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HIPERTERMIA MALIGNA EM CRIANÇA APÓS EXAME DE RESSONÂNCIA MAGNÉTICA: RELATO DE CASO

RESUMO

Objetivo:

Relatar um caso de hipertermia maligna em criança após exame de ressonância magnética de crânio realizada sob efeito anestésico de sevoflurano.

Descrição do caso:

Menino de três anos de idade, admitido na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) após apresentar quadros clínico e laboratorial compatíveis com meningoencefalite viral não especificada. Foi realizado um exame de ressonância magnética de crânio com sedação utilizando, na indução anestésica, o propofol seguido pela administração de sevoflurano por meio de máscara laríngea para manutenção anestésica. Aproximadamente três horas após o início do procedimento, o paciente apresentou taquicardia, taquipneia, rigidez muscular generalizada e hipertermia persistentes. Com hipótese diagnóstica de hipertermia maligna, foi então administrado dantrolene, que fez ceder de forma imediata a rigidez muscular, a taquicardia, a taquipneia e reduziu a temperatura corporal.

Comentários:

A hipertermia maligna é uma síndrome farmacogenética rara, que se caracteriza por reação hipermetabólica grave após administração de anestésicos inalatórios halogenados e/ou relaxantes musculares despolarizantes, como a succinilcolina. Apesar de ser uma doença potencialmente fatal, a rápida administração de dantrolene, junto às doses de manutenção, tem reduzido drasticamente a morbimortalidade da doença.

Palavras-chave:
Hipertermia maligna; Sevoflurano; Dantroleno

ABSTRACT

Objective:

To report on a case of malignant hyperthermia in a child after a magnetic resonance imaging of the skull was performed using sevoflurane anesthesia.

Case description:

A 3-year-old boy admitted to the pediatric intensive care unit after presenting clinical and laboratory findings consistent with unspecified viral meningoencephalitis. While the patient was sedated, a magnetic resonance imaging of the skul was performed using propofol followed by the administration of sevoflurane through a laryngeal mask in order to continue anesthesia. Approximately three hours after the start of the procedure, the patient presented persistent tachycardia, tachypnea, generalized muscular stiffness and hyperthermia. With a diagnostic hypothesis of malignant hyperthermia, dantrolene was then administered, which immediately induced muscle stiffness, tachycardia, tachypnea and reduced body temperature.

Comments:

Malignant hyperthermia is a rare pharmacogenetic syndrome characterized by a severe hypermetabolic reaction after the administration of halogenated inhalational anesthetics or depolarizing muscle relaxants such as succinylcholine, or both. Although it is a potentially fatal disease, the rapid administration of continued doses dantrolene has drastically reduced the morbidity and mortality of the disease.

