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RESUMO

Objetivo:

Descrever a experiência de implantação da rotina de teleconsultas na fisioterapia respiratória de um centro de referência para fibrose cística (FC) no Rio de Janeiro, Brasil, durante a pandemia da COVID-19.

Métodos:

Estudo transversal descritivo com crianças e adolescentes com FC. A amostra foi dividida entre os participantes e aqueles que não participaram das teleconsultas. As teleconsultas foram multidisciplinares e realizadas por videoconferência ou telefone, conforme a disponibilidade do paciente. A sequência de atendimentos da equipe foi organizada em conjunto com os profissionais, de maneira que todos pudessem realizar as teleconsultas individuais e sequenciais. Os atendimentos de fisioterapia foram divididos em dois seguimentos: teleconsulta e telemonitoramento. Coletaram-se, dos prontuários, dados demográficos e clínicos.

Resultados:

Dos 184 indivíduos atendidos, 153 (83,2%) participaram dos teleatendimentos e, deles, 33 (21,6%) necessitaram de telemonitoramento; 31 (16,8%) não participaram das teleconsultas por não atenderem aos chamados. Não houve diferença estatística entre o grupo que participou dos teleatendimentos e aqueles que não participaram, nem entre os que participaram das teleconsultas e os que participaram do telemonitoramento. A média de idade da população estudada foi de 7,0±0,4 anos. Em relação à mutação do gene CFTR, 64,7% apresentavam pelo menos um alelo F508del e 30,9% da amostra não apresentou patógenos no exame de escarro.

Conclusões:

A maioria dos indivíduos com FC participou das teleconsultas, o que evidencia a importância das atividades de assistência remota no período da pandemia por COVID-19. Considerou-se que essa estratégia é positiva e pode tornar-se permanente no cuidado a pacientes com FC.

Palavras-chave:
Fibrose cística; Telessaúde; COVID-19

ABSTRACT

Objective:

To describe then experience of implementing routine teleconsultations in respiratory physiotherapy at a reference center for Cystic Fibrosis (CF) in Rio de Janeiro / Brazil, during the COVID-19 pandemic.

Methods:

Cross-sectional, descriptive, study with children and adolescents with CF. The sample was divided between participants and those who did not participate in the teleconsultations. The teleconsultations were multidisciplinary and carried out by videoconference or telephone, depending on the patient’s availability. The sequence of care provided by the team was organized together with the professionals, so that everyone could carry out individual and sequential teleconsultations. Physiotherapy appointments were divided into two segments: teleconsultation and telemonitoring. Demographic and clinical data were collected.

Results:

Among the 184 patients assisted in the center, 153 (83.2%) participated in the teleservices and, of these, 33 (21.6%) required telemonitoring; 31 (16.8%) patients did not participate in the teleconsultations for not answering the calls. There was no statistical difference between the group that participated or not in teleservices, nor among those who participated in teleconsultations and telemonitoring. The mean age of the studied population was 7.0±0.4 years. Regarding the CFTR gene mutation, 64.7% had at least one F508del allele and 30.9% of the sample had no pathogens in the sputum test.

Conclusions:

Most participants with CF participated in teleconsultations, highlighting the importance of remote assistance activities during the COVID-19 pandemic period. This strategy was considered as positive, and it may become permanent in the care of patients with CF.

