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AVALIAÇÃO DO ESTADO NUTRICIONAL E FREQUÊNCIA DE COMPLICAÇÕES ASSOCIADAS À ALIMENTAÇÃO EM PACIENTES COM PARALISIA CEREBRAL TETRAPARÉTICA ESPÁSTICA

RESUMO

Objetivo:

Correlacionar o estado nutricional com variáveis associadas ao tipo de dieta e via de alimentação de crianças e adolescentes com paralisia cerebral (PC) tetraparética espástica.

Métodos:

Estudo de corte transversal com 28 pacientes com idade ≤13 anos, atendidos pela equipe de nutrição do Ambulatório de Pacientes Especiais do Hospital de Clínicas de Uberlândia da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU), entre julho de 2016 e janeiro de 2017, que apresentavam diagnóstico de PC tetraparética espástica. Os pacientes incluídos tiveram o termo de consentimento assinado pelo responsável legal. Avaliou-se o estado nutricional e coletaram-se dados sobre complicações alimentares, via de alimentação e tipo de dieta. Para descrição desses dados, foram utilizadas média e mediana; para análises de correlação, correlação de Spearman, sendo significante p<0,05.

Resultados:

Neste estudo, 75% dos pacientes utilizavam via alternativa para alimentação (sonda nasoenteral ou gastrostomia) e 57% eram eutróficos. As complicações mais frequentes foram disfagia orofaríngea, refluxo e obstipação intestinal. Não houve correlação entre ocorrência de complicações e estado nutricional. Observou-se correlação positiva entre dieta recebida e estado nutricional dos pacientes (0,48; p=0,01), sendo que indivíduos com adequada ingestão calórica e de macronutrientes apresentaram melhor classificação do estado nutricional.

Conclusões:

Os resultados obtidos reforçam a necessidade de orientações nutricionais contínuas para os pais/cuidadores das crianças do estudo, bem como a escolha de uma via de alimentação adequada a cada uma delas pela equipe multiprofissional, a fim de contribuir para a melhora do estado nutricional e da ingestão alimentar.

Palavras-chave:
Paralisia cerebral; Estado nutricional; Alimentação; Dieta; Nutrição enteral

ABSTRACT

Objective:

To correlate the nutritional status with variables associated to the type of diet and feeding route of children and adolescents with spastic quadriplegic cerebral palsy (CP).

Methods:

This cross-sectional study included 28 patients aged ≤13 years old who presented a diagnosis of spastic quadriplegic CP and were followed by the nutrition team of the Outpatient Clinic for Special Patients of Hospital de Clínicas de Uberlândia - Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU), between July/2016 and January/2017. Consent forms were signed by the legal guardians. The nutritional status was evaluated and data on dietary complications food route and type of diet were collected. For the description of data, average and median values were used. Correlation was tested with Spearman’s index. Significance was set at p<0.05.

Results:

75% of patients used alternative feeding routes (nasoenteral, catheter or gastrostomy), 57% were eutrophic. The most frequent complications were oropharyngeal dysphagia, reflux and intestinal constipation. No correlation was found between the occurrence of complications and the nutritional status. There was a positive correlation between the diet received and the patient’s nutritional status (0.48; p=0.01), i.e. individuals with adequate caloric and macronutrients intake had a better nutritional status.

Conclusions:

The results reinforce the need for continued nutritional guidance for the children’s parents/caregivers, as well as the choice of an adequate rout of feeding to each child by the multi-professional team, in order to contribute to improved nutritional status and adequate dietary intake.

Keywords:
Cerebral palsy; Nutritional status; Feeding; Diet; Enteral nutrition

INTRODUÇÃO

A paralisia cerebral (PC), também chamada de encefalopatia crônica não progressiva da infância, é caracterizada por um conjunto de distúrbios cerebrais causados por lesões não progressivas e irreversíveis, decorrentes, principalmente, de anóxia neonatal, infecções congênitas e traumas. Ocorre no cérebro em desenvolvimento (até os três anos de idade) e pode contribuir para limitações no perfil de funcionalidade do indivíduo, além de comprometer significativamente o sistema neurológico.11. Cândido AM. Paralisia cerebral: abordagem para o pediatra geral e manejo multidisciplinar [undergraduate’ thesis]. Brasília (DF): Hospital Regional da Asa Sul; 2004.,22. Rosenbaum P, Paneth N, Leviton A, Goldstein M, Bax M, Damiano D, et al. A report: the definition and classification of cerebral palsy April 2006. Dev Med Child Neurol Suppl. 2007;109:8-14.

De acordo com sua característica clínica dominante, a PC pode ser classificada em espástica, discinética ou atáxica.33. Christine C, Dolk H, Platt MJ, Colver A, Prasauskiene A, Krägeloh-Mann IK, et al. Recommendations from the SCPE collaborative group for defining and classifying cerebral palsy. Dev Med Child Neurol Suppl. 2007;109:35-8. https://doi.org/10.1111/j.1469-8749.2007.tb12626.x
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O tipo espástico é o mais comumente relatado na literatura e é caracterizado pelo aumento do tônus muscular. A PC do tipo espástica é causada por lesão no sistema piramidal, classificada de acordo com sua distribuição anatômica em unilateral (monoplegia ou hemiplegia) e bilateral (diplegia, triplegia ou tetraplegia).44. Scholtes VA, Becher JG, Beelen A, Lankhorst GJ. Clinical assessment of spasticity in children with cerebral palsy: a critical review of available instruments. Dev Med Child Neurol. 2006;48:64-73. https://doi.org/10.1017/S0012162206000132
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Os indivíduos acometidos por PC do tipo espástica e distribuição anatômica bilateral com tetraplegia, ou seja, tetraparética espástica, apresentam alteração global de tônus muscular e diminuição da motricidade espontânea e da mobilidade articular que propiciam o surgimento de diversas deformidades corporais.22. Rosenbaum P, Paneth N, Leviton A, Goldstein M, Bax M, Damiano D, et al. A report: the definition and classification of cerebral palsy April 2006. Dev Med Child Neurol Suppl. 2007;109:8-14.

