Efeitos de intervenções conduzidas por agentes comunitários de saúde nos níveis de atividade física em crianças: revisão sistemática

RESUMO

Objetivo:

Identificar as estratégias e os efeitos de intervenções conduzidas por agentes comunitários de saúde (ACS) nos níveis de atividade física (AF) em crianças e adolescentes.

Fontes de dados:

Em agosto de 2020, uma revisão sistemática, delineada de acordo com os itens da lista de verificação PRISMA, foi desenvolvida por meio de buscas em sete bases de dados eletrônicas e em listas de referências. Foram procurados estudos originais, sem restrição quanto ao ano de sua publicação, escritos em espanhol, inglês e português, que desenvolveram intervenções implementadas por ACS envolvendo conteúdos teóricos e/ou práticas de AF com foco em crianças e/ou adolescentes na faixa entre os 3 e os 19 anos de idade.

Síntese dos dados:

Dos 2.321 estudos inicialmente avaliados, foram incluídos oito, direcionados a amostras com características mais específicas (clínicas, étnicas e/ou socioeconômicas). Em todos os estudos, ACS receberam treinamento prévio para a condução de atividades educativas. Em três ensaios não controlados foram observados resultados positivos envolvendo indicadores de AF moderadas, vigorosas e redução da inatividade física. Complementarmente, dois resultados positivos foram encontrados na redução do comportamento sedentário.

Conclusões:

Mesmo que a maior parte das intervenções incluídas não tenha apresentado efeitos significativos no aumento dos níveis de AF, a evidência disponível reforça o papel dos ACS como uma importante estratégia de diálogo entre os serviços de saúde e as comunidades mais vulneráveis e sugere maior articulação desses profissionais nas ações desenvolvidas no contexto escolar.

Palavras-chave:
Atividade física; Agentes comunitários de saúde; Criança; Adolescente; Revisão sistemática

ABSTRACT

Objective:

To identify the strategies and effects of interventions carried out by community health workers (CHW) on physical activity (PA) levels in children and adolescents.

Data source:

In August 2020, a systematic review, designed according to the PRISMA checklist items, was conducted by searches in seven electronic databases and in reference lists. Original studies were searched without restriction with regard to year of publication; they were written in Spanish, English or Portuguese and examined interventions implemented by CHW, involving theoretical and/or practical contents of PA, with a focus on children and/or adolescents between three and 19 years of age.

Data synthesis:

Of the 2,321 studies initially retrieved, eight were included, targeting samples with more specific characteristics (e.g., clinical, ethnic and/or socioeconomic). In all studies, CHW were trained to lead educational activities. In three non-controlled trials, positive results were observed, involving indicators such as moderate and vigorous PA and physical inactivity reduction. Also, two positive results were found in reducing sedentary behavior.

Conclusions:

Even though most of the interventions included did not have a significant effect on increasing PA levels, the available findings reinforce the role of CHW as an important strategy for dialogue between health services and the most vulnerable communities, and they suggest a greater articulation of these professionals in the actions developed in the school context.

Keywords:
Motor activity; Community health workers; Child; Adolescent; Systematic review

INTRODUÇÃO

A literatura científica aponta que a prática regular de atividade física (AF) impacta positivamente diversos domínios da vida de crianças e adolescentes, com especial destaque para sua relevância na promoção da saúde,¹ no aspecto social² e no desempenho acadêmico.³ Entretanto, mesmo com todo esse aporte, são observados elevados níveis de AF insuficiente em diversas partes do mundo,⁴ de acordo com a recomendação da prática diária de 60 minutos de AF moderadas e vigorosas.⁵

Em vista dos distintos indicadores negativos de saúde que estão associados à inatividade física nas primeiras décadas da vida,⁶ estratégias para sua promoção são recomendadas.⁴ Entretanto, nessa faixa etária, cabe destacar que a prática de AF não é apenas determinada por questões individuais.^7,8 Reconhecendo que os contextos (econômicos, sociais e ambientais) de um indivíduo também são determinantes para sua saúde, diversas políticas públicas idealizaram a introdução de agentes comunitários de saúde (ACS) nos territórios, no sentido de ampliar o acesso aos cuidados em saúde, sobretudo em locais onde há pouca oferta de serviços e profissionais especializados.⁹

Estudos prévios sugerem que intervenções conduzidas por ACS possuem resultados promissores na melhoria de vários indicadores de saúde,^10,11 incluindo, por exemplo, o aumento dos níveis de AF em populações de adultos vulneráveis.¹² Dessa forma, em vista dos benefícios da AF ao desenvolvimento integral das crianças, assim como do papel importante dos ACS nas ações de cuidado nos territórios, buscou-se, por meio deste estudo, identificar os efeitos das intervenções conduzidas por ACS nos níveis de AF em populações de crianças e/ou adolescentes. Como objetivo secundário, também se buscou avaliar as estratégias empregadas nas intervenções.