Keywords:
Cystic fibrosis; Telemedicine; COVID-19

INTRODUÇÃO

A fibrose cística (FC) é uma doença genética grave, multissistêmica, crônica e progressiva, cujo maior comprometimento é observado no sistema respiratório, onde a secreção traqueobrônquica se apresenta mais espessa e de difícil remoção. A retenção de secreção no sistema respiratório ocasiona inflamação e acúmulo de patógenos, favorecendo infecções recorrentes e a piora da função pulmonar.11. Collawn JF, Matalon S. CFTR and lung homeostasis. Am J Physiol Cell Mol Physiol. 2014;307:L917-23. https://doi.org/10.1152/ajplung.00326.2014
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Diante da complexidade e do componente multissistêmico da doença, o tratamento precisa contemplar inúmeras vertentes, com extensa rotina diária composta de medicações orais e inalatórias, dieta específica e sessões de fisioterapia.22. Athanazio RA, Silva Filho LV, Vergara AA, Ribeiro AF, Riedi CA, Procianoy EF, et al. Brazilian guidelines for the diagnosis and treatment of cystic fibrosis. J Bras Pneumol. 2017;43:219-45. https://doi.org/10.1590/S1806-37562017000000065
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A fisioterapia respiratória apresenta papel relevante na rotina dos indivíduos com FC, e sua realização diária reduz a progressão da piora da função pulmonar e a quantidade de dias de internação, melhorando a expectativa e a qualidade de vida desses pacientes.33. McIlwaine MP, Lee Son NM, Richmond ML. Physiotherapy and cystic fibrosis: what is the evidence base? Curr Opin Pulm Med. 2014;20:613-7. https://doi.org/10.1097/MCP.0000000000000110
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Com o início da pandemia da COVID-19 no Brasil, as consultas e exames eletivos realizados pelos pacientes com doença crônica foram interrompidos ou postergados diante do poder de disseminação do vírus e do impacto até então desconhecido para a população de doentes crônicos, principalmente com manifestações pulmonares. Com a imposição da quarentena pelas autoridades, as atividades de assistência remota à saúde (telessaúde) foram regulamentadas por vários órgãos e conselhos de classe. O Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Resolução nº 516, de 20 de março de 2020) instituiu a possibilidade de planejamento das práticas fisioterapêuticas por meio de instrumentos não presenciais, reduzindo possíveis repercussões negativas da suspensão por período prolongado do atendimento regular realizado.

Uma das funções essenciais de um centro de referência é realizar a assistência adequada da população de pacientes com a doença em questão. O Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF), diante da quarentena, reforçou a necessidade de transformar o acompanhamento presencial em remoto, estabelecendo uma rotina de teleconsultas multiprofissionais. Entre as categorias atuantes, o ambulatório de fisioterapia também estabeleceu uma rotina de teleatendimentos para esse grupo de pacientes. Os objetivos deste estudo são descrever a experiência de implantação da rotina de teleconsultas na fisioterapia respiratória de um centro de referência do Rio de Janeiro, Brasil, bem como caracterizar a população de pacientes com FC que participou dessas teleconsultas durante a pandemia da COVID-19.

MÉTODO

Foi realizado um estudo transversal, descritivo e analítico no IFF, considerado centro de referência pediátrico no tratamento da FC no estado do Rio de Janeiro, Brasil. Foram incluídos no estudo todas as crianças e adolescente entre zero e 18 anos, com diagnóstico de FC confirmado pelo teste do suor e/ou pela presença de duas mutações no gene da CFTR, segundo consenso da Cystic Fibrosis Foundation,44. Farrell PM, Rosenstein BJ, White TB, Accurso FJ, Castellani C, Cutting GR, et al. Guidelines for diagnosis of cystic fibrosis in newborns through older adults: cystic Fibrosis Foundation consensus report. J Pediatr. 2008;153:S4-14. https://doi.org/10.1016/j.jpeds.2008.05.005
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acompanhados no instituto entre março e dezembro de 2020. Não houve critério de exclusão para o estudo.

Foram obtidas dos prontuários as variáveis relacionadas às características demográficas (sexo e idade) e clínicas (volume expiratório forçado no primeiro segundo — VEF1, colonização bacteriana e tipo de mutação do gene CFTR). A amostra foi dividida entre os indivíduos que participaram dos teleatendimentos e aqueles que não foram atendidos pela telessaúde. Os que não foram atendidos pela telessaúde em razão do absenteísmo virtual foram acompanhados presencialmente. A idade foi categorizada, segundo a Organização Mundial da Saúde, em crianças e adolescentes.55. Brazil - Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Proteger e cuidar da saúde de adolescentes na atenção básica. Brasília: Ministério da Saúde; 2018. Em relação ao tipo de mutação do gene CFTR, os participantes foram classificados em homozigotos e heterozigotos para a mutação F508del e heterozigotos para as demais mutações. A colonização bacteriana foi segregada de acordo com a categorização do centro de referência em negativados, colonizados por Staphylococcus aureus (SA), Pseudomonas aeruginosa não mucoide (PANM), Pseudomonas aeruginosa mucoide (PAM), Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) e Complexo Burkholderia cepacia (CBC). O VEF1 foi analisado de acordo com a disponibilidade do exame nos prontuários dos participantes da amostra. Foram aceitos resultados de espirometrias obtidos entre setembro de 2019 e março de 2020.

