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Fatores associados ao consumo de alimentos ultraprocessados em adolescentes brasileiros: Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, 2015

RESUMO

Objetivo:

Identificar a prevalência e os fatores associados ao consumo de alimentos ultraprocessados em adolescentes brasileiros.

Métodos:

Estudo transversal de base populacional com adolescentes participantes da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, 2015 (PeNSE-2015). Um questionário autoaplicável foi utilizado para a coleta de dados, e construiu-se uma variável representativa do consumo de alimentos ultraprocessados, sendo considerado excessivo o consumo superior a sete vezes na semana. Realizou-se análise descritiva e inferencial das características demográficas, socioeconômicas, comportamentais e ambientais potencialmente associadas ao consumo de alimentos ultraprocessados. Um modelo de regressão de Poisson múltiplo foi ajustado para controle do confundimento.

Resultados:

A prevalência do consumo excessivo de alimentos ultraprocessados nos 16.324 adolescentes estudados no Brasil foi de 75,4%. Identificaram-se nove fatores associados de forma independente a esse desfecho: idade inferior a 15 anos (RR 1,08; p<0,001), tempo diário sentado superior a quatro horas (RR 1,13; p<0,001), comer assistindo à TV ou estudando por mais de quatro dias na semana (RR 1,09; p<0,001), tempo diário de uso de TV superior a três horas (RR 1,08; p<0,001), frequência de desjejum inferior a quatro dias semanais (RR 1,03; p=0,001), possuir telefone celular (RR 1,12; p<0,001), escolaridade materna ausente (RR 0,88; p<0,001), estar matriculado em escola privada (RR 1,05; p=0,002) e localizada em zona urbana (RR 1,13; p=0,002).

Conclusões:

Os resultados expressam a característica multifatorial do consumo de alimentos ultraprocessados e sugerem a necessidade de elaboração e execução de políticas de saúde para orientar sobre os prejuízos do consumo desses alimentos e a importância da adoção de comportamentos saudáveis para esse grupo populacional no ambiente escolar e familiar.

Palavras-chave:
Adolescente; Consumo alimentar; Alimentos industrializados; Inquéritos epidemiológicos

ABSTRACT

Objective:

To identify the prevalence and factors associated with the consumption of ultra-processed foods by Brazilian adolescents.

Methods:

The sample was representative of adolescents and participants in the cross-sectional population-based study National Survey of School Health, 2015 edition (PeNSE-2015). A self-administered questionnaire was used for data collection. The variable weekly consumption of ultra-processed foods was considered, and consumption more than seven times a week was considered excessive. Descriptive and inferential analyses of demographic, socioeconomic, behavioral and environmental characteristics potentially associated with the outcome were performed. Poisson's multiple regression model was adjusted to control for confounding factors.

Results:

The prevalence of excessive consumption of ultra-processed foods among 16,324 adolescents in Brazil was 75.4%. Nine factors independently associated with this outcome were identified: age under 15 years (RR 1.08; p<0.001), daily sitting time greater than four hours (RR 1.13; p<0.001), eating while watching TV or studying more than four days a week (RR 1.09; p<0.001), daily TV time greater than three hours (RR 1.08; p<0.001), breakfast frequency less than four days a week (RR 1,03; p=0.001), having a cell phone (RR 1.12; p<0.001), absent maternal education (RR 0.88; p<0.001), being enrolled in a private school (RR 1.05; p=0.002) located in the urban area (RR 1.13; p=0.002).

Conclusions:

The results express the multifactorial characteristic of excessive consumption of ultra-processed foods and suggest the need for the development and implementation of health policies to guide the consumption of these foods and the importance of adopting healthy behaviors for this population group in both school and home environments.

Keywords:
Adolescent; Food consumption; Industrialized foods; Health surveys

INTRODUÇÃO

O excesso de peso na adolescência, que está associado a diversas alterações metabólicas e cardiovasculares, representa um problema de saúde pública com alta prevalência no Brasil e no mundo. Entre os anos de 1975 e 2016, estima-se que houve aumento global no número de crianças e adolescentes (5–19 anos) em cerca de 113 milhões.11. Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento de Nutrologia. Manual de orientação: Obesidade na infância e adolescência. 3. ed. São Paulo: SBP; 2019.,22. NCD Risk Factor Collaboration (NCD-RisC). Worldwide trends in body-mass index, underweight, overweight, and obesity from 1975 to 2016: a pooled analysis of 2416.population-based measurement studies in 128·9 million children, adolescents, and adults. Lancet. 2017;390:2627-42. https://doi.org/10.1530/ey.15.13.20
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Pesquisas brasileiras de base populacional indicam prevalências de excesso de peso variando entre 15,3 e 20,5% nessa faixa etária.11. Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento de Nutrologia. Manual de orientação: Obesidade na infância e adolescência. 3. ed. São Paulo: SBP; 2019. A ingestão calórica proveniente de alimentos de baixa qualidade nutricional e o sedentarismo contribuem de maneira expressiva com essas taxas.11. Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento de Nutrologia. Manual de orientação: Obesidade na infância e adolescência. 3. ed. São Paulo: SBP; 2019.33. Fundo das Nações Unidas para a Infância. Comer bem e melhor, juntos. Cardápio de ferramentas para promover a alimentação saudável entre adolescentes, junto às suas famílias e comunidades. Brasília (DF): UNICEF; 2019.

