvio padrão e as categorizadas, expressas como número e proporção de eventos. No estudo das associações entre grupos foram utilizados os testes do qui-quadrado ou exato de Fisher para as variáveis categóricas e ANOVA para as contínuas. O efeito de potenciais fatores de confusão nos desfechos deste estudo foi controlado em um modelo de regressão linear múltipla, no qual foram incluídas todas as variáveis que, na análise univariada, diferiram significativamente entre os grupos. Correlação múltipla de Pearson foi empregada para estimar a força da associação entre o crematócrito e o IMC materno. Em todas as análises, o nível de significância foi de 5%.

RESULTADOS

No período de agosto de 2015 a julho de 2016, foram selecionadas 275 puérperas que preencheram os critérios de inclusão; entretanto, 50 não foram incluídas devido à não obtenção do volume necessário de colostro. Assim, foram estudadas amostras de 225 puérperas, estratificadas em quatro grupos: PT-PIG (n=33); PT-AIG (n=60); T-PIG (n=59); e T-AIG (n=73).

Dentre as puérperas estudadas, mais de 90% realizaram controle pré-natal e 19% eram tabagistas, sem diferenças entre os grupos. Os principais dados maternos e gestacionais são apresentados na Tabela 1, na qual se destaca que o IMC materno foi maior no grupo T-AIG em relação aos demais e que o percentual de sobrepeso/obesidade nesse grupo foi elevado, embora sem significância estatística. Sofrimento fetal e parto cesáreo foram mais frequentes no grupo PT-PIG (Tabela 1).

Tabela 1:
Dados maternos e gestacionais nos quatro grupos.

Os dados de nascimento encontram-se na Tabela 2, na qual se observa a maior necessidade de reanimação e a menor frequência de aleitamento materno na primeira hora de vida nos grupos de nascidos pré-termo. A idade gestacional média dos grupos de conceptos pré-termo foi de 34 semanas, caracterizando-os como pré-termo tardios (Tabela 2).

Tabela 2:
Dados de nascimento nos quatro grupos.

Na Tabela 3, observa-se que os valores médios do crematócrito e da energia estimada não diferiram entre os grupos. Entretanto, valores mais elevados de crematócrito (≥4%) predominaram no grupo T-PIG. A análise de regressão linear múltipla mostrou que houve correlação entre crematócrito e IMC materno somente no grupo PT-PIG (Tabela 3).

Tabela 3:
Crematócrito, energia e correlação entre crematócrito e índice de massa corpórea materno nos quatro grupos.

DISCUSSÃO

Este estudo mostrou que a quantidade de gordura e o valor energético do colostro não diferem em função da idade gestacional e do crescimento fetal. Entretanto, os resultados obtidos nos grupos de pequenos para a idade gestacional, seja de lactantes de recém-nascido pré-termo ou a termo, sugerem a existência de mecanismos adaptativos na glândula mamária, visando garantir a adequação nutricional do leite materno a esses recém-nascidos mais vulneráveis, que não tiveram adequado crescimento fetal.

Uma preocupação frequente na nutrição de neonatos ­pré-termo é a oferta insuficiente de energia, que pode comprometer o seu crescimento. Nesse aspecto, os resultados do presente estudo sugerem que a oferta energética do colostro para o pré-termo e para recém-nascidos pequenos para a idade gestacional pode ser considerada adequada, uma vez que não diferiu do grupo controle.

Os lipídios constituem a principal fonte energética do leite materno, e a avaliação do conteúdo de gordura e energia do leite pode auxiliar na otimização da nutrição do recém-nascido pré-termo. Nesse sentido, destaca-se o crematócrito, um método simples e barato para estimar o conteúdo de gordura e energia do leite materno, que pode ser utilizado na prática diária.1616. Meier PP, Engstrom JL, Murtaugh MA, Vasan U, Meier WA, Schanler RJ. Mothers' milk feedings in the neonatal intensive care unit: accuracy of the creamatocrit technique. J Perinatol. 2002;22:646-9.