As teleconsultas foram disponibilizadas de três em três meses a todos os pacientes acompanhados no centro de referência, porém alguns responsáveis preferiram a modalidade ambulatorial presencial, não participando do teleatendimento. As teleconsultas foram multidisciplinares, com as diversas especialidades que abrangem o tratamento da FC, e realizadas por videoconferência na plataforma Skype® ou por telefone, conforme a disponibilidade do paciente. Entre as especialidades participantes do teleatendimento estavam a pneumologia, a fisioterapia, a nutrologia, o serviço de nutrição, a enfermagem e o serviço social. O agendamento foi feito pelo serviço de pneumologia do centro de referência e repassado aos demais componentes da equipe multidisciplinar. Além disso, a sequência de atendimentos da equipe foi organizada em conjunto com os profissionais, de maneira que todos pudessem realizar as teleconsultas individuais e sequenciais com o paciente.

A teleconsulta de fisioterapia foi dividida em dois seguimentos, segundo a especificação do Ministério da Saúde: teleconsulta propriamente dita e telemonitoramento. Entende-se que teleconsulta é a realização de consulta por profissional da área da saúde a distância, com interação entre profissional de saúde e paciente; e que telemonitoramento é o monitoramento a distância de parâmetros de saúde e/ou doença de pacientes com o uso das tecnologias de comunicação e informação, incluindo a coleta de dados clínicos do paciente, sua transmissão, processamento e manejo por um profissional de saúde, por meio de um sistema eletrônico.66. Brazil - Ministério da Saúde. Guia metodológico para programas e serviços em telessaúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2019.

Logo, seguindo o agendamento multiprofissional, a fisioterapeuta realizava a teleconsulta e, caso houvesse necessidade, iniciava o telemonitoramento. Entre os motivos para a realização do telemonitoramento estavam a dificuldade do paciente ou cuidador em assimilar o conteúdo oferecido na teleconsulta e a piora clínica do paciente nos dias que antecederam o atendimento virtual. Além da teleconsulta agendada, foi instituída a demanda pelo próprio paciente ou cuidador, quando este acionava a profissional e solicitava uma teleconsulta extra caso julgasse necessário.

Entre os tópicos abordados na teleconsulta de fisioterapia estavam a adesão ao tratamento, o uso adequado dos medicamentos prescritos, as possibilidades de realização de técnicas e o uso de equipamentos fisioterapêuticos destinados a cada paciente de forma individualizada. Assim, foi ofertada a possibilidade de diálogo aberto entre a fisioterapeuta e a família, abordando questões importantes da rotina diária de tratamento, com possibilidade de adaptação desta durante a pandemia da COVID-19.

Os dados obtidos foram tabulados usando o programa Microsoft Excel® e transferidos para o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 25.0® para a análise estatística. Foi realizado o teste de Kolmogorov-Smirnov para verificar a normalidade dos dados, o teste t de Student para amostras independentes na comparação das médias das variáveis contínuas dos grupos que participaram ou não da teleconsulta ou do telemonitoramento e o teste qui-quadrado para a comparação das proporções das variáveis categóricas entre esses grupos. O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do IFF/Fiocruz pelo de Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 34089320.9.0000.5269 e Parecer nº 4.209.436.

RESULTADOS

A amostra foi composta de 184 indivíduos, sendo 137 crianças e 47 adolescentes. A média de idade da população estudada foi de 7,0±0,4 anos. Entre os participantes, 47,3% eram do sexo masculino. Em relação à mutação do gene CFTR, 64,7% apresentavam pelo menos um alelo F508del. Ao analisarmos a colonização do escarro, 30,9% da amostra não apresentou patógenos na árvore brônquica. Entre a população estudada, 67 crianças não apresentaram espirometrias recentes em seus prontuários graças à faixa etária.

Dos 184 indivíduos atendidos no centro de referência, 153 (83,2%) participaram dos teleatendimentos. Em relação às variáveis estudadas, somente a distribuição da colonização bacteriana no escarro apresentou diferença estatisticamente significativa entre os grupos dos participantes e não participantes das teleconsultas (p<0,05). Com relação ao valor de VEF1, embora a média observada entre os participantes que não realizaram os teleatendimentos seja mais elevada, não houve diferença estatisticamente significativa quando comparada à daqueles que foram atendidos pela telessaúde (Tabela 1).

Tabela 1.
Descrição das variáveis demográficas e clínicas dos pacientes com fibrose cística com relação aos atendimentos por telessaúde.

Dos 153 indivíduos que foram atendidos por teleconsulta, 33 (21,6%) necessitaram de telemonitoramento para melhor acompanhamento de suas condições clínicas em virtude da agudização da doença. Não houve diferença nas características clínicas entre os que participaram por teleconsulta e os que necessitaram de telemonitoramento (p>0,05) (Tabela 1).

