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COMUNICAÇÃO DA NOTÍCIA DE MORTE E SUPORTE AO LUTO DE MULHERES QUE PERDERAM FILHOS RECÉM-NASCIDOS

RESUMO

Objetivo:

Analisar a comunicação da morte do filho e o apoio ao luto de mulheres no período puerperal.

Métodos:

Trata-se de uma pesquisa com abordagem qualitativa realizada em uma capital do Nordeste. Foram aplicadas entrevistas semiestruturadas com 15 mulheres cujos recém-nascidos faleceram entre julho de 2012 e julho de 2014. As entrevistas abordaram questões acerca da morte do filho e do processo de luto. Foi realizada Análise de Conteúdo na modalidade temática.

Resultados:

As mulheres expressaram o sofrimento e a angústia diante da perda do filho, algumas vezes agravados pela forma da comunicação da notícia e pela falta de suporte ofertado para o enfrentamento. Foram encontradas duas categorias empíricas: receber a notícia da morte e voltar para casa de mãos vazias. As equipes não estão preparadas para a comunicação de notícias difíceis nem para o suporte às mulheres que perderam filhos recém-nascidos. Para as mulheres, o apoio recebido pela família e pela religião ajudou no processo de luto.

Conclusões:

Os resultados indicam a necessidade de capacitação profissional para comunicação de notícias difíceis e suporte ao luto, bem como a formulação de políticas institucionais que apoiem e ofereçam cuidado aos trabalhadores. Além disso, é necessária a articulação com as equipes da atenção básica para a continuidade do cuidado.

Palavras-chave:
Morte perinatal; Luto; Apoio social; Humanização da assistência

ABSTRACT

Objective:

To analyze the communication of a child’s death and the grief support provided to the women during puerperium.

Methods:

This is a qualitative study performed at a capital of the Northeast region of Brazil. Semi-structured interviews were carried out with 15 women, whose children died from July 2012 to July 2014. The interviews contained questions about the child’s death and the grieving process. The content analysis was performed with a thematic approach.

Results:

The women expressed the suffering and the anguish of the loss of a child, sometimes aggravated by the way in which the news of death was delivered, and by the lack of support offered in the coping process. Two empirical categories were found: receiving the news of death and going back home empty-handed. The health care teams are not prepared to deliver bad news, nor to give support to women who lose a newborn child. According to the women, the support received from the family and religion helped them in the grieving process.

Conclusions:

The results indicate the need for professional qualification for the delivery of bad news and for grief support. They also showed the need for institutional policies that offer support to the professionals. Besides, the articulation with the primary health care team is imperative for the continuity of care.

Keywords:
Perinatal death; Bereavement; Social support; Humanization of assistance

INTRODUÇÃO

A perda de um filho é uma experiência de sofrimento intensa, que expõe o ser humano à própria impotência.11. Consonni EB, Petean EB. Loss and grieving: the experiences of women who terminate a pregnancy due to lethal fetal malformations. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18:2663-70. Essa questão fica ainda mais evidente quando a perda ocorre no período neonatal, pois implica em um tipo muito particular de luto, lento e doloroso, que envolve aspectos individuais dos pais e suas dinâmicas de relacionamento no enfrentamento dessa situação.22. Oishi KL. Julia's garden: the experience of a mother during mourning. Psicol Teor e Pesq. 2014;30:5-11. Os pais que passam por essa experiência vivem um momento de crise e precisam adaptar-se à nova situação,33. Kenner C, Press J, Ryan D. Recommendations for palliative and bereavement care in the NICU: a family centered integrative approach. J Perinatol. 2015;35:S19-23. sendo de fundamental importância que tenham liberdade para viver e expressar o seu pesar e luto44. Silva JD, Sales CA. From the imaginary to reality: the experience of bereaved parents. Rev Rene. 2012;13:1142-51. e que recebam suporte da equipe de saúde que lhes acompanha.55. Charlton R, Dolman E. Bereavement: A protocol for primary care. Br J Gen Pract. 1995;45:427-30.