Keywords:
Malignant hyperthermia; Sevoflurane; Dantrolene

INTRODUÇÃO

A hipertermia maligna (HM) é uma síndrome farmacogenética potencialmente fatal deflagrada pela administração de anestésicos halogenados (e.g.: halotano, isoflurano, sevoflurano) e bloqueadores neuromusculares como succinilcolina.11. Rosenberg H, Pollock N, Schiemann A, Bulger T, Stowell K. Malignant hyperthermia: a review. Orphanet J Rare Dis. 2015;10:93. https://doi.org/10.1186/s13023-015-0310-1
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,22. Raut MS, Karl S, Maheshwari A, Shivnani G, Kumar A, Daniel E, et al. Rare postoperative delayed malignant hyperthermia after off-pump coronary bypass surgery and brief review of literature. Ann Card Anaesth. 2016;19:357-62. https://doi.org/10.4103/0971-9784.179620
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Após a exposição a tais medicamentos, o paciente predisposto geneticamente evolui com contraturas e rigidez da musculatura esquelética resultante da liberação de íons de cálcio pelo retículo sarcoplasmático. Essas contraturas são tão intensas que promovem incremento no consumo de oxigênio, excesso na produção de CO2, hipertermia pelo excesso na produção de calor (aumentos de 1 a 2°C a cada cinco minutos) e rabdomiólise. Além do mais, apresenta sintomas associados, como taquipneia e taquicardia.11. Rosenberg H, Pollock N, Schiemann A, Bulger T, Stowell K. Malignant hyperthermia: a review. Orphanet J Rare Dis. 2015;10:93. https://doi.org/10.1186/s13023-015-0310-1
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,22. Raut MS, Karl S, Maheshwari A, Shivnani G, Kumar A, Daniel E, et al. Rare postoperative delayed malignant hyperthermia after off-pump coronary bypass surgery and brief review of literature. Ann Card Anaesth. 2016;19:357-62. https://doi.org/10.4103/0971-9784.179620
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,33. Broman M, Islander G, Muller CR. Malignant hyperthermia, a Scandinavian update. Acta Anaesthesiol Scand. 2015;59:951-61. https://doi.org/10.1111/aas.12541
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O tratamento inclui a suspensão imediata do agente desencadeante, a oferta de oxigênio a 100%, a hiperventilação (quando em ventilação mecânica), o controle da temperatura, além da pronta administração de dantrolene por via intravenosa.11. Rosenberg H, Pollock N, Schiemann A, Bulger T, Stowell K. Malignant hyperthermia: a review. Orphanet J Rare Dis. 2015;10:93. https://doi.org/10.1186/s13023-015-0310-1
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,22. Raut MS, Karl S, Maheshwari A, Shivnani G, Kumar A, Daniel E, et al. Rare postoperative delayed malignant hyperthermia after off-pump coronary bypass surgery and brief review of literature. Ann Card Anaesth. 2016;19:357-62. https://doi.org/10.4103/0971-9784.179620
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,33. Broman M, Islander G, Muller CR. Malignant hyperthermia, a Scandinavian update. Acta Anaesthesiol Scand. 2015;59:951-61. https://doi.org/10.1111/aas.12541
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Antes do advento e do uso do dantrolene, a mortalidade associada à HM era de aproximadamente 80%. Na atualidade, após seu advento e administração precoce, a mortalidade foi reduzida para aproximadamente 5%.11. Rosenberg H, Pollock N, Schiemann A, Bulger T, Stowell K. Malignant hyperthermia: a review. Orphanet J Rare Dis. 2015;10:93. https://doi.org/10.1186/s13023-015-0310-1
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Relatamos o caso de um paciente de três anos de idade que apresentou quadro clínico de HM que respondeu adequadamente à administração de dantrolene, porém os sintomas recrudesceram em razão da não manutenção da droga na sequência terapêutica. Reiniciada a administração com dantrolene, o paciente teve seu quadro clínico controlado novamente.

RELATO DO CASO

Criança de três anos de idade, sexo masculino, foi admitida na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) por apresentar tonturas, vômitos, disartria e crises convulsivas. Como houve suspeita diagnóstica de meningoencefalite, foi realizado exame do líquido cefalorraquidiano que demonstrou aumento da celularidade com 70% de neutrófilos, 30% de linfomononucleares, glicose 60 mg/dL e proteinorraquia 55 mg/dL com Pandy positivo. Os exames de bacterioscopia, reação de Látex e cultura resultaram negativos, assim como a sorologia para o Herpes vírus. Tratou-se como meningoencefalite viral não especificada com aciclovir na dose de 30 mg/kg/dia por 14 dias, em razão da melhora clínica após administração da medicação. Após estabilização do quadro infeccioso, estando o paciente já no setor de enfermaria, foi solicitado pela equipe de neuropediatria um exame de ressonância nuclear magnética de crânio realizado sob efeito anestésico induzido com propofol e mantido com sevoflurano por meio de máscara laríngea. Não foram administrados opioides, relaxantes musculares ou benzodiazepínicos. A criança tolerou bem o procedimento, sendo transportada à enfermaria após recuperação anestésica. Aproximadamente três horas após o procedimento, o paciente apresentou taquicardia, taquipneia, rigidez muscular generalizada, sobretudo do masseter, e hipertermia, nessa ordem.