Entre esses alimentos, estão os alimentos ultraprocessados (AUP) que, de acordo com a classificação NOVA, são formulações industriais ricas em açúcares, gorduras e sódio e pobres em micronutrientes, compostos bioativos e fibras. Além disso, apresentam características atrativas como alta palatabilidade, embalagens sofisticadas, publicidade e facilidade de acesso, que incentivam o consumo excessivo e a substituição dos gêneros alimentícios tradicionais.55. Monteiro CA, Cannon G, Levy RB, Moubarac JC, Louzada ML, Rauber F, et al. Ultra-processed foods: what they are and how to identify them. Public Health Nutr. 2019;22:936-41. https://doi.org/10.1017/s1368980018003762
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,66. Brazil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Dietary Guidelines for the Brazilian population. 2. ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014.

A inclusão desses produtos na dieta brasileira tem apresentado tendência crescente.77. Louzada ML, Martins AP, Canella DS, Baraldi LG, Levy RB, Claro RM, et al. Ultra-processed foods and the nutritional dietary profile in Brazil. Rev Saude Publica. 2015;49:1-11. https://doi.org/10.1590/s0034-8910.2015049006132
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Refrigerantes e outras bebidas açucaradas, embutidos, biscoitos recheados, salgadinhos, guloseimas, macarrão instantâneo, pizzas e salgados fritos e assados estão entre os AUP mais consumidos por adolescentes.88. D’Avila HF, Kirsten VR. Energy intake from ultra-processed foods among adolescents. Rev Paul Pediatr. 2017;35:54-60. https://doi.org/10.1590/1984-0462/;2017;35;1;00001
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,99. Brazil - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018: análise do consumo alimentar pessoal no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2020. Contrariamente, alimentos tradicionais, como feijão, leite, frutas e hortaliças, estão cada vez menos presentes na dieta dos jovens.88. D’Avila HF, Kirsten VR. Energy intake from ultra-processed foods among adolescents. Rev Paul Pediatr. 2017;35:54-60. https://doi.org/10.1590/1984-0462/;2017;35;1;00001
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,1010. Barufaldi LA, Abreu GA, Oliveira JA, Santos DF, Fujimori E, Vasconcelos SM, et al. ERICA: prevalence of healthy eating habits among Brazilian adolescents. Rev Saude Publica. 2016;50:1-9. https://doi.org/10.1590/s01518-8787.2016050006678
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A Pesquisa de Orçamentos Familiares (2017–2018) identificou que cerca de 26,7% do total calórico consumido por adolescentes no Brasil foi proveniente de AUP, sendo o maior percentual, quando comparado ao grupo de adultos e idosos.99. Brazil - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018: análise do consumo alimentar pessoal no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2020.

Práticas alimentares inadequadas nessa fase da vida podem levar a deficiências nutricionais e afetar o processo de crescimento inerente à puberdade. Além disso, contribuem para o desenvolvimento de agravos à saúde e piora da qualidade de vida em longo prazo.11. Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento de Nutrologia. Manual de orientação: Obesidade na infância e adolescência. 3. ed. São Paulo: SBP; 2019.,33. Fundo das Nações Unidas para a Infância. Comer bem e melhor, juntos. Cardápio de ferramentas para promover a alimentação saudável entre adolescentes, junto às suas famílias e comunidades. Brasília (DF): UNICEF; 2019.

Dada a característica multifatorial de determinação do consumo alimentar, nossa hipótese é de que alguns fatores associados a uma maior frequência de consumo de AUP podem ser de natureza modificável. Consequentemente, sua identificação contribui para elaborar estratégias de educação alimentar e nutricional e prevenção do excesso de peso.

Nesse contexto, o presente estudo teve como objetivos estimar a prevalência e identificar fatores associados ao consumo de AUP em uma amostra representativa de adolescentes brasileiros.

MÉTODO

O presente estudo utilizou dados secundários da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, edição 2015 (PeNSE-2015), inquérito de base populacional e delineamento transversal realizado pelo Ministério da Saúde do Brasil (MS) em coparticipação com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O banco de dados é de acesso público e está disponível eletronicamente no website do IBGE.1111. Brazil - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2015. Rio de Janeiro: IBGE; 2016.

A população-alvo do estudo foram escolares matriculados do 6° ao 9° ano do ensino fundamental e da 1ᵃ à 3ᵃ série do ensino médio, dos turnos matutino, vespertino e noturno, de escolas públicas e privadas nas zonas urbanas e rurais do Brasil. O delineamento de seleção permitiu estimar a abrangência geográfica e populacional, representando o Brasil e suas cinco macrorregiões geográficas. Com base no Censo Escolar de 2013, foram elegíveis escolas com ao menos 15 alunos matriculados nas séries de interesse.1111. Brazil - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2015. Rio de Janeiro: IBGE; 2016. Estudaram-se todos os 16.556 indivíduos da amostra 2 da PeNSE-2015. Essa amostra representa a população-alvo da presente pesquisa e é composta de estudantes que responderam ao questionário e que tiveram o peso e a estatura aferidos durante a coleta de dados.