Para a mãe, pode ser ainda mais difícil, sobretudo pela experiência física e psicológica da gestação e pelas mudanças hormonais.66. Lemos LF, Cunha AC. Death in the maternity hospital: how health professionals deal with the loss. Psicol Estud. 2015;20:13-22. O processo de luto é um trabalho de ajustamento à perda, que implica sofrimento, bem como a capacidade de encontrar alguma esperança, conforto e alternativas de vida.77. Freud S. Luto e melancolia, 1917. In: A história do movimento psicanalítico. Rio de Janeiro: Imago; 1996. p. 243- 63. Os enlutados procuram significado nessa transição não apenas nos âmbitos pessoal e familiar, mas também nas esferas social e cultural, tendo o luto um papel social.88. Santos EM, Sales CA. Relatives in mourning: a phenomenological existential understanding of their experiences. Texto Contexto Enferm. 2011;20:214-22.,99. Neimeyer RA, Klass D, Dennis MR. A social constructionist account of grief: Loss and the narration of meaning. Death Stud. 2014;38:485-98.

No caso da morte de bebês, o silêncio, muito comum por parte das pessoas que estão ao redor das famílias enlutadas, pode dar a conotação de que essa morte não é considerada significante, afinal, “ele” não foi apresentado socialmente.1010. Faria Schützer DB, Neto GL, Duarte CA, Vieira CM, Turato ER. It is a great empty: reports of women who have experienced fetal death during pregnancy. Estud Interdiscip Psicol. 2014;5:113-32. Nesse sentido, há invisibilidade social dessa morte, para a qual os profissionais devem estar atentos no sentido de não reproduzir.1111. Koopmans L, Wilson T, Cacciatore J, Flenady V. Support for mothers, fathers and families after perinatal death. Cochrane Database Syst Rev. 2013. Daí a importância de os serviços de saúde fornecerem um apoio sensível às famílias que perderam seus bebês precocemente,1111. Koopmans L, Wilson T, Cacciatore J, Flenady V. Support for mothers, fathers and families after perinatal death. Cochrane Database Syst Rev. 2013. cuidando da comunicação da morte e de ofertar apoio à mulher e à família.

Este estudo teve como objetivo analisar a comunicação da morte do filho e o apoio ao luto de mulheres no período puerperal.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, parte de um projeto maior, realizada com mulheres residentes do município de São Luís que tiveram partos em diferentes maternidades no período de julho de 2012 a julho de 2014. As participantes foram identificadas a partir das declarações de óbitos (DOs) de seus filhos recém-nascidos, cadastrados no Sistema de Informação de Mortalidade (SIM).

Os critérios de inclusão foram: mãe residente no município de São Luís, idade gestacional igual ou superior a 32 semanas e peso ao nascimento igual ou superior a 2500 g. Esses critérios objetivaram excluir recém-nascidos com maior probabilidade de óbito e a idade gestacional de 32 semanas foi condicionada às faixas de classificação da duração da gestação estabelecidas na DO. Os critérios de exclusão foram: mulheres com deficiência mental que implicasse em prejuízo cognitivo.

Foram encontradas 410 DOs de recém-nascidos no período do estudo e, a partir dos critérios de inclusão, foram selecionadas 55; destas, nove estavam sem endereço e foram excluídas. A partir dos endereços foram identificados os distritos sanitários de saúde das residências e a situação de cobertura pela Estratégia Saúde da Família (ESF), ficando a amostra inicial de 31 mulheres. Foi realizado contato com os agentes comunitários de saúde para a localização do domicílio e solicitação de autorização para a visita. Das 31 mulheres, 15 aceitaram participar da pesquisa.

Os dados sociodemográficos foram extraídos das DOs (local de ocorrência e causa do óbito, histórico de perdas gestacionais anteriores, idade gestacional) e de um questionário estruturado elaborado previamente contemplando as seguintes variáveis maternas - idade, cor da pele, escolaridade, ocupação, religião, situação conjugal e história obstétrica - e do recém-nascido - peso ao nascer e condições de nascimento.

O diagnóstico de morte evitável foi obtido na Ficha de Investigação do Óbito Infantil e Fetal, no Núcleo de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde, a partir da Lista de Mortes Evitáveis por Intervenções do Sistema Único de Saúde (SUS).1212. Malta DC, Duarte EC, Almeida MF, Dias MA, Morais Neto OL, Moura L, et al. List of avoidable causes of deaths due to interventions of the Brazilian Health System. Epidemiol Serv Saúde. 2007;16:233 44.

Foram realizadas entrevistas semiestruturadas pela pesquisadora principal no domicílio, em datas e horários decididos pelas entrevistadas, gravadas e posteriormente transcritas, utilizando um roteiro com perguntas abertas, incluindo questões relacionadas à morte do filho e ao processo de luto.

