Acessibilidade / Reportar erro

TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO E FATORES PÓS-NATAIS: UM ESTUDO DE CASO CONTROLE NO BRASIL

RESUMO

Objetivo:

Estimar, em uma população brasileira, a magnitude da associação entre o transtorno do espectro do autismo (TEA) e os fatores pós-natais.

Métodos:

Estudo de caso controle realizado com 253 indivíduos com diagnóstico do TEA e 886 sem sinais do transtorno. Foi aplicado um questionário semiestruturado e adotou-se o modelo de regressão logística múltipla na análise dos dados. Para estimar a magnitude das associações, utilizou-se a razão de chances (Odds Ratio - OR) bruta e ajustada.

Resultados:

Encontrou-se associação de TEA com os seguintes fatores: ter nascido com má-formação congênita (OR 4,24; intervalo de confiança de 95% - IC95% 1,92-9,34), icterícia neonatal (OR 1,43; IC95% 1,01-2,02), ausência de choro ao nascer (OR 1,97; IC95% 1,20-3,23) e episódio de convulsão na infância (OR 5,75; IC95% 3,37-9,81). A magnitude da associação foi maior nas crianças/adolescentes que tiveram duas ou mais complicações pós-natais (OR 6,39; IC95% 4,10-10,00).

Conclusões:

Os achados do presente estudo sugerem que má-formação, icterícia neonatal, ausência de choro ao nascer e episódios de convulsão na infância são fatores importantes a serem considerados ao estudar a etiologia do TEA.

Palavras-chave:
Autismo; Fatores de risco; Criança; Recém-nascido

ABSTRACT

Objective:

To estimate the magnitude of the association between Autism Spectrum Disorder (ASD) and postnatal factors in a Brazilian population.

Methods:

A case-control study was performed with 253 individuals diagnosed with ASD and 886 individuals without signs of the disorder. A semi-structured questionnaire and the multiple logistic regression model were adopted in the data analysis. To estimate the magnitude of associations, the crude and adjusted Odds Ratio (OR) was used.

Results:

An association with the following factors was found: having been born with congenital malformation (OR 4.24; confidence interval of 95% - 95%CI 1.92-9.34), neonatal jaundice (OR 1.43; 95%CI 1.01-2.02), absence of crying at birth and seizure episode in childhood (OR 5.75; 95%CI 3.37-9.81). The magnitude of the association was higher in the children/adolescents who had two or more postnatal complications (OR 6.39; 95%CI 4.10-10.00).

Conclusions:

The findings of the present study suggest that malformation, neonatal jaundice, absence of crying at birth and seizure episodes in childhood are important factors to be considered when studying the etiology of ASD.

Keywords:
Autistic disorder; Risk factors; Child; Infant, newborn

INTRODUÇÃO

O transtorno do espectro do autismo (TEA) é um transtorno do desenvolvimento neurológico que envolve prejuízo persistente na comunicação social recíproca, na interação social e em padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades e cujos sintomas surgem, em geral, na primeira infância. Normalmente, esses sintomas persistem ao longo da vida e podem causar prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.11. American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 5th ed. Arlington, VA: American Psychiatric Association; 2013.

Desde o primeiro estudo epidemiológico sobre TEA, realizado em 1966 no Reino Unido, até um dos mais recentes, desenvolvido em 2014 nos Estados Unidos, tem sido observado aumento na prevalência desse transtorno na população. No primeiro estudo foram estimadas 4,1 pessoas afetadas para cada 10 mil indivíduos, enquanto na pesquisa americana se constatou um caso do TEA para cada 59 crianças com oito anos de idade.22. Lotter V. Epidemiology of autistic conditions in young children. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol. 1966;1:124-35.,33. Baio J, Wiggins L, Christensen DL, Maenner MJ, Daniels J, Warren Z, et al. Prevalence of autism spectrum disorder among children aged 8 years - Autism and Developmental Disabilities Monitoring Network, 11 Sites, United States, 2014. MMWR Surveill Summ 2018;67:1-23.