As crianças e os adolescentes com diagnóstico de PC tetraparética espástica apresentam diversos fatores de risco e complicações alimentares e de saúde, as quais podem dificultar ou até mesmo impedir uma nutrição adequada.55. Furkim AM, Behlau MS, Weckx LL. Clinical and videofluoroscopic evaluation of deglutition in children with tetraparetic spastic cerebral palsy. Arq Neuropsiquiatr. 2003;61:611-6. https://doi.org/10.1590/s0004-282x2003000400016
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Entre as complicações associadas à alimentação, pode-se citar a disfagia orofaríngea, a pneumonia aspirativa, a constipação intestinal e a doença do refluxo gastroesofágico (DRGE).66. Erasmus CE, van Hulst K, Rotteveel JJ, Willemsen MA, Jongerius PH. Clinical practice: swallowing problems in cerebral palsy. Eur Arch Pediatr. 2012;171:409-14. https://doi.org/10.1007/s00431-011-1570-y
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A presença de uma ou mais complicações associadas à alimentação pode acarretar distúrbios nutricionais graves e, em muitos casos, a necessidade de vias alternativas para alimentação. O uso dessas vias alternativas é indicado para evitar o desenvolvimento da desnutrição,77. Sullivan PB, Juszczak E, Lambert BR, Rose M, Ford-Adams ME, Johnson A. Impact of feeding problems on nutritional intake and growth: Oxford Feeding Study II. Dev Med Child Neurol. 2002;44:461-7. https://doi.org/10.1017/s0012162201002365
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com hipoatividade e aumento das taxas de infecções respiratórias, com consequente aumento da morbidade.88. Nogueira SC, Carvalho AP, Melo CB, Morais EP, Chiari BM, Gonçalves MIR. Profile of patients using alternative feeding route in a general hospital. Rev CEFAC. 2013;15:94-104. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462012005000079
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Em alguns estudos, tem sido demonstrado que crianças com PC podem apresentar desnutrição.55. Furkim AM, Behlau MS, Weckx LL. Clinical and videofluoroscopic evaluation of deglutition in children with tetraparetic spastic cerebral palsy. Arq Neuropsiquiatr. 2003;61:611-6. https://doi.org/10.1590/s0004-282x2003000400016
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A desnutrição em pacientes com PC está frequentemente associada à baixa ingestão energética. Muitas vezes, essa baixa ingestão energética está relacionada com a prescrição de dietas qualitativamente adequadas, porém com volumes e/ou via de administração inadequados.77. Sullivan PB, Juszczak E, Lambert BR, Rose M, Ford-Adams ME, Johnson A. Impact of feeding problems on nutritional intake and growth: Oxford Feeding Study II. Dev Med Child Neurol. 2002;44:461-7. https://doi.org/10.1017/s0012162201002365
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A escolha da via de administração de dietas depende das condições clínicas relacionadas à deglutição, da integridade do trato gastrointestinal e do estado geral do paciente88. Nogueira SC, Carvalho AP, Melo CB, Morais EP, Chiari BM, Gonçalves MIR. Profile of patients using alternative feeding route in a general hospital. Rev CEFAC. 2013;15:94-104. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462012005000079
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. Dessa forma, a escolha da via de alimentação de pacientes com PC, assim como o tipo e o volume de dieta prescrita e ministrada, é fundamental para a manutenção ou a recuperação do estado nutricional desses pacientes. Portanto, é necessária a presença de uma equipe multidisciplinar para realizar o tratamento e o acompanhamento de crianças e adolescentes com PC.88. Nogueira SC, Carvalho AP, Melo CB, Morais EP, Chiari BM, Gonçalves MIR. Profile of patients using alternative feeding route in a general hospital. Rev CEFAC. 2013;15:94-104. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462012005000079
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Apesar de já existirem grandes avanços sobre a atuação interdisciplinar no atendimento à saúde da criança e do adolescente com PC, ainda são escassos os estudos das complicações decorrentes da alimentação e o seu impacto no estado nutricional desses indivíduos. Em razão da necessidade de promover melhoria do estado nutricional e da qualidade de vida de crianças com PC, este estudo teve como objetivo relacionar o estado nutricional e as variáveis associadas à alimentação de crianças e adolescentes com diagnóstico de PC tetraparética espástica atendidas no Ambulatório de Pacientes Especiais do Hospital de Clínicas de Uberlândia da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU), Uberlândia, Minas Gerais. Mais especificamente, verificar o valor energético total ingerido e a via de administração da dieta; descrever a frequência das complicações associadas à alimentação; quais as complicações existentes na ministração de dietas orais e enterais; e analisar a relação das complicações com o estado nutricional.

MÉTODO

O presente estudo, de corte transversal, foi realizado com 28 crianças e adolescentes, com idade ≤13 anos, diagnosticadas com PC tetraparética espástica e atendidas, entre 05 de julho de 2016 e 17 de janeiro de 2017, pela equipe de nutrição do Ambulatório de Pacientes Especiais do HC-UFU - instituição que atende cerca de 45 crianças com esse diagnóstico por ano. Todos os pacientes incluídos no estudo tiveram o termo de consentimento assinado pelo responsável legal, e não houve desistência na participação da pesquisa.