Foram realizadas cinco oficinas utilizando a técnica da Análise de Conteúdo, na modalidade temática, seguindo os passos de pré-análise, categorização e interpretação.1313. Bardin L. Análise de conteúdo. 5th ed. Lisboa: Edições 70; 2011.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HU/UFMA). As identidades das mulheres foram mantidas no anonimato. Seus nomes foram substituídos pelos de mulheres conhecidas nacional e/ou internacionalmente que perderam seus filhos ou que lutaram de alguma forma pelos direitos de mulheres e crianças.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram entrevistadas 15 mulheres, com idade entre 20 e 32 anos, a maioria de cor parda. Quanto aos anos de estudo, 7 tinham de 4 a 7; 6, de 8 a 11; e 2, 12 ou mais. Seis eram donas de casa, uma era estudante e oito exerciam trabalho remunerado. Oito eram casadas ou tinham união estável, seis eram solteiras e uma era divorciada. Apenas uma estava na primeira gestação. Três já haviam tido um filho natimorto. Nove tiveram gestação a termo, oito tiveram parto vaginal e duas não realizaram o pré-natal. Nove mulheres relataram algum tipo de problema na gravidez, mas apenas três foram referenciadas para pré-natal especializado. Quatro bebês tinham malformação, sendo que em apenas dois foi feita identificação no pré-natal.

Com relação aos óbitos, sete ocorreram no primeiro dia de vida, quatro entre um e sete dias e quatro a partir do oitavo dia. Cinco ocorreram por sepse, três por malformações, três devido a causas respiratórias, dois por hipoxemia, um por problemas cardíacos e um por outras afecções perinatais. Todos os óbitos ocorreram em maternidades ou hospitais de referência do SUS e 13 foram considerados evitáveis.

As falas das entrevistadas sobre a morte e o processo de luto expressam o sofrimento e a angústia diante da situação de perda do filho e foram organizadas em duas categorias empíricas: receber a notícia da morte e voltar para casa de mãos vazias.

Comunicação da morte

A partir dos relatos, percebeu-se dificuldade por parte dos profissionais em comunicar não apenas a morte, mas também a notícia de que algo não ia bem com o recém-nascido, evidenciando falhas na comunicação entre profissionais e usuários.

As mulheres perceberam que algo errado estava acontecendo com seus bebês, principalmente após o nascimento e, sobretudo, a partir de alterações como choro, palidez, mudança na cor da pele, na respiração e na agitação. Muitas referiram demora, por parte da equipe de saúde, em dar informações sobre o quadro clínico do bebê.

Eu olhei logo o jeito. Porque toda criança que nasce chora logo, ela ficou caladinha. Eu disse logo: ela não tá bem não. Eles pegaram e correram logo, não me disseram nada não. (Zuzu)

Destaca-se a importância da disponibilidade de profissionais para informar sobre os procedimentos, por meio da criação de condições para que as usuárias compartilhem dúvidas e anseios.55. Charlton R, Dolman E. Bereavement: A protocol for primary care. Br J Gen Pract. 1995;45:427-30.,1414. Flenady V, Boyle F, Koopmans L, Wilson T, Stones W, Cacciatore J. Meeting the needs of parents after a stillbirth or neonatal death. BJOG. 2014;121 Suppl 4:137-40.

A notícia da morte foi predominantemente dada pela equipe de saúde, em sua maioria por enfermeiros ou médicos. Algumas, no entanto, não sabiam dizer qual profissional deu a notícia. As atitudes desses profissionais relatadas apontam o despreparo, bem como a violência, para a comunicação da morte.

Foi uma ignorante, não soube falar: ‘Quem é do leito tanto?’ Eu disse: ‘Sou eu’. ‘Ah, seu filho acabou de falecer. Vai preparando o velório.’ (Lucinha)

Me perguntaram: ‘Ah, tu tá chorando por quê?’ Como chorando por quê? Que pergunta é essa? (Bertha)

Quando ela disse meu nome que eu comecei a chorar, ela disse: ‘Vixe, ela já tá chorando, eu nem disse ainda o que é’. Aí, quando ela chegou perto de mim ela disse: ‘Olha, mãe, Deus sabe o que faz’ Não! Não é assim! Foi isso que me abalou mais, sabe? Ela dizer: ‘Olha, mãe, Deus levou ele, mas é assim mesmo’. Não! (Frida)

