Acessibilidade / Reportar erro

CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS E LABORATORIAIS DA INFECÇÃO POR SARS-COV-2 EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES

RESUMO

Objetivo:

Apresentar as atuais evidências sobre as características clínicas e laboratoriais da infecção pelo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2) durante a infância e a adolescência.

Fonte de dados:

Revisão narrativa realizada nas bases de dados Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE/PubMed), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde na Biblioteca Virtual em Saúde (LILACS/BVS), Scopus, Web of Science, Cochrane Library, portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Scientific Electronic Library Online (SciELO), ScienceDirect e Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), com o uso dos termos SARS-CoV-2, COVID-19 e novo coronavírus e criança, recém-nascido e adolescente.

Síntese dos dados:

Diferentemente dos adultos, as crianças infectadas pelo SARS-CoV-2 apresentam formas clínicas leves ou assintomáticas na maior parte dos casos. As crianças sintomáticas apresentam predominantemente febre baixa e tosse, com alguns sintomas gastrointestinais associados. Casos graves são a minoria e ocorrem especialmente abaixo de um ano de idade. A detecção de partículas virais em fezes parece ser mais persistente em crianças, podendo servir como ferramenta diagnóstica e de controle do tempo de quarentena. Diferentemente dos adultos, as crianças podem apresentar respostas inflamatórias distintas, como tem ocorrido nos novos casos de síndrome de Kawasaki-like associada à infecção pelo SARS-CoV-2.

Conclusões:

Crianças, na sua maioria, apresentam quadros assintomáticos ou leves, com predomínio de febre, tosse e sintomas gastrointestinais. Novos relatos de diferentes reações sistêmicas inflamatórias em crianças têm sido notados, com manifestações clínicas distintas daquelas tipicamente observadas em adultos.

Palavras-chave:
SARS-CoV-2; COVID-19; Criança; Recém-nascido; Adolescente

ABSTRACT

Objective:

To present the current evidence on clinical and laboratory characteristics of infection by severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2) during childhood and adolescence.

Data source:

This is a narrative review conducted in the databases: Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE/PubMed), Latin American and Caribbean Health Sciences Literature in the Virtual Health Library (LILACS/VHL), Scopus, Web of Science, Cochrane Library, portal of the Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES), Scientific Electronic Library Online (SciELO), ScienceDirect, and Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL). The terms used were SARS-CoV-2, COVID-19, novel coronavirus, child, newborn, and adolescent.

Data synthesis:

Unlike adults, most children infected by SARS-CoV-2 have mild or asymptomatic clinical presentations. Symptomatic children mainly have low fever and cough, with some associated gastrointestinal symptoms. Severe cases are rare and occur especially in infants under one year of age. Detection of viral particles in feces seems to be more persistent in children and can be used as a tool for diagnosis and control of the quarantine period. Different from adults, children can present distinct inflammatory responses, as has happened in new cases of Kawasaki-like syndrome associated with SARS-CoV-2 infection.

Conclusions:

Most children have asymptomatic or mild presentations, with a prevalence of fever, cough, and gastrointestinal symptoms. New cases with different systemic inflammatory reactions in children have been reported, with clinical manifestations distinct from those typically found in adults.

Keywords:
SARS-CoV-2; COVID-19; Child; Infant, newborn; Adolescent

INTRODUÇÃO

Inicialmente detectado na cidade de Wuhan, um novo coronavírus teve destaque mundial por duas principais características: seu alto poder de contágio e consequente disseminação intercontinental e por gerar impactos econômicos e na saúde pública em nível global.11. Shanmugaraj B, Malla A, Phoolcharoen W. Emergence of novel coronavirus 2019-nCoV: need for rapid vaccine and biologics development. Pathogens. 2020;9:148. https://doi.org/10.3390/pathogens9020148
https://doi.org/https://doi.org/10.3390/...
Esse novo betacoronavírus foi denominado de coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (do inglês severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 - SARS-CoV-2), e a doença causada por ele é denominada de doença do coronavírus 2019 (COVID-19).22. Cevik M, Bamford CG, Ho A. COVID-19 pandemic - a focused review for clinicians. Clin Microbiol Infect. 2020;26:842-7. https://doi.org/10.1016/j.cmi.2020.04.023
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
As primeiras séries de casos publicadas na China descreviam pacientes infectados por SARS-CoV-2 e que evoluíam para uma forma grave de pneumonia. Dados subsequentes mostraram que cerca de 80% das pessoas infectadas desenvolviam um quadro clínico leve, sem necessidade de internação, e que 5% necessitavam de admissão em unidade de terapia intensiva, com taxa de mortalidade global em torno de 5% (https://www.worldometers.info/coronavirus/).33. Epidemiology Working Group for NCIP Epidemic Response, Chinese Center for Disease Control and Prevention. The epidemiological characteristics of an outbreak of 2019 novel coronavirus diseases (COVID-19) in China. Zhonghua Liu Xing Bing Xue Za Zhi. 2020;41:145-51. https://doi.org/10.3760/cma.j.issn.0254-6450.2020.02.003
https://doi.org/https://doi.org/10.3760/...

Humanos podem ser infectados por SARS-CoV-2 por meio de gotículas respiratórias ou do contato com objetos contaminados pelo vírus. Durante as fases iniciais da epidemia, a infecção foi disseminada essencialmente pelo contato de pessoa a pessoa na comunidade, tendo ocorrido nesse estágio quase que exclusivamente em adultos. Depois dessa fase inicial, em meados de janeiro de 2020, passou a ser transmitido também nos núcleos familiares, com disseminação para crianças e idosos.44. Cao Q, Chen YC, Chen CL, Chiu CH. SARS-CoV-2 infection in children: transmission dynamics and clinical characteristics. J Formos Med Assoc. 2020;119:670-3. https://doi.org/10.1016/j.jfma.2020.02.009
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
O primeiro caso de infecção em criança ocorreu em um núcleo familiar, cerca de uma semana após uma viagem à cidade de Wuhan, em uma criança de 10 anos de idade, assintomática, porém com opacidades em vidro moído na tomografia computadorizada (TC) de tórax.55. Chan JF, Yuan S, Kok KH, To KK, Chu H, Yang J, et al. A familial cluster of pneumonia associated with the 2019 novel coronavirus indicating person-to-person transmission: a study of a family cluster. Lancet. 2020;395:514-23. https://doi.org/10.1016/s0140-6736(20)30154-9
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...