Estudos sobre o crematócrito do leite materno são escassos e com casuística pequena. Weber et al.1717. Weber A, Loui A, Jochum F, Bührer C, Obladen M. Breast milk from mothers of very low birthweight infants: variability in fat and protein content. Acta Paediatr. 2001;90:772-5. determinaram o conteúdo de lipídios no leite de 20 mães de prematuros de muito baixo peso em função do ritmo circadiano e das semanas de lactação. Os valores medianos da concentração lipídica na primeira semana foram de 3,9 g/dL, e houve variabilidade no decorrer do dia, com valores menores no período da manhã (3,5 g/dL) e maiores nos períodos da tarde e noite (aproximadamente 4 g/dL).1717. Weber A, Loui A, Jochum F, Bührer C, Obladen M. Breast milk from mothers of very low birthweight infants: variability in fat and protein content. Acta Paediatr. 2001;90:772-5. No presente estudo, as amostras foram obtidas sempre no período da manhã, e os resultados foram similares.

Outro estudo analisou o conteúdo lipídico e o valor energético do leite materno nas três fases de lactação, comparando 22 mães de prematuros e 39 mães de recém-nascidos a termo. No colostro das mães de nascidos pré-termo, o crematócrito foi menor do que nos nascidos a termo, embora sem significância estatística (4,9% versus 5,6%). Também não houve diferença significativa no valor energético. Uma limitação deste estudo foi não referir a média da idade gestacional dos pacientes pré-termo, que variou de 26 a 36 semanas.1818. Kociszewska-Najman B, Borek-Dzieciol B, Szpotanska-Sikorska M, Wilkos E, Pietrzak B, Wielgos M. The creamatocrit, fat and energy concentration in human milk produced by mothers of preterm and term infants. J Matern Fetal Neonatal Med. 2012;25:1599-602.

No Brasil, Grumach et al.1919. Grumach AS, Jerônimo SE, Hage M, Carneiro-Sampaio MM. Nutritional factors in milk from Brazilian mothers delivering small for gestational age neonates. Rev Saúde Pública. 1993;27:455-62. investigaram se a composição de macronutrientes do leite de mães de T-PIG difere em comparação à dos grupos PT-AIG e T-AIG (controle). Foram estudadas 66 puérperas, estratificadas nos três grupos: 16 no T-PIG, 20 no PT-AIG e 30 no T-AIG. A idade gestacional média foi de 39 semanas nos grupos a termo e 34 semanas no grupo pré-termo. O grupo T-PIG teve menores valores do crematócrito no colostro, enquanto o grupo PT-AIG não diferiu em relação ao controle. Houve grande variabilidade no crematócrito, com valores no colostro desde o mínimo de 1% nos três grupos até o máximo de 13% no grupo controle. Não foram apresentados os valores medianos,1919. Grumach AS, Jerônimo SE, Hage M, Carneiro-Sampaio MM. Nutritional factors in milk from Brazilian mothers delivering small for gestational age neonates. Rev Saúde Pública. 1993;27:455-62. o que dificulta a comparação com os resultados do presente estudo.

Pesquisas recentes têm focalizado o efeito do crescimento fetal na composição do leite materno e valorizado o papel dos lipídios no prognóstico de neurodesenvolvimento. Domany et al.2020. Domany KA, Mandel D, Kedem MH, Lubetzky R. Breast milk fat content of mothers to small-for-gestational-age infants. J Perinatol. 2015;35:444-6. investigaram se o conteúdo de gordura no leite materno difere em função do crescimento fetal. O crematócrito foi avaliado nas três fases da lactação em 26 mães de recém-nascidos pequenos para a idade gestacional, em comparação a 30 mães de recém-nascidos adequados. Os valores médios do crematócrito nas três fases de lactação não diferiram nos dois grupos. Entretanto, a interpretação desses resultados fica limitada pelo fato de a amostra não ter sido estratificada em função da idade gestacional, que variou de 25 a 41 semanas.2020. Domany KA, Mandel D, Kedem MH, Lubetzky R. Breast milk fat content of mothers to small-for-gestational-age infants. J Perinatol. 2015;35:444-6. Outro estudo, com 60 puérperas, também não encontrou efeito do crescimento fetal na composição dos ácidos graxos nas três fases da lactação, quando controlado o efeito da idade gestacional.2121. Lubetzky R, Argov-Argaman N, Mimouni FB, Armoni Domany K, Shiff Y, Berkovitz Z, et al. Fatty acids composition of human milk fed to small for gestational age infants. J Matern Fetal Neonatal Med. 2016;29:3041-4.