A falta de sensibilidade por parte da equipe de saúde foi identificada no momento da admissão, na atenção ao parto e ao nascimento, bem como na comunicação da notícia. Os relatos referem descaso e abandono em diversas situações. Uma das entrevistadas, por exemplo, contou que após a perda de seu filho permaneceu em uma enfermaria com outras puérperas amamentando, sem qualquer cuidado com a singularidade do seu contexto. Outra situação que denota violência institucional é o relato da notícia de morte do filho por telefone:

Na madrugada meu celular tocou. Eram eles avisando que há dez minutinhos ela tinha falecido. Ai pronto. Foi só… (Anita)

Aí quando eu atendo, a mulher disse ‘é a mãe do bebê que veio deixar tal e tal dia aqui?’ Aí eu disse ‘sim’ ela disse ‘mãe, sinto muito lhe informar, mas seu bebê acabou falecendo.’ (Tassia)

Montero et al.1515. Montero SM, Sánchez JM, Montoro CH, Crespo ML, Jaén AG, Tirado MB. Experiences with perinatal loss from the health professionals' perspective. Rev Latinoam Enfermagem. 2011;19:1405-12. mostraram que os profissionais de saúde ainda apresentam despreparo na prática assistencial diante da perda perinatal. Os achados desta pesquisa indicam que muitos acabam agindo friamente, principalmente devido à falta de estratégias e destreza em relação às demandas apresentadas pelos pais, além de não reconhecerem seu papel para o manejo dessa experiência traumática.

A comunicação da notícia de morte apresenta-se como desafio para os profissionais de saúde, que, muitas vezes, têm pouca habilidade para lidar com a dor do outro,66. Lemos LF, Cunha AC. Death in the maternity hospital: how health professionals deal with the loss. Psicol Estud. 2015;20:13-22.,1616. Monteiro DT, Reis CG, Quintana AM, Mendes JM. Death: the hard denouement to be transmitted by the doctors. Estud Pesq Psicol. 2015;15:547-67. e quando o fazem estabelecem uma relação de simpatia1717. Sennett R. Juntos: os rituais, os prazeres e a política da cooperação. Rio de Janeiro: Record; 2012., e não de empatia denotando a falta de preparo para a comunicação de notícias difíceis e para o suporte emocional aos pacientes. Isso reforça a importância de treinamento para a transmissão de notícias difíceis de forma que o profissional tenha confiança no cumprimento dessa tarefa1818. Penello L, Magalhães P. Comunicação de más notícias: uma questão se apresenta. In: Brasil. Ministério da Saúde. Instituto nacional do câncer (INCA). Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein. Comunicação de notícias difíceis: compartilhando desafios na atenção à saúde. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; 2010. p. 23-36.,1919. Wigert H, Blom MD, Bry K. Parents' experiences of communication with neonatal intensive care unit staff: an interview study. BMC Pediatr. 2014;14:304.,2020. Baile WF, Buckman R, Lenzi R, Glober G, Beale EA, Kudelka AP. SPIKES - a six step protocol for delivering bad news: application to the patient with cancer. Oncologist. 2000;5:302-11..

Outra situação que pode ser tomada como importante marcador da necessidade de mudanças institucionais no processo de trabalho foi o que nos contou Zilda:

Só chegavam as médicas para fazer medicamento e perguntavam: ‘Cadê a criança?’ (Zilda)

Neste caso, a criança já havia morrido. O cuidado profissional de buscar informações antes de entrar em contato com a mãe é muito importante para evitar o agravo do sofrimento.

A abordagem profissional, e até mesmo de familiares, apesar de ter sido identificada a intenção de apoio, muitas vezes, foi inadequada, como relatado abaixo:

‘Mãe, é assim mesmo’. Ela disse que eu era nova. Aí eu disse assim: ‘Oh, doutora, mas a senhora não sabe a dor que eu tô sentindo não, já faz cinco anos que eu tô esperando minha filha, isso não é fácil não’ (Anita)

Aí ela: ‘Vai, minha filha, logo tu vais ter outro filho, deixa passar um ano, com um ano tu pode engravidar de novo’ (Frida)

Segundo Iaconelli,2121. Iaconelli V. Unusual Mourning, denial and trauma: psychoanalytic clinic with mothers and babies. Rev Latinoam Psicopatol Fundam. 2007;10:614-23. é comum as mães ouvirem frases como: “calma, você é jovem e poderá ter outros filhos”; “foi melhor assim...”. Podemos inferir que um dos motivos para tais atitudes seja a dificuldade de as pessoas entrarem em contato com a tristeza, já que, na atualidade, há um movimento de total supressão dos sentimentos e, diante de uma perda, muitos são impelidos a voltar o mais depressa possível à rotina e fingir que nada aconteceu.2222. Ariès P. História da morte no ocidente. Rio de Janeiro: Ediouro; 2003. Os relatos reafirmam que a morte é um tabu social e as dificuldades em lidar com a comunicação parecem afetar todos.