Para a coleta dos dados, foi realizada a análise de prontuário e utilizado um instrumento elaborado pelos próprios pesquisadores, que contemplava formulário geral, contendo informações sobre o paciente (código do paciente, sexo, data de nascimento, idade, tempo de acompanhamento no ambulatório, data da inclusão na pesquisa e diagnóstico clínico descrito em prontuário médico); formulário de avaliação nutricional (peso, altura, altura do joelho, altura estimada, índice de massa corpórea - IMC, classificação nas curvas de crescimento, necessidades energéticas e necessidades proteicas); e formulário de avaliação alimentar (via de alimentação, recordatório de 24 horas, valor calórico total (VCT) do recordatório de 24 horas e complicações relacionadas à alimentação descritas em prontuário médico).

Para a avaliação antropométrica foi aferido o peso e estimada a altura para posterior obtenção do IMC. O peso foi obtido pela subtração do peso da criança no colo do responsável pelo peso do responsável sozinho. Para as crianças e os adolescentes que não apresentavam deformações na coluna, a aferição da estatura foi realizada de acordo com o método de Lohman et al.;99. Lohman TG, Roche AF, Martorell R. Anthropometric standardization reference manual. Champaign: Human Kinetics; 1988. para aqueles que não deambulavam, não ficavam em pé ou que apresentavam problemas posturais, a estatura foi estimada utilizando a equação proposta por Kuperminc et al.,1010. Kuperminc MN, Stevenson RD. Growth and nutrition disorders in children with cerebral palsy. Dev Disabil Res Rev. 2008;14:137-46. https://doi.org/10.1002/ddrr.14
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com a aferição da altura do joelho.

A classificação do estado nutricional foi realizada segundo as curvas de crescimento específicas para crianças e adolescentes com PC.1111. Day SM, Strauss DJ, Vachon PJ, Rosenbloom L, Shavelle RM, Wu YW. Growth patterns in a population of children and adolescents with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2007;49:167-71. https://doi.org/10.1111/j.1469-8749.2007.00167.x
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Os indivíduos que estavam abaixo do percentil 10 foram classificados com baixo peso para idade, pequeno para idade ou desnutrido; os que estavam entre o percentil 10 e o 90, com peso adequado para idade, altura adequada para idade ou eutrófico; e aqueles que estavam acima do percentil 90, com peso elevado para idade, grande para idade ou com sobrepeso - de acordo com as curvas peso/idade, altura/idade e IMC/idade, respectivamente.

Neste estudo, foram realizados os cálculos da taxa metabólica basal (TMB), da necessidade energética total e da necessidade proteica para cada paciente, de acordo com o proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS),1212. Food and Agriculture Organization of the United Nations; World Health Organization; United Nations University. Necesidades de energía y proteínas. Geneva: WHO; 1985. e foram obtidos dados sobre a via de alimentação do paciente e aplicado o recordatório de 24 horas para análise da ingestão alimentar, do cálculo do VCT e da ingestão de proteínas. Em adição, foi solicitado aos responsáveis que relatassem informações sobre a via de administração, o tipo de dieta administrada, se havia e quais eram as complicações relacionadas à ministração da dieta e/ou durante a alimentação. Todos esses dados foram anotados em formulários específicos.

As dietas realizadas pelos pacientes foram classificadas em dieta artesanal, mista ou industrializada. As crianças com dieta artesanal recebiam somente os alimentos utilizados pela família, por via oral ou enteral, e não recebiam nenhum tipo de fórmula industrializada. As crianças com dieta mista recebiam os alimentos comuns da família mais a fórmula industrializada adequada à idade de cada uma delas. Já aquelas que recebiam dieta industrializada possuíam a fórmula como alimentação exclusiva. Para a análise da adequação da ingestão energética e proteica, foram utilizados os Valores Aceitáveis de Distribuição de Macronutrientes (Acceptable Macronutrient Distribution Ranges - AMDR).1313. Institute of Medicine of the National Academy Press. Dietary reference intakes for energy, carbohydrate, fibre, fat, fatty acids, cholesterol, and protein and amino acids. Food and Nutrition Board. Washington, D.C.: National Academy Press; 2002. Os AMDR são conceituados pela distribuição aceitável de macronutrientes da dieta em percentuais associados ao risco reduzido de doenças crônicas, levam em consideração o ciclo de vida que o indivíduo está inserido e são baseados na relação adequada entre os macronutrientes e a energia para manter um balanço energético adequado. A faixa de adequação de energia considera valores entre 60,0 e 100,0% do VCT, e a de proteína, entre 10,0 e 30,0% do VCT. Pode-se dizer que, se um indivíduo consumir mais que o recomendado pelos AMDR, há aumento potencial do risco de ocorrência de doenças crônicas. Se ele consumir menor quantidade, por sua vez, pode apresentar deficiência de nutrientes essenciais. Dessa forma, os valores estipulados pelos AMDR limitam a ingestão máxima e mínima dos macronutrientes.1313. Institute of Medicine of the National Academy Press. Dietary reference intakes for energy, carbohydrate, fibre, fat, fatty acids, cholesterol, and protein and amino acids. Food and Nutrition Board. Washington, D.C.: National Academy Press; 2002.