DISCUSSÃO

A pandemia da COVID-19 estimulou a estruturação urgente de um atendimento a distância. Entretanto, os teleatendimentos também podem ser estabelecidos como estratégia permanente de cuidado no centro de referência e não só no período da pandemia, principalmente nas situações de baixa adesão e piora clínica sem necessidade de internação, visto que a telessaúde incorpora ampla extensão de atividades que vão além do cuidado ao paciente, englobando também ações de promoção da saúde e de educação, entre outras.77. Bashshur RL, Reardon TG, Shannon GW. Telemedicine: a new health care delivery system. Annu Rev Public Health. 2000;21:613-37. https://doi.org/10.1146/annurev.publhealth.21.1.613
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Dos pacientes atendidos no centro de referência, 83,2% participaram das teleconsultas, o que nos mostra boas aceitação e adesão à telessaúde. Esse resultado é corroborado por Gur et al., que descrevem o uso da teleconsulta como viável e aceitável. Além disso, os pacientes estavam dispostos a realizar os teleatendimentos em seu próprio ambiente, onde se sentiam seguros e confortáveis. Os autores ainda relatam que o “bate-papo” online melhora a comunicação com a equipe.88. Gur M, Nir V, Teleshov A, Bar-Yoseph R, Manor E, Diab G, et al. The use of telehealth (text messaging and video communications) in patients with cystic fibrosis: a pilot study. J Telemed Telecare. 2017;23:489-93. https://doi.org/10.1177/1357633X16649532
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O uso da telessaúde na pandemia por COVID-19 mostrou acolhimento positivo pelos pacientes, aumentando a acessibilidade do cuidado. No entanto, foram detectados alguns desafios quanto à aquisição de testes de função pulmonar, culturas, laboratórios e dados de imagem.99. Womack C, Farsin R, Farsad M, Chaudary N. Emerging alternatives to conventional clinic visits in the era of COVID-19: Adoption of Telehealth at VCU adult cystic fibrosis center. Int J Gen Med. 2020;13:1175-86. https://doi.org/10.2147/IJGM.S274193
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Além disso, é necessário o acesso a tecnologias adequadas para um atendimento virtual bem-sucedido, e alguns pacientes podem não ter acesso à conectividade de internet de alta velocidade ou a dispositivos habilitados para a internet, o que restringe sua capacidade de participar de teleconsultas.1010. Compton M, Soper M, Reilly B, Gettle L, List R, Bailey M, et al. A feasibility study of urgent implementation of cystic fibrosis multidisciplinary telemedicine clinic in the face of covid-19 pandemic: single-center experience. Telemed J E Health. 2020;26:978-84. https://doi.org/10.1089/tmj.2020.0091
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Os centros de referência especializados e com atendimentos multiprofissionais estão associados à melhora da expectativa de vida nos pacientes com FC.1111. Mahadeva R, Webb K, Westerbeek RC, Carroll NR, Dodd ME, Bilton D, et al. Clinical outcome in relation to care in centres specialising in cystic fibrosis: cross sectional study. BMJ. 1998;316:1771-5. https://doi.org/10.1136/bmj.316.7147.1771
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Em nosso estudo, eles apresentaram média de VEF1 de 78,4±20,5, e 64,7% dessas crianças e adolescentes apresentaram pelo menos um alelo F508del. O valor médio de VEF1 encontrado reflete categoricamente distúrbio obstrutivo leve1212. Pellegrino R, Viegi G, Brusasco V, Crapo RO, Burgos F, Casaburi R, et al. Interpretative strategies for lung function tests. Eur Respir J. 2005;26:948-68. https://doi.org/10.1183/09031936.05.00035205
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, de modo que se podem inferir boas condições clínicas na amostra estudada. Em relação aos patógenos colonizados no escarro, embora a predominância nos dois grupos seja de pacientes negativados, observou-se diferença estatisticamente significativa na distribuição da colonização bacteriana, talvez pela diferença de tamanho amostral entre o grupo que participou da telessaúde e o daqueles que não participaram.