Desde então, relatos de casos, séries de casos e pequenas coortes têm descrito as características clínicas e laboratoriais da COVID-19 em crianças. De forma geral, crianças infectadas, diferentemente dos adultos, possuem quadros assintomáticos ou leves na grande maioria dos casos.66. Hong H, Wang Y, Chung HT, Chen CJ. Clinical characteristics of novel coronavirus disease 2019 (COVID-19) in newborns, infants and children. Pediatr Neonatol. 2020;61:131-2. https://doi.org/10.1016/j.pedneo.2020.03.001
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
Mesmo durante as últimas epidemias de coronavírus da síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV) em Hong Kong e de coronavírus da síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV) na Coreia do Sul, poucos pacientes pediátricos foram notificados.77. Lau JT, Lau M, Kim JH, Tsui HY, Tsang T, Wong TW. Probable secondary infections in households of SARS patients in Hong Kong. Emerg Infect Dis. 2004;10:235-43. https://doi.org/10.3201/eid1002.030626
https://doi.org/https://doi.org/10.3201/...
,88. Memish ZA, Al-Tawfiq JA, Assiri A, AlRabiah FA, Al Hajjar S, Albarrak A, et al. Middle East respiratory syndrome coronavirus disease in children. Pediatr Infect Dis J. 2014;33:904-6. https://doi.org/10.1097/inf.0000000000000325
https://doi.org/https://doi.org/10.1097/...

O objetivo desta revisão é apresentar as atuais evidências sobre as características clínicas e laboratoriais da infecção pelo SARS-CoV-2 durante a infância e a adolescência.

MÉTODO

Uma revisão narrativa foi realizada nas bases de dados Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE/PubMed), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde na Biblioteca Virtual em Saúde (LILACS/BVS), Scopus, Web of Science, Cochrane Library, portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Scientific Electronic Library Online (SciELO), ScienceDirect e Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), utilizando-se a seguinte estratégia: (“COVID-19” OR “severe acute respiratory syndrome coronavirus 2” OR “2019 novel coronavirus infection” OR “COVID19” OR “coronavirus disease 2019” OR “coronavirus disease-19” OR “2019-nCoV disease” OR “2019 novel coronavirus disease” OR “2019-nCoV infection” OR “Wuhan coronavirus” OR “Wuhan seafood Market pneumonia vírus” OR “COVID19 virus” OR “COVID-19 virus” OR “coronavirus disease 2019 virus” OR “SARS-CoV-2” OR “SARS2” OR “2019-nCoV” OR “2019 novel coronavirus” OR “novel coronavirus” OR “new coronavirus”) AND ( “Child” OR “Children” OR “Minors” OR “Infant” OR “Newborn” OR “Neonate” OR “neonatal” OR “adolescent” OR “adolescence” OR “teen” OR “teenager” OR “youth”). Após avaliação criteriosa, tomando por base a relação com o tema proposto, foram selecionados artigos que abordavam as características clínicas da infecção pelo SARS-CoV-2 no período neonatal, na infância e/ou na adolescência.

Como critérios de inclusão foram eleitos: relato de caso ou série de casos e coortes que descrevessem características clínicas e laboratoriais da COVID-19 em crianças. Os critérios de exclusão foram os artigos publicados em língua que não fosse inglês, português, espanhol ou francês. A pesquisa bibliográfica foi realizada em junho de 2020. Foram encontradas inicialmente 4.139 referências, das quais, após exclusão das duplicidades e triagem inicial com base na leitura de título e leitura do texto completo, foram incluídos 33 artigos. A Figura 1 resume o fluxograma de seleção de artigos para essa revisão.

Figura 1
Fluxo de seleção dos artigos da revisão narrativa.

Características clínicas da infecção por SARS-CoV-2 em crianças e adolescentes

Poucos dados epidemiológicos sobre a prevalência de infecção pelo SARS-CoV-2 em crianças foram publicados. De acordo com os dados da Missão Conjunta OMS-China sobre o COVID-19, 55.924 casos foram confirmados laboratorialmente na China até 20 de fevereiro de 2020, dos quais 2,4% tinham menos de 19 anos de idade. Destes, 2,5% apresentaram forma grave da doença e 0,2% forma crítica.99. World Health Organization [homepage on the Internet]. Report of the WHO-China joint mission on Coronavirus Disease 2019 (COVID-19). Geneva: WHO; 2020 [cited 2020 Feb 24]. Available from: Available from: https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/who-china-joint-mission-on-covid-19-final-report.pdf?sfvrsn=fce87f4e_2
https://www.who.int/docs/default-source/...
O Centers for Diseases Control and Prevention (CDC) publicou recentemente dados americanos sobre a infecção pelo SARS-CoV-2 em crianças: 149.760 casos confirmados laboratorialmente entre 12 de fevereiro e 2 de abril de 2020 foram analisados e, entre os 149.082 (99,6%) casos com a informação da idade, 2.572 (1,7%) ocorreram em menores de 18 anos, com hospitalização em 5,7% e somente três mortes notificadas.1010. Coronavirus Disease 2019 in Children - United States, February 12-April 2, 2020. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2020;69:422-6. https://doi.org/10.15585/mmwr.mm6914e4
https://doi.org/https://doi.org/10.15585...
Dong et al.1111. Dong Y, Mo X, Hu Y, Qi X, Jiang F, Jiang Z, et al. Epidemiology of COVID-19 among children in China. Pediatrics. 2020;145:e20200702. https://doi.org/10.1542/peds.2020-0702
https://doi.org/https://doi.org/10.1542/...
analisaram 2.143 casos de COVID-19 em crianças notificados no Chinese Center for Disease Control and Prevention de 6 de janeiro a 8 de fevereiro de 2020: 731 (34,1%) casos tinham confirmação laboratorial e 1.412 (65,9%) eram casos suspeitos, com média de idade de sete anos (intervalo interquartil 2-13 anos). Entre todos os casos (confirmados e suspeitos) se observaram 94 (4,4%) casos assintomáticos, 1.091 (50,9%) casos leves e 831 (38,8%) casos moderados. A proporção de casos graves e críticos apresentou-se inversamente proporcional às diferentes faixas etárias: <1 ano (10,6%), 1-5 anos (7,3%), 6-10 anos (4,2%), 11-15 anos (4,1%) e > ou = 16 anos (3%).