As análises estatísticas foram realizadas pelos softwares SISVAR para Windows (Universidade Federal de Lavras, Lavras, Brasil), Sistema Estatístico R (Universidade de Auckland, Nova Zelândia) e Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) para Windows, versão 16.0 (Universidade de Chicago, Chicago, Estados Unidos). Para análise descritiva dos dados, foi calculada a média. Primeiramente, foi verificado se as proporções seguiam uma distribuição normal pelo teste de Shapiro-Wilk.1414. Shapiro SS, Wilk MB. An analysis of variance test for normality (complete samples). Biometrika. 1965;52:591-611. https://doi.org/10.2307/2333709
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Para os casos em que não foi observado normalidade dos dados, ou seja, em que houve distribuições assimétricas, a mediana e o intervalo de confiança para mediana foram estimados. As correlações entre as variáveis analisadas foram estimadas pela correlação de Spearman com seus respectivos p-valores. Foram adotadas como correlações significantes aquelas com p<0,05.

O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UFU sob o número de protocolo 046455/201, e segue os princípios da Declaração de Helsinque para pesquisas que envolvem seres humanos.

RESULTADOS

A média de idade dos participantes foi de 7,0 anos (IC95% ­5,75-8,32). Um total de 25,0% dos participantes (n=7) se encaixaram no grupo 4 de PC (não andam, não falam e se alimentam por via oral) e 75,0% (n=21), no grupo 5 (não andam, não falam e se alimentam por via alternativa) (Tabela 1).

Tabela 1
Características das crianças e dos adolescentes com paralisia cerebral tetraparética espástica atendidos no Ambulatório de Pacientes Especiais do Hospital de Clínicas de Uberlândia da Universidade Federal de Uberlândia.

Entre as causas da PC, foram relatadas anóxia neonatal; doenças congênitas, como toxoplasmose e rubéola; má formação do sistema nervoso central (SNC); kernicterus; sepse; citomegalovírus neonatal; traumatismo craniano; e encefalopatia hipóxica (Tabela 1). Na Tabela 2, também foram descritas a caracterização do estado nutricional e a via de alimentação dos participantes do estudo.

Tabela 2
Associações entre diagnóstico nutricional e o tipo de dieta utilizada por crianças e adolescentes com paralisia cerebral tetraparética espástica atendidos no Ambulatório de Pacientes Especiais do Hospital de Clínicas de Uberlândia da Universidade Federal de Uberlândia.

As complicações mais frequentes observadas foram as disfagias orofaríngeas (39%, n=11), a obstipação intestinal (39%, n=11) e a DRGE (39%, n=11). Ademais, um mesmo paciente poderia ter apresentado duas ou mais complicações. A presença de diarreias recorrentes foi menos frequente entre os pacientes avaliados (4%, n=1) (Tabela 3).

Tabela 3
Frequência de complicações relacionadas à alimentação em crianças e adolescentes com paralisia cerebral tetraparética espástica atendidos no Ambulatório de Pacientes Especiais do Hospital de Clínicas de Uberlândia da Universidade Federal de Uberlândia.

Ao avaliar o estado nutricional de acordo com o IMC, foi possível verificar que 4% (n=1) das crianças apresentaram sobrepeso; 39% (n=11) estavam desnutridas e 57% (n=16) foram classificadas como eutróficas. Na curva de peso para idade, 11% (n=3) das crianças apresentaram excesso de peso; 25% (n=7), baixo peso, e 64% (n=18), peso adequado para a idade. Em relação à altura, 14% (n=4) estavam grandes para a idade, e 86% (n=24), com a altura adequada para a idade. Vale destacar que, com relação à frequência das complicações associadas com o estado nutricional e com a via de alimentação, não foi observada associação significativa (Tabela 4).

Tabela 4
Correlação entre a frequência de complicações relacionadas à alimentação com o estado nutricional e com a via de alimentação das crianças e dos adolescentes com paralisia cerebral tetraparética espástica atendidos no Ambulatório de Pacientes Especiais do Hospital de Clínicas de Uberlândia da Universidade Federal de Uberlândia.

Quanto à via de alimentação, 25% das crianças com PC se alimentavam por via oral e 75%, por via alternativa (sonda nasoenteral ou gastrostomia). Com relação à análise da frequência de dietas utilizadas pelos pacientes com PC, foram identificados 14,2% (n=4) com dieta artesanal, 17,8% (n=5) em uso de dieta industrializada, e 57,1% (n=19) com dieta mista (artesanal e industrializada) (Tabela 4).

A correlação da adequação calórica, do teor de macronutrientes e do volume da dieta ofertada aos pacientes foi estatisticamente significativa e positiva entre a dieta recebida e o estado nutricional dos pacientes (0,48; p=0,01). Em contrapartida, houve correlação negativa entre a via de alimentação versus o estado nutricional dos pacientes (-0,17; p=0,4), sendo possível inferir que a via utilizada para a alimentação não influenciou no estado nutricional dos pacientes.

Ao avaliar as necessidades energéticas comparadas com os recordatórios alimentares, foi observado que 50% (n=14) dos indivíduos ingeriam quantidades energéticas acima do considerado ideal e 14,2% (n=4), quantias inferiores à necessidade energética calculada. Ao avaliar a distribuição de adequação de energia em relação ao estado nutricional, 28,6% (IC 13,2-48,7) dos eutróficos e 3,6% (IC 1,0-18,3) dos desnutridos apresentavam ingestão energética adequada (p=0,009). Quanto à ingestão proteica, a maior parte (68%) dos indivíduos avaliados apresentava ingestão adequada de acordo com as recomendações descritas por idade, de acordo com os AMDR.1313. Institute of Medicine of the National Academy Press. Dietary reference intakes for energy, carbohydrate, fibre, fat, fatty acids, cholesterol, and protein and amino acids. Food and Nutrition Board. Washington, D.C.: National Academy Press; 2002.