As informações foram coletadas por meio de um questionário autoaplicável estruturado em módulos temáticos que forneceu informações sobre aspectos socioeconômicos, comportamentais, alimentares e de saúde. As questões eram de múltipla escolha e o estudante tinha a possibilidade de deixar de responder a qualquer pergunta ou a todo o questionário. O consumo alimentar foi mensurado por meio da frequência de consumo na semana anterior à data da pesquisa, com possibilidade de variação de zero a sete dias para cada grupo de alimentos.1111. Brazil - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2015. Rio de Janeiro: IBGE; 2016.

Investigou-se a existência de um padrão de consumo alimentar como efeito da percepção conjunta do consumo e da interação dos comportamentos relacionados à alimentação, geralmente não perceptíveis por meio dos instrumentos de coleta de dados alimentares.1212. Olinto MT. Padrões alimentares: análise dos componentes principais. In: Kac G, Sichieri R, Gigante DP, editors. Epidemiologia nutricional. Rio de Janeiro: Fiocruz/Atheneu; 2007. p. 213-25.

Para definir os padrões de consumo alimentar, aplicou-se a análise fatorial exploratória (AFE) com o método de rotação ortogonal Promax, que considera a existência de uma correlação entre os fatores estudados. Para isso, geraram-se agrupamentos alimentares em função da frequência de consumo. Como indicadores de qualidade do modelo, calcularam-se: o coeficiente alfa de Cronbach para analisar a consistência interna das variáveis (0,683), as medidas Kaiser-Meyer-Olkin para mensurar a adequação fatorial (0,772) e o teste de Bartlett para analisar a correlação das variáveis (p<0,001). Os resultados indicaram condições de correlação suficientes e adequadas para se proceder à análise. Consideraram-se significativas cargas fatoriais superiores a 0,30 na matriz de correlação.1313. Fávero LP, Belfiore P. Análise de dados, técnicas multivariadas exploratórias com SPSS® e STATA®. Rio de Janeiro: Elsevier; 2015.

A aplicação da AFE com base nas oito categorias de alimentos incluídas nas questões sobre a frequência de ingestão alimentar (feijão, frutas, hortaliças, refrigerante, guloseimas, salgados fritos, alimentos industrializados salgados e fast food) resultou na identificação de um único padrão de alimentos. Baseado na classificação NOVA, que categoriza os alimentos pela extensão e propósito do processamento industrial,55. Monteiro CA, Cannon G, Levy RB, Moubarac JC, Louzada ML, Rauber F, et al. Ultra-processed foods: what they are and how to identify them. Public Health Nutr. 2019;22:936-41. https://doi.org/10.1017/s1368980018003762
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os cinco grupos de alimentos que compuseram o padrão identificado foram constituídos de AUP (salgados fritos, alimentos industrializados salgados, refrigerante, guloseimas e fast food).

Esses alimentos apresentaram as maiores correlações entre o consumo real e a percepção conjunta do consumo. As cargas fatoriais obtidas para eles foram: salgados fritos (0,574), alimentos industrializados salgados (0,552), refrigerante (0,535), guloseimas (0,523) e fast food (0,484). A frequência de consumo de cada um dos cinco grupos de alimentos foi ponderada pelo valor de sua carga fatorial para obter a variável representativa do consumo de AUP na amostra.

O consumo de AUP variou de zero a 35 vezes na semana, ou seja, a possibilidade de consumo foi de nenhum a cinco grupos de alimentos por dia nos sete dias da semana. O consumo excessivo de AUP foi atribuído ao consumo superior a sete vezes na semana, baseado na distribuição da frequência de consumo na amostra estudada (percentil 25). Uma vez que o Guia Alimentar para a População Brasileira do MS recomenda evitar o consumo de AUP,66. Brazil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Dietary Guidelines for the Brazilian population. 2. ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014. para as análises do presente estudo, considerou-se aceitável o consumo semanal inferior ou igual a sete alimentos pertencentes a um dos cinco grupos de AUP.

Especificamente, construiu-se uma variável para representar o consumo de alimentos in natura ou minimamente processados (ANMP) com base no consumo médio semanal de feijão, frutas e hortaliças. O consumo inferior a cinco vezes na semana foi considerado inadequado. Além disso, estudaram-se as frequências semanais de consumo da alimentação escolar, da realização do desjejum, das refeições principais (almoço e jantar) na presença dos responsáveis e das refeições em frente à TV ou estudando.

