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SÍFILIS CONGÊNITA NO VALE DO PARAÍBA SOB ENFOQUE ESPACIAL

RESUMO

Objetivo:

Comparar padrões espaciais da sífilis congênita (SC) com os de variáveis socioeconômicas e médicas no Vale do Paraíba paulista nos anos de 2012 a 2016.

Métodos:

Estudo ecológico e exploratório, utilizando ferramentas da análise espacial, com informações sobre casos de SC obtidas do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) e criadas taxas de casos de SC por 1.000 nascidos vivos (NV), de números de Equipes de Saúde da Família e de pediatras atendendo na rede por 100 mil habitantes e de valores do índice de vulnerabilidade social. Foram construídos mapas temáticos com essas taxas, para comparação entre elas, por meio do programa TerraView 4.2.2, e estimaram-se índices de Moran global (IM) para essas variáveis. Para detectar áreas com prioridade de atenção para a incidência de SC, foi construído Box Map. Estipulou-se a correlação de Spearman para os valores das variáveis, os quais foram comparados pelo teste de Kruskal-Wallis. Adotou-se erro alfa=5%.

Resultados:

Ocorreram 144.613 nascimentos no período e 870 casos de SC (6,04/1.000 NV); o valor médio das taxas por município foi de 4,0±4,1 (0,0-17,6/1.000 NV). Maiores taxas de SC ocorreram em municípios do Alto Vale do Paraíba, ao contrário das maiores proporções de pediatras, que se encontravam no extremo leste da região. Os mapas temáticos das variáveis apresentaram aspecto de mosaico, que caracteriza distribuição aleatória das variáveis, e os IM não foram significativos. Não houve correlação significativa entre as variáveis, e o Box Map identificou oito municípios que apresentavam altas taxas de SC.

Conclusões:

Não houve semelhanças entre os padrões espaciais das taxas de SC e demais variáveis, mas identificaram-se oito municípios que merecem atenção dos gestores municipais.

Palavras-chave:
Sífilis congênita; Sistema de informações geográficas; Vulnerabilidade social; Análise espacial

ABSTRACT

Objective:

To compare spatial patterns of congenital syphilis (CS) with those of socioeconomic and medical variables in Paraíba Valley, São Paulo, between 2012 and 2016.

Methods:

Ecological and exploratory study developed using spatial analysis tools, with information on CS cases obtained from official data reports. Rates were found for CS cases per 1,000 live births, number of family health teams and pediatricians available in the health system per 100,000 inhabitants, and social vulnerability index values. Thematic maps were constructed with these variables and compared using TerraView 4.2.2 software. Estimated global Moran (IM) indexes were calculated. In order to detect areas with priority attention regarding the incidence of CS, BoxMaps were developed. The Spearman correlation was estimated for the variable values and compared using the Kruskal-Wallis test. P <0.05 was significant.

Results:

144,613 births and 870 CS cases (6.04/1000 live births) occurred during the study period. The average value of CS rates per municipality was 4.0±4.1, (0.0-17.6/1000 live births). Higher CS rates occurred in municipalities of the Upper Vale do Paraíba, contrary to the proportions of pediatricians who were in the far east of the region. The thematic maps of the variables presented a mosaic aspect, which characterized the random distribution of the variables. The IM were not significant. No significant correlation was found between the variables. The BoxMap identified eight municipalities with high CS rates.

Conclusions:

Even though it was not possible to identify a spatial pattern of CS rates, it was shown that eight municipalities deserve the attention of city managers.

Keywords:
Congenital syphilis; Geographic information system; Social vulnerability, Spatial analysis