Após a publicação de primeiro caso de COVID-19 em uma criança de 10 anos de idade de Shenzhen, na China, com a forma assintomática da doença apesar do achado de opacidade em vidro moído na TC de tórax, vários relatos de casos e pequenas coortes de crianças passaram a ser publicadas.55. Chan JF, Yuan S, Kok KH, To KK, Chu H, Yang J, et al. A familial cluster of pneumonia associated with the 2019 novel coronavirus indicating person-to-person transmission: a study of a family cluster. Lancet. 2020;395:514-23. https://doi.org/10.1016/s0140-6736(20)30154-9
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,1212. Han YN, Feng ZW, Sun LN, Ren XX, Wang H, Xue YM, et al. A comparative-descriptive analysis of clinical characteristics in 2019-coronavirus-infected children and adults. J Med Virol. Epub 2020 Apr 6. https://doi.org/10.1002/jmv.25835
https://doi.org/https://doi.org/10.1002/...
,1313. Xia W, Shao J, Guo Y, Peng X, Li Z, Hu D. Clinical and CT features in pediatric patients with COVID-19 infection: different points from adults. Pediatr Pulmonol. 2020;55:1169-74. https://doi.org/10.1002/ppul.24718
https://doi.org/https://doi.org/10.1002/...
,1414. Tan YP, Tan BY, Pan J, Wu J, Zeng SZ, Wei HY. Epidemiologic and clinical characteristics of 10 children with coronavirus disease 2019 in Changsha, China. J Clin Virol. 2020;127:104353. https://doi.org/10.1016/j.jcv.2020.104353
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,1515. Garazzino S, Montagnani C, Donà D, Meini A, Felici E, Vergine G, et al. Multicentre Italian study of SARS-CoV-2 infection in children and adolescents, preliminary data as at 10 April 2020. Euro Surveill. 2020;25:2000600. https://doi.org/10.2807/1560-7917.ES.2020.25.18.2000600
https://doi.org/https://doi.org/10.2807/...
,1616. Ma YL, Xia SY, Wang M, Zhang SM, Du WH, Chen Q. Clinical features of children with SARS-CoV-2 infection: an analysis of 115 cases. Zhongguo Dang Dai Er Ke Za Zhi. 2020;22:290-3. https://doi.org/10.7499/j.issn.1008-8830.2003016
https://doi.org/https://doi.org/10.7499/...
,1717. Sun D, Li H, Lu XX, Xiao H, Ren J, Zhang FR, et al. Clinical features of severe pediatric patients with coronavirus disease 2019 in Wuhan: a single center’s observational study. World J Pediatr. 2020;16:251-9. https://doi.org/10.1007/s12519-020-00354-4
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
,1818. Liu H, Liu F, Li J, Zhang T, Wang D, Lan W. Clinical and CT imaging features of the COVID-19 pneumonia: focus on pregnant women and children. J Infect. 2020;80:e7-13. https://doi.org/10.1016/j.jinf.2020.03.007
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,1919. Zhong Z, Xie X, Huang W, Zhao W, Yu Q, Liu J. Chest CT findings and clinical features of coronavirus disease 2019 in children. Zhong Nan Da Xue Xue Bao Yi Xue Ban. 2020;45:236-42. https://doi.org/10.11817/j.issn.1672-7347.2020.200206
https://doi.org/https://doi.org/10.11817...
,2020. Dodi I, Castellone E, Pappalardo M, Rubini M, Veronese P, Ruberto C, et al. SARS-CoV-2 infection in children in Parma. Acta Biomed. 2020;91:214-5. https://doi.org/10.23750/abm.v91i2.9563
https://doi.org/https://doi.org/10.23750...
,2121. Zhu L, Wang J, Huang R, Liu L, Zhao H, Wu C, et al. Clinical characteristics of a case series of children with coronavirus disease 2019. Pediatr Pulmonol. 2020;55:1430-2. https://doi.org/10.1002/ppul.24767
https://doi.org/https://doi.org/10.1002/...
,2222. Qiu H, Wu J, Hong L, Luo Y, Song Q, Chen D. Clinical and epidemiological features of 36 children with coronavirus disease 2019 (COVID-19) in Zhejiang, China: an observational cohort study. Lancet Infect Dis. 2020;20:689-96. https://doi.org/10.1016/S1473-3099(20)30198-5
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,2323. Zheng F, Liao C, Fan QH, Chen HB, Zhao XG, Xie ZG, et al. Clinical characteristics of children with Coronavirus Disease 2019 in Hubei, China. Curr Med Sci. 2020;40:275-80. https://doi.org/10.1007/s11596-020-2172-6
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
,2424. Lu X, Zhang L, Du H, Zhang J, Li YY, Qu J, et al. SARS-CoV-2 infection in children. N Engl J Med. 2020;382:1663-5. https://doi.org/10.1056/nejmc2005073
https://doi.org/https://doi.org/10.1056/...
,2525. Xu Y, Li X, Zhu B, Liang H, Fang C, Gong Y, et al. Characteristics of pediatric SARS-CoV-2 infection and potential evidence for persistent fecal viral shedding. Nat Med. 2020;26:502-5. https://doi.org/10.1038/s41591-020-0817-4
https://doi.org/https://doi.org/10.1038/...
,2626. Cai J, Xu J, Lin D, Yang Z, Xu L, Qu Z, et al. A case series of children with 2019 novel coronavirus infection: clinical and epidemiological features. Clin Infect Dis. 2020;ciaa198. https://doi.org/10.1093/cid/ciaa198
https://doi.org/https://doi.org/10.1093/...
,2727. Su L, Ma X, Yu H, Zhang Z, Bian P, Han Y, et al. The different clinical characteristics of corona virus disease cases between children and their families in China-the character of children with COVID-19. Emerg Microbes Infect. 2020;9:707-13. https://doi.org/10.1080/22221751.2020.1744483
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
,2828. Du W, Yu J, Wang H, Zhang X, Zhang S, Li Q, et al. Clinical characteristics of COVID-19 in children compared with adults in Shandong Province, China. Infection. 2020;48:445-52. https://doi.org/10.1007/s15010-020-01427-2
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
As Tabelas 1, 2 e 3 resumem os principais achados clínicos, laboratoriais, de imagem e de necessidade de terapia com oxigênio nos estudos de coorte e série de casos em crianças e adolescentes.