Além disso, estudou-se o nível de atividade física mensurado por meio do tempo médio semanal acumulado em minutos com base no tempo gasto no deslocamento para ir e voltar da escola a pé ou de bicicleta, nas atividades físicas nas aulas de educação física e fora da escola, incluindo a prática de esportes, dança, ginástica, musculação e lutas.1111. Brazil - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2015. Rio de Janeiro: IBGE; 2016. Consideraram-se “ativos” os sujeitos com tempo médio semanal acumulado superior a 300 minutos e “insuficientemente ativos/inativos” aqueles com tempo inferior a 300 minutos.

Por último, utilizaram-se o índice de massa corpórea (IMC) e a classificação do estado nutricional disponível no banco de dados da PeNSE-2015, de acordo com o valor do escore Z de IMC-para-idade baseado nos critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS).1111. Brazil - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2015. Rio de Janeiro: IBGE; 2016. Foram definidos como “déficit nutricional” valores inferiores a −2 desvios padrão (DP), “eutrofia” valores entre −2 e 1 DP, “sobrepeso” valores superiores a 1 até 2 DP e “obesidade” valores superiores a 2 DP.1111. Brazil - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2015. Rio de Janeiro: IBGE; 2016. Os pontos de corte propostos para as demais variáveis estudadas foram definidos pela característica de distribuição ou pela forma de categorização já existente no questionário.

Analisaram-se os dados por meio do software Stata 14.0 (StataCorp LLC, College Station, EUA). Para as análises, consideraram-se o peso e a expansão amostral de acordo com o processo de seleção e representatividade populacional proposto pela PeNSE-2015.1111. Brazil - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2015. Rio de Janeiro: IBGE; 2016.

O teste do qui-quadrado de Pearson foi utilizado para comparar a prevalência de consumo excessivo de AUP entre as regiões. Utilizaram-se análises de regressão de Poisson não ajustada e ajustada para identificar os fatores associados ao consumo excessivo de AUP de forma independente. Para selecionar as variáveis elegíveis para compor o modelo múltiplo, considerou-se o valor de p≤0,20 como critério de inclusão. A técnica de entrada de variáveis foi Stepwise Forward, e o valor de p<0,05 foi utilizado para definir uma associação estatisticamente significante.

A PeNSE-2015 foi aprovada na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do MS sob o parecer 1.006.467. Participaram da pesquisa os alunos que, voluntariamente, concordaram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.1111. Brazil - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2015. Rio de Janeiro: IBGE; 2016. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Parecer n° 2.608.318).

RESULTADOS

Todos os 16.556 escolares que compunham a amostra 2 da PeNSE-2015 foram estudados. Excluíram-se apenas 232 da análise múltipla pela ausência de dados sobre as variáveis selecionadas para compor o modelo final. Portanto, foram estudados 16.324 participantes na análise múltipla, consubstanciando perda amostral de 1,4%.

A prevalência de consumo excessivo de AUP estimado no Brasil foi de 75,4% (IC95% 73,3–77,3). Essa prevalência variou significativamente entre as cinco macrorregiões brasileiras (p<0,001). O maior e o menor consumos foram estimados nas regiões Sudeste e Norte do Brasil, respectivamente (Figura 1).

Figura 1
Comparação das prevalências de consumo de alimentos ultraprocessados de adolescentes participantes da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2015 nas cinco macrorregiões brasileiras.

Do total dos adolescentes, 18,9% moravam na macrorregião Norte, 20,5% na Nordeste, 20,1% na Sudeste, 20,0% na Sul e 20,5% na Centro-Oeste. Com relação à atividade física acumulada, 75,2% foram classificados como inativos/insuficientemente ativos e 24,8% como ativos. Quanto ao estado nutricional, 2,2% apresentavam déficit de peso, 63,6% estavam eutróficos e 34,2% tinham excesso de peso. A Tabela 1 apresenta as demais características descritivas dos adolescentes.

Tabela 1
Prevalência e intervalo de confiança de 95% das características clínicas, comportamentais e epidemiológicas de adolescentes brasileiros, Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2015.

Do total de 22 fatores testados, 4 não demonstraram associação estatisticamente significante com o consumo excessivo de AUP: morar com a mãe (RP 1,01; p=0,491), consumo de ANMP (RP 1,00; p=0,782), atendimento em unidade básica de saúde (UBS) nos últimos 12 meses (RP 1,01; p=0,202) e atividade física acumulada (RP 1,00; p=0,975). A Tabela 2 apresenta a análise não ajustada dos demais 18 fatores associados a esse desfecho.

Tabela 2
Regressão de Poisson não ajustada com razão de prevalência e intervalo de confiança de 95% dos fatores associados ao consumo de alimentos ultraprocessados de adolescentes brasileiros, Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2015.

A Figura 2 exibe os fatores que mantiveram associação estatisticamente significativa com o consumo excessivo de AUP, após a construção do modelo múltiplo final ajustado para macrorregião, sexo, cor da pele e IMC do adolescente. Esses fatores foram agrupados de acordo com a dimensão de determinação:

  1. fatores biológicos: idade;

  2. fatores comportamentais: horas diárias sentado, hábito de realizar as refeições em frente à TV ou estudando, horas diárias de TV e frequência de realização do desjejum;

  3. fatores socioeconômicos e demográficos: escolaridade materna, localidade da escola, ter telefone celular e dependência administrativa da escola.