DISCUSSÃO

Entre os indivíduos com PC e as classificações das características de funcionalidade e da via de alimentação, existe uma distribuição uniforme entre os grupos 4 e 5 (grupos que apresentam maior comprometimento de suas funções). A prevalência de indivíduos no grupo 5 foi de 35,6%, e no grupo 4, 34,6%.1515. Assis M, Andrade E, Carvalho SG, Assis SM. Functional performance of children with cerebral palsy from high and low socioeconomic status. Rev Paul Pediatr. 2013;31:51-7. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-05822013000100009
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No entanto, esses dados diferiram dos encontrados no presente estudo, o qual apresentou maior proporção de indivíduos no grupo 5 (75% do grupo 5 versus 25% do grupo 4), sugerindo que o padrão de pacientes atendidos no Ambulatório de Pacientes Especiais do HC-UFU foi de indivíduos mais comprometidos, mais graves e que, na maioria das vezes, necessitam de um acompanhamento interdisciplinar especializado em virtude da necessidade de utilização de via alternativa para a alimentação.

No presente estudo, a principal causa de PC foi a anóxia neonatal (21%, n=6), evento este que poderia ser minimizado com boa assistência pré-natal e durante o parto1616. Volpe J. Neurology of the newborn. 4th ed. Philadelphia: W.B. Saunders Co; 2001. p. 296-330.. Volpe et al.,1616. Volpe J. Neurology of the newborn. 4th ed. Philadelphia: W.B. Saunders Co; 2001. p. 296-330. em um estudo sobre as causas da PC, mostram resultado semelhante, sendo a anóxia responsável pelo maior contingente de comprometimento cerebral do recém-nascido, além de ser a primeira causa de morbidade neurológica neonatal. Depois da anóxia, o kernicterus é a segunda causa de PC mais prevalente em nossa população (14%, n=4), seguida das doenças congênitas (11%, n=3) e da má formação do SNC (11%, n=3). Semelhante ao observado no estudo de Rotta et al.,1717. Rotta NT. Cerebral palsy, new therapeutic possibilities. J Pediatr (Rio J). 2002;78 (Suppl 1):S48-54. http://dx.doi.org/10.1590/S0021-75572002000700008
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as infecções congênitas mais frequentemente detectadas neste estudo foram a rubéola e a toxoplasmose.

Neste estudo, foi observado que a maioria dos indivíduos avaliados foi classificada como eutrófica (57%), seguida dos desnutridos (39%), ressaltando-se a utilização de curvas de crescimento específicas para a condição de saúde dos pacientes analisados. Está bem documentado na literatura que o estado nutricional tem impacto significativo na saúde e na qualidade de vida de indivíduos com PC, levando à maior necessidade de cuidados em saúde.1818. Penagini F, Mameli C, Fabiano V, Brunetti D, Dilillo D, Zuccotti GV. Dietary intakes and nutritional issues in neurologically impaired children. Nutrients. 2015;7:9400-15. https://doi.org/10.3390/nu7115469
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É habitual pacientes pediátricos com PC serem classificados quanto ao estado nutricional em curvas de crescimento não específicas. No entanto, essa prática deveria ser revista pela possibilidade de utilização de curvas específicas para esses pacientes, as quais levam em consideração o atraso do desenvolvimento motor e o uso da via de alimentação. Dessa forma, indivíduos com PC eutróficos podem ter sido considerados desnutridos em virtude da utilização de curvas rotineiras para crianças não acometidas.

Mesmo utilizando curvas específicas, é frequente a prevalência de desnutrição. Além disso, é observada piora no estado nutricional com o passar dos anos e com o grau do comprometimento causado pela PC1919. Dahl M, Thommessen M, Rasmussen M, Selberg T. Feeding and nutritional characteristics in children with moderate or severe cerebral palsy. Acta Paediatr. 1996;85:697-701. https://doi.org/10.1111/j.1651-2227.1996.tb14129.x
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. Dahl et al.1919. Dahl M, Thommessen M, Rasmussen M, Selberg T. Feeding and nutritional characteristics in children with moderate or severe cerebral palsy. Acta Paediatr. 1996;85:697-701. https://doi.org/10.1111/j.1651-2227.1996.tb14129.x
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realizaram um estudo com 35 crianças e adolescentes com PC e indicaram prevalência de 46% de desnutridos. Este estudo, por sua vez, evidenciou que 39% dos pacientes analisados estavam desnutridos. Apesar da pequena diferença (39% versus 46%), é importante destacar que a maior prevalência de pacientes eutróficos sugere que o trabalho interdisciplinar, realizado no ambulatório do presente estudo, pode favorecer o estado nutricional dos pacientes.

A partir dos dados antropométricos e alimentares obtidos pelo recordatório de 24 horas, foi possível relacionar o tipo de dieta recebida e a via de administração de dieta com o estado nutricional dos pacientes com PC. Com o presente estudo, foi possível verificar que o tipo de dieta oferecida às crianças com PC influenciou, de forma positiva, o estado nutricional desses pacientes. Observou-se que, das quatro crianças que recebiam somente a dieta artesanal, somente uma estava com o estado nutricional inadequado (sobrepeso). Esse fato pode ser explicado pela falta de padronização observada no preparo das dietas pelos pais/cuidadores, nos ingredientes utilizados e nas medidas caseiras,2020. Stevenson RD. Use of segmental measures to estimate stature in children with cerebral palsy. Arch Pediatr Adolesc Med. 1995;149:658-62. https://doi.org/10.1001/archpedi.1995.02170190068012
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ocasionando, muitas vezes, dietas desequilibradas nutricionalmente (ricas em calorias e pobres em nutrientes). Outro aspecto importante possivelmente associado ao sobrepeso na criança é a pouca atividade física identificada para esse grupo de pacientes, o que gera baixo gasto energético.