INTRODUÇÃO

Entre os anos de 2012 e 2016, foram notificados cerca de 98 mil casos de sífilis congênita no Brasil, sendo 18 mil no estado de São Paulo. Em 2012 foram 13 mil casos no Brasil e 2.400 no estado de São Paulo, e em 2016, 25 mil casos no Brasil e cinco mil no estado paulista - praticamente dobrou o número de casos. Esses valores representam taxas de 6,1 casos por 1.000 nascidos vivos (NV).11. Brasil - Ministério da Saúde [homepage on the Internet]. Departamento de Informática do SUS - DATASUS [cited 2018 Aug 03]. Available from: Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinannet/cnv/sifilisbr.def .
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Em 2016 foram 13 mil internações no Brasil, com custos de R$ 10 milhões para o Sistema Único de Saúde (SUS), sendo cerca de 1.900 internações em São Paulo, o que gerou cerca de R$ 1,7 milhão de despesas para o SUS.22. Brasil - Ministério da Saúde [homepage on the Internet]. Departamento de Informática do SUS - DATASUS [cited 2018 Sep 03]. Available from: Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sih/cnv/nruf.def .
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Nesse mesmo período foram notificados 140 mil casos de sífilis em gestantes, sendo 7.800 no estado de São Paulo, quase dobrando o número de casos no Brasil e no estado de São Paulo, quando comparados os anos de 2012 e 2016.33. Brasil - Ministério da Saúde [homepage on the Internet]. Departamento de Informática do SUS - DATASUS [cited 2018 Sep 03]. Available from: Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinannet/cnv/sifilisgestantebr.def .
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A sífilis congênita (SC) constitui um tradicional evento sentinela para monitoramento da atenção primária à saúde (APS), por se tratar de uma doença de fácil prevenção e cuja ocorrência sugere falhas no funcionamento da rede de atenção básica e/ou da sua integração com o sistema de saúde.44. Saraceni V, Guimarães MH, Theme Filha MM, Leal MC. Perinatal mortality due to congenital syphilis: a quality-of-care indicator for women’s and children’s healthcare. Cad Saude Publica. 2005;21:1244-50. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2005000400027
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Além dos seus efeitos em termos de mortalidade, prematuridade, baixo peso ao nascer e complicações agudas, a SC também é responsável por deformidades, lesões neurológicas e outras sequelas.55. Araújo CL, Shimizu HE, Sousa AI, Hamann EM. Incidence of congenital syphilis in Brazil and its relationship with the Family Health Strategy. Rev Saude Publica. 2012;46:479-86. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102012000300010
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O georreferenciamento dos eventos de saúde tem muita importância para análise e avaliação de riscos à saúde coletiva e, por meio de mapas temáticos, pode explorar determinantes locais e regionais de determinado evento e estabelecer associações entre esses eventos e possíveis fatores associados, entre os quais pode ser destacado o índice de vulnerabilidade social (IVS), que varia entre 0 e 1 e que, quanto mais próximo a 1, maior é a vulnerabilidade social de um município,66. Brasil - Ministério da Economia [homepage on the Internet]. Instituto de Pesquisa Economia Aplicada (IPEA). Atlas da vulnerabilidade social nos municípios brasileiros [cited 2018 Oct 10]. Brasília: Ministério da Economia; 2015. Available from: Available from: http://ivs.ipea.gov.br/index.php/pt/sobre
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servindo também para avaliar intervenções.77. Nascimento LF, Batista GT, Dias NW, Catelani CS, Becker D, Rodrigues L. Spatial analysis of neonatal mortality in Paraíba Valley, Southeastern Brazil, 1999 to 2001. Rev Saude Publica. 2007;41:94-100. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102007000100013
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,88. Venâncio TS, Tuan TS, Nascimento LF. Incidence of tuberculosis in children in the state of São Paulo, Brazil, under spatial approach. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20: 1541-7. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015205.14672014
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,99. Reis GJ, Barcellos C, Pedroso MM, Xavier DR. Intraurban differentials in congenital syphilis: a predictive analysis by neighborhood in the city of Rio de Janeiro, Brazil. Cad Saude Publica. 2018;34:e00105517. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00105517
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Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi comparar padrões espaciais de taxas de sífilis congênita (por 1.000 NV), de valores de IVS, do número de equipes da saúde da família e de pediatras de cada município da região metropolitana do Vale do Paraíba nos anos de 2012 a 2016.