Tabela 1
Resumo das características clínicas, laboratoriais, de imagem e necessidade de oxigenioterapia.
Tabela 2
Resumo das características clínicas, laboratoriais, de imagem e necessidade de oxigenioterapia.
Tabela 3
Resumo das características clínicas, laboratoriais, de imagem e necessidade de oxigenioterapia.

Nos estudos analisados, em crianças sintomáticas, observamos predomínio de febre (22,2-100%) e tosse (11,1-75%), com alguns sintomas gastrointestinais associados, incluindo náuseas, vômitos, diarreia e dor abdominal (8,8-57,1%). A presença de alterações em exames de imagem pulmonares (40-100%) ocorreu em muitas crianças, apesar dos quadros leves em sua maioria. Aumentos de níveis séricos de isoenzima MB da creatinofosfoquinase (CK-MB), de proteína C-reativa (PCR) e de procalcitonina foram observados em grande proporção dessas crianças. Achados laboratoriais menos frequentes: leucocitose, leucopenia, linfopenia, linfocitose, neutropenia, aumento de transaminases e de velocidade de hemossedimentação (VHS). A necessidade de oxigênio foi baixa (2,3-28,6%), com exceção do estudo de Sun et al.,1717. Sun D, Li H, Lu XX, Xiao H, Ren J, Zhang FR, et al. Clinical features of severe pediatric patients with coronavirus disease 2019 in Wuhan: a single center’s observational study. World J Pediatr. 2020;16:251-9. https://doi.org/10.1007/s12519-020-00354-4
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
que descreveram somente casos graves em crianças.

Alguns desses estudos compararam essas características com as de adultos. Han et al.1212. Han YN, Feng ZW, Sun LN, Ren XX, Wang H, Xue YM, et al. A comparative-descriptive analysis of clinical characteristics in 2019-coronavirus-infected children and adults. J Med Virol. Epub 2020 Apr 6. https://doi.org/10.1002/jmv.25835
https://doi.org/https://doi.org/10.1002/...
descrevem que crianças apresentaram maior frequência de náuseas e/ou vômitos, leucocitose e aumento da CK sérica em relação aos adultos. Xia et al.1313. Xia W, Shao J, Guo Y, Peng X, Li Z, Hu D. Clinical and CT features in pediatric patients with COVID-19 infection: different points from adults. Pediatr Pulmonol. 2020;55:1169-74. https://doi.org/10.1002/ppul.24718
https://doi.org/https://doi.org/10.1002/...
observaram maiores níveis de procalcitonina em crianças. Du et al.2828. Du W, Yu J, Wang H, Zhang X, Zhang S, Li Q, et al. Clinical characteristics of COVID-19 in children compared with adults in Shandong Province, China. Infection. 2020;48:445-52. https://doi.org/10.1007/s15010-020-01427-2
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
observaram predomínio de tosse e catarro nas crianças em relação aos adultos. Xu et al.2525. Xu Y, Li X, Zhu B, Liang H, Fang C, Gong Y, et al. Characteristics of pediatric SARS-CoV-2 infection and potential evidence for persistent fecal viral shedding. Nat Med. 2020;26:502-5. https://doi.org/10.1038/s41591-020-0817-4
https://doi.org/https://doi.org/10.1038/...
descrevem a persistência da positividade na transcrição reversa seguida de reação em cadeia de polimerase (do inglês reverse transcription polymerase chain reaction - RT-PCR) para SARS-CoV-2 em swabs retais colhidos em crianças mesmo após PCR negativo em amostras de nasofaringe. Dois pacientes persistiram por 13 e 20 dias nas fezes respectivamente. Cai et al.2626. Cai J, Xu J, Lin D, Yang Z, Xu L, Qu Z, et al. A case series of children with 2019 novel coronavirus infection: clinical and epidemiological features. Clin Infect Dis. 2020;ciaa198. https://doi.org/10.1093/cid/ciaa198
https://doi.org/https://doi.org/10.1093/...
também descrevem essa persistência por até 30 dias e após negativação do PCR no swab nasofaríngeo. Su et al.2727. Su L, Ma X, Yu H, Zhang Z, Bian P, Han Y, et al. The different clinical characteristics of corona virus disease cases between children and their families in China-the character of children with COVID-19. Emerg Microbes Infect. 2020;9:707-13. https://doi.org/10.1080/22221751.2020.1744483
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
descrevem o mesmo achado ao analisar nove crianças da região de Jihan, na China.

Sun et al.,1717. Sun D, Li H, Lu XX, Xiao H, Ren J, Zhang FR, et al. Clinical features of severe pediatric patients with coronavirus disease 2019 in Wuhan: a single center’s observational study. World J Pediatr. 2020;16:251-9. https://doi.org/10.1007/s12519-020-00354-4
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
ao estudarem oito casos graves de COVID-19 em crianças, observaram predomínio da taquipneia (100% dos pacientes) e febre com tosse em seis das oito crianças descritas. Aumento da PCR, da procalcitonina, do lactato desidrogenase (LDH), das transaminases e do d-dímero também foram observados. Ventilação mecânica foi necessária em dois pacientes e nos outros seis foi utilizado oxigênio em alto fluxo. Nenhuma morte foi relatada.