Observou-se que 60% das crianças com diagnóstico de desnutrição recebiam somente dieta industrializada. Tal resultado não era esperado pelos pesquisadores, uma vez que a dieta enteral industrializada adequada para a idade é mais fácil de ser preparada e, por isso, existem menores chances de haver grandes diferenças entre o que foi prescrito e o que foi ofertado. Entre os possíveis motivos para esse achado, destaca-se o preparo incorreto pelos pais/cuidadores, que podem oferecer quantidades abaixo do prescrito, ou erro durante o processo de diluição. Grammatikopoulou et al.2121. Grammatikopoulou MG, Daskalou E, Tsigga M. Diet, feeding practices, and anthropometry of children and adolescents with cerebral palsy and their siblings. Nutrition. 2009;25:620-6. https://doi.org/10.1016/j.nut.2008.11.025
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compararam crianças com PC com seus irmãos com desenvolvimento normal e mostraram que a ingestão calórica das crianças com PC era insuficiente, o que poderia ser explicado pela dificuldade e pelo tempo gasto pelos cuidadores para oferecer as refeições. Em adição, outro grupo de pesquisadores verificou que quanto maior o grau de comprometimento da criança, menor a ingestão energética, podendo levar à desnutrição.2222. Hillesund E, Skranes J, Trygg KU, Bøhmer T. Micronutrient status in children with cerebral palsy. Acta Paediatr. 2007;96:1195-8. https://doi.org/10.1111/j.1651-2227.2007.00354.x
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Dessa forma, foi possível verificar que os valores de desnutrição encontrados pelos pesquisadores também foram evidenciados em estudos similares e em grupos de pacientes com as mesmas características.

Para as crianças que recebiam dieta mista, observou-se que a maioria delas estava eutrófica. Tal resultado pode ser justificado pela maior facilidade dos pais em preparar as refeições das crianças, uma vez que poderiam utilizar as preparações comuns da família em algumas refeições e a fórmula, em outras. Outro importante fator que pode ter contribuído para o estado de eutrofia das crianças que recebiam dieta mista foi o acompanhamento constante das crianças com PC no ambulatório especializado. As adequações realizadas pela equipe multiprofissional a cada consulta, e sempre que necessário, contribuíram para a manutenção do estado nutricional adequado.

É importante destacar que, durante o levantamento bibliográfico realizado pelos pesquisadores para embasamento da discussão, não foram identificadas pesquisas que relacionassem o estado nutricional de pacientes com PC, os tipos de dieta e as vias de alimentação. Em razão da relevância do tema e dos resultados identificados pelos pesquisadores, acredita-se que mais pesquisas devem ser desenvolvidas para melhor assistência dos pacientes com PC.

No presente estudo, não foi identificada correlação estatisticamente significativa entre o estado nutricional dos pacientes e a via utilizada para a ministração de dietas, o que poderia ser explicado pelo número reduzido da amostra de estudo. Já é bem descrito na literatura que a nutrição enteral (via alternativa de alimentação) domiciliar é a melhor opção para crianças com algum tipo de deficiência, quando a terapia nutricional é necessária por longos períodos.2323. Santos VF, Bottoni A, Morais TB. Qualidade nutricional e microbiológica das dietas enterais artesanais padronizadas preparadas nas residências de pacientes em terapia nutricional domiciliar. Rev Nutr. 2013;26:205-10. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-52732013000200008
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Strauss et al. identificaram que o uso de gastrostomia aumentou a expectativa de vida das crianças em sete anos.2424. Strauss DJ, Shavelle RM, Anderson TW. Life expectancy of children with cerebral palsy. Pediatr Neurol. 1998;18:143-9. https://doi.org/10.1016/s0887-8994(97)00172-0
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Já uma revisão realizada em 2015 por Nelson e colaboradores2525. Nelson KE, Lacombe-Duncan A, Cohen E, Nicholas DB, Rosella LC, Guttmann A, et al. Family experiences with feeding tubes in neurologic impairment: a systematic review. Pediatrics. 2015;136:e140-51. https://doi.org/10.1542/peds.2014-4162
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verificou que há efeitos positivos (aumento de peso e maior conforto para a criança) e negativos (o uso de via alternativa exige grandes cuidados por parte dos cuidadores) em relação à utilização de gastrostomia.2525. Nelson KE, Lacombe-Duncan A, Cohen E, Nicholas DB, Rosella LC, Guttmann A, et al. Family experiences with feeding tubes in neurologic impairment: a systematic review. Pediatrics. 2015;136:e140-51. https://doi.org/10.1542/peds.2014-4162
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Habitualmente, as crianças que utilizam apenas a via oral para se alimentar têm maior dificuldade de ganho de peso. Tem sido observado, também, que a alimentação exclusivamente por via oral é estressante para os pais/cuidadores, visto que cada refeição leva, em média, três horas para ser realizada e, muitas vezes, há desperdício de alimento.2121. Grammatikopoulou MG, Daskalou E, Tsigga M. Diet, feeding practices, and anthropometry of children and adolescents with cerebral palsy and their siblings. Nutrition. 2009;25:620-6. https://doi.org/10.1016/j.nut.2008.11.025
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O estado nutricional dos pacientes com PC é afetado pelas complicações relacionadas à alimentação, sendo a utilização de vias alternativas uma estratégia a ser adotada.2626. Strauss D, Brooks J, Rosenbloom L, Shavelle R. Life expectancy in cerebral palsy: an update. Dev Med Child Neurol. 2008;50:487-93. https://doi.org/10.1111/j.1469-8749.2008.03000.x
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Em estudo realizado por Marchand et al.2727. Marchand V, Motil KJ. NASPGHAN Committee on Nutrition. Nutrition support for neurologically impaired children: a clinical report of the North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2006;43:123-35. https://doi.org/10.1097/01.mpg.0000228124.93841.ea
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com pacientes neurologicamente comprometidos e que não conseguiam se alimentar sozinhos, foi demonstrado que estes ingeriam quantidade de energia inferior à recomendada. Apesar de a maioria dos pacientes avaliados contar com uma via alternativa para alimentação, não houve diferença estatística daqueles que estavam em alimentação oral quanto à frequência dessas complicações, sugerindo efetividade nas orientações nutricionais realizadas pela equipe.