MÉTODO

Desenvolveu-se estudo ecológico e exploratório utilizando as ferramentas da análise espacial, com informações sobre casos de SC na região metropolitana do Vale do Paraíba e litoral norte paulista, nos anos de 2012 a 2016. Essa região constitui uma das mais industrializadas do estado, com destaque aos setores aeroespacial e automobilístico, é composta de 39 municípios e tem população de mais de dois milhões de habitantes. Foram incluídos somente os municípios localizados entre as serras do mar e a da Mantiqueira, que formam o Vale do Paraíba, excluindo-se quatro municípios do litoral norte.1010. São Paulo Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano S.A. - Emplasa [homepage on the Internet]. [cited 2019 Apr 10] Available from: Available from: https://www.emplasa.sp.gov.br/RMVPLN
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O período de cinco anos de estudo, 2012-2016, permitiu que flutuações no número de casos de SC, para mais ou para menos, fossem minimizadas.

Os casos identificados como SC foram obtidos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) relativos ao local de residência da mãe.1111. Brasil - Ministério da Saúde [homepage on the Internet]. Departamento de Informática do SUS - DATASUS [cited 2018 Sep 03]. Available from: Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinannet/cnv/sifilissp.def .
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Foram criadas taxas de SC por 1.000 NV. Obtiveram-se informações sobre o sexo do recém-nascido (RN), a evolução identificada como vivo, o óbito por SC, o óbito por outra causa. Foram calculadas as proporções de gestantes que fizeram sete ou mais consultas no pré-natal e, também, obtidas informações sobre número de Equipes de Saúde da Família nos municípios do Vale do Paraíba no portal do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), além do número de pediatras que atendem nesses municípios.1212. Brasil - Ministério da Saúde [homepage on the Internet]. Departamento de Informática do SUS - DATASUS [cited 2018 Oct 10]. Available from: Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?cnes/cnv/equipesp.def .
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Estes últimos valores foram transformados em proporção por 100 mil habitantes. Foram obtidas informações sobre o IVS para cada município incluído neste estudo (35 municípios), e essas informações foram coletadas do portal do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).66. Brasil - Ministério da Economia [homepage on the Internet]. Instituto de Pesquisa Economia Aplicada (IPEA). Atlas da vulnerabilidade social nos municípios brasileiros [cited 2018 Oct 10]. Brasília: Ministério da Economia; 2015. Available from: Available from: http://ivs.ipea.gov.br/index.php/pt/sobre
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O IVS é subdividido em cinco faixas:

  • Muito baixa: vulnerabilidade social para IVS entre 0,000 e 0,200.

  • Baixa: IVS entre 0,201 e 0,300.

  • Média: entre 0,301 e 0,400.

  • Alta: entre 0,401 e 0,500.

  • Muito alta: 0,501 ou mais.66. Brasil - Ministério da Economia [homepage on the Internet]. Instituto de Pesquisa Economia Aplicada (IPEA). Atlas da vulnerabilidade social nos municípios brasileiros [cited 2018 Oct 10]. Brasília: Ministério da Economia; 2015. Available from: Available from: http://ivs.ipea.gov.br/index.php/pt/sobre
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A análise espacial consistiu na obtenção dos índices de Moran global (IM) para as variáveis: taxas de SC, valores do IVS, proporção de pediatras por 100 mil habitantes e por município e proporção de Estratégia Saúde da Família (ESF) em cada município por 100 mil habitantes. O IM varia de -1 a +1, e valores positivos e negativos possuem autocorrelação espacial positiva e negativa, respectivamente.1313. Brasil - Ministério da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) . Introdução a Estatística Espacial para Saúde Pública. Brasília: Ministério da Saúde; 2007. Os valores próximos de 0 indicam inexistência de autocorrelação espacial. Isto é, os eventos são aleatórios e, em contrapartida, valores mais próximos de 1 significam maior semelhança entre vizinhos.1313. Brasil - Ministério da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) . Introdução a Estatística Espacial para Saúde Pública. Brasília: Ministério da Saúde; 2007. O nível de significância adotado para as análises foi de 5%. A malha digital dos municípios que compõem as microrregiões do Vale do Paraíba foi obtida do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).1414. Brasil - Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE [homepage on the internet]. Canal que reúne os arquivos para download de todas as áreas do IBGE [cited 2018 Aug 03]. Available from: Available from: https://downloads.ibge.gov.br/downloads_geociencias.htm
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A fim de detectar as áreas com valores maiores, menores e intermediários das taxas de incidência de SC, foram construídos mapas conforme os quadrantes do diagrama de espalhamento de Moran (Box Map). No quadrante 1 (alta/alta), localizam-se municípios com alta taxa de incidência e vizinhos também com alta taxa; no quadrante 2 (baixa/baixa), estão municípios com baixa taxa de incidência e vizinhos também com baixa taxa; no quadrante 3 (alta/baixa), municípios com alta taxa e vizinhos com baixa taxa; e no quadrante 4 (baixa/alta) há municípios com baixa taxa e vizinhos com alta taxa de incidência. A associação espacial nos dois primeiros quadrantes é positiva, com municípios e seus vizinhos com valores semelhantes. Em contrapartida, nos quadrantes 3 e 4 a associação espacial é negativa, com municípios e seus vizinhos com valores diferentes.1313. Brasil - Ministério da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) . Introdução a Estatística Espacial para Saúde Pública. Brasília: Ministério da Saúde; 2007.