Figura 2
Modelo múltiplo de Poisson dos fatores associados ao consumo de alimentos ultraprocessados de adolescentes brasileiros. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2015 (n=16.324).

DISCUSSÃO

No presente estudo, aproximadamente três em cada quatro adolescentes apresentaram consumo excessivo de AUP. Identificaram-se nove fatores independentemente associados a esse desfecho: oito de risco (idade inferior a 15 anos, tempo diário sentado superior a quatro horas, comer assistindo à TV ou estudando por mais de quatro dias na semana, tempo diário de uso de TV superior a três horas, frequência de desjejum inferior a quatro dias semanais, possuir celular, estudar em escola privada e localizada na zona urbana) e um de proteção (escolaridade materna ausente).

Características comportamentais, socioeconômicas, culturais e ambientais compõem uma complexa rede de fatores determinantes do consumo de AUP pela população brasileira.1414. Monteiro CA, Levy RB, Claro RM, Castro IR, Cannon G. Increasing consumption of ultra-processed foods and likely impact on human health: Evidence from Brazil. Public Health Nutr. 2010;14:5-13. https://doi.org/10.1017/s1368980010003241
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,1515. Organização Pan-Americana da Saúde. Alimentos e bebidas ultraprocessados na América Latina: tendências, efeito na obesidade e implicações para políticas públicas. Brasília (DF): OPAS; 2018. Além da composição nutricional desbalanceada diretamente relacionada ao excesso de peso e ao desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), a substituição de alimentos tradicionais por AUP prejudica a cultura alimentar, o meio ambiente e a relação do indivíduo com os alimentos e com a sociedade.55. Monteiro CA, Cannon G, Levy RB, Moubarac JC, Louzada ML, Rauber F, et al. Ultra-processed foods: what they are and how to identify them. Public Health Nutr. 2019;22:936-41. https://doi.org/10.1017/s1368980018003762
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,66. Brazil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Dietary Guidelines for the Brazilian population. 2. ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014.,1616. Pan American Health Organization. Ultra-processed food and drink products in Latin America: sales, sources, nutrient profiles, and policy implications. Washington: PAHO; 2019.

Na adolescência, as mudanças no estilo de vida, a presença de comportamentos de risco e a influência das interações sociais são aspectos que comprometem a adoção de uma alimentação saudável.11. Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento de Nutrologia. Manual de orientação: Obesidade na infância e adolescência. 3. ed. São Paulo: SBP; 2019.,33. Fundo das Nações Unidas para a Infância. Comer bem e melhor, juntos. Cardápio de ferramentas para promover a alimentação saudável entre adolescentes, junto às suas famílias e comunidades. Brasília (DF): UNICEF; 2019. A busca por alimentos atrativos, prontos e de fácil acesso é vista como uma alternativa conveniente pelos jovens, levando ao maior consumo de AUP nessa fase da vida.33. Fundo das Nações Unidas para a Infância. Comer bem e melhor, juntos. Cardápio de ferramentas para promover a alimentação saudável entre adolescentes, junto às suas famílias e comunidades. Brasília (DF): UNICEF; 2019.,1616. Pan American Health Organization. Ultra-processed food and drink products in Latin America: sales, sources, nutrient profiles, and policy implications. Washington: PAHO; 2019.,1717. United Nations Children's Fund. Children in a digital world. New York: UNICEF; 2017.

Em virtude das diferentes experimentações e situações vivenciadas na adolescência, o Fundo das Nações Unidas para a Infância propôs avaliar esse período em dois momentos distintos, antes e após os 15 anos de idade. Na fase inicial, os adolescentes estão em busca da construção de sua identidade e o pensamento analítico e reflexivo é menos abrangente, o que pode levá-los a adequar seus comportamentos como forma de aceitação e adaptação ao meio social.1818. Fundo das Nações Unidas para a Infância. Situação Mundial da Infância 2011. Adolescência: uma fase de oportunidades. Brasília: UNICEF; 2011. No presente estudo, adolescentes mais jovens apresentaram maior prevalência de consumo excessivo de AUP. Esse achado pode ser explicado pelo fato de que esse grupo está potencialmente propenso a maior influência do ambiente social, tem menor capacidade crítica e menor preocupação com a alimentação e a percepção da imagem corporal, quando comparado a adolescentes mais velhos.33. Fundo das Nações Unidas para a Infância. Comer bem e melhor, juntos. Cardápio de ferramentas para promover a alimentação saudável entre adolescentes, junto às suas famílias e comunidades. Brasília (DF): UNICEF; 2019.,1818. Fundo das Nações Unidas para a Infância. Situação Mundial da Infância 2011. Adolescência: uma fase de oportunidades. Brasília: UNICEF; 2011.