Alguns relatos de casos descrevem manifestações menos comuns em crianças infectadas pelo SARS-CoV-2. Paret et al.2929. Paret M, Lighter J, Madan R, Raabe VN, Shust GF, Ratner AJ. SARS-CoV-2 infection (COVID-19) in febrile infants without respiratory distress. Clin Infect Dis. 2020;ciaa452. https://doi.org/10.1093/cid/ciaa452
https://doi.org/https://doi.org/10.1093/...
descrevem duas crianças com 25 dias e 56 dias de vida e infecção comprovada pelo SARS-CoV-2, com quadro febril sem sintomas respiratórios. O recém-nascido de 25 dias, além da febre, apresentou exantema e irritabilidade, com pais sintomáticos à época. A segunda criança apresentou somente febre, sem outros sintomas associados e pais assintomáticos. Wu et al.3030. Wu P, Liang L, Chen C, Nie S. A child confirmed COVID-19 with only symptoms of conjunctivitis and eyelid dermatitis. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 2020;258:1565-6. https://doi.org/10.1007/s00417-020-04708-6
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
descrevem uma criança de dois anos e 10 meses de idade com quadro de conjuntivite e dermatite palpebral, TC de tórax normal, associados a aumento de LDH e CK-MB, além de linfocitose e neutropenia, com PCR para SARS-CoV-2 positivo em swab de nasofaringe. Convulsões também foram descritas em crianças infectadas pelo SARS-CoV-2. Tan et al.1414. Tan YP, Tan BY, Pan J, Wu J, Zeng SZ, Wei HY. Epidemiologic and clinical characteristics of 10 children with coronavirus disease 2019 in Changsha, China. J Clin Virol. 2020;127:104353. https://doi.org/10.1016/j.jcv.2020.104353
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
observaram a ocorrência de convulsão em um paciente na província de Hunan na China. Garazzino et al.1515. Garazzino S, Montagnani C, Donà D, Meini A, Felici E, Vergine G, et al. Multicentre Italian study of SARS-CoV-2 infection in children and adolescents, preliminary data as at 10 April 2020. Euro Surveill. 2020;25:2000600. https://doi.org/10.2807/1560-7917.ES.2020.25.18.2000600
https://doi.org/https://doi.org/10.2807/...
observaram crises não febris em três crianças (1,8%) e crise febril em duas crianças (1,2%) das 168 estudadas. Dugue et al.3131. Dugue R, Cay-Martinez KC, Thakur K, Garcia JA, Chauhan L V, Williams SH, et al. Neurologic manifestations in an infant with COVID-19. Neurology. 2020;94:1100-2. https://doi.org/10.1212/wnl.0000000000009653
https://doi.org/https://doi.org/10.1212/...
também descrevem um lactente de seis semanas de vida, com quadro inicial de febre e tosse, apresentando episódios de olhar sustentado para cima com postura tônica de membros inferiores, com eletroencefalograma com ondas agudas temporais, ressonância magnética de encéfalo normal e PCR para SARs-CoV-2 positivo em swab de nasofaringe e fezes e negativo em amostra de sangue e liquor.

Síndrome inflamatória multissistêmica provavelmente relacionada à infecção por SARS-CoV-2

Recentemente, no estado de Nova Iorque, nos Estados Unidos, 166 crianças desenvolveram síndrome inflamatória multissistêmica, possivelmente relacionadas à infecção pelo SARS-CoV-2.3232. Herman AO [homepage on the Internet]. COVID-19: Multisystem Inflammatory Syndrome / Risk factors & distress in healthcare workers / llama antibodies. NEJM Journal Watch; 2020 [cited 2020 May 06]. Available from: Available from: https://www.jwatch.org/fw116617/2020/05/06/covid-19-multisystem-inflammatory-syndrome-risk-factors
https://www.jwatch.org/fw116617/2020/05/...
Os primeiros casos apareceram cerca de um mês após o surgimento dos casos de COVID-19 na região, sugerindo inicialmente uma resposta imune pós-infecciosa. A síndrome é caracterizada por febre persistente e características da síndrome de Kawasaki, além de síndrome de choque tóxico. Observou-se predomínio na idade escolar, com três mortes reportadas. Muitas dessas crianças foram admitidas em unidades de terapia intensiva para suporte respiratório e cardíaco e a maior parte dos casos testaram positivo para SARS-CoV-2 e para os seus anticorpos específicos.3333. Coronavirus.health.ny.gov [homepage on the Internet]. New York State Health Department. Childhood Inflammatory Disease Related to COVID-19;2020 [cited 2020 Jun 26]. Available from: Available from: https://coronavirus.health.ny.gov/childhood-inflammatory-disease-related-covid-19
https://coronavirus.health.ny.gov/childh...

Riphagen et al.3434. Riphagen S, Gomez X, Gonzalez-Martinez C, Wilkinson N, Theocharis P. Hyperinflammatory shock in children during COVID-19 pandemic. Lancet. 2020;395:1607-8. https://doi.org/10.1016/s0140-6736(20)31094-1
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
descreveram as características clínicas e laboratoriais de oito crianças diagnosticadas com choque hiperinflamatório, com similaridades à doença de Kawasaki atípica e à síndrome do choque tóxico, internadas no South Thames Retrieval Service em Londres, no Reino Unido. Os autores chamam a atenção para o número muito alto de crianças com esse quadro clínico num período curto, de 10 dias, durante a segunda quinzena de abril de 2020. A apresentação clínica foi muito semelhante entre as crianças, com febre entre 38 e 40o C, exantema, conjuntivite, edema periférico, dor em extremidade, além de sintomas gastrointestinais. Todas essas crianças evoluíram para choque vasoplégico, refratário à ressuscitação volumétrica com necessidade, em alguns casos, de noradrenalina e milrinona. Nenhuma dessas crianças tinha sintomas respiratórios, apesar da necessidade de ventilação mecânica em sete delas para estabilização cardiovascular. Outros achados incluíram efusões pleurais, pericárdicas e ascite, denotando um processo inflamatório difuso. Dessas crianças, duas testaram positivo para SARS-CoV-2, incluindo a única que veio a óbito, além de outras três crianças com resultado negativo, porém com história de familiar com COVID-19 suspeito ou confirmado. Apenas em uma criança um adenovírus foi isolado. Os autores sugerem o surgimento de um novo fenômeno de síndrome hiperinflamatória provavelmente relacionada à infecção prévia ou recente e assintomática pelo SARS-CoV-2 em crianças.