MÉTODO

O presente estudo caracteriza-se como uma revisão sistemática da literatura, registrada na plataforma International Prospective Register of Systematic Reviews (CRD42019131832). Seu delineamento e sua escrita foram elaborados de acordo com os itens da lista de verificação PRISMA.¹³

Como critérios de inclusão, foram procurados estudos escritos em espanhol, inglês e português que desenvolveram intervenções implementadas por ACS envolvendo conteúdos teóricos e/ou práticas de AF com foco em crianças e/ou adolescentes na faixa etária compreendida entre os 3 e os 19 anos de idade. Para os fins deste trabalho, ACS foram definidos como profissionais não necessariamente formados em cursos de saúde que receberam formação/ou treinamento sobre tópicos em saúde para atuação (voluntária ou remunerada) em sua comunidade ou em populações que possuíssem caraterísticas (socioeconômicas, culturais e étnicas, por exemplo) que lhes fossem próximas,¹⁴ independentemente de estar atuando ou não no contexto de um sistema de saúde.

Não foram impostas restrições em relação a delineamentos dos estudos de intervenção (como presença ou ausência de grupo controle, assim como da randomização entre grupos), contextos das pesquisas (comunitário, escolar, unidade de saúde), intervenções com a presença de outras temáticas de saúde (alimentação saudável, tabagismo, alcoolismo), necessidade de vínculo do ACS com o sistema de saúde local, nem em relação às amostras compostas de crianças/adolescentes portadores de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) (exemplo: obesidade, hipertensão e diabetes melito tipo 2).

No dia 19/08/2020, os estudos potenciais foram recuperados por meio de buscas sistemáticas em sete bases de dados eletrônicas - LILACS, PubMed, SciELO, Scopus, SPORTDiscus, Sports Medicine & Education Index e Web of Science -, partindo da estratégia desenvolvida para o PubMed - ((((((((((((community health worker[Text Word]) OR chw[Text Word]) OR community health care worker[Text Word]) OR community health trainer[Text Word]) OR community case manager[Text Word]) OR community health aide[Text Word]) OR family planning personnel[Text Word]) OR lay health worker[Text Word]) OR community health officer[Text Word]) OR promotor[Text Word]) OR promotores [Text Word])) AND ((((((physical activity[Text Word]) OR physical education[Text Word]) OR sports[Text Word]) OR exercise[Text Word]) OR walk*[Text Word]) OR run*[Text Word]) - e por meio de buscas manuais nas listas de referências dos estudos avaliados pelos seus textos integrais. Não foi imposto limite prévio para os anos de publicação dos estudos. O documento que detalha as buscas sistemáticas utilizadas em cada base de dados pode ser obtido por meio de contato com o autor correspondente.

Os procedimentos de avaliação de títulos e resumos, textos integrais e extração de dados foram realizados por dois pesquisadores (RS e TM), de forma independente, com auxílio de um terceiro pesquisador (PG). A extração dos dados originais deu-se em uma planilha eletrônica, que foi organizada em: informações descritivas (local da pesquisa, ano de coleta, tamanho amostral, faixa etária, características especiais da amostra e desfechos primários das intervenções), metodológicas (características e ações dos ACS, protocolo de intervenção, instrumentos e indicadores de avaliação da AF) e resultados das intervenções nos indicadores de AF (magnitudes e valores p). Mesmo que não tenham sido foco do presente estudo e, dessa forma, não tenham sido abordadas nas buscas sistemáticas, as informações relacionadas ao comportamento sedentário (CS) (métodos de avaliação e resultados) também foram coletadas e organizadas a partir do momento que se percebeu sua ocorrência em todos os estudos incluídos. Na atual compreensão, AF e CS representam comportamentos distintos, tomando como base o gasto energético empregado em cada uma delas; o CS representa as atividades com baixo gasto energético e uma postura corporal na qual grandes grupos da musculatura esquelética tem pouquíssima ou nenhuma sobrecarga - geralmente realizadas com o corpo sentado -, e a AF é classificada em três categorias, de acordo com sua demanda energética: leves (caminhar devagar e subir escadas, por exemplo), moderadas (caminhada rápida e trote) e vigorosas (práticas esportivas competitivas).¹⁵ A síntese descritiva dos estudos incluídos foi elaborada pelo pesquisador sênior (PG), com apoio de dois pesquisadores independentes (RS e TM), a partir da seleção e do resumo dos principais pontos da extração.