Entre os fatores comportamentais identificados, destaca-se o hábito de ficar sentado por mais de quatro horas diárias, que incluiu o uso de telas e outros dispositivos eletrônicos como videogames, celular e computador. A constante interação dos jovens com o ambiente tecnológico interfere de maneira decisiva nos comportamentos adotados por essa população.1717. United Nations Children's Fund. Children in a digital world. New York: UNICEF; 2017.,1919. Shah J, Das P, Muthiah N, Milanaik R. New age technology and social media: adolescent psychosocial implications and the need for protective measures. Curr Opin Pediatr. 2019;31:148-56. https://doi.org/10.1097/mop.0000000000000714
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A publicidade de alimentos de baixa qualidade nutricional tem alcançado diferentes mídias digitais de comunicação e entretenimento frequentemente acessadas por adolescentes, o que representa um cenário desfavorável para escolhas alimentares saudáveis e, consequentemente, um possível facilitador do consumo excessivo de AUP.2020. American Academy of Pediatrics. Council on Communications and Media. Policy statement - children, adolescents, obesity and the media. Pediatrics. 2011;128:201-8. https://doi.org/10.1542/peds.2011-1066
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,2121. Delfino LD, Silva DA, Tebar WR, Zanuto EF, Codogno JS, Fernandes RA, et al. Screen time by different devices in adolescents: association with physical inactivity domains and eating habits. J Sports Med Phys Fitness. 2018;58:318-25. https://doi.org/10.23736/S0022-4707.17.06980-8
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Além disso, o tempo diário destinado ao hábito de assistir à TV superior a três horas esteve associado ao consumo excessivo de AUP, independentemente do período sentado. A utilização da TV por períodos prolongados representa maior exposição ao efeito negativo da publicidade de alimentos de baixo valor nutricional na formação dos hábitos alimentares.2020. American Academy of Pediatrics. Council on Communications and Media. Policy statement - children, adolescents, obesity and the media. Pediatrics. 2011;128:201-8. https://doi.org/10.1542/peds.2011-1066
https://doi.org/10.1542/peds.2011-1066...
2222. Oliveira JS, Barufaldi LA, Abreu GA, Leal VS, Brunken GS, Vasconcelos SM, et al. ERICA: use of screens and consumption of meals and snacks by Brazilian adolescents. Rev Saude Publica. 2016;50 (Suppl 1):1-10. https://doi.org/10.1590/s01518-8787.2016050006680
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Segundo a análise recente da programação dos quatro canais de televisão aberta de maior audiência no Brasil, entre os anúncios publicitários exibidos na categoria de alimentos e bebidas, a frequência dos que continham AUP superaram os ANMP em mais de oito vezes, com destaque principal para as bebidas açucaradas e os doces.2323. Maia EG, Costa BV, Coelho FS, Guimaraes JS, Fortaleza RG, Claro RM. Analysis of TV food advertising in the context of recommendations by the Food Guide for the Brazilian Population. Cad Saude Publica. 2017;33:1-11. https://doi.org/10.1590/0102-311x00209115
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Embora os fatores anteriormente apontados possam refletir hábitos sedentários de lazer, no presente estudo a prática de atividade física não se associou ao consumo de AUP de forma independente. Como apontado por outros estudos com adolescentes brasileiros,44. Costa CS, Flores TR, Wendt A, Neves RG, Assunção MC, Santos IS. Sedentary behavior and consumption of ultra-processed foods by Brazilian adolescents: Brazilian National School Health Survey (PeNSE), 2015. Cad Saúde Pública. 2018;34:1-12. https://doi.org/10.1590/0102-311x00014515
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,2121. Delfino LD, Silva DA, Tebar WR, Zanuto EF, Codogno JS, Fernandes RA, et al. Screen time by different devices in adolescents: association with physical inactivity domains and eating habits. J Sports Med Phys Fitness. 2018;58:318-25. https://doi.org/10.23736/S0022-4707.17.06980-8
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esse achado suscita que os hábitos relacionados ao sedentarismo são mais determinantes para o consumo de AUP entre os adolescentes da PeNSE-2015 do que não praticar atividade física de acordo com o recomendado (300 minutos).1111. Brazil - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2015. Rio de Janeiro: IBGE; 2016.