Embora o atendimento no centro de referência seja muito importante, o acesso a tais consultas pode ser difícil para famílias que não residam em grandes centros. As barreiras ao atendimento que estão relacionadas à distância podem ser parcialmente reduzidas com o uso de tecnologias.1313. Committee on Pediatric Workforce, Marcin JP, Rimsza ME, Moskowitz WB. The use of telemedicine to address access and physician workforce shortages. Pediatrics. 2015;136:202-9. https://doi.org/10.1542/peds.2015-1253
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A teleconsulta e o telemonitoramento na FC têm sido descritos na literatura como uma possibilidade de acesso aos cuidados de saúde, independentemente da localização do paciente. Além disso, podem minimizar o risco de infecção cruzada, visto que reduzem a frequência de idas ao hospital. Pode-se acrescentar que a telessaúde pode reduzir o impacto social, na medida em que os pais se ausentam menos do trabalho e as crianças, da escola. Alguns estudos, mesmo antes da pandemia da COVID-19, já tinham avaliado o teleatendimento para a população de pacientes com FC, bem como seus instrumentos de avaliação. Os autores, então, consideravam a teleconsulta como uma alternativa eficaz de acesso às informações em saúde, para além dos atendimentos presenciais.1414. Lang RL, Wilson C, Stockton K, Russell T, Johnston LM. CyFiT telehealth: protocol for a randomised controlled trial of an online outpatient physiotherapy service for children with cystic fibrosis. BMC Pulm Med. 2019;19:21. https://doi.org/10.1186/s12890-019-0784-z
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,1515. Grzincich G, Gagliardini R, Bossi A, Bella S, Cimino G, Cirilli N, et al. Evaluation of a home telemonitoring service for adult patients with cystic fibrosis: a pilot study. J Telemed Telecare. 2010;16:359-62. https://doi.org/10.1258/jtt.2010.091006
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Entre os pontos facilitadores para a telessaúde, evidenciou-se a possibilidade de o paciente comparecer à consulta multidisciplinar do centro de referência sem se deslocar do seu próprio domicílio, o que é importante principalmente em tempos de pandemia. Além disso, a dinâmica da equipe multidisciplinar, encaminhando os pacientes de um profissional para o outro, otimizou e reduziu o tempo de espera entre as consultas. Como barreiras, alguns aspectos da telessaúde dificultaram esse tipo de atendimento, como a necessidade de tecnologia, fosse por meio de aparelhos, fosse de redes de internet. Ainda como obstáculo, podemos citar a incapacidade de realizar exames exclusivamente presenciais, como a espirometria, a radiografia e a tomografia computadorizada.

Perkins et al. estudaram os padrões de uso da telessaúde, atitudes e preferências entre os médicos de sete centros de referência para FC. Os autores observaram que os médicos apresentaram preocupações com os componentes ausentes da avaliação de rotina. Contudo, embora a maioria dos profissionais não possuísse experiência anterior no uso da telessaúde, esta mostrou-se altamente satisfatória e eficiente e melhorou a relação médico-paciente.1616. Perkins RC, Davis J, NeSmith A, Bailey J, Powers MR, Chaudary N, et al. Favorable clinician acceptability of telehealth as part of the cystic fibrosis care model during the covid-19 pandemic. Ann Am Thorac Soc. 2021;18:1588-92. https://doi.org/10.1513/AnnalsATS.202012-1484RL
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Jaclyn et al. avaliaram a compreensão de pessoas com FC e seus familiares da experiência de transição entre o atendimento presencial e aquele feito pela telessaúde em 11 centros de referência. Os autores perceberam que a segunda é uma ferramenta poderosa que permitiu o acesso contínuo ao cuidado de pacientes com doenças crônicas pelo sistema de saúde. Logo, continuará sendo um aspecto importante dos cuidados para com os pacientes com FC, que já apresentavam recomendações de distanciamento social. Como limitações, o estudo apresentou as avaliações pessoais usuais, a falta de cultura de escarro e os testes de função pulmonar, que preocupavam os participantes.1717. Jaclyn D, Andrew N, Ryan P, Julianna B, Christopher S, Nauman C, et al. Patient and family perceptions of telehealth as part of the cystic fibrosis care model during COVID-19. J Cyst Fibros. 2021;20:e23-8. https://doi.org/10.1016/j.jcf.2021.03.009
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No presente estudo, observou-se que a maioria das crianças e adolescentes com FC participou das teleconsultas e aderiu a elas, o que demonstra a importância das atividades de assistência remota no período da pandemia por COVID-19. Essa estratégia de atendimento foi considerada positiva pela equipe e pode se tornar permanente no cuidado da FC no centro de referência em questão, porém são necessários mais estudos para verificar a satisfação dos pacientes, a eficiência e a acessibilidade a essa opção de cuidado.

  • Financiamento
    O estudo não recebeu financiamento.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    29 Mar 2021
  • Aceito
    05 Set 2021
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