A avaliação do risco de viés foi conduzida por meio da versão adaptada do instrumento Effective Public Health Practice Project Quality Assessment tool (EPHPP),¹⁶ que permite a avaliação de cinco domínios metodológicos de um estudo de intervenção de base comunitária: (A) seleção, (B) cegamento dos pesquisadores que coletaram e analisaram os dados, (C) métodos utilizados para a coleta dos dados, (D) perdas e/ou desistências e (E) análise. Esta versão adaptada do EPHPP e um texto explicativo sobre a forma como o instrumento foi utilizado também podem ser obtidos por meio de contato com o autor correspondente.

RESULTADOS

O fluxograma (Figura 1) detalha os números e as fases da revisão sistemática. Após identificação e remoção das duplicatas (n=155), 2.321 estudos foram avaliados pelos seus títulos e resumos. Desses, 128 foram encaminhados para a avaliação pelos seus textos integrais, dos quais 120 foram excluídos, tendo como motivos: idade da amostra (n=49); não avaliação da AF (n=34); delineamento de estudo (n=24); intervenções que não envolveram aspectos teóricos/práticos da AF (n=7); amostra (n=3); intervenções que não foram conduzidas por ACS (n=3). Dessa forma, a síntese descritiva da presente revisão foi composta de dados de oito estudos originais.^{17,18,19,20,21,22,23,24}

Figura 1
Fluxograma da revisão sistemática.

A maior parte das intervenções foi conduzida nos Estados Unidos da América (n=7; 87,5%),^{17,18,19,20,21,22,24} abrangendo crianças e adolescentes entre 4²² e 15^19,20 anos. As amostras variaram entre 15²⁰ e 2.965²³ participantes, com representatividade de meninas entre 41²² e 73%¹⁷ (Tabela 1). Observou-se grande variabilidade nos desfechos primários das intervenções, com destaque para a alimentação saudável e promoção de AF,^18,19,21,24 assim como nas populações-alvo, com maior foco em imigrantes,^18,22,23,24comunidades de baixa renda^21,23 e portadores de DCNT.^17,19,20

Tabela 1
Características descritivas dos estudos incluídos (n=8).

Referência	País	Média de idade	Amostra (% de meninas)	Característica particular da amostra
Burnet et al.17	EUA	11	30 (73)	Negros, com sobrepeso e histórico familiar de DM2.
Crespo et al.18	EUA	6	808* (50)	Filhos de latinos.
Shaibi et al.20	EUA	15	15 (nd)	Latinos com sobrepeso obesidade.
Rieder et al.19	EUA	15	91 (54)**	Obesos de baixa renda.
Subtirelu et al.21	EUA	13	25 (60)	Baixa renda (predomínio de latinos).
Ross et al.22	EUA	4	49 (41)	Latinos.
Waters et al.23	AUS	5-12***	2.965 (nd)	Baixa renda.
Wieland et al.24	EUA	13	81 (52)	Latinos, somalis e sudaneses.

• *número de pais e seus respectivos filhos; **percentual de meninas verificado na amostra inicial da coorte (n=349); ***faixa etária; AUS: Austrália; DM2: diabetes melito tipo 2; EUA: Estados Unidos da América; nd: não descrito.

Em cinco intervenções, notou-se a participação de ACS com características étnicas similares às da população de interesse,^{17,18,20,22,24} facilitando a implementação de ações bilíngues e biculturais.^18,20,22,24 Em todos os estudos foi realizado treinamento prévio dos ACS, para melhor implementação das atividades educativas. Por delineamento de estudo, a síntese foi composta de cinco ensaios não controlados^{17,19,20,21,22} e três ensaios controlados randomizados,^18,23,24 com intervenções que foram implementadas entre 2,5 e 41 meses. No mesmo sentido, observou-se grande variação nas estratégias adotadas, destacando-se a liderança ou o apoio dos ACS em atividades educativas, práticas, visitas domiciliares, apoio por chamadas telefônicas, envolvimento dos pais/responsáveis e abordagens que levaram em consideração a situação contextual das crianças e dos adolescentes (Quadro 1).