Foram construídos e comparados os mapas temáticos com os valores das taxas de incidência de SC, de IVS, de proporção de ESF e de proporção de pediatras. As taxas de incidência de SC foram analisadas segundo as categorias do IVS muito baixa, baixa e média, utilizando o teste de Kruskal-Wallis, e calcularam-se os valores dos coeficientes de correlação de Spearman.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Taubaté, sob número 009/11.

RESULTADOS

Em todos os 35 municípios do Vale do Paraíba, foram 144.613 nascimentos entre os anos de 2012 e 2016 e identificados 870 casos de SC (6,02/1.000 NV). Dos 870 casos notificados, 336 eram meninos, 481 meninas e 53 sem informação (6,1% das notificações). Segundo o SINAN, 782 (89,9%) desses casos notificados estavam vivos. No caso das mães, 765 fizeram pré-natal, e o diagnóstico de sífilis na gestante deu-se em 648 casos durante o pré-natal. Não foram considerados nessa análise os valores das variáveis: óbito por outra causa e proporções de gestantes que fizeram sete ou mais consultas no pré-natal, dada a quantidade de falta de informação, que não permitiria a obtenção de um resultado confiável.

A média das taxas de incidência, analisando individualmente cada município, para SC e por 1.000 NV foi de 4,0±4,1, variando entre 0 em nove municípios (Santo Antônio do Pinhal, São Bento do Sapucaí, Bananal, Arapeí, Areias, Lavrinhas, Queluz, São Luís do Paraitinga e Redenção da Serra) e 17,6 (Lagoinha). A letalidade média foi 11,5±20,3 (variação entre 0 e 100) em 21 municípios. (Tabela 1).

Os valores do IM não foram significativos (p>0,05):

  • Para a taxa de SC: IM=0,05 (p=0,30).

  • Para as taxas de ESF por 100 mil habitantes: IM=-0,02 (p=0,45).

  • Para as taxas de pediatras por 100 mil habitantes: IM=0,15 (p=0,08).

  • Para IVS: IM=0,01 (p=0,43).

Tabela 1.
Valores médios com respectivos desvios padrão (DP), mínimos e máximos e valores do índice de Moran global (IM), com respectivos p-valor das taxas de sífilis congênita, de Equipes de Saúde da Família, de letalidade e de pediatras, por município do Vale do Paraíba, SP, 2012-2016.

Tais dados caracterizam ausência de autocorrelação espacial. O padrão espacial desses valores tem aspecto de mosaico, sem identificação de aglomerados de municípios com valores semelhantes (Tabela 1).

Na Tabela 2 estão os valores consolidados para todos os municípios incluídos no estudo para as variáveis SC, sífilis materna, número de óbitos, número de RNs vivos (segundo diagnóstico de SC) e quantidade de Equipes de Saúde da Família, com valores médios e respectivos desvios padrão (DP), valores mínimo e máximo, para cada um dos 35 municípios compreendidos no estudo. Os valores médios e respectivos DP do IVS para os municípios envolvidos na pesquisa foram 0,252±0,050, com valor mínimo de 0,177 e máximo de 0,355; cinco municípios apresentaram IVS maiores que 0,300, compondo o grupo de média vulnerabilidade: Redenção da Serra, Natividade da Serra, Monteiro Lobato, Cunha e Lagoinha, todos fora do eixo da Via Dutra.