Durante a consulta nutricional, os pais ou responsáveis são orientados quanto aos alimentos que devem ser administrados ao paciente, os horários, a forma de preparo, o modo como deve ser feita essa administração e quais condutas devem tomar caso ocorra alguma intercorrência ou complicação.

Alguns dos participantes avaliados (33%, n=9) consumiam quantidade de proteína inferior àquela recomendada para a idade, segundo os AMDR.1313. Institute of Medicine of the National Academy Press. Dietary reference intakes for energy, carbohydrate, fibre, fat, fatty acids, cholesterol, and protein and amino acids. Food and Nutrition Board. Washington, D.C.: National Academy Press; 2002. Resultados semelhantes foram demonstrados por Lopes et al.,2828. Lopes PA, Amancio OM, Araújo RF, Vitalle MS, Braga JA. Food pattern and nutritional status of children with cerebral palsy. Rev Paul Pediatr. 2013;31:344-9. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-05822013000300011
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que constataram que 46% das crianças e dos adolescentes com PC espástica apresentavam baixo consumo de proteína. Resultados inversos foram observados por Sangermano et al.,2929. Sangermano M, D’Aniello R, Massa G, Albano R, Pisano P, Budetta M, et al. Nutritional problems in children with neuromotor disabilities: an Italian case series. Ital J Pediatr. 2014;40:61. https://doi.org/10.1186/1824-7288-40-61
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que verificaram que a ingestão proteica estava acima do recomendado. No entanto, é importante destacar que esses últimos autores2929. Sangermano M, D’Aniello R, Massa G, Albano R, Pisano P, Budetta M, et al. Nutritional problems in children with neuromotor disabilities: an Italian case series. Ital J Pediatr. 2014;40:61. https://doi.org/10.1186/1824-7288-40-61
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utilizaram, como faixa de adequação, valores entre 12 e 15% do VCT da dieta, e não o proposto pelos AMDR (10 a 30%).1313. Institute of Medicine of the National Academy Press. Dietary reference intakes for energy, carbohydrate, fibre, fat, fatty acids, cholesterol, and protein and amino acids. Food and Nutrition Board. Washington, D.C.: National Academy Press; 2002.

Quanto às complicações relacionadas à alimentação, foi observado que as mais frequentes entre crianças e adolescentes com PC foram disfagias orofaríngeas, DRGE e obstipação intestinal, semelhantes às encontradas por Sullivan et al.3030. Sullivan PB. Gastrointestinal disorders in children with neurodevelopmental disabilities. Dev Disabil Res Rev. 2008;14:128-36. https://doi.org/10.1002/ddrr.18
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Tais complicações, quando graves, podem impactar negativamente na ingestão alimentar e favorecer o déficit nutricional.3030. Sullivan PB. Gastrointestinal disorders in children with neurodevelopmental disabilities. Dev Disabil Res Rev. 2008;14:128-36. https://doi.org/10.1002/ddrr.18
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A prevalência de disfagia orofaríngea entre crianças e adolescentes com PC varia entre os autores. Em estudo realizado por Parker et al.3131. Parkes J, Hill N, Platt MJ, Donnelly C. Oromotor dysfunction and communication impairments in children with cerebral palsy: a register study. Dev Med Child Neurol. 2010;52:1113-9. https://doi.org/10.1111/j.1469-8749.2010.03765.x
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em 1.357 crianças e adolescentes com PC, foi possível observar a presença de disfagia orofaríngea em 19,9% deles. Outro estudo, realizado por Penagini et al.1818. Penagini F, Mameli C, Fabiano V, Brunetti D, Dilillo D, Zuccotti GV. Dietary intakes and nutritional issues in neurologically impaired children. Nutrients. 2015;7:9400-15. https://doi.org/10.3390/nu7115469
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com indivíduos com PC tetraparética, indicou disfagia em 12,8% dos indivíduos. Em contrapartida, no trabalho de Calis et al.3232. Calis EA, Veugelers R, Sheppard JJ, Tibboel D, Evenhuis HM, Penning C. Dysphagia in children with severe generalized cerebral palsy and intellectual disability. Dev Med Child Neurol. 2008;50:625-30. https://doi.org/10.1111/j.1469-8749.2008.03047.x
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com 166 participantes com maior comprometimento motor, foi possível observar 99% de acometidos com disfagia orofaríngea. Os resultados observados no presente estudo, com pacientes gravemente comprometidos, evidenciaram frequência de 39% (n=11). Esses valores estão em desacordo com Calis et al.3232. Calis EA, Veugelers R, Sheppard JJ, Tibboel D, Evenhuis HM, Penning C. Dysphagia in children with severe generalized cerebral palsy and intellectual disability. Dev Med Child Neurol. 2008;50:625-30. https://doi.org/10.1111/j.1469-8749.2008.03047.x
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No entanto, essa diferença pode estar relacionada ao tamanho da amostra (n=28), sendo que novos estudos com mais participantes podem ser necessários para confirmar esses dados.