A grande variabilidade fenotípica verificada nos indivíduos com TEA pode ocorrer por conta da interação entre genes e ambiente, interação de múltiplos genes dentro do mesmo genoma e combinações distintas de genes em diferentes indivíduos.44. Tordjman S, Somogyi E, Coulon N, Kermarrec S, Cohen D, Bronsard G, et al. Gene x Environment interactions in autism spectrum disorders: role of epigenetic mechanisms. Front Psychiatry. 2014;5:53. Estudo com gêmeos monozigóticos tem apontado taxa superior a 90% de herança genética para TEA,55. Nordenbæk C, Jørgensen M, Kyvik KO, Bilenberg N. A Danish population-based twin study on autism spectrum disorders. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2014;23:35-43. entretanto Tordjman et al. sugerem a estimativa de 50% de herança genética e 50% de fator ambiental e apontam que a taxa de concordância para gêmeos monozigóticos é maior do que a observada para gêmeos dizigóticos, porém essa taxa de concordância é incompleta para TEA.44. Tordjman S, Somogyi E, Coulon N, Kermarrec S, Cohen D, Bronsard G, et al. Gene x Environment interactions in autism spectrum disorders: role of epigenetic mechanisms. Front Psychiatry. 2014;5:53. Tais achados e os mecanismos epigenéticos, que são estavelmente mantidos após exposições ambientais, reforçam a contribuição de fatores não genéticos na etiologia desse transtorno.44. Tordjman S, Somogyi E, Coulon N, Kermarrec S, Cohen D, Bronsard G, et al. Gene x Environment interactions in autism spectrum disorders: role of epigenetic mechanisms. Front Psychiatry. 2014;5:53. Entre os possíveis fatores não genéticos relacionados ao TEA, têm-se estudado fatores pós-natais, mas os resultados são divergentes.66. George B, Padmam MS, Nair MK, Leena ML, Russell PS. CDC Kerala 13: Antenatal, natal and postnatal factors among children (2-6 y) with autism--a case control study. Indian J Pediatr. 2014;81 Suppl 2:S133-7.,77. Hadjkacem I, Ayadi H, Turki M, Yaich S, Khemekhem K, Walha A, et al. Prenatal, perinatal and postnatal factors associated with autism spectrum disorder. J Pediatr (Rio J). 2016;92:595-601.,88. Larsson HJ, Eaton WW, Madsen KM, Vestergaard M, Olesen AV, Agerbo E, et al. Risk factors for autism: perinatal factors, parental psychiatric history, and socioeconomic status. Am J Epidemiol. 2005;161:916-25.,99. Maramara LA, He W, Ming X. Pre-and perinatal risk factors for autism spectrum disorder in a New Jersey cohort. J Child Neurol. 2014;29:1645-51.,1010. Dodds L, Fell DB, Shea S, Armson BA, Allen AC, Bryson S. The role of prenatal, obstetric and neonatal factors in the development of autism. J Autism Dev Disord. 2011;41:891-902.,1111. Hultman CM, Sparén P, Cnattingius S. Perinatal risk factors for infantile autism. Epidemiology. 2002;13:417-23.,1212. Gardener H, Spiegelman D, Buka SL. Perinatal and neonatal risk factors for autism: a comprehensive meta-analysis. Pediatrics. 2011;128:344-55.,1313. Zhang X, Lv CC, Tian J, Miao RJ, Xi W, Hertz-Picciotto I, et al. Prenatal and perinatal risk factors for autism in China. J Autism Dev Disord. 2010;40:1311-21.,1414. Maimburg RD, Væth M, Schendel DE, Bech BH, Olsen J, Thorsen P. Neonatal jaundice: a risk factor for infantile autism? Pediatr Perinat Epidemiol. 2008;22:562-8.,1515. Duan G, Yao M, Ma Y, Zhang W. Perinatal and background risk factors for childhood autism in central China. Psychiatry Res. 2014;220:410-7.,1616. Hwang YS, Weng SF, Cho CY, Tsai WH. Higher prevalence of autism in Taiwanese children born prematurely: a nationwide population-based study. Res Dev Disabil. 2013;34:2462-8.,1717. McCue LM, Flick LH, Twyman KA, Xian H, Conturo TE. Prevalence of non-febrile seizures in children with idiopathic autism spectrum disorder and their unaffected siblings: a retrospective cohort study. BMC Neurol. 2016;16:245.,1818. Fezer GF, Matos MB, Nau AL, Zeigelboim BS, Marques JM, Liberalesso PB. Perinatal features of children with autism spectrum disorder. Rev Paul Pediatr. 2017;35:130-5.

Observa-se ainda escassez de pesquisas que investigaram essa temática, especialmente na América do Sul. Nesse contexto, o presente estudo objetivou estimar, em uma população brasileira, a magnitude da associação entre TEA e fatores pós-natais.

MÉTODO

Trata-se de um recorte de um estudo de caso controle que investigou a associação entre fatores pré-natal, perinatal e pós-natal e o TEA no município de Montes Claros, MG, Brasil.

O tamanho amostral foi planejado para estudo de caso controle independente, visando estimar razão de chances (Odds Ratio - OR) de 1,9, dada a probabilidade de 0,18 de exposição entre os controles.1919. Lwanga SK, Lemeshow S. Determinación del tamaño de las muestras em los estudios sanitários - Manual práctico. Ginebra: Organización Mundial de la Salud; 1991.,2020. Budi LP, Sitaresmi MN, Windiani IG. Paternal and maternal age at pregnancy and autism spectrum disorders in offspring. Paediatr Indones. 2016;55:345.,2121. Xavier RB, Jannotti CB, Silva KS, Martins AC. Reproductive risk and family income: analysis of the profile of pregnant women. Ciênc Saude Coletiva. 2013;18:1161-71. Por se tratar de uma investigação em que vários fatores de exposição foram analisados, esses parâmetros referiram-se ao fator de exposição idade materna na gestação maior ou igual a 35 anos, que forneceu o maior tamanho amostral. Definiram-se o poder do estudo de 80%, o nível de significância de 0,05 e quatro controles por caso. Acrescentou-se na amostra 10% para compensar possíveis perdas e adotou-se deff=1,5 para correção do efeito do desenho. O tamanho da amostra necessário foi definido em 213 casos e 930 controles.

O grupo caso foi constituído de crianças/adolescentes com idade entre 2 e 15 anos, assistidos em oito clínicas especializadas de Montes Claros e na Associação Norte Mineira de Apoio ao Autista (ANDA). O diagnóstico do TEA foi confirmado por profissionais (fonoaudiólogos, psicólogos e médicos) com especialização em TEA, os quais se fundamentaram nos critérios de diagnóstico para TEA propostos pelo Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-5).11. American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 5th ed. Arlington, VA: American Psychiatric Association; 2013.

As clínicas especializadas e a ANDA foram visitadas e sensibilizadas e forneceram uma lista de 398 mães de crianças/adolescentes com diagnóstico confirmado do TEA. Após contatadas por telefone, 253 (64%) aceitaram participar do estudo.

O grupo controle foi composto de crianças/adolescentes sem sinais do TEA, matriculados nas mesmas escolas em que os casos estudavam. No grupo caso havia crianças (n=14) que não estavam frequentando a escola. Assim, identificaram-se em unidades de Estratégia Saúde da Família (ESF) crianças sem sinais do TEA que não estavam inseridas em ambiente escolar (n=66). Buscaram-se identificar crianças controle na mesma faixa etária dos casos, na razão de 4:1. Intencionalmente, a variável sexo não foi considerada, por haver interesse em verificar a associação entre TEA e sexo na população brasileira.

Os gestores das escolas identificadas foram sensibilizados e 63 concordaram em participar deste estudo. As crianças/adolescentes foram selecionados pela direção das escolas, sendo excluídos aqueles com laudo médico para TEA e com suspeita de algum transtorno psiquiátrico. As mães dessas crianças foram contatadas, e o total de 1.006 aceitaram participar da pesquisa.