Inicialmente, foi considerada a possibilidade de crise convulsiva em razão do quadro patológico de base (meningoencefalite). Porém, após instalação de oxigenoterapia por cateter paranasal e administração por duas vezes de diazepam na dose de 0,1 mg/kg/dose, os sintomas persistiram. A criança foi novamente encaminhada para a UTIP e, em conjunto com a equipe de anestesia e neurologia pediátrica, considerou-se a hipótese diagnóstica de HM de forma tardia, tendo recebido 48 pontos na Escala de Classificação de Risco para HM (Quadros 1 e 2), sendo classificada como “bastante provável”. Após a administração de dantrolene na dose de 2,5 mg/kg por via endovenosa, a criança teve uma resposta eficaz com o desaparecimento quase instantâneo dos sintomas. A hipertermia cedeu (Gráfico 1), assim como as contrações musculares e os demais sintomas. Aproximadamente 15 minutos após a administração do dantrolene e com os sintomas já controlados, foram realizados exames laboratoriais (Quadro 3). Entre os achados laboratoriais, as alterações relacionadas à HM encontradas no paciente são a hipoxemia (pressão parcial de oxigênio arterial - PaO2 63 mmHg), a hiperlactatemia (26,9 mg/dL) e a elevação das enzimas musculares (creatinoquinase - CK 1592 U/L).

Quadro 1
Escala de classificação clínica para hipertermia maligna.
Quadro 2
Indicadores clínicos do paciente relatado com base na escala de classificação.

Gráfico 1
Curva térmica após administração do dantrolene.

Quadro 3
Exames laboratoriais do paciente na apresentação da hipertermia maligna.

Mesmo evoluindo de forma favorável, após dois dias o paciente apresentou recrudescência dos sintomas, provavelmente em razão da falta das doses de manutenção, sendo necessário administrar novamente dantrolene e a manutenção do mesmo na dose de 0,5 mg/kg a cada 12 horas. Após iniciada as doses de manutenção, o paciente teve o quadro clínico estabilizado novamente. A administração do dantrolene foi mantida por 48 horas sem novas crises.

Após a elucidação diagnóstica e o tratamento eficaz, os familiares foram orientados quanto à necessidade de acompanhamento junto ao Centro de Estudo, Diagnóstico e Investigação de Hipertermia Maligna da Universidade Federal de São Paulo (CEDHIMA/Unifesp), que também disponibiliza um serviço de orientações via telefone “hotline” para auxílio dos profissionais de saúde no diagnóstico e no tratamento da HM.

DISCUSSÃO

Relatamos um caso de paciente pediátrico que apresentou quadro clínico compatível com HM na enfermaria de pediatria após anestesia com sevoflurano para realização de procedimento diagnóstico de ressonância magnética e que respondeu bem à administração de dantrolene. Porém, ocorreu a recidiva dos sintomas após a não administração da droga no período pós-crise, que são as doses de manutenção. Após reiniciado a terapêutica com dantrolene, houve controle dos sintomas recidivantes.