Verdoni et al.3535. Verdoni L, Mazza A, Gervasoni A, Martelli L, Ruggeri M, Ciuffreda M, et al. An outbreak of severe Kawasaki-like disease at the Italian epicentre of the SARS-CoV-2 epidemic: an observational cohort study. Lancet. 2020;395:1771-8. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)31103-X
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
também observaram um aumento em 30 vezes do número de casos de doença de Kawasaki na região de Bergamo, na Itália, durante o mês de abril de 2020, período de epidemia de SARS-CoV-2. Esses autores realizaram um estudo comparando as crianças com doença de Kawasaki antes (19 pacientes) e depois (10 pacientes) da epidemia de SARS-CoV-2 na mesma região. Eles concluíram que os dois grupos se diferenciaram na incidência da doença (grupo antes vs. grupo depois, 0,3 vs. 10 por mês), média de idade (3 vs. 7,5 anos), envolvimento cardíaco (2 de 19 vs. 6 de 10), incidência de síndrome de choque por doença de Kawasaki (zero de 19 vs. 5 de 10), incidência de síndrome de ativação macrofágica (zero de 19 vs. 5 de 10) e necessidade de tratamento com corticosteroides (3 de 19 vs. 8 de 10). A presença de anticorpos para SARS-CoV-2 foi encontrada em oito dos 10 paciente do segundo grupo.

De acordo com os achados acima, os critérios preliminares para a definição dessa síndrome inflamatória encontram-se no Quadro 1.

Quadro 1
Critérios preliminares para definição de caso de “síndrome inflamatória multissistêmica em crianças e adolescentes temporariamente relacionadas à doença do coronavírus 2019 (COVID-19)”, segundo a Organização Mundial da Saúde.4343. World Health Organization [homepage on the Internet]. Multisystem inflammatory syndrome in children and adolescents temporally related to COVID-19 [cited 2020 May 15].; 2020. Available from: Available from: https://www.who.int/news-room/commentaries/detail/multisystem-inflammatory-syndrome-in-children-and-adolescents-with-covid-19
https://www.who.int/news-room/commentari...

Características clínicas da infecção por SARS-CoV-2 no período neonatal

Ainda não existem evidências suficientes para a comprovação da transmissão vertical do SARS-CoV-2. Relatos e séries de casos têm sido publicados descrevendo as características clínicas de recém-nascidos de mães com infecção comprovada pelo SARS-CoV-2.

Zeng et al.3636. Zeng L, Xia S, Yuan W, Yan K, Xiao F, Shao J, et al. Neonatal early-onset infection with SARS-CoV-2 in 33 neonates born to mothers with COVID-19 in Wuhan, China. JAMA Pediatr. 2020;174:722-5. https://doi.org/10.1001/jamapediatrics.2020.0878
https://doi.org/https://doi.org/10.1001/...
descrevem 33 recém-nascidos de mães com COVID-19 no Wuhan Children’s Hospital, dos quais somente três tiveram manifestações clínicas. O primeiro apresentou sintomas de febre e letargia no segundo dia de vida, sinais radiológicos de pneumonia na radiografia de tórax e aumento da procalcitonina, além de PCR positivo para SARS-CoV-2 nos swabs de nasofaringe e anal nos segundo e quarto dias de vida. O segundo caso apresentou febre, vômitos e letargia, além de leucocitose, linfopenia e aumento de CK-MB, pneumonia na radiografia de tórax e PCR positivo para SARS-CoV-2 nos swabs de nasofaringe e anal nos segundo e quarto dias de vida. O terceiro nasceu prematuro (31 semanas e dois dias), evoluindo com asfixia perinatal, pneumonia e sepse, também com swabs anal e de nasofaringe positivos para SARS-CoV-2 até o quarto dia de vida.

Zhang et al.3737. Zhang ZJ, Yu XJ, Fu T, Liu Y, Jiang Y, Yang BX, et al. Novel Coronavirus infection in newborn babies under 28 days in China. Eur Respir J. 2020;55:2000697. https://doi.org/10.1183/13993003.00697-2020
https://doi.org/https://doi.org/10.1183/...
descrevem retrospectivamente todos os casos de COVID-19 confirmados laboratorialmente na China, registrados no National Health Commission. Dos 81.026 casos notificados até 13 de março de 2020, identificaram quatro recém-nascidos (<28 dias de vida) infectados pelo SARS-CoV-2, com idade de 30 horas a 17 dias de vida. Todos foram hospitalizados. Dois pacientes apresentaram febre, um com taquipneia, um teve tosse e um permaneceu assintomático. O diagnóstico foi realizado por PCR em swab nasofaríngeo em dois recém-nascidos e por swab anal nos outros. TC de tórax foi realizada em três pacientes, mostrando aumento da trama vascular. Nenhum recém-nascido necessitou de suporte de oxigênio ou apresentou complicações da doença. Três mães infectadas pelo SARS-CoV-2 tinham sintomas antes do parto e uma após. Os sintomas maternos mais comuns foram febre, tosse e perda do apetite. Três desses recém-nascidos nasceram de parto cesáreo com nível III de biossegurança (equipamentos de proteção individual para prevenção da contaminação de agentes infecciosos transmitidos por aerossóis e que podem causar doença grave), além de terem sido separados de suas mães logo ao nascimento e não terem sido amamentados.