Tabela 2.
Análise descritiva das variáveis sífilis congênita, sífilis materna, número de óbitos, número de recém-nascidos vivos (segundo diagnóstico de sífilis congênita) e quantidade de Equipes de Saúde da Família, com valores médios e respectivos desvios padrão (DP), valores mínimos e máximos, por município, Vale do Paraíba, SP, 2012-2016.

Os mapas temáticos das taxas de SC, dos valores de IVS, das proporções de pediatras e de equipe de saúde da família encontram-se nas Figuras 1 e 2. Pode-se identificar, no mapa temático (Figura 1A), que as maiores taxas de SC estão em municípios do Alto Vale do Paraíba - São José dos Campos, Jacareí, Santa Branca, Paraibuna, Taubaté, Tremembé e Lagoinha - mais próximos à capital, todos com IVS considerado baixo, exceto Lagoinha, que apresenta IVS com valor médio. Por outro lado, as menores taxas de incidência de SC são de municípios localizados no extremo leste do estado, na divisa com o estado do Rio de Janeiro, exceto um município, São José do Barreiro, que apresenta taxa no último quartil (mais que sete casos/1.000 NV).

Figura 1.
Mapas temáticos quanto à (A) distribuição de sífilis congênita (por 1000 nascidos vivos) e (B) ao índice de vulnerabilidade social, Vale do Paraíba paulista, 2012 - 2016.

Figura 2.
Distribuição espacial de (A) Equipes de Saúde da Família (por 100 mil habitantes) e de (B) pediatras por município do Vale do Paraíba (por 100 mil habitantes), Vale do Paraíba paulista, 2012 - 2016.

O mapa temático dos valores do IVS (Figura 1B) para os municípios do Vale do Paraíba mostra valores muito baixos em sete municípios - Jambeiro, Caçapava, Taubaté, Aparecida, Guaratinguetá, Cachoeira Paulista e Cruzeiro - ; baixos em 22 municípios; e médios em seis municípios - Monteiro Lobato, Redenção da Serra, Natividade da Serra, Lagoinha, Cunha e Queluz - , dos quais, exceto Queluz, estão fora do eixo da Via Dutra. O valor máximo foi 0,355 para Redenção da Serra, e o menor, 0,177 para Jambeiro. Não foi possível identificar semelhanças nos mapas de SC e de IVS, pois era de se esperar que municípios com maiores taxas de casos de SC apresentassem piores valores de IVS.

A distribuição espacial das proporções de Equipes de Saúde da Família está na Figura 2A. As maiores proporções estão no leste da região metropolitana do Vale do Paraíba, o chamado Vale Histórico, e as menores em municípios ao longo da Via Dutra. Tampouco se notam semelhanças entre essa distribuição e as taxas de SC.

A Figura 2B é o mapa temático da distribuição espacial das proporções de pediatras em cada município. Também tem aspecto de mosaico, com maiores proporções em municípios ao longo da Via Dutra e em alguns do extremo leste, sem haver aglomerado entre eles. Os valores apresentados pelo IM já apontavam ausência de autocorrelação espacial para as distribuições espaciais mostradas nas Figuras 1A, 1B, 2A e 2B.

A matriz de correlação de Spearman não encontrou valores significativos entre as taxas de incidência de SC e os valores de IVS (r=-0.17), a proporção de programas de ESF por 100 mil habitantes (r=-0.22) e a proporção de pediatras por 100 mil habitantes (r=-0.05).

Quando comparadas as taxas de incidência de SC por municípios em três categorias de IVS (muito baixo, baixo e médio) pelo teste de Kruskal-Wallis, não se constataram diferenças estatisticamente significativas entre elas (p=0,93).

O Box Map (Figura 3) identifica oito municípios (Aparecida, Taubaté, Tremembé, Monteiro Lobato, São José dos Campos, Igaratá, Jacareí e Santa Branca) localizados no quadrante 1 do diagrama de Moran (alto-alto), que devem ser objeto de investigação pelas taxas de SC, pois têm taxas altas, e alguns são circundados por municípios com altas taxas. O mapa identifica ainda 11 municípios no quadrante 2 (baixo-baixo), que têm baixa prioridade para intervenção.