Visando identificar crianças do grupo controle com sinais do TEA, foi aplicada nesse grupo a versão traduzida para o português do Modified Checklist for Autism in Toddlers (M-CHAT), instrumento usado para rastrear crianças com 18-30 meses.2222. Losapio MF, Pondé MP. Translation into Portuguese of the M-CHAT Scale for early screening of autism. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul. 2008;30:221-9.,2323. Robins DL, Fein D, Barton ML, Green JA. The modified checklist for autism in toddlers: an initial study investigating the early detection of autism and pervasive developmental disorders. J Autism Dev Disord. 2001;31:131-44. Para as crianças/adolescentes que não se encontravam nessa faixa etária, as mães foram orientadas a responder à ferramenta conforme o comportamento dos filhos em tal período. Identificaram-se e excluíram-se desse grupo 120 crianças/adolescentes com sinais do TEA, e suas mães foram orientadas a procurar um profissional habilitado para melhor investigação.

A coleta dos dados foi conduzida de forma presencial e individual, em local e horário previamente agendados, de acordo com a disponibilidade das mães. Uma equipe previamente treinada, constituída de estudantes de graduação, participantes de um programa de iniciação científica, fez os agendamentos e realizou as entrevistas.

Utilizou-se um instrumento semiestruturado, elaborado com base em uma revisão de literatura e revisado por uma equipe multiprofissional. Todas as respostas foram obtidas por meio de um questionário autoadministrado, preenchido pelas mães de ambos os grupos, com a presença de um membro da equipe para fornecer esclarecimentos. O instrumento continha três questões abertas e 19 fechadas, compostas das opções de resposta “sim”, “não”, “não sei/não lembro”.

As questões abertas foram:

  • A criança nasceu com quantas semanas?

  • Qual foi o peso ao nascer (PN) (em g)?

  • Qual é o total de eventos convulsivos ao longo da vida?

As questões fechadas foram:

  • Apresentou diabetes gestacional?

  • Apresentou pré-eclâmpsia/eclâmpsia?

  • Fumou durante a gestação?

  • O recém-nascido (RN) teve sofrimento fetal (SF), lesão ou trauma no nascimento?

  • O RN teve hipóxia (faltou oxigênio)?

  • O RN teve dificuldade de iniciar respiração ao nascer?

  • Presença de choro ao nascer?

  • O RN recebeu tratamento com oxigênio?

  • O RN nasceu com icterícia (IN) (nasceu amarelinho)?

  • O RN nasceu com anemia?

  • O RN teve alguma infecção?

  • O RN teve febre?

  • A criança ficou internada no Centro de Terapia Intensiva (CTI)/Unidade de Terapia Intensiva (UTI)?

  • A criança fez cirurgia?

  • A criança tem epilepsia?

  • A criança tem ou teve convulsões?

  • A criança teve traumatismo craniano encefálico (hemorragia, hematoma na cabeça)?

  • A criança teve inflamação do sistema nervoso (SN) (meningite, encefalite)?

  • A criança nasceu com alguma má-formação/doença genética (MFDG), por exemplo, síndrome de Down, síndrome de Rett, X frágil, não identificada e outras. Qual(is)?

O tipo de infecção neonatal também foi investigado, com as alternativas de resposta: conjuntivite, pneumonia, meningite, sepse (infecção generalizada) e outras, qual(is)?

As perguntas sobre as crianças referiam-se a eventos ocorridos do nascimento até a idade atual. O índice de Apgar e a circunferência da cabeça não foram incluídos, em razão da ausência de informações.

Pré-termo foi considerado quando a criança/adolescente nasceu com idade gestacional (IG) menor que 37 semanas. O PN foi definido pela primeira medição após o nascimento, sendo avaliado inferior a 2.500 g baixo peso e inferior a 1.500 g muito baixo peso. O peso para a IG foi classificado como pequeno para a IG (PIG), adequado para a IG (AIG) e grande para a IG (GIG), de acordo com Battaglia & Lubchenco.2424. Battaglia FC, Lubchenco LO. A practical classification of newborn infants by weight and gestational age. J Pediatr. 1967;71:159-63. Idade materna foi categorizada em <30 e ≥30 anos. Mãe tabagista foi definida quando usou qualquer tipo de cigarro durante a gestação, independentemente do número. As demais variáveis foram ponderadas de acordo com a presença ou ausência do evento avaliado.

Ressalta-se que, previamente à coleta dos dados, foi realizado um estudo piloto com dez mães de crianças/adolescentes com diagnóstico do TEA e 100 da população em geral. Os questionários aplicados nesse pré-teste não foram incluídos no estudo.

As mães foram orientadas a levar o cartão de pré-natal e a caderneta de vacina no momento da coleta de dados. Das 1.139 mães participantes, 284 (25%) apresentaram os documentos solicitados e, destes, 198 (70%) possuíam registro dos dados. As respostas foram comparadas com os registros dos documentos, obtendo-se concordância de 85%.

Realizaram-se distribuições de frequência de todas as variáveis, segundo os grupos caso e controle. Na análise bivariada, utilizou-se o teste do qui-quadrado, e aquelas variáveis que apresentaram nível descritivo (valor p) menor que 0,20 foram selecionadas para análise múltipla. Na análise múltipla, adotou-se o modelo de regressão logística, cuja magnitude da associação entre o desfecho e as variáveis independentes foi estimada pela Odds Ratio (OR), com respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Foi avaliado, ainda, o número de complicações pós-natais associados ao TEA. As variáveis de confusão consideradas foram sexo da criança/adolescente, idade da mãe, pré-eclâmpsia/eclâmpsia. Para avaliar a qualidade de ajuste do modelo, foram adotados o teste Hosmer-Lemeshow e a estatística pseudo R2 Nagelkerke. As análises estatísticas dos dados foram feitas por meio do software estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 23.0 (IBM, Chicago, Estados Unidos).

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) (Parecer nº 534.000/14), e todos os responsáveis pelas crianças/adolescentes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

RESULTADOS

A amostra foi constituída de 1.139 indivíduos, dos quais 253 eram do grupo caso e 886 do grupo controle. Destes, 80,2 e 50,7% dos grupos caso e controle, respectivamente, eram do sexo masculino, com diferença significativa (p<0,001).

Observou-se média de idade semelhante entre os grupos (p=0,464), 6,5±3,5 anos no grupo caso e 6,6±3,4 no grupo controle. A distribuição da classe social (p=0,320) e o tipo de escola que frequentavam (p=0,561) também foram semelhantes entre os grupos.