A incidência de episódios de HM durante a anestesia está entre 1:10.000 e 1:250.000 e, especificamente em pediatria, é de 1:15.000.11. Rosenberg H, Pollock N, Schiemann A, Bulger T, Stowell K. Malignant hyperthermia: a review. Orphanet J Rare Dis. 2015;10:93. https://doi.org/10.1186/s13023-015-0310-1
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,44. Mathur PR, Rundla M, Jain N, Mathur V. Malignant hyperthermia in a 6-month-old infant. Saudi J Anaesth. 2016;10:353-5. https://doi.org/10.4103/1658-354X.174915
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Embora a HM possa ser desencadeada após uma primeira exposição à anestesia com os agentes conhecidos, em média, esses pacientes necessitam de três exposições a tais anestésicos antes do desencadeamento. Os pacientes do sexo masculino são mais afetados na proporção de 2:1, sendo que os pacientes pediátricos menores de 15 anos compreendem 52% dos casos relatados.11. Rosenberg H, Pollock N, Schiemann A, Bulger T, Stowell K. Malignant hyperthermia: a review. Orphanet J Rare Dis. 2015;10:93. https://doi.org/10.1186/s13023-015-0310-1
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Sabe-se que a HM é uma doença genética autossômica dominante e, em determinadas situações, pode estar associada a certas miopatias congênitas.11. Rosenberg H, Pollock N, Schiemann A, Bulger T, Stowell K. Malignant hyperthermia: a review. Orphanet J Rare Dis. 2015;10:93. https://doi.org/10.1186/s13023-015-0310-1
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Em até 50% dos pacientes predispostos, a mutação causadora dessa síndrome ocorre no gene que codifica o receptor de rianodina (RYR1), responsável pela liberação do cálcio do retículo sarcoplasmático da fibra muscular. Entretanto, sabe-se que essa síndrome tem um genótipo muito variado, estando também associada à mutação no gene CACNA1S, que é o gene responsável pelo canal de cálcio do músculo esquelético.11. Rosenberg H, Pollock N, Schiemann A, Bulger T, Stowell K. Malignant hyperthermia: a review. Orphanet J Rare Dis. 2015;10:93. https://doi.org/10.1186/s13023-015-0310-1
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,55. Hopkins PM, Rüffert H, Snoeck MM, Girard T, Glahn KP, Ellis FR, et al. European Malignant Hyperthermia Group guidelines for investigation of malignant hyperthermia susceptibility. Br J Anaesth. 2015;115:531-39. https://doi.org/10.1093/bja/aev225
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A determinação da suscetibilidade é feita por meio do teste de contratura in vitro em uma biópsia recente de músculo esquelético, na qual são mensuradas as contraturas na presença de halotano e cafeína, sendo considerado o exame “padrão-ouro” para o diagnóstico da HM.11. Rosenberg H, Pollock N, Schiemann A, Bulger T, Stowell K. Malignant hyperthermia: a review. Orphanet J Rare Dis. 2015;10:93. https://doi.org/10.1186/s13023-015-0310-1
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,66. Stowell K. DNA testing for malignant hyperthermia: the reality and the dream. Anesth Analg. 2014;118:397-406. https://doi.org/10.1213/ANE.0000000000000063
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,77. Schneiderbanger D, Johannsen S, Roewer N, Schuster F. Management of malignant hyperthermia: diagnosis and treatment. Ther Clin Risk Manag. 2014;10:355-62. https://doi.org/10.2147/TCRM.S47632
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O diagnóstico por meio de teste molecular também está disponível, sobretudo nos países da Europa e nos Estados Unidos, porém seu alto custo e a dificuldade técnica têm limitado o seu uso.55. Hopkins PM, Rüffert H, Snoeck MM, Girard T, Glahn KP, Ellis FR, et al. European Malignant Hyperthermia Group guidelines for investigation of malignant hyperthermia susceptibility. Br J Anaesth. 2015;115:531-39. https://doi.org/10.1093/bja/aev225
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,88. Malignant Hyperthermia Association of the United States [homepage on the Internet]. Healthcare professionals [cited 2016 Dec 20]. Available from: Available from: http://www.mhaus.org/healthcare-professionals .
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Contudo, nenhum teste molecular pode substituir o teste de contratura muscular in vitro em razão da heterogeneidade da doença.66. Stowell K. DNA testing for malignant hyperthermia: the reality and the dream. Anesth Analg. 2014;118:397-406. https://doi.org/10.1213/ANE.0000000000000063
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,77. Schneiderbanger D, Johannsen S, Roewer N, Schuster F. Management of malignant hyperthermia: diagnosis and treatment. Ther Clin Risk Manag. 2014;10:355-62. https://doi.org/10.2147/TCRM.S47632
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As características clínicas fundamentais na HM incluem a rigidez muscular sustentada, sobretudo do músculo masseter, acompanhada de hipertermia, que pode exceder os 41°C e que se inicia após a exposição a algumas das drogas anestésicas já mencionadas.11. Rosenberg H, Pollock N, Schiemann A, Bulger T, Stowell K. Malignant hyperthermia: a review. Orphanet J Rare Dis. 2015;10:93. https://doi.org/10.1186/s13023-015-0310-1
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,22. Raut MS, Karl S, Maheshwari A, Shivnani G, Kumar A, Daniel E, et al. Rare postoperative delayed malignant hyperthermia after off-pump coronary bypass surgery and brief review of literature. Ann Card Anaesth. 2016;19:357-62. https://doi.org/10.4103/0971-9784.179620
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,99. Amaral JL, Cunha LB, Batti MA, Issy AM, Hirano MT, Cagnolatti DC, et al [homepage on the Internet]. Projeto diretrizes: hipertermia maligna. Profissionais de saúde [cited 2018 set.]. Available from: Available from: http://cedhima.sites.unifesp.br/site/images/HipertermiaMalignaProjetoDiretrizes.pdf .
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Associadas a essas manifestações, ocorrem também taquicardia e taquipneia. Na ausência de uma intervenção médica apropriada e imediata, sobrevêm rabdomiólise - com risco de mioglobinúria - , lesão renal, hipercalemia, arritmias cardíacas e óbito.11. Rosenberg H, Pollock N, Schiemann A, Bulger T, Stowell K. Malignant hyperthermia: a review. Orphanet J Rare Dis. 2015;10:93. https://doi.org/10.1186/s13023-015-0310-1
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,1010. Taffarel P, Koffmanb F, Zifferman A, Degiuseppe S, Mansilla A, Darduin M, et al. Síndrome de hipertermia maligna: a propósito de un caso clinico. Arch Argent Pediatr. 2015;113:e113-6.