A forma como a morte é comunicada tem repercussão duradoura para a família.2323. Farias LM, Freire JG, Chaves EM, Monteiro AR. Nursing and humanistic care to mothers as they face neonatal death. Rev Rene. 2012;13:365-74. O conteúdo e a forma dessa comunicação são igualmente importantes, considerando-se que a notícia da morte é o início da concretização sobre a perda e da vivência saudável do luto.

Para a elaboração do luto, as pessoas devem ser encorajadas a compartilhar os sentimentos provocados pela perda.66. Lemos LF, Cunha AC. Death in the maternity hospital: how health professionals deal with the loss. Psicol Estud. 2015;20:13-22.,99. Neimeyer RA, Klass D, Dennis MR. A social constructionist account of grief: Loss and the narration of meaning. Death Stud. 2014;38:485-98. No luto, não há fórmula para mitigar a dor, mas é possível estar presente e mostrar ao enlutado que ele não está sozinho e que vivenciar a perda é necessário.88. Santos EM, Sales CA. Relatives in mourning: a phenomenological existential understanding of their experiences. Texto Contexto Enferm. 2011;20:214-22. Nesse sentido, os profissionais de saúde precisam ser mais bem preparados para que possam oferecer acolhimento e suporte nessas situações.2020. Baile WF, Buckman R, Lenzi R, Glober G, Beale EA, Kudelka AP. SPIKES - a six step protocol for delivering bad news: application to the patient with cancer. Oncologist. 2000;5:302-11. Precisam ter experiência técnica e assumir uma postura ética e acolhedora, pois é por meio delas que o familiar desenvolverá confiança e segurança.33. Kenner C, Press J, Ryan D. Recommendations for palliative and bereavement care in the NICU: a family centered integrative approach. J Perinatol. 2015;35:S19-23.,2424. Souza TL, Barilli SL, Azeredo NS. Perspective of family members regarding the process of dying in the intensive care unit. Texto Contexto Enferm. 2014;23:751-7.

A comunicação efetiva e afetiva minimiza dificuldades e incertezas, além de fortalecer o sentimento de segurança, facilitando o bom relacionamento, que é vital para a qualidade da assistência e auxilia na compreensão e na aceitação da morte.99. Neimeyer RA, Klass D, Dennis MR. A social constructionist account of grief: Loss and the narration of meaning. Death Stud. 2014;38:485-98.,1818. Penello L, Magalhães P. Comunicação de más notícias: uma questão se apresenta. In: Brasil. Ministério da Saúde. Instituto nacional do câncer (INCA). Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein. Comunicação de notícias difíceis: compartilhando desafios na atenção à saúde. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; 2010. p. 23-36.,1919. Wigert H, Blom MD, Bry K. Parents' experiences of communication with neonatal intensive care unit staff: an interview study. BMC Pediatr. 2014;14:304.,2525. Pinheiro EM, Balbino FS, Balieiro MM, Domenico EB, Avena MJ. Perceptions of newborns' families about the communication of bad news. Rev Gaucha Enferm. 2009;30:77-84.

Parte do preparo dos profissionais passa pela possibilidade de que eles tenham apoio institucional para lidarem com essas situações-limite,1919. Wigert H, Blom MD, Bry K. Parents' experiences of communication with neonatal intensive care unit staff: an interview study. BMC Pediatr. 2014;14:304. que podem gerar sofrimento e níveis crescentes de adoecimento. Entretanto, infelizmente, ainda costumam ser insuficientes as políticas institucionais voltadas para a atenção e o cuidado à saúde dos trabalhadores.1818. Penello L, Magalhães P. Comunicação de más notícias: uma questão se apresenta. In: Brasil. Ministério da Saúde. Instituto nacional do câncer (INCA). Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein. Comunicação de notícias difíceis: compartilhando desafios na atenção à saúde. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; 2010. p. 23-36.