Na análise bivariada, confirmaram-se associações positivas e significativas com TEA em relação às seguintes características maternas: faixa etária ≥30 anos, gravidez múltipla e pré-eclâmpsia/eclâmpsia durante a gestação. Verificaram-se ainda associações positivas entre TEA e a maioria das variáveis ligadas aos fatores pós-natais, exceto pré-termo, GIG, ter realizado algum tipo de cirurgia e presença de anemia neonatal (Tabelas 1 e 2).

Tabela 1
Distribuições dos grupos caso e controle segundo característica do recém-nascido: Odds Ratio bruta com respectivos intervalos de confiança. Montes Claros, MG, Brasil, 2015/2016.
Tabela 2
Distribuição dos grupos caso e controle segundo eventos ocorridos na infância: Odds Ratio bruta com respectivos intervalos de confiança de 95%. Montes Claros, MG, Brasil, 2015/2016.

Na análise múltipla, houve associação positiva e significativa entre TEA e MFDG, IN, ausência de choro ao nascer e episódios de convulsão na infância (Tabela 3). Constatou-se ainda que a magnitude da associação foi maior no grupo que teve duas ou mais complicações pós-natais do que no grupo que teve apenas uma (Tabela 4).

Tabela 3
Modelo de regressão múltipla das características do recém-nascido e eventos ocorridos na infância associados ao transtorno do espectro do autismo: Odds Ratio ajustada com respectivos intervalos de confiança de 95%. Montes Claros, MG, Brasil.

Tabela 4
Modelo de regressão múltipla do número de complicações do recém-nascido associado ao transtorno do espectro do autismo: Odds Ratio ajustadas com respectivos intervalos de confiança de 95%. Montes Claros, MG, Brasil.

DISCUSSÃO

Nas últimas décadas têm sido relatadas associações entre fatores pós-natais e TEA, e neste estudo de caso controle em uma população brasileira, comprovou-se associação com os seguintes fatores: ter nascido com MFDG, IN, ausência de choro e episódio de convulsão. A magnitude da associação foi maior nas crianças/adolescentes que tiveram duas ou mais complicações pós-natais.

Os resultados mostraram semelhança entre os grupos no que se referiu à média de idade e à classe social. Verificou-se que crianças/adolescentes com TEA apresentaram mais chance de ter mães com idade ≥30 anos e ser do sexo masculino, assim como em outras regiões do mundo.77. Hadjkacem I, Ayadi H, Turki M, Yaich S, Khemekhem K, Walha A, et al. Prenatal, perinatal and postnatal factors associated with autism spectrum disorder. J Pediatr (Rio J). 2016;92:595-601.,88. Larsson HJ, Eaton WW, Madsen KM, Vestergaard M, Olesen AV, Agerbo E, et al. Risk factors for autism: perinatal factors, parental psychiatric history, and socioeconomic status. Am J Epidemiol. 2005;161:916-25.,99. Maramara LA, He W, Ming X. Pre-and perinatal risk factors for autism spectrum disorder in a New Jersey cohort. J Child Neurol. 2014;29:1645-51.,1010. Dodds L, Fell DB, Shea S, Armson BA, Allen AC, Bryson S. The role of prenatal, obstetric and neonatal factors in the development of autism. J Autism Dev Disord. 2011;41:891-902.

Observou-se que crianças/adolescentes com TEA apresentaram mais chance de ter MFDG, a saber: síndrome de Down (n=2), síndrome do X frágil (n=2), síndrome de Rett (n=1), síndrome de Kabuki (n=1), má-formação no pé (n=7) e outros (n=23). Por causa do número reduzido de indivíduos nesse grupo, optou-se por verificar nas análises apenas a presença ou ausência de tal fator. Resultados semelhantes aos relatados foram achados por outros estudos, que também encontraram associação, diferindo da pesquisa de Zhang et al., que não constatou tal associação.1010. Dodds L, Fell DB, Shea S, Armson BA, Allen AC, Bryson S. The role of prenatal, obstetric and neonatal factors in the development of autism. J Autism Dev Disord. 2011;41:891-902.,1111. Hultman CM, Sparén P, Cnattingius S. Perinatal risk factors for infantile autism. Epidemiology. 2002;13:417-23.,1212. Gardener H, Spiegelman D, Buka SL. Perinatal and neonatal risk factors for autism: a comprehensive meta-analysis. Pediatrics. 2011;128:344-55.,1313. Zhang X, Lv CC, Tian J, Miao RJ, Xi W, Hertz-Picciotto I, et al. Prenatal and perinatal risk factors for autism in China. J Autism Dev Disord. 2010;40:1311-21. Ressalta-se que as condições de nascimento de um neonato com má-formação se relacionam diretamente a um pior prognóstico, e anomalias maiores podem contribuir com complicações nesse período, sugerindo que essas complicações podem levar a anormalidades neurológicas e consequentemente ao TEA.2525. Nhoncanse GC, Germano CM, Avó LR, Melo DG. Maternal and perinatal aspects of birth defects: a case-control study. Rev Paul Pediatr. 2014;32:24-31.