Figura 3.
Box Map segundo taxas de sífilis congênita, por 1000 NV, por município com identificação de municípios de alta frequência cercados por municípios de alta frequência da doença (H - H) e municípios com baixa frequência circundados por municípios com baixa frequência (L - L), Vale do Paraíba paulista, 2012 - 2016.

DISCUSSÃO

Este é o primeiro estudo sobre incidência de SC sob a visão espacial realizado no estado de São Paulo. A taxa de SC encontrada, conforme dados obtidos do SINAN para os anos de 2012 a 2016 em munícipios do Vale do Paraíba, foi de 6,04/1.000 NV. Quando analisadas segundo cada município do Vale do Paraíba, essas taxas oscilam entre 0 e 17,6/1.000 NV, com média de 4,0±4,1 casos por mil NV no período. Em 2012 a taxa de incidência de SC no Vale do Paraíba foi de 2,4/1.000 NV, e, em 2016, a taxa aumentou para 10,2/1.000 NV (aumento de ≈330%). No Brasil a incidência de SC em 2012 foi de 4.58/1.000 NV, e em 2016 a taxa subiu para 8.78/1.000 NV, representando aumento de aproximado 90%.1515. Brasil - Ministério da Saúde [homepage on the internet]. Departamento de Informática do SUS - DATASUS [cited 2018 Aug 03]. Available from: Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinannet/cnv/sifilisbr.def .
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Abordagem semelhante, análise espacial, foi aplicada em alguns estudos internacionais sobre sífilis.1616. Escamilla VH, Hampton KH, Gesink DC, Serre ML, Emch M, Leone PA, et al. Influence of detection method and study area scale on syphilis cluster identification in North Carolina. Sex Transm Dis. 2016;43:216-21. https://doi.org/10.1097/OLQ.0000000000000421
https://doi.org/https://doi.org/10.1097/...
,1717. Wijers IG, Gómez AS, Jiménez JA. Spatial analysis of syphilis and gonorrhea infections in a Public Health Service in Madrid. Rev Esp Salud Publica. 2017;91:e201706033.,1818. Wong NS, Chen L, Tucker JD, Zhao P, Goh BT, Poon CM, et al. Distribution of reported syphilis cases in South China: spatiotemporal analysis. Sci Rep. 2018;8: 9090. https://doi.org/10.1038/s41598-018-27173-y
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Entre os estudos desenvolvidos no Brasil sobre esse tema, Andrade et al. afirmam que, apesar de ser uma doença antiga e de tratamento de baixo custo, ainda é um problema de saúde pública e descrevem um caso atendido em um hospital universitário que não foi diagnosticado na gestação pelo fato de não ter sido realizada a sorologia materna no último trimestre da gravidez.1919. Andrade AL, Magalhães PV, Moraes MM, Tresoldi AT, Pereira RM. Late diagnosis of congenital syphilis: a recurring reality in women and children health care in Brazil. Rev Paul Pediatr. 2018;36:376-81. https://doi.org/10.1590/1984-0462/;2018;36;3;00011
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...

Estudo efetivado em Palmas, TO, com dados de 2007 a 2014, encontrou 204 casos de SC, com a taxa de incidência de 2,9/1.000 NV em 2007 aumentando para a 8,1/1.000 NV em 2014. Os autores levantam a possibilidade da fragilidade dos serviços de saúde quanto ao controle da SC, pois foram encontradas diversas falhas importantes envolvendo o acompanhamento tanto das gestantes durante o pré-natal como da criança, incluindo-se o não tratamento adequado das mães e de seus parceiros.2020. Cavalcante PA, Pereira RB, Castro JG. Syphilis in pregnancy and congenital syphilis in Palmas, Tocantins State, Brazil, 2007-2014. Epidemiol Serv Saúde. 2017;26:255-64. https://doi.org/10.5123/S1679-49742017000200003
https://doi.org/https://doi.org/10.5123/...