Dong et al.3838. Dong L, Tian J, He S, Zhu C, Wang J, Liu C, et al. Possible vertical transmission of SARS-CoV-2 from an infected mother to her newborn. JAMA. 2020;323:1846-8. https://doi.org/10.1001/jama.2020.4621
https://doi.org/https://doi.org/10.1001/...
descrevem um provável caso de transmissão vertical em uma gestante com COVID-19 diagnosticada na 34ª semana de gestação. Nascido a termo, por parto cesáreo, numa sala de isolamento com pressão negativa e utilização de máscara N95 pela gestante. Imediatamente após o nascimento, o recém-nascido foi isolado de sua mãe, não recebeu leite materno, permanecendo assintomático por todo o período. As imunoglobulinas M e G (IgM e IgG) foram positivos para SARS-CoV-2 no recém-nascido em amostra com duas horas de vida. Também apresentou níveis elevados de citocinas séricas e leucocitose. TC de tórax normal. Pesquisa de PCR para SARS-CoV-2 em swabs de nasofaringe foram colhidos em cinco diferentes momentos entre duas horas de vida e o 16º dia, todos negativos. IgM e IgG séricos para SARS-CoV-2 ainda eram detectáveis no 15º dia de vida.

Wang et al.3939. Wang J, Wang D, Chen GC, Tao XW, Zeng LK. SARS-CoV-2 infection with gastrointestinal symptoms as the first manifestation in a neonate. Zhongguo Dang Dai Er Ke Za Zhi. 2020;22:211-4. https://doi.org/10.7499/j.issn.1008-8830.2020.03.006
https://doi.org/https://doi.org/10.7499/...
descreveram o caso de um recém-nascido com 19 dias de vida, com quadro de febre, vômitos e recusa alimentar, com aumento do número de evacuações, sem sintomas respiratórios aparentes. Pais infectados e sintomáticos para SARS-CoV-2 e swabs do recém-nascido positivos para SARS-CoV-2 tanto de material de nasofaringe quanto do anal. Quadros de sepse tardia em recém-nascido infectados pelo SARS-CoV-2 também são relatados.4040. Aghdam M, Jafari N, Eftekhari K. Novel coronavirus in a 15-day-old neonate with clinical signs of sepsis, a case report. Infect Dis (Lond). 2020;52:427-9. https://doi.org/10.1080/23744235.2020.1747634
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
,4141. Munoz A, Nawaratne U, McMann D, Ellsworth M, Meliones J, Boukas K. Late-onset neonatal sepsis in a patient with Covid-19. N Engl J Med. 2020;382:e49. https://doi.org/10.1056/NEJMc2010614
https://doi.org/https://doi.org/10.1056/...

DISCUSSÃO

Diferentemente dos adultos, as crianças infectadas pelo SARS-CoV-2 apresentam formas clínicas leves ou assintomáticas na maior parte dos casos descritos na literatura. A condição de portadora assintomática do vírus pela criança provavelmente possui grande impacto nas formas de transmissão do vírus na comunidade, já que a identificação de portadores assintomáticos é um grande desafio em todo o mundo. Segundo os estudos recentes, as crianças, quando sintomáticas, tendem a apresentar predominantemente febre baixa e tosse, com alguns sintomas gastrointestinais associados, incluindo náuseas, vômitos, diarreia e dor abdominal, com boa recuperação do quadro clínico entre uma a duas semanas. Casos graves são relatados, mas constituem a minoria, e aparentemente ocorrem de forma mais prevalente em menores de um ano de idade.

O predomínio de sintomas gastrointestinais em algumas crianças associado à persistência da presença do vírus em amostras fecais, mesmo após a ausência do mesmo em amostras de nasofaringe, sugere que o trato gastrointestinal pode ser um local de replicação viral nessa faixa etária, além de constituir uma importante forma de contagio interpessoal. Apesar de não estar ainda claro o significado clínico da detecção de partículas virais em fezes de forma mais persistente em crianças, a utilização de amostras nasofaríngeas e fecais poderia apresentar sensibilidade maior na detecção viral em crianças suspeitas ou que tenham tido contato com casos confirmados, que serviriam tanto como importante ferramenta diagnóstica como para controle do seu tempo de quarentena.

A maior prevalência aparente no aumento de níveis séricos de CK-MB e de procalcitonina pode representar a resposta inflamatória em resposta à presença do SARS-CoV-2. CK-MB é um indicador de injúria miocárdica, indicando o possível papel do vírus em lesões cardíacas. Diferentemente dos adultos, as crianças podem apresentar respostas inflamatórias diferentes e, portanto, repercussões clínicas distintas, como tem ocorrido no estado de Nova Iorque, na Inglaterra e na Itália, com casos de síndrome inflamatória multissistêmica/doença de Kawasaki associadas à infecção pelo SARS-CoV-2. Em contraponto, os estudos publicados mostram a presença de alterações em exames de imagem pulmonares em muitas crianças, apesar dos quadros assintomáticos e leves em sua maioria.

A atual pandemia de SARS-CoV-2 tem sido associada à maior incidência de quadros graves de doença de Kawasaki-like em crianças em diferentes partes do mundo. A fisiopatologia dessas apresentações ainda é desconhecida, mas pode estar relacionada à tempestade de citocinas observada nas formas graves de COVID-19 em adultos.4242. Mahase E. Covid-19: concerns grow over inflammatory syndrome emerging in children. BMJ. 2020;369:m1710. https://doi.org/10.1136/bmj.m1710
https://doi.org/https://doi.org/10.1136/...
O Quadro 1 mostra os critérios preliminares para a definição de caso de “síndrome inflamatória multissistêmica em crianças e adolescentes temporariamente relacionada à COVID-19”, segundo a Organização Mundial da Saúde, baseados nas características clínicas e laboratoriais dos casos publicados.4343. World Health Organization [homepage on the Internet]. Multisystem inflammatory syndrome in children and adolescents temporally related to COVID-19 [cited 2020 May 15].; 2020. Available from: Available from: https://www.who.int/news-room/commentaries/detail/multisystem-inflammatory-syndrome-in-children-and-adolescents-with-covid-19
https://www.who.int/news-room/commentari...

As evidências atuais mostram baixas taxas de transmissão periparto do SARS-CoV-2, e são inconclusivas sobre a transmissão intraútero. Recém-nascidos podem ser infectados pelo vírus depois do nascimento e, teoricamente, constituem um grupo de risco pelo sistema imune ainda imaturo. Acredita-se que a principal forma de transmissão da COVID-19 para os recém-nascidos é por gotículas de cuidadores infectados ou por contato com material contaminado. Portanto, os cuidados devem estar centrados em dois pilares principais: evitar a infecção do recém-nascido e evitar a infecção dos profissionais de saúde na sala de parto por meio da adoção de medidas de prevenção de infecção por gotículas ou contato.