As manifestações clínicas que estavam presentes no paciente relatado e que fazem parte dos critérios de diagnóstico da HM são: rigidez muscular generalizada e de masseter, taquicardia, taquipneia e hipertermia (Quadros 1 e 2). Já os exames laboratoriais do paciente (Quadro 3) não demonstraram a clássica acidose metabólica e tampouco a hipercapnia, geralmente presentes na HM. Contudo, houve aumento considerável das enzimas musculares, hiperlactatemia e dessaturação do oxigênio arterial. Não ocorreram alterações laboratoriais relacionadas à função renal, como a hiperpotassemia ou a presença de mioglobinúria. Apesar de ter apresentado taquicardia com elevação da creatinofosfoquinase fração MB (CPK-MB), não foram relatadas arritmias ou disfunções cardíacas no eletrocardiograma realizado. Todos os achados clínico-laboratoriais encontrados no paciente fazem parte dos critérios de diagnóstico aprovado pelo Projeto Diretrizes, uma iniciativa conjunta da Associação Médica Brasileira (AMB) e do Conselho Federal de Medicina (CFM), que tem por objetivo conciliar informações da área médica, a fim de padronizar condutas que auxiliem o raciocínio e a tomada de decisão do médico.99. Amaral JL, Cunha LB, Batti MA, Issy AM, Hirano MT, Cagnolatti DC, et al [homepage on the Internet]. Projeto diretrizes: hipertermia maligna. Profissionais de saúde [cited 2018 set.]. Available from: Available from: http://cedhima.sites.unifesp.br/site/images/HipertermiaMalignaProjetoDiretrizes.pdf .
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As manifestações da hipertermia maligna, na maioria das vezes, ocorrem de forma súbita e precoce, podendo a síndrome ser fatal quando não tratada corretamente, levando o paciente ao catabolismo muscular intenso e suas sérias consequências, sobretudo em nível respiratório e cardiovascular.33. Broman M, Islander G, Muller CR. Malignant hyperthermia, a Scandinavian update. Acta Anaesthesiol Scand. 2015;59:951-61. https://doi.org/10.1111/aas.12541
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A forma tardia da doença, como a que aconteceu com o paciente, é muito rara - menos de 2% dos casos - e tem sido descrita em até 4,5 horas após a interrupção do gatilho anestésico, cursando com manifestações clínicas mais atenuadas, porém com teor de gravidade similar à forma precoce, em razão das complicações. Apesar da gravidade, a HM de forma tardia raramente chega à crise fulminante.22. Raut MS, Karl S, Maheshwari A, Shivnani G, Kumar A, Daniel E, et al. Rare postoperative delayed malignant hyperthermia after off-pump coronary bypass surgery and brief review of literature. Ann Card Anaesth. 2016;19:357-62. https://doi.org/10.4103/0971-9784.179620
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,99. Amaral JL, Cunha LB, Batti MA, Issy AM, Hirano MT, Cagnolatti DC, et al [homepage on the Internet]. Projeto diretrizes: hipertermia maligna. Profissionais de saúde [cited 2018 set.]. Available from: Available from: http://cedhima.sites.unifesp.br/site/images/HipertermiaMalignaProjetoDiretrizes.pdf .
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É de suma importância que o paciente com HM seja monitorado em ambiente de terapia intensiva por um período mínimo de 48 a 72 horas, pois pode ocorrer recidiva dos sintomas em até 25% dos casos, tendo sido proposta a manutenção do tratamento com dantrolene. O mecanismo de ação dessa droga no músculo esquelético inclui a inibição dos receptores de canais de cálcio, reestabelecendo o equilíbrio dele no retículo sarcoplasmático, por um período de até quatro a seis horas após sua administração. Por isso, devem ser administradas doses intermitentes de até 1 mg/kg com intervalos de até seis horas nas 48 horas seguintes ao evento inicial ou em infusão contínua na dose de 0,25 mg/kg/hora por 24 horas.11. Rosenberg H, Pollock N, Schiemann A, Bulger T, Stowell K. Malignant hyperthermia: a review. Orphanet J Rare Dis. 2015;10:93. https://doi.org/10.1186/s13023-015-0310-1
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,22. Raut MS, Karl S, Maheshwari A, Shivnani G, Kumar A, Daniel E, et al. Rare postoperative delayed malignant hyperthermia after off-pump coronary bypass surgery and brief review of literature. Ann Card Anaesth. 2016;19:357-62. https://doi.org/10.4103/0971-9784.179620
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,1010. Taffarel P, Koffmanb F, Zifferman A, Degiuseppe S, Mansilla A, Darduin M, et al. Síndrome de hipertermia maligna: a propósito de un caso clinico. Arch Argent Pediatr. 2015;113:e113-6. O paciente recebeu a dose de ataque do dantrolene após elucidação diagnóstica com rápida melhora dos sintomas. Porém, em razão da falta de administração das doses de manutenção, os sintomas recrudesceram, sendo novamente prescrito dantrolene por 48 horas em doses intermitentes controlando novamente os sintomas.