No Rio Grande do Norte, investigação sobre casos notificados de SC no período de 2007 a 2010 apontou que, em 2007, a incidência era de 2,7/1.000 NV e aumentou para 4,3/1.000 NV em 2008 e 2009, caindo para 0,9/1.000 NV em 2010. Apesar da queda da taxa de incidência, ela era superior ao valor de 0,5/1.000 NV, meta estabelecida para eliminação da doença.2121. Carvalho IS, Brito RS. Congenital syphilis in the state of Rio Grande do Norte: a descriptive study in the period 2007-2010. Epidemiol Serv Saúde. 2014;23:287-94. ttp://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742014000200010
https://doi.org/ttp://dx.doi.org/10.5123...

Estudo realizado com dados de escritório regional de saúde de Maringá, cidade localizada no norte do estado do Paraná, identificou 176 casos de SC, com aumento anual progressivo da incidência da doença de 0,3 caso por mil NV em 2011 para 9,7 casos por mil NV em 2015. Os autores apontam variáveis como idade, cor da pele e baixa escolaridade como fatores associados, as quais não foram avaliadas em nosso estudo por incompletude de informações. Os autores concluem que ainda há um longo caminho a se percorrer para eliminação da SC.2222. Padovani C, Oliveira RR, Pelloso SM. Syphilis in during pregnancy: association of maternal and perinatal characteristics in a region of southern Brazil. Rev Latino-Am. Enfermagem. 2018;26:e3019. http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.2305.3019
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.159...
Outros estudos descrevem aspectos de identificação de casos, prevalência nas gestantes, tratamento, exames realizados e dados do pré-natal, bem como características das gestantes.2323. Cardoso AR, Araújo MA, Cavalcante MS, Frota MA, Melo SP. Análise dos casos de sífilis gestacional e congênita nos anos de 2008 a 2010 em Fortaleza, Ceará, Brasil. Ciênc Saude Coletiva. 2018;23:563-74. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018232.01772016
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.159...
,2424. Lima MG, Santos RF, Barbosa GJ, Ribeiro GS. Incidence and risk factors for congenital syphilis in Belo Horizonte, Minas Gerais, 2001-2008. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18:499-506. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232013000200021
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,2525. Magalhães DM, Kawaguchi IA, Dias A, Calderon IM. Maternal and congenital syphilis: a persistent challenge. Cad Saúde Pública. 2013;29:1109-20. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2013000600008
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Nosso estudo, além de estimar a taxa de incidência de SC, procurou comparar o padrão espacial dessas taxas com os padrões espaciais das distribuições do IVS e de indicadores de assistência médica (Equipes de Saúde da Família e número de pediatras) e, além disso, correlacionar seus valores com aquelas variáveis. Houve correlação negativa entre os valores do IVS e a taxa de incidência de SC, sugerindo que, quanto maior a vulnerabilidade social, menores as taxas, mas essa correlação não se mostrou significativa. Trata-se de um achado paradoxal, mesmo que essa correlação não fosse estatisticamente significativa, pois se esperava que, quanto maior a vulnerabilidade e maiores os valores de IVS, maiores seriam as incidências de SC. Possivelmente, os municípios com menores IVS e maiores taxas de SC realizaram mais diagnósticos pelo fato de terem melhor acesso aos serviços de saúde e melhor atendimento no pré-natal, no entanto não foi possível identificar a quantidade de consultas no pré-natal, porque havia incompletude dessas informações.

Lima et al. identificaram a falta de atenção e cuidados no pré-natal como associada à ocorrência de SC. Tal falta de cuidados no pré-natal pode estar ligada a gestantes que residem em localidades distantes de unidades básicas de saúde ou que moram em regiões mais pobres e, assim sendo, têm mais dificuldade no acesso a serviços de saúde, compondo uma população muito vulnerável.2424. Lima MG, Santos RF, Barbosa GJ, Ribeiro GS. Incidence and risk factors for congenital syphilis in Belo Horizonte, Minas Gerais, 2001-2008. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18:499-506. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232013000200021
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Estudo realizado no município do Rio de Janeiro99. Reis GJ, Barcellos C, Pedroso MM, Xavier DR. Intraurban differentials in congenital syphilis: a predictive analysis by neighborhood in the city of Rio de Janeiro, Brazil. Cad Saude Publica. 2018;34:e00105517. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00105517
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utilizando geoprocessamento identificou 6.274 casos de SC (taxa de incidência de 17,3 casos/1.000 NV), com elevada proporção de casos cujas mães tinham baixa escolaridade, cor da pele negra e baixa proporção de gestantes que frequentaram, no mínimo, sete consultas de assistência pré-natal, sugerindo segmentos de populações marginalizadas.