Associação positiva entre TEA e IN encontrada neste estudo também foi observada por outros autores,1212. Gardener H, Spiegelman D, Buka SL. Perinatal and neonatal risk factors for autism: a comprehensive meta-analysis. Pediatrics. 2011;128:344-55.,1414. Maimburg RD, Væth M, Schendel DE, Bech BH, Olsen J, Thorsen P. Neonatal jaundice: a risk factor for infantile autism? Pediatr Perinat Epidemiol. 2008;22:562-8.,1515. Duan G, Yao M, Ma Y, Zhang W. Perinatal and background risk factors for childhood autism in central China. Psychiatry Res. 2014;220:410-7.,2626. Amin SB, Smith T, Wang H. Is neonatal jaundice associated with Autism Spectrum Disorders: a systematic review. J Autism Dev Disord. 2011;41:1455-63. entretanto diferiram das pesquisas que não encontraram associação, ou que viram significância apenas na análise bivariada.66. George B, Padmam MS, Nair MK, Leena ML, Russell PS. CDC Kerala 13: Antenatal, natal and postnatal factors among children (2-6 y) with autism--a case control study. Indian J Pediatr. 2014;81 Suppl 2:S133-7.,1313. Zhang X, Lv CC, Tian J, Miao RJ, Xi W, Hertz-Picciotto I, et al. Prenatal and perinatal risk factors for autism in China. J Autism Dev Disord. 2010;40:1311-21.,1616. Hwang YS, Weng SF, Cho CY, Tsai WH. Higher prevalence of autism in Taiwanese children born prematurely: a nationwide population-based study. Res Dev Disabil. 2013;34:2462-8. Provocada por bilirrubina acumulada de forma fisiológica ou patológica, a IN patológica pode ser potencialmente tóxica para o SN central, podendo ocasionar lesões cerebrais, uma vez que a bilirrubina não conjugada tem a capacidade de atravessar a barreira cerebral.1313. Zhang X, Lv CC, Tian J, Miao RJ, Xi W, Hertz-Picciotto I, et al. Prenatal and perinatal risk factors for autism in China. J Autism Dev Disord. 2010;40:1311-21.,1414. Maimburg RD, Væth M, Schendel DE, Bech BH, Olsen J, Thorsen P. Neonatal jaundice: a risk factor for infantile autism? Pediatr Perinat Epidemiol. 2008;22:562-8.,1515. Duan G, Yao M, Ma Y, Zhang W. Perinatal and background risk factors for childhood autism in central China. Psychiatry Res. 2014;220:410-7.,2626. Amin SB, Smith T, Wang H. Is neonatal jaundice associated with Autism Spectrum Disorders: a systematic review. J Autism Dev Disord. 2011;41:1455-63. Amim et al. sugerem que a hiperbilirrubinemia em crianças prematuras e a termo no período neonatal pode estar associada ao TEA e apontam que variações na paridade e na época de nascimento podem influenciar o grau em que a icterícia está relacionada ao TEA.2626. Amin SB, Smith T, Wang H. Is neonatal jaundice associated with Autism Spectrum Disorders: a systematic review. J Autism Dev Disord. 2011;41:1455-63.

Por sua vez, associação positiva encontrada entre TEA e ausência de choro ao nascer não foi observada por outros autores.66. George B, Padmam MS, Nair MK, Leena ML, Russell PS. CDC Kerala 13: Antenatal, natal and postnatal factors among children (2-6 y) with autism--a case control study. Indian J Pediatr. 2014;81 Suppl 2:S133-7.,1313. Zhang X, Lv CC, Tian J, Miao RJ, Xi W, Hertz-Picciotto I, et al. Prenatal and perinatal risk factors for autism in China. J Autism Dev Disord. 2010;40:1311-21. Essa variável pode estar vinculada a outros fatores relacionados a distúrbios respiratórios neonatais, tais como dificuldade de iniciar respiração, hipóxia e SF. Esses fatores podem resultar de uma variedade de condições gestacionais e eventos do parto que, ao nascimento, podem provocar problemas no cérebro por conta da privação de oxigênio.99. Maramara LA, He W, Ming X. Pre-and perinatal risk factors for autism spectrum disorder in a New Jersey cohort. J Child Neurol. 2014;29:1645-51. Ademais, a anoxia provocada por asfixia ao nascimento poderia estimular o sistema dopaminérgico, e a hiperatividade dopaminérgica tem sido descrita em algumas crianças com TEA.1515. Duan G, Yao M, Ma Y, Zhang W. Perinatal and background risk factors for childhood autism in central China. Psychiatry Res. 2014;220:410-7. Portanto, essas condições podem requerer a administração de oxigênio, que, mesmo sendo indispensável à vida, quando aplicado de forma inapropriada, pode ser tóxico e provocar sérias consequências, tais como traqueobronquite, depressão da atividade mucociliar, náuseas, anorexia e cefaleia.2727. Camargo PA, Pinheiro AT, Hercos AC, Ferrari GF. Oxygen inhalation therapy in children admitted to an university hospital. Rev Paul Pediatr. 2008;26:43-7. Assim, tanto a privação de oxigênio no cérebro quanto sua administração podem estar ligadas ao TEA.

PIG, baixo PN e IG<37 semanas são outros fatores correlacionados entre si e associados a complicações neonatais. Neste estudo, não foi observada conexão entre TEA e PIG, diferindo de outras investigações.1111. Hultman CM, Sparén P, Cnattingius S. Perinatal risk factors for infantile autism. Epidemiology. 2002;13:417-23.,1212. Gardener H, Spiegelman D, Buka SL. Perinatal and neonatal risk factors for autism: a comprehensive meta-analysis. Pediatrics. 2011;128:344-55.,2828. Moore GS, Kneitel AW, Walker CK, Gilbert WM, Xing G. Autism risk in small- and large-for-gestational-age infants. Am J Obstet Gyneco. 2012;206:314.e1-9. Moore et al. verificaram que o risco do TEA foi aumentado em crianças pré-termo PIG de 23-33 semanas.2828. Moore GS, Kneitel AW, Walker CK, Gilbert WM, Xing G. Autism risk in small- and large-for-gestational-age infants. Am J Obstet Gyneco. 2012;206:314.e1-9. A associação entre PIG e TEA pode refletir em prejuízo para o neurodesenvolvimento, já que a fisiopatologia do crescimento fetal limitado pode relacionar-se ao comprometimento do desenvolvimento neurológico. Quanto ao PIG, existe ainda o crescimento intrauterino restrito - o transporte limitado de nutrientes e de oxigênio via placentária pode impedir o potencial de crescimento do feto. Essa é uma condição associada também com a hipóxia crônica. Logo, é concebível que o crescimento intrauterino restrito possa contribuir para as manifestações do TEA observadas em crianças nascidas PIG.1818. Fezer GF, Matos MB, Nau AL, Zeigelboim BS, Marques JM, Liberalesso PB. Perinatal features of children with autism spectrum disorder. Rev Paul Pediatr. 2017;35:130-5.,2828. Moore GS, Kneitel AW, Walker CK, Gilbert WM, Xing G. Autism risk in small- and large-for-gestational-age infants. Am J Obstet Gyneco. 2012;206:314.e1-9.