A disfagia orofaríngea na PC está associada a piores condições nutricionais, acarretando em menor ingestão alimentar e, consequentemente, maior ocorrência de desnutrição. Além disso, a disfagia orofaríngea na PC favorece a ocorrência de pneumonia aspirativa e outras infecções respiratórias recorrentes. Dessa forma, torna-se a primeira indicação para via alternativa de alimentação, com o intuito de melhorar o prognóstico nutricional e de saúde desses indivíduos.1818. Penagini F, Mameli C, Fabiano V, Brunetti D, Dilillo D, Zuccotti GV. Dietary intakes and nutritional issues in neurologically impaired children. Nutrients. 2015;7:9400-15. https://doi.org/10.3390/nu7115469
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Neste estudo, foi observado que 39% (n=11) dos pacientes apresentavam a DRGE. Dados da literatura indicam que a prevalência dessa doença pode chegar até 75%.3333. Ravelli AM, Milla PJ. Vomiting and gastroesophageal motor activity in children with disorders of the central nervous system. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 1998;26:56-63. https://doi.org/10.1097/00005176-199801000-00010
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O diagnóstico da DRGE nos pacientes com PC é importante, pois ela pode levar a uma redução da ingestão calórica em virtude da presença de vômitos recorrentes e da recusa alimentar. Além do prejuízo nutricional, a DRGE pode resultar em inflamação esofágica, erosões dentárias e aumento do risco de aspiração, os quais podem agravar o estado nutricional do paciente.3030. Sullivan PB. Gastrointestinal disorders in children with neurodevelopmental disabilities. Dev Disabil Res Rev. 2008;14:128-36. https://doi.org/10.1002/ddrr.18
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,3434. Andrew M, Parr JR, Sullivan PB. Feeding difficulties in children with CP. Arch Dis Child Educ Pract Ed. 2012;97:222-9. https://doi.org/10.1136/archdischild-2011-300914
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A obstipação intestinal é uma das três principais complicações que acometem os indivíduos com PC, agravada pela imobilidade prolongada, pelas deformidades posturais e pela rigidez dos músculos abdominais, que dificultam o peristaltismo, e pela baixa ingestão de líquidos e fibras.3030. Sullivan PB. Gastrointestinal disorders in children with neurodevelopmental disabilities. Dev Disabil Res Rev. 2008;14:128-36. https://doi.org/10.1002/ddrr.18
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,3535. Veugelers R, Benninga MA, Calis EA, Willemsen SP, Evenhuis H, Tibboel D, et al. Prevalence and clinical presentation of constipation in children with severe generalized cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2010;52:216-21. https://doi.org/10.1111/j.1469-8749.2010.03701.x
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A prevalência de obstipação intestinal observada nos pacientes avaliados (39%) está de acordo com a literatura (26,0-74,0%).2020. Stevenson RD. Use of segmental measures to estimate stature in children with cerebral palsy. Arch Pediatr Adolesc Med. 1995;149:658-62. https://doi.org/10.1001/archpedi.1995.02170190068012
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,2525. Nelson KE, Lacombe-Duncan A, Cohen E, Nicholas DB, Rosella LC, Guttmann A, et al. Family experiences with feeding tubes in neurologic impairment: a systematic review. Pediatrics. 2015;136:e140-51. https://doi.org/10.1542/peds.2014-4162
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A utilização da via alternativa (sonda ou gastrostomia) pode facilitar a administração de líquidos e de dieta adequada, melhorando os quadros de obstipação.

Apesar de não ter sido demonstrada a associação das complicações alimentares com o estado nutricional e com a via de alimentação, o conhecimento das complicações relacionadas à alimentação no paciente pediátrico e adolescente com PC é importante e pode permitir a criação de estratégias para prevenção de impacto nutricional. Uma delas é a utilização de vias alternativas para alimentação, entretanto isso pode ser pouco efetivo sem suporte e orientações nutricionais adequados.

É importante salientar que, entre as limitações deste estudo, estão o não questionamento quanto ao uso de polivitamínicos e/ou medicamentos que podem influenciar no estado nutricional do indivíduo; e o método de cálculo das necessidades energéticas e proteicas ter aplicado os critérios estabelecidos pela OMS. O critério da OMS é estabelecido para crianças hígidas, o que pode sub ou superestimar as necessidades energéticas, já que podem haver pacientes com grande gasto calórico em razão da espasticidade ou do baixo gasto calórico por causa da inatividade. No entanto, apesar de existirem algumas fórmulas específicas para cálculo de TMB validadas em estudos científicos, as reais necessidades energéticas e proteicas para crianças com PC não são completamente elucidadas na literatura científica. Não obstante, houve um número reduzido de indivíduos avaliados e com subjetividade no relato do recordatório de 24 horas, o que dificultou seu cálculo. Diante disso, foram desenvolvidas e calculadas duas receitas de sopa para serem utilizadas nas orientações aos pacientes do ambulatório, a fim de padronizar as orientações e facilitar a preparação e os cálculos.

O estado nutricional de crianças e adolescentes com PC é afetado por diversos fatores inerentes à sua própria condição, e as complicações associadas à alimentação promovem impacto negativo na vida desses pacientes, sendo necessárias não somente vias alternativas para a alimentação, mas também um trabalho interdisciplinar contínuo para promover saúde e qualidade de vida. Em adição, os resultados obtidos neste estudo reforçam a necessidade de orientações nutricionais contínuas para os ­pais/­cuidadores das crianças do estudo, bem como a escolha de uma via de alimentação adequada a cada criança/adolescente pela equipe multiprofissional que a(o) acompanha.

REFERENCES

Financiamento

  • O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    30 Dez 2018
  • Aceito
    28 Maio 2019
  • Publicado
    07 Maio 2020
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