Além do estudo de Reis et al.,99. Reis GJ, Barcellos C, Pedroso MM, Xavier DR. Intraurban differentials in congenital syphilis: a predictive analysis by neighborhood in the city of Rio de Janeiro, Brazil. Cad Saude Publica. 2018;34:e00105517. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00105517
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no Rio Grande do Sul, investigação que empregou ferramentas de análise espacial identificou taxas de SC variando entre 1,0/1.000 NV em 2001 e 5,1 casos por 1.000 NV em 2012, com incremento anual de 0,84 casos por 1.000 NV (p<0,01). As microrregiões foram espacialmente independentes (IM=0,06; p=0,25), tendo Porto Alegre a maior incidência (4,19 casos/1.000 NV) e Jaguarão a menor (0,23 casos/1.000 NV). Observaram-se microrregiões com dependência espacial local significativa.2626. Teixeira LO, Belarmino V, Gonçalves CV, Mendoza-Sassi RA. Temporal trend and spatial distribution of congenital syphilis in the state of Rio Grande do Sul between 2001 and 2012. Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23:2587-97. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018238.25422016
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O aumento dos casos de SC salienta um déficit na qualidade do pré-natal. A identificação das microrregiões com maior incidência é essencial para focalizar as políticas públicas sobre esse tema. Aqui, as taxas de SC mostraram-se autocorrelacionadas espacialmente (IM=0,05), mas sem significância estatística (p=0.31), talvez pelo fato de ter sido analisada uma série temporal de cinco anos e o estudo citado tenha usado dados de 12 anos (2001-2012).

O fato de municípios mais populosos localizados no Alto Vale do Paraíba terem taxas mais elevadas poderia ser explicado por haver busca ativa de casos de gestantes com sífilis, utilizando exames laboratoriais no pré-natal com tratamento da mãe. Esses municípios têm IVS nas categorias muito baixo e baixo. Por outro lado, municípios no extremo leste, com valores de IVS baixo e médio, exceto São José do Barreiro, têm taxas mais baixas (primeiro e segundo quartis), possivelmente por serem municípios com número maior de equipe de ESF.

Neste artigo, procurou-se correlacionar as taxas de SC por município com as proporções de equipes de ESF. Sarraceni e Miranda encontraram correlação negativa, mas não significativa, entre distribuição da razão observada/estimada de SC e a cobertura de ESF (coeficiente de correlação de Pearson, r=-0,40; p=0,51),2727. Saraceni V, Miranda AE. Coverage by the Family Health Strategy and diagnosis of syphilis in pregnancy and congenital syphilis. Cad Saúde Pública. 2012;28:490-6. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2012000300009
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que são semelhantes aos achados deste estudo, realizado nos municípios do Vale do Paraíba (r=-0.22).

O presente estudo apresenta limitações, destacando-se o fato de se terem utilizado dados secundários, que, mesmo sendo de fontes oficiais, podem conter erros, como preenchimento incorreto da notificação, não preenchimento da notificação, não informação sobre idade e escolaridade maternas, número de consultas no pré-natal, os quais podem levar à subnotificação do desfecho. Mesmo com essas possíveis limitações e não se encontrando aglomerados de municípios com altas ou baixas taxas de incidência, isto é, com dependência espacial entre os municípios, foi possível identificar oito municípios com altas taxas de incidência de SC que merecem atenção dos órgãos de saúde locais e regional, a fim de identificar outras variáveis que possam estar associadas ao desfecho estudado.

REFERENCES

Financiamento

  • Este estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    13 Dez 2018
  • Aceito
    28 Maio 2019
  • Publicado
    28 Jul 2020
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