O hábito de comer assistindo à TV ou estudando também foi associado ao consumo excessivo de AUP. Além do efeito da distração que essas atividades causam nos mecanismos de saciedade, a apresentação, a praticidade, a palatabilidade e a facilidade atribuídas aos AUP estimulam a preferência e o consumo excessivo desses alimentos.66. Brazil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Dietary Guidelines for the Brazilian population. 2. ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014.,1515. Organização Pan-Americana da Saúde. Alimentos e bebidas ultraprocessados na América Latina: tendências, efeito na obesidade e implicações para políticas públicas. Brasília (DF): OPAS; 2018.,1616. Pan American Health Organization. Ultra-processed food and drink products in Latin America: sales, sources, nutrient profiles, and policy implications. Washington: PAHO; 2019.,2020. American Academy of Pediatrics. Council on Communications and Media. Policy statement - children, adolescents, obesity and the media. Pediatrics. 2011;128:201-8. https://doi.org/10.1542/peds.2011-1066
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De fato, comer em frente à TV tem sido associado a maior consumo de petiscos, a menor ingestão de micronutrientes e a maior ingestão de gorduras e açúcares entre adolescentes.2222. Oliveira JS, Barufaldi LA, Abreu GA, Leal VS, Brunken GS, Vasconcelos SM, et al. ERICA: use of screens and consumption of meals and snacks by Brazilian adolescents. Rev Saude Publica. 2016;50 (Suppl 1):1-10. https://doi.org/10.1590/s01518-8787.2016050006680
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,2424. Ramos E, Costa A, Araujo J, Severo M, Lopes C. Effect of television viewing on food and nutrient intake among adolescents. Nutrition. 2013;29:1362-7. https://doi.org/10.1016/j.nut.2013.05.007
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O desjejum está entre as principais refeições diárias, e a redução da sua frequência de realização tem sido associada a menor consumo de nutrientes essenciais.66. Brazil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Dietary Guidelines for the Brazilian population. 2. ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014.,1010. Barufaldi LA, Abreu GA, Oliveira JA, Santos DF, Fujimori E, Vasconcelos SM, et al. ERICA: prevalence of healthy eating habits among Brazilian adolescents. Rev Saude Publica. 2016;50:1-9. https://doi.org/10.1590/s01518-8787.2016050006678
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Neste estudo, uma menor frequência de realização do café da manhã esteve associada a um maior consumo de AUP. Assim como em outros países em desenvolvimento da América Latina, no Brasil, entre os diversos tipos de AUP, a venda de refeições prontas, cereais matinais e bebidas açucaradas tem aumentado de forma alarmante.1414. Monteiro CA, Levy RB, Claro RM, Castro IR, Cannon G. Increasing consumption of ultra-processed foods and likely impact on human health: Evidence from Brazil. Public Health Nutr. 2010;14:5-13. https://doi.org/10.1017/s1368980010003241
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1616. Pan American Health Organization. Ultra-processed food and drink products in Latin America: sales, sources, nutrient profiles, and policy implications. Washington: PAHO; 2019.

Estudar em escola privada associou-se ao consumo excessivo de AUP e isso pode ser explicado pela presença frequente de cantinas e pela menor oferta de alimentação escolar nas instituições de ensino privadas, contribuindo para o maior consumo deste tipo de alimento, como salgados industrializados, doces e refrigerantes.2525. Noll RPS, Noll M, Abreu LC, Baracat EC, Silveira EA, Sorpreso IC. Ultra-processed food consumption by Brazilian adolescents in cafeterias and school meals. Sci Rep. 2019;9:1-8. https://doi.org/10.1038/s41598-019-43611-x
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Esse cenário pode ser resultado da não obrigatoriedade das escolas privadas em aderir ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que apresenta diretrizes para promover uma alimentação saudável na educação básica pública.2626. Brazil – Ministério da Educação [homepage on the Internet]. Fundação para o Desenvolvimento da Educação. Programa Nacional de Alimentação Escolar. Brasília (DF): Ministério da Educação; 2019 [cited 2019 Sep 14]. Available from: https://www.fnde.gov.br/programas/pnae/pnae-area-gestores/pnae-manuais-cartilhas/item/12094-caderno-de-legisla%C3%A7%C3%A3o-2019
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Consequentemente, a não adesão às recomendações do programa por instituições privadas potencialmente reduz o incentivo à educação alimentar e nutricional e contribui para adotar práticas alimentares inadequadas. Além disso, adolescentes de escolas privadas potencialmente pertencem a famílias de maior nível socioeconômico, o que confere a eles maior possibilidade de acesso e consumo de AUP.

Embora o consumo de AUP por adolescentes pertencentes às zonas rurais e às cidades de pequeno porte desperte preocupação,88. D’Avila HF, Kirsten VR. Energy intake from ultra-processed foods among adolescents. Rev Paul Pediatr. 2017;35:54-60. https://doi.org/10.1590/1984-0462/;2017;35;1;00001
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,2727. Bueno MM, Raphaelli CO, Muniz LC. Consumo de alimentos ultraprocessados por escolares de zona rural. Semina Cienc Biol Saude. 2018;39:137-44. http://dx.doi.org/10.5433/1679-0367.2018v39n2p137
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aqueles que estavam matriculados em escolas localizadas na zona urbana apresentaram maior prevalência de consumo excessivo de AUP no presente estudo. Tal associação pode ser explicada pela característica do ambiente urbano como facilitador do consumo desses alimentos, dados o maior acesso, a disponibilidade e a variedade de estabelecimentos comerciais, produtos e marcas no mercado.1515. Organização Pan-Americana da Saúde. Alimentos e bebidas ultraprocessados na América Latina: tendências, efeito na obesidade e implicações para políticas públicas. Brasília (DF): OPAS; 2018.,2828. Levy-Costa RB, Sichieri R, Pontes NS, Monteiro CA. Household food availability in Brazil: distribution and trends (1974-2003). Rev Saude Publica. 2005;39:530-40. https://doi.org/10.1590/s0034-89102005000400003
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O menor grau de escolaridade materna está associado a situações de risco à saúde e ao estado nutricional na infância, uma vez que reflete menor disponibilidade de recursos para o cuidado e maior dificuldade de acesso à informação.2929. Molina MC, Lopéz PM, Faria CP, Cade NV, Zandonade E. Socioeconomic predictors of child diet quality. Rev Saude Publica. 2010;44:785-92. https://doi.org/10.1590/s0034-89102010005000036
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Embora os AUP estejam associados a agravos em saúde, o desfecho apresentado no presente estudo reflete a característica de consumo alimentar dos adolescentes e não a presença de doenças como o excesso de peso. Dessa forma, a ausência da escolaridade materna potencialmente revela menor possibilidade de compra e restringe o acesso aos AUP. O maior nível de educação das mães geralmente está associado a maior renda familiar, o que pode contribuir para maior inserção de AUP na rotina alimentar.1414. Monteiro CA, Levy RB, Claro RM, Castro IR, Cannon G. Increasing consumption of ultra-processed foods and likely impact on human health: Evidence from Brazil. Public Health Nutr. 2010;14:5-13. https://doi.org/10.1017/s1368980010003241
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,1515. Organização Pan-Americana da Saúde. Alimentos e bebidas ultraprocessados na América Latina: tendências, efeito na obesidade e implicações para políticas públicas. Brasília (DF): OPAS; 2018.