Ainda não se compreendem os motivos de as crianças infectadas por SARS-CoV-2, em sua maioria, apresentarem quadros assintomáticos ou leves. Algumas especulações são aventadas na literatura:

  • Crianças, comparativamente aos adultos, possuem menor variedade de atividades, portanto, são infectadas principalmente em seus núcleos familiares. O ácido ribonucleico (RNA) viral, como em outros vírus, está sujeito a erros de replicação e mutações, reduzindo sua virulência. Portanto, crianças poderiam ser mais frequentemente infectadas por vírus de segunda ou terceira geração ocasionando quadros mais leves.

  • Crianças podem ter resposta imunológica diferente ao SARS-CoV-2 comparativamente aos adultos. O sistema imune inato, responsável pela resposta precoce à presença de patógenos, parece estar mais desenvolvido nas crianças que em adultos. Os adultos parecem ter predomínio do sistema imune adaptativo, que aprende a reconhecer os patógenos, levando uma resposta um pouco mais tardia. Outros coronavírus como o SARS e o MERS mostraram esse padrão de resposta pelo sistema imune.4444. Su L, Ma X, Yu H, Zhang Z, Bian P, Han Y, et al. The different clinical characteristics of corona virus disease cases between children and their families in China - the character of children with COVID-19. Emerg Microbes Infect. 2020;9:707-13. https://doi.org/10.1080/22221751.2020.1744483
    https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...

  • Adultos estariam mais expostos a diferentes infecções virais e, consequentemente, teriam produzido anticorpos contra antígenos virais numa maior escala, acarretando uma reação cruzada com o vírus SARS-CoV-2 e ativando uma resposta inflamatória mais exuberante.4545. Palmeira P, Barbuto JA, Silva CA, Carneiro-Sampaio M. Why is SARS-CoV-2 infection milder among children? Clinics (Sao Paulo). 2020;75:1-5. https://doi.org/10.6061/clinics/2020/e1947
    https://doi.org/https://doi.org/10.6061/...

  • Outra possibilidade imunológica seria o mecanismo antibody-dependent enhancement, como ocorre pelo vírus da dengue.4545. Palmeira P, Barbuto JA, Silva CA, Carneiro-Sampaio M. Why is SARS-CoV-2 infection milder among children? Clinics (Sao Paulo). 2020;75:1-5. https://doi.org/10.6061/clinics/2020/e1947
    https://doi.org/https://doi.org/10.6061/...

  • Evidências recentes apontam que o receptor celular ACE2 e a protease TMPRSS2, necessários para a entrada do SARS-CoV-2 nas células e sua distribuição nos diferentes tecidos orgânicos, podem ser diferentes entre crianças e adultos. Nas crianças, os receptores ACE2 podem apresentar diferenças na sua configuração, concentração ou na sua capacidade de ligação com o vírus.4646. Hoffmann M, Kleine-Weber H, Schroeder S, Kruger N, Herrler T, Erichsen S, et al. SARS-CoV-2 cell entry depends on ACE2 and TMPRSS2 and is blocked by a clinically proven protease inhibitor. Cell. 2020;181:271-80. https://doi.org/10.1016/j.cell.2020.02.052
    https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
    ,4747. Fang F, Luo XP. Facing the pandemic of 2019 novel coronavirus infections: the pediatric perspectives. Zhonghua Er Ke Za Zhi. 2020;58:E001. https://doi.org/10.3760/cma.j.issn.0578-1310.2020.0001
    https://doi.org/https://doi.org/10.3760/...

  • Crianças teriam maior quantidade de outros vírus na mucosa dos pulmões e das vias aéreas, que limitariam a replicação do SARS-CoV-2 por competição direta de virus-to-virus.4848. Nickbakhsh S, Mair C, Matthews L, Reeve R, Johnson PC, Thorburn F, et al. Virus-virus interactions impact the population dynamics of influenza and the common cold. Proc Natl Acad Sci USA. 2019;116:27142-50. https://doi.org/10.1073/pnas.1911083116
    https://doi.org/https://doi.org/10.1073/...

  • Crianças são menos propensas a desenvolver síndrome respiratória aguda grave (SRAG) em infecções virais de trato respiratório que os adultos.4949. Nye S, Whitley RJ, Kong M. Viral infection in the development and progression of pediatric acute respiratory distress syndrome. Front Pediatr. 2016;4:128. https://doi.org/10.3389/fped.2016.00128
    https://doi.org/https://doi.org/10.3389/...

Crianças infectadas pelo SARS-CoV-2 apresentam, na sua maioria, quadros assintomáticos ou leves, com predomínio de sintomas como febre, tosse e sintomas gastrointestinais. Crianças podem apresentar formas graves da doença, embora aparentemente o risco seja menor quando comparadas aos adultos. Um dos grandes desafios atuais é o da detecção dessas crianças oligossintomáticas ou assintomáticas de maneira eficiente, pois podem representar importante fonte de contágio interpessoal. Novos relatos de diferentes reações sistêmicas inflamatórias em crianças têm sido observados, com manifestações clínicas distintas daquelas tipicamente observadas em adultos. Aparentemente as taxas de transmissão periparto do SARS-CoV-2 são baixas e a transmissão intraútero ainda não está comprovada. Os cuidados neonatais devem estar centralizados no que concerne à prevenção da transmissão pós-natal da mãe e de outros parentes infectados para o recém-nascido.

REFERENCES

Financiamento

  • O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    29 Jun 2020
  • Aceito
    02 Ago 2020
  • Publicado
    11 Nov 2020
Sociedade de Pediatria de São Paulo R. Maria Figueiredo, 595 - 10o andar, 04002-003 São Paulo - SP - Brasil, Tel./Fax: (11 55) 3284-0308; 3289-9809; 3284-0051 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rpp@spsp.org.br