Tratamentos auxiliares devem ser instituídos logo após a administração do dantrolene, como o rápido esfriamento da temperatura com infusão de 15 mL/kg de solução salina fria, o aporte de oxigênio a 100% com leve hiperventilação (quando em ventilação mecânica), o controle da concentração de dióxido de carbono no final da expiração (ETCO2) por meio de capnógrafo e o controle da acidose.33. Broman M, Islander G, Muller CR. Malignant hyperthermia, a Scandinavian update. Acta Anaesthesiol Scand. 2015;59:951-61. https://doi.org/10.1111/aas.12541
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,44. Mathur PR, Rundla M, Jain N, Mathur V. Malignant hyperthermia in a 6-month-old infant. Saudi J Anaesth. 2016;10:353-5. https://doi.org/10.4103/1658-354X.174915
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O paciente deve ser encaminhado para a UTIP para monitorização e tratamento das possíveis complicações, como arritmias cardíacas, em razão da hipercalemia e da lesão renal aguda por causa da mioglobinúria.33. Broman M, Islander G, Muller CR. Malignant hyperthermia, a Scandinavian update. Acta Anaesthesiol Scand. 2015;59:951-61. https://doi.org/10.1111/aas.12541
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,1010. Taffarel P, Koffmanb F, Zifferman A, Degiuseppe S, Mansilla A, Darduin M, et al. Síndrome de hipertermia maligna: a propósito de un caso clinico. Arch Argent Pediatr. 2015;113:e113-6.