Por fim, aproximadamente nove em cada dez adolescentes da PeNSE-2015 relataram possuir telefone celular no momento do inquérito. Essa condição também foi associada ao consumo excessivo de AUP. Uma possível explicação é que a utilização desse dispositivo móvel favorece a exposição ao marketing digital de alimentos não saudáveis veiculado por meio das redes sociais e dos anúncios em aplicativos diversos.2020. American Academy of Pediatrics. Council on Communications and Media. Policy statement - children, adolescents, obesity and the media. Pediatrics. 2011;128:201-8. https://doi.org/10.1542/peds.2011-1066
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,2121. Delfino LD, Silva DA, Tebar WR, Zanuto EF, Codogno JS, Fernandes RA, et al. Screen time by different devices in adolescents: association with physical inactivity domains and eating habits. J Sports Med Phys Fitness. 2018;58:318-25. https://doi.org/10.23736/S0022-4707.17.06980-8
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Além disso, os jovens que referiram possuir esse equipamento eletrônico podem integrar as famílias com maior poder aquisitivo, o que está associado a maior acesso e consumo de AUP.1515. Organização Pan-Americana da Saúde. Alimentos e bebidas ultraprocessados na América Latina: tendências, efeito na obesidade e implicações para políticas públicas. Brasília (DF): OPAS; 2018.,3030. Simões BS, Cardoso LO, Benseñor IJ, Schmidt MI, Duncan BB, Luft VC, et al. Consumption of ultra-processed foods and socioeconomic position: a cross-sectional analysis of the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health. Cad Saude Publica. 2018;34:1-13. https://doi.org/10.1590/0102-311xer019717
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Cabe ressaltar que o uso de dados secundários limitou as análises realizadas apenas às informações disponíveis no banco da PeNSE-2015. A quantidade consumida dos grupos de alimentos disponíveis, o consumo de outros tipos de AUP e um indicador específico de renda não foram avaliados. No mesmo sentido, a coleta de dados realizada por meio de questionário autoaplicável potencialmente levou ao maior risco de erros nas estimativas das informações coletadas. Além disso, as associações não permitem a identificação de relações de causalidade, uma vez que esse delineamento não permite estabelecer uma sequência temporal dos fatores estudados. Dessa forma, as estimativas mensuradas e a interpretação das associações encontradas devem ser feitas com cautela.

Em contrapartida, a PeNSE-2015 foi um inquérito desenvolvido com criterioso processo de seleção das escolas participantes e com amostra representativa da população de adolescentes brasileiros. O uso da AFE permitiu a identificação do padrão alimentar da amostra e possibilitou a construção de uma variável que representasse a percepção real de consumo de AUP entre os adolescentes. Além disso, a análise estatística, realizada por meio de um modelo múltiplo, proporcionou o controle de fatores de confundimento, o que levou à identificação de efeitos independentes dos nove fatores associados ao consumo excessivo de AUP, mesmo que os fatores comportamentais possam expressar características semelhantes.

Nesse contexto, os resultados do presente estudo indicam que o consumo excessivo de AUP é muito prevalente entre os adolescentes brasileiros. A identificação dos nove fatores associados sugere a necessidade de implementação de ações de regulamentação da publicidade de AUP e que promova a adoção de hábitos de vida saudáveis com foco na redução de comportamentos sedentários e na educação alimentar e nutricional no ambiente escolar e familiar. Embora essas ações devam ter característica abrangente, adolescentes mais jovens de escolas privadas e urbanas devem ser priorizados.

AGRADECIMENTOS

Ao grupo de pesquisa responsável pela execução da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar edição 2015 e ao Ministério da Saúde pelo financiamento do inquérito e pelo fornecimento do acesso ao banco de dados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    11 Dez 2020
  • Aceito
    21 Fev 2021
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