Estudo recente investigou os fatores que influenciam no perfil de ácidos graxos do colostro e documentou que aspectos demográficos, incluindo a idade e a nacionalidade materna, tiveram maior influência do que o tipo de parto e o IMC materno.1313. Lauritzen L, Hansen HS, Jorgensen MH, Michaelsen KF. The essentiality of long chain n-3 fatty acids in relation to development and function of the brain and retina. Prog Lipid Res. 2001;40:1-94.

O presente estudo avaliou o efeito da idade gestacional e do crescimento fetal - bem como a possível influência de fatores maternos, gestacionais e do nascimento - no conteúdo de gordura do colostro. Não houve efeito da idade gestacional nem do crescimento fetal, apenas o IMC materno correlacionou-se com o crematócrito. Uma hipótese aventada para esses resultados seria que, frente a situações adversas na gestação, ocorrem alterações fisiológicas no processo de lactação, visando compensar o prejuízo intraútero e suprir as necessidades do recém-nascido. Dois achados importantes fundamentaram essa hipótese: em primeiro lugar, embora os valores médios de crematócrito não tenham diferido, o grupo T-PIG teve percentual significativamente maior de amostras de colostro com crematócrito mais elevado (≥4%). Ainda, a correlação entre o crematócrito e o IMC materno ocorreu apenas no grupo PT-PIG, sugerindo que a presença concomitante dos dois agravos, prematuridade e crescimento fetal inadequado, poderia ultrapassar o limite fisiológico de compensação materna, tornando a quantidade de gordura do colostro diretamente relacionada com o estado nutricional materno, o que traduz maior vulnerabilidade desse grupo.

Este estudo tem algumas limitações. Em 18% da amostra elegível não foi possível obter o volume necessário de colostro, o que ocorreu predominantemente após o parto cesáreo e quando o recém-nascido necessitou de internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). O método utilizado foi o crematócrito, devido à facilidade na execução, boa reprodutibilidade e baixo custo,1616. Meier PP, Engstrom JL, Murtaugh MA, Vasan U, Meier WA, Schanler RJ. Mothers' milk feedings in the neonatal intensive care unit: accuracy of the creamatocrit technique. J Perinatol. 2002;22:646-9.,2020. Domany KA, Mandel D, Kedem MH, Lubetzky R. Breast milk fat content of mothers to small-for-gestational-age infants. J Perinatol. 2015;35:444-6. porém, existem métodos mais sensíveis, que possibilitam determinar não apenas a quantidade, mas também a composição dos lipídios.1111. Iranpour R, Kelishadi R, Babaie S, Khosravi-Darani K, Farajian S. Comparison of long chain polyunsaturated fatty acid content in human milk in preterm and term deliveries and its correlation with mothers' diet. J Res Med Sci. 2013;18:1-5.,1212. Sinanoglou VJ, Cavouras D, Boutsikou T, Briana DD, Lantzouraki DZ1, Paliatsiou S, et al. Factors affecting human colostrum fatty acid profile: A case study. PLoS One. 2017;12:e0175817. O padrão de consumo alimentar das puérperas não foi avaliado; o delineamento transversal do estudo não possibilitou analisar a evolução do conteúdo de gordura em função das fases da lactação; o número de puérperas no grupo de PT-PIG foi relativamente pequeno, o que não permitiu análise de subgrupos para investigar mais profundamente a influência do estado nutricional materno na composição do colostro. Entretanto, apesar do pequeno número de mães de PT-PIG, foram detectadas diferenças estatísticas e com relevância clínica nesse grupo, como a correlação entre o crematócrito e o estado nutricional materno, alertando para a maior vulnerabilidade dos prematuros pequenos para a idade gestacional.

Os pontos fortes do estudo foram o grande tamanho amostral e a estratificação dos grupos, que permitiram avaliar o efeito da idade gestacional e do crescimento fetal. Este estudo acrescenta novos conhecimentos que reforçam os benefícios e a valorização do aleitamento materno para todos os recém-nascidos, sejam eles prematuros e/ou pequenos para a idade gestacional. Mais pesquisas são recomendadas para aprofundar o conhecimento sobre a composição lipídica do colostro.

Os resultados obtidos permitem concluir que o conteúdo de gordura e o valor energético estimado do colostro não diferem em função da idade gestacional e do crescimento fetal.

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  • Financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - Processo no 2014/12784-9 PIBIC/CNPq - Bolsa de Iniciação Científica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2018
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2018

Histórico

  • Recebido
    06 Abr 2017
  • Aceito
    13 Ago 2017
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