PN e IG/prematuridade constituem algumas das variáveis neonatais mais examinadas, e vários estudos apontaram-nas como fatores de risco para TEA.88. Larsson HJ, Eaton WW, Madsen KM, Vestergaard M, Olesen AV, Agerbo E, et al. Risk factors for autism: perinatal factors, parental psychiatric history, and socioeconomic status. Am J Epidemiol. 2005;161:916-25.,99. Maramara LA, He W, Ming X. Pre-and perinatal risk factors for autism spectrum disorder in a New Jersey cohort. J Child Neurol. 2014;29:1645-51.,1111. Hultman CM, Sparén P, Cnattingius S. Perinatal risk factors for infantile autism. Epidemiology. 2002;13:417-23.,1212. Gardener H, Spiegelman D, Buka SL. Perinatal and neonatal risk factors for autism: a comprehensive meta-analysis. Pediatrics. 2011;128:344-55.,1515. Duan G, Yao M, Ma Y, Zhang W. Perinatal and background risk factors for childhood autism in central China. Psychiatry Res. 2014;220:410-7.,2828. Moore GS, Kneitel AW, Walker CK, Gilbert WM, Xing G. Autism risk in small- and large-for-gestational-age infants. Am J Obstet Gyneco. 2012;206:314.e1-9. Na presente pesquisa, observou-se associação com a variável PN apenas na análise bruta; quando o modelo foi ajustado, ela perdeu significância, sugerindo que a idade materna possa ter influenciado na análise ajustada, já que mulheres mais velhas podem apresentar mais complicações na gravidez e no parto.1111. Hultman CM, Sparén P, Cnattingius S. Perinatal risk factors for infantile autism. Epidemiology. 2002;13:417-23.,1212. Gardener H, Spiegelman D, Buka SL. Perinatal and neonatal risk factors for autism: a comprehensive meta-analysis. Pediatrics. 2011;128:344-55.,1515. Duan G, Yao M, Ma Y, Zhang W. Perinatal and background risk factors for childhood autism in central China. Psychiatry Res. 2014;220:410-7. Complicações durante o parto podem afetar o desenvolvimento neurológico fetal/neonatal e contribuir para o risco do TEA.77. Hadjkacem I, Ayadi H, Turki M, Yaich S, Khemekhem K, Walha A, et al. Prenatal, perinatal and postnatal factors associated with autism spectrum disorder. J Pediatr (Rio J). 2016;92:595-601.

Os estudos indicam que indivíduos que nasceram com IG≤37 semanas de gestação e/ou PN inferior a 2.500 g têm mais chance de desenvolver TEA. Estudo realizado com uma população de pré-termo observou que o extremo baixo PN, entre 750-1.499 g, também está associado ao TEA.1616. Hwang YS, Weng SF, Cho CY, Tsai WH. Higher prevalence of autism in Taiwanese children born prematurely: a nationwide population-based study. Res Dev Disabil. 2013;34:2462-8. Fezer et al. verificaram alta prevalência de prematuridade, baixo PN e hipóxia perinatal em pessoas com TEA quando comparadas à população em geral.1818. Fezer GF, Matos MB, Nau AL, Zeigelboim BS, Marques JM, Liberalesso PB. Perinatal features of children with autism spectrum disorder. Rev Paul Pediatr. 2017;35:130-5. Baixo PN e prematuridade são dois fatores correlacionados que podem estar vinculados a outros fatores de risco,99. Maramara LA, He W, Ming X. Pre-and perinatal risk factors for autism spectrum disorder in a New Jersey cohort. J Child Neurol. 2014;29:1645-51.,1010. Dodds L, Fell DB, Shea S, Armson BA, Allen AC, Bryson S. The role of prenatal, obstetric and neonatal factors in the development of autism. J Autism Dev Disord. 2011;41:891-902.,1111. Hultman CM, Sparén P, Cnattingius S. Perinatal risk factors for infantile autism. Epidemiology. 2002;13:417-23.,1212. Gardener H, Spiegelman D, Buka SL. Perinatal and neonatal risk factors for autism: a comprehensive meta-analysis. Pediatrics. 2011;128:344-55.,1313. Zhang X, Lv CC, Tian J, Miao RJ, Xi W, Hertz-Picciotto I, et al. Prenatal and perinatal risk factors for autism in China. J Autism Dev Disord. 2010;40:1311-21.,1414. Maimburg RD, Væth M, Schendel DE, Bech BH, Olsen J, Thorsen P. Neonatal jaundice: a risk factor for infantile autism? Pediatr Perinat Epidemiol. 2008;22:562-8.,1515. Duan G, Yao M, Ma Y, Zhang W. Perinatal and background risk factors for childhood autism in central China. Psychiatry Res. 2014;220:410-7.,1616. Hwang YS, Weng SF, Cho CY, Tsai WH. Higher prevalence of autism in Taiwanese children born prematurely: a nationwide population-based study. Res Dev Disabil. 2013;34:2462-8.,1717. McCue LM, Flick LH, Twyman KA, Xian H, Conturo TE. Prevalence of non-febrile seizures in children with idiopathic autism spectrum disorder and their unaffected siblings: a retrospective cohort study. BMC Neurol. 2016;16:245.,1818. Fezer GF, Matos MB, Nau AL, Zeigelboim BS, Marques JM, Liberalesso PB. Perinatal features of children with autism spectrum disorder. Rev Paul Pediatr. 2017;35:130-5. no entanto ainda não está estabelecido se prematuridade e baixo PN exercem efeito diferencial no aumento dos casos do TEA, ou se outros fatores a eles relacionados também contribuem para esse aumento.2929. Schrieken M, Visser J, Oosterling I, van Steijn D, Bons D, Draaisma J, et al. Head circumference and height abnormalities in autism revisited: the role of pre- and perinatal risk factors. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2013;22:35-43. Vale ressaltar que a relação entre prematuridade e TEA pode ser mediada por complicações pré-natais e neonatais, as quais influenciam o neurodesenvolvimento,1818. Fezer GF, Matos MB, Nau AL, Zeigelboim BS, Marques JM, Liberalesso PB. Perinatal features of children with autism spectrum disorder. Rev Paul Pediatr. 2017;35:130-5. porém Fezer et al. sugerem que o baixo PN pode estar associado com TEA, independentemente da prematuridade.1818. Fezer GF, Matos MB, Nau AL, Zeigelboim BS, Marques JM, Liberalesso PB. Perinatal features of children with autism spectrum disorder. Rev Paul Pediatr. 2017;35:130-5.