Voltar para casa de mãos vazias

Voltar para casa sem o filho foi um dos momentos mais difíceis relatados pelas entrevistadas. Isso representou a concretização da perda do filho, acompanhada por uma sensação de vazio e de impossibilidade de início de uma nova fase da família, que ocorreria com a chegada do bebê à casa.

O pior é vir para casa sem a criança. É isso que é o ruim, o que dói mais [...] chegar em casa, olhar as coisinhas tudinho [...] (Cissa)

A alta da maternidade costuma ser imaginada como um momento de alegria e simboliza um evento de apresentação social do bebê ao círculo familiar, do qual será um novo membro.2626. Oliveira K, Veronez M, Higarashi IH, Corrêa DA. Family life experience in the process of birth and hospitalization of a child in a neonatal ICU. Esc Anna Nery. 2013;17:46-53. O óbito do bebê torna-se uma situação de duro enfrentamento pessoal e de constrangimento social.1010. Faria Schützer DB, Neto GL, Duarte CA, Vieira CM, Turato ER. It is a great empty: reports of women who have experienced fetal death during pregnancy. Estud Interdiscip Psicol. 2014;5:113-32.

A morte do filho representa o início de uma difícil trajetória a ser percorrida. Para a elaboração dessa perda, os pais precisam construir uma nova realidade, considerando o investimento e as expectativas quanto ao futuro de um filho que já não existe.2727. Bittencourt AL, Quintana AM, Velho MT. Loss of a child: grief and the donation of organs. Estud psicol (Campinas). 2011;28:435-42.

A maioria das entrevistadas não teve oportunidade de participar dos rituais fúnebres dos seus filhos. Algumas justificaram que ainda estavam internadas na ocasião. No entanto, outras que poderiam ter vivido essa experiência de concretização da perda do filho como um apoio para a elaboração do luto referiram que não foram incentivadas a fazê-lo.

Eu me arrependo e queria que voltasse atrás aquele momento porque eu queria ter desenrolado a minha filha, ter dado banho nela e enterrado ela com roupinha, né? Como qualquer outra criança... Mas eu tava em desespero tão grande e já tinham cortado toda a minha filha, já tava com a cabeça toda pelada, já tava tão feia que eu não tive mais coragem de olhar não. (Anita)

Será que, se Anita tivesse sido encorajada, teria conseguido enfrentar sua dor e cuidar da filha morta para que agora não vivesse essa situação de arrependimento? Os profissionais de saúde reconhecem essa função como inerente ao cuidado com mulheres que perderam seus filhos?

Segundo Oishi,22. Oishi KL. Julia's garden: the experience of a mother during mourning. Psicol Teor e Pesq. 2014;30:5-11. para a vivência do luto é importante incentivar os pais a lidarem com a morte do filho por meio do encorajamento de atitudes como ver e tocar o bebê morto, escolher um nome e o local de sepultamento, bem como realizar o funeral. Entretanto, é preciso sensibilidade por parte da equipe para respeitar a singularidade das situações.33. Kenner C, Press J, Ryan D. Recommendations for palliative and bereavement care in the NICU: a family centered integrative approach. J Perinatol. 2015;35:S19-23.,1111. Koopmans L, Wilson T, Cacciatore J, Flenady V. Support for mothers, fathers and families after perinatal death. Cochrane Database Syst Rev. 2013.

Os rituais de passagem são momentos intermediários e provisórios de imprecisão e crise, possibilitando ao indivíduo refletir sobre a sua existência na sociedade. Entre eles, os rituais fúnebres referem-se à cerimônia funeral, mas também a cuidados como: buscar o corpo, lavar o corpo morto, escolher a vestimenta e o local do velório e o sepultamento) e têm a função de simbolizar uma experiência de perda e separação.2828. Silva AC, Lüdorf SM. Gennep AV Os ritos de passagem. Trad. Mariano Ferreira. Petrópolis: Vozes, 2011. Pensar a Prática. 2012;15:821-1113.

Outro resultado foi a importância do apoio familiar no processo de luto presente em todas as falas. Algumas ressaltaram a importância do apoio recebido e outras, a exemplo de Èdith, manifestaram a sensação de desamparo na ausência dele.