Vale ressaltar a importância do diagnóstico diferencial, visto que a HM pode ser confundida com crises convulsivas febris, principalmente em crianças em que tais convulsões são muito comuns até os cinco anos. Outras doenças que cursam com hipercatabolismo devem ser descartadas, como tireotoxicose, feocromacitoma, sepse, choque pirogênico e algumas drogas, sobretudo as que provocam sintomas extrapiramidais.11. Rosenberg H, Pollock N, Schiemann A, Bulger T, Stowell K. Malignant hyperthermia: a review. Orphanet J Rare Dis. 2015;10:93. https://doi.org/10.1186/s13023-015-0310-1
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Também há relatos de que a susceptibilidade à HM aumenta em pacientes com determinadas miopatias congênitas em razão da associação destas com a mutação no gene RYR1, sendo fundamental o conhecimento prévio delas a fim de otimizar o atendimento clínico desses pacientes quando necessitarem realizar algum tipo de cirurgia, conforme proposto por Bamaga et al.11. Rosenberg H, Pollock N, Schiemann A, Bulger T, Stowell K. Malignant hyperthermia: a review. Orphanet J Rare Dis. 2015;10:93. https://doi.org/10.1186/s13023-015-0310-1
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,33. Broman M, Islander G, Muller CR. Malignant hyperthermia, a Scandinavian update. Acta Anaesthesiol Scand. 2015;59:951-61. https://doi.org/10.1111/aas.12541
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Com o intuito de auxiliar os profissionais de saúde e os familiares das vítimas, foi criado no Brasil, em 1991, um serviço para HM denominado Hotline (+55-11-55759873), localizado na cidade de São Paulo, especificamente no Hospital São Paulo, que faz parte da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Unifesp. É um serviço de linha direta para HM, disponível 24 horas por dia, coordenado por um grupo constituído de dois supervisores especializados em investigação de HM - um neurologista e um anestesiologista - , além de outros colaboradores médicos, biomédicos e enfermeiros. Todos recebem treinamentos que consistem em um curso intensivo de HM, com informações teóricas e práticas para diagnóstico, tratamento e seguimento dos pacientes com HM por meio do CEDHIMA da Unifesp.1212. Silva HC, Almeida CS, Brandão JC, Silva CA, Lorenzo ME, Ferreira CB, et al. Malignant hyperthermia in Brazil: analysis of hotline activity in 2009. Rev Bras Anestesiol. 2013;63:13-9. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-70942013000100002
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,1313. Universidade Federal de São Paulo. [homepage on the Internet]. Centro de Estudo, Diagnóstico e Investigação de Hipertermia Maligna - CEDHIMA [cited 2016 Dec 20]. Available from: Available from: http://cedhima.sites.unifesp.br/site/index.php/contato .
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Pode-se concluir que a HM é uma doença rara e grave para indivíduos suscetíveis submetidos à anestesia usando agentes voláteis, sendo de suma importância o reconhecimento precoce dos sinais e dos sintomas para o tratamento adequado, pois o atraso no diagnóstico e no tratamento aumenta a morbimortalidade da doença. Além do mais, o uso imediato de dantrolene e sua manutenção por um período não inferior a 48 horas são essenciais para a sobrevida desses pacientes.

REFERENCES

Financiamento

  • O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Fev 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    21 Ago 2018
  • Aceito
    09 Nov 2018
  • Publicado
    07 Fev 2020
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