Apresentar qualquer tipo de infecção ao nascer foi outro fator associado ao TEA no presente estudo, assim como no de Hadjkacem et al.,77. Hadjkacem I, Ayadi H, Turki M, Yaich S, Khemekhem K, Walha A, et al. Prenatal, perinatal and postnatal factors associated with autism spectrum disorder. J Pediatr (Rio J). 2016;92:595-601. entretanto Dodds et al. não encontraram tal associação.1010. Dodds L, Fell DB, Shea S, Armson BA, Allen AC, Bryson S. The role of prenatal, obstetric and neonatal factors in the development of autism. J Autism Dev Disord. 2011;41:891-902. As infecções mais comuns vistas nessa população foram aquelas do sistema respiratório ou urinário, seguidas de infecções generalizadas. Esses achados podem ser explicados pela liberação de citocinas na resposta imune a infecções, ao afetar a proliferação e diferenciação de células neurais, que podem levar ao desenvolvimento do TEA.1818. Fezer GF, Matos MB, Nau AL, Zeigelboim BS, Marques JM, Liberalesso PB. Perinatal features of children with autism spectrum disorder. Rev Paul Pediatr. 2017;35:130-5. Salienta-se que eventos que podem ter relação com as infecções neonatais, tais como presença de febre e internação na UTI, apresentaram associação com TEA apenas na análise bivariada no presente estudo.

Neste estudo, a porcentagem de crianças/adolescentes com TEA (19,8%) que indicaram convulsões foi significativamente maior quando comparada àquelas sem TEA (4,0%), o que corrobora com os achados de Frye, que aponta que crianças com TEA apresentam mais risco de desenvolver convulsões quando comparadas com a população geral.3030. Frye RE. Prevalence, significance and clinical characteristics of seizures, epilepsy and subclinical electrical activity in autism. N Am J Med Sci. 2015;8:113-22.

Observou-se ainda neste estudo que a taxa de crianças/adolescentes com TEA (18,0%) que tiveram ocorrência de dois episódios de convulsões durante a vida foi maior do que aquelas do grupo sem TEA (9,9%). Nas análises ajustadas, constatou-se também associação positiva entre TEA e ocorrência de convulsão, independentemente da presença ou não de febre. Associação com a mesma magnitude foi percebida no estudo realizado por McCue et al., que verificaram que pessoas com TEA tiveram mais chance de terem convulsões não febris em comparação com seus irmãos sem TEA e sugeriram que as convulsões não febris podem estar relacionadas ao TEA.1717. McCue LM, Flick LH, Twyman KA, Xian H, Conturo TE. Prevalence of non-febrile seizures in children with idiopathic autism spectrum disorder and their unaffected siblings: a retrospective cohort study. BMC Neurol. 2016;16:245. A idade de início das convulsões é um fator crítico para TEA ou disfunção cognitiva, pois, quanto mais precoce o início das crises convulsivas, maior parece ser o dano para o déficit social e comportamental.3030. Frye RE. Prevalence, significance and clinical characteristics of seizures, epilepsy and subclinical electrical activity in autism. N Am J Med Sci. 2015;8:113-22. A relação entre TEA e convulsões pode ser explicada pelas alterações estruturais no córtex pré-frontal e consequentes alterações na função cerebral geradas pelas crises convulsivas.3131. Hartley-McAndrew ME, Weinstock A. Autism Spectrum Disorder: Correlation between aberrant behaviors, EEG abnormalities and seizures. Neurol Int. 2010;2:e10.

Quanto ao número de complicações pós-natais, viu-se associação positiva com TEA tanto no grupo que apresentou uma complicação quanto naquele com duas ou mais complicações, porém a magnitude da associação foi maior no grupo de crianças/adolescentes com duas ou mais complicações ­pós-natais. Esses dados reforçam a importância do monitoramento de crianças que apresentam uma ou mais complicações ­pós-natais, pois pode contribuir para a identificação de sinais e para o diagnóstico precoce do TEA.

Entre as limitações deste estudo, pode-se pontuar a possibilidade de viés de memória na resposta das mães, contudo verificou-se coerência entre os relatos das mães e os documentos apresentados. Outra limitação foi o fato de o diagnóstico não ter sido realizado pela equipe de pesquisadores da presente pesquisa, impossibilitando verificar o critério adotado. Acrescenta-se que o uso do M-CHAT para rastrear crianças com idade superior a 30 meses constituiu outra limitação, no entanto é esperada a persistência dos sinais específicos do TEA com o aumento da idade, quando não são realizadas as intervenções apropriadas.

Os achados do presente estudo sugerem que MFDG, IN, ausência de choro ao nascer e episódios de convulsão na infância são fatores importantes a serem considerados ao estudar a etiologia do TEA. Crianças/adolescentes com TEA apresentaram mais chance de terem sido expostos a duas ou mais complicações no pós-natal. Acredita-se que o conhecimento dos fatores envolvidos na etiologia do TEA pode facilitar o diagnóstico e a intervenção imediatos e, consequentemente, um melhor prognóstico para as pessoas com TEA e suporte para os familiares, além de possibilitar a redução de gastos públicos.