E minha mãe não quis logo dar a notícia pra família toda, pros irmãos todos, porque não veio o corpinho, né? Aí eu achei isso. Mas, depois, caso passado, eu fiquei: ‘Mãe, eu precisava de todo mundo perto de mim’. Eu tinha que tá com as minhas irmãs nesse primeiro momento da morte dele. (Èdith)

O luto é vivenciado, sobretudo, no âmbito familiar, e o apoio mútuo ajuda no processo de adaptação à perda.11. Consonni EB, Petean EB. Loss and grieving: the experiences of women who terminate a pregnancy due to lethal fetal malformations. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18:2663-70.,2929. Delalibera M, Presa J, Coelho A, Barbosa A, Franco MH. Family dynamics during the grieving process: a systematic literature review. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20:1120-34. Embora a família participe desse sofrimento, os integrantes precisam compreender que os pais, principalmente a mãe, precisam de apoio emocional incondicional.2323. Farias LM, Freire JG, Chaves EM, Monteiro AR. Nursing and humanistic care to mothers as they face neonatal death. Rev Rene. 2012;13:365-74.

A religião foi referida como importante fator para a aceitação da morte. Em alguns relatos, a morte foi compreendida como um “desígnio de Deus”.

Mas tem que se conformar, né? A vontade de Deus, não é nossa. (Zilda)

Deus não tem obrigação nenhuma de justificar nada pra gente, né? A gente tem que aceitar. (Èdith)

Maiores níveis de envolvimento religioso estão associados positivamente a indicadores de bem-estar psicológico, bem como melhor saúde física e mental. Crenças e práticas religiosas podem reduzir a sensação de desamparo e perda do controle que acompanha processos de adoecimento, proporcionando apoio e aliviando o sofrimento.11. Consonni EB, Petean EB. Loss and grieving: the experiences of women who terminate a pregnancy due to lethal fetal malformations. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18:2663-70.,2626. Oliveira K, Veronez M, Higarashi IH, Corrêa DA. Family life experience in the process of birth and hospitalization of a child in a neonatal ICU. Esc Anna Nery. 2013;17:46-53.,3030. Stroppa A, Moreira Almeida A. Religiosidade e saúde. In: Freire G, Salgado M, editors. Saúde e espiritualidade: uma nova visão da medicina. Belo Horizonte: Inede; 2008. p. 427-43. O apoio dos familiares e a crença religiosa atuam como fatores de proteção para lidar com a dor ocasionada pela morte.99. Neimeyer RA, Klass D, Dennis MR. A social constructionist account of grief: Loss and the narration of meaning. Death Stud. 2014;38:485-98.,2323. Farias LM, Freire JG, Chaves EM, Monteiro AR. Nursing and humanistic care to mothers as they face neonatal death. Rev Rene. 2012;13:365-74.

Essas mulheres nos falaram sobre suas histórias de luto e, para muitas, essa foi a única oportunidade de narrar a perda do filho, o que pode contribuir para a elaboração ou a ressignificação da experiência. Por outro lado, tal cenário configurou uma das limitações do estudo, considerando que algumas não aceitaram participar, justificando que não queriam revisitar essa experiência de dor. Outras limitações referem-se à dificuldade de garantir privacidade no domicílio, fazendo com que algumas entrevistas fossem interrompidas e retomadas posteriormente, e à dificuldade de localização das mulheres por mudança de endereço.

CONCLUSÃO

Conclui-se que muitas equipes não estão preparadas para a comunicação de notícias difíceis nem para o suporte às mulheres que perderam filhos recém-nascidos, indicando a necessidade de capacitação profissional e de políticas institucionais que apoiem e ofereçam cuidado aos trabalhadores.

Para as mulheres entrevistadas, duas coisas ajudaram no processo de luto: o apoio recebido pela família e a religião. Reforça-se que é fundamental que esse apoio seja também ofertado pela equipe de saúde, sobretudo na maternidade e nos primeiros momentos de retorno para casa.

Por fim, destaca-se que a responsabilidade da equipe não cessa com a comunicação do óbito. É necessário disponibilizar à mãe, ao pai e à família um retorno ao hospital, caso desejem, para falar sobre o óbito e tirar dúvidas. Esse retorno deve acontecer com a própria equipe da Neonatologia, especialmente com o profissional que tiver desenvolvido uma relação mais próxima com a família. Além disso, é fundamental também a articulação com a equipe da atenção básica, para que possibilite a continuidade do cuidado.

REFERÊNCIAS

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Financiamento

  • Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA), Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2018
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2017
  • Aceito
    24 Set 2017
  • Publicado
    31 Out 2018
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