REFERENCES

  • 1
    American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 5th ed. Arlington, VA: American Psychiatric Association; 2013.
  • 2
    Lotter V. Epidemiology of autistic conditions in young children. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol. 1966;1:124-35.
  • 3
    Baio J, Wiggins L, Christensen DL, Maenner MJ, Daniels J, Warren Z, et al. Prevalence of autism spectrum disorder among children aged 8 years - Autism and Developmental Disabilities Monitoring Network, 11 Sites, United States, 2014. MMWR Surveill Summ 2018;67:1-23.
  • 4
    Tordjman S, Somogyi E, Coulon N, Kermarrec S, Cohen D, Bronsard G, et al. Gene x Environment interactions in autism spectrum disorders: role of epigenetic mechanisms. Front Psychiatry. 2014;5:53.
  • 5
    Nordenbæk C, Jørgensen M, Kyvik KO, Bilenberg N. A Danish population-based twin study on autism spectrum disorders. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2014;23:35-43.
  • 6
    George B, Padmam MS, Nair MK, Leena ML, Russell PS. CDC Kerala 13: Antenatal, natal and postnatal factors among children (2-6 y) with autism--a case control study. Indian J Pediatr. 2014;81 Suppl 2:S133-7.
  • 7
    Hadjkacem I, Ayadi H, Turki M, Yaich S, Khemekhem K, Walha A, et al. Prenatal, perinatal and postnatal factors associated with autism spectrum disorder. J Pediatr (Rio J). 2016;92:595-601.
  • 8
    Larsson HJ, Eaton WW, Madsen KM, Vestergaard M, Olesen AV, Agerbo E, et al. Risk factors for autism: perinatal factors, parental psychiatric history, and socioeconomic status. Am J Epidemiol. 2005;161:916-25.
  • 9
    Maramara LA, He W, Ming X. Pre-and perinatal risk factors for autism spectrum disorder in a New Jersey cohort. J Child Neurol. 2014;29:1645-51.
  • 10
    Dodds L, Fell DB, Shea S, Armson BA, Allen AC, Bryson S. The role of prenatal, obstetric and neonatal factors in the development of autism. J Autism Dev Disord. 2011;41:891-902.
  • 11
    Hultman CM, Sparén P, Cnattingius S. Perinatal risk factors for infantile autism. Epidemiology. 2002;13:417-23.
  • 12
    Gardener H, Spiegelman D, Buka SL. Perinatal and neonatal risk factors for autism: a comprehensive meta-analysis. Pediatrics. 2011;128:344-55.
  • 13
    Zhang X, Lv CC, Tian J, Miao RJ, Xi W, Hertz-Picciotto I, et al. Prenatal and perinatal risk factors for autism in China. J Autism Dev Disord. 2010;40:1311-21.
  • 14
    Maimburg RD, Væth M, Schendel DE, Bech BH, Olsen J, Thorsen P. Neonatal jaundice: a risk factor for infantile autism? Pediatr Perinat Epidemiol. 2008;22:562-8.
  • 15
    Duan G, Yao M, Ma Y, Zhang W. Perinatal and background risk factors for childhood autism in central China. Psychiatry Res. 2014;220:410-7.
  • 16
    Hwang YS, Weng SF, Cho CY, Tsai WH. Higher prevalence of autism in Taiwanese children born prematurely: a nationwide population-based study. Res Dev Disabil. 2013;34:2462-8.
  • 17
    McCue LM, Flick LH, Twyman KA, Xian H, Conturo TE. Prevalence of non-febrile seizures in children with idiopathic autism spectrum disorder and their unaffected siblings: a retrospective cohort study. BMC Neurol. 2016;16:245.
  • 18
    Fezer GF, Matos MB, Nau AL, Zeigelboim BS, Marques JM, Liberalesso PB. Perinatal features of children with autism spectrum disorder. Rev Paul Pediatr. 2017;35:130-5.
  • 19
    Lwanga SK, Lemeshow S. Determinación del tamaño de las muestras em los estudios sanitários - Manual práctico. Ginebra: Organización Mundial de la Salud; 1991.
  • 20
    Budi LP, Sitaresmi MN, Windiani IG. Paternal and maternal age at pregnancy and autism spectrum disorders in offspring. Paediatr Indones. 2016;55:345.
  • 21
    Xavier RB, Jannotti CB, Silva KS, Martins AC. Reproductive risk and family income: analysis of the profile of pregnant women. Ciênc Saude Coletiva. 2013;18:1161-71.
  • 22
    Losapio MF, Pondé MP. Translation into Portuguese of the M-CHAT Scale for early screening of autism. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul. 2008;30:221-9.
  • 23
    Robins DL, Fein D, Barton ML, Green JA. The modified checklist for autism in toddlers: an initial study investigating the early detection of autism and pervasive developmental disorders. J Autism Dev Disord. 2001;31:131-44.
  • 24
    Battaglia FC, Lubchenco LO. A practical classification of newborn infants by weight and gestational age. J Pediatr. 1967;71:159-63.
  • 25
    Nhoncanse GC, Germano CM, Avó LR, Melo DG. Maternal and perinatal aspects of birth defects: a case-control study. Rev Paul Pediatr. 2014;32:24-31.
  • 26
    Amin SB, Smith T, Wang H. Is neonatal jaundice associated with Autism Spectrum Disorders: a systematic review. J Autism Dev Disord. 2011;41:1455-63.
  • 27
    Camargo PA, Pinheiro AT, Hercos AC, Ferrari GF. Oxygen inhalation therapy in children admitted to an university hospital. Rev Paul Pediatr. 2008;26:43-7.
  • 28
    Moore GS, Kneitel AW, Walker CK, Gilbert WM, Xing G. Autism risk in small- and large-for-gestational-age infants. Am J Obstet Gyneco. 2012;206:314.e1-9.
  • 29
    Schrieken M, Visser J, Oosterling I, van Steijn D, Bons D, Draaisma J, et al. Head circumference and height abnormalities in autism revisited: the role of pre- and perinatal risk factors. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2013;22:35-43.
  • 30
    Frye RE. Prevalence, significance and clinical characteristics of seizures, epilepsy and subclinical electrical activity in autism. N Am J Med Sci. 2015;8:113-22.
  • 31
    Hartley-McAndrew ME, Weinstock A. Autism Spectrum Disorder: Correlation between aberrant behaviors, EEG abnormalities and seizures. Neurol Int. 2010;2:e10.

Financiamento

  • Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG), Processo CDS-APQ-02346-14 (Edital 01/2014 - Demanda Universal).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    26 Dez 2017
  • Aceito
    07 Jul 2018
  • Publicado
    10 Jul 2019
Sociedade de Pediatria de São Paulo R. Maria Figueiredo, 595 - 10o andar, 04002-003 São Paulo - SP - Brasil, Tel./Fax: (11 55) 3284-0308; 3289-9809; 3284-0051 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rpp@spsp.org.br