Quadro 1
Síntese das intervenções (n=8).

Burnet et al.17 (Tipo de Estudo: EnC; Duração: 3,5 meses) Cinco agentes negras treinadas que conduziram as sessões educativas com as famílias. Protocolo: 14 sessões semanais de atividades comportamentais alternando conhecimentos sobre AF e nutrição saudável, com objetivos semanais.

Crespo et al.18 (Tipo de Estudo: ECR; Duração: 12 meses) Agentes promotoras treinadas, bilíngues e biculturais que conduziram as atividades educativas. Protocolo: ações educativas no contexto familiar (sete visitas domiciliares e quatro chamadas telefônicas) e comunitário (ações nas estruturas físicas, apoio às ações teórico-práticas dos professores).

Shaibi et al.20 (Tipo de Estudo: EnC; Duração: 12 meses) Agentes promotoras treinadas, bilíngues e biculturais, que conduziram as sessões educativas. Protocolo: 12 sessões educativas e três sessões semanais de AF (60minutos cada).

Rieder et al.19 (Tipo de Estudo: EnC; Duração: 9 meses) Líderes de jovens treinados que atuaram no apoio das ações educativas e em ações de manutenção e engajamento dos participantes. Protocolo: 12 semanas de intervenção e 6 meses de manutenção, com objetivos e acompanhamento. Atividades educativas em saúde e práticas de AF (1-4 vezes/semana). Atividades mensais com as famílias.

Subtirelu et al.21 (Tipo de Estudo: EnC; Duração: 9 meses) ACS treinadas que orientaram a entrada em programas locais, oferecendo também aconselhamento e avaliação permanente sobre AF e alimentação saudável. Protocolo: orientação para participar em programas locais de AF e ou nutrição. Abordagem individualizada, considerando fatores pessoais e contextuais.

Ross et al.22 (Tipo de Estudo: EnC; Duração: 2,5 meses) Nove agentes promotoras treinadas, bilíngues e biculturais, que desenvolveram as ações educativas, práticas e a resolução de problemas nas visitas domiciliares. Protocolo: 10 visitas domiciliares às famílias (90 minutos), com atividades educativas, práticas e resolução de problemas relacionados a ingestão de porções de frutas e legumes, redução do tempo de tela, promoção de AF, menor consumo de bebidas açucaradas e maior consumo de água.

Waters et al.23 (Tipo de Estudo: ECR; Duração: 41 meses) Trabalhadores de desenvolvimento comunitário, treinados, que conduziram as ações educativas, fornecendo informações e orientando o desenvolvimento personalizado das estratégias de intervenção. Protocolo: a comunidade escolar determinou o conteúdo das estratégias de intervenção com base em evidências de sucesso em relação aos indicadores avaliados, ao desenvolvimento de alterações sustentáveis nas escolas, nos lares e ambientes comunitários e em pontos contextuais e programáticos das intervenções, assim como seus impactos nos resultados.

Wieland et al.24 (Tipo de Estudo: ECR; Duração: 24 meses) Promotores de saúde da família, bilíngues e treinados, realizaram as visitas domiciliares e as chamadas telefônicas. Protocolo: criação de um manual com 12 módulos (temas: alimentação saudável e AF), implementado em 12 visitas domiciliares (30-90 minutos) em seis meses, com 12 chamadas telefônicas a cada duas semanas nos seis meses finais.

• ACS: agentes comunitários de saúde; AF: atividade física; ECR: ensaio randomizado controlado; EnC: ensaio não controlado.

Quanto ao risco de viés, pôde-se observar que todos os estudos foram classificados como de baixo risco de viés nos domínios métodos utilizados para a coleta dos dados e análises. Quanto às perdas e/ou desistências, metade dos estudos apresentou baixo risco de viés.^20,22,23,24 No domínio seleção, seis estudos foram classificados como de alto risco de viés por conta das especificidades socioeconômicas, étnicas e clínicas das amostras, permitindo menor generalização da evidência.^{17,18,19,20,22,24} Em relação ao domínio cegamento dos pesquisadores que coletaram e analisaram os dados, observou-se a ausência de informações em cinco estudos (Figura 2).^{17,19,20,21,22}

Figura 2
Análise do risco de viés.

Quanto aos instrumentos utilizados para avaliação da AF, pôde-se destacar o uso de questionários em seis intervenções e de acelerômetros em duas (Quadro 2). Mesmo que a AF tenha sido avaliada por meio de distintos indicadores, resultados significativos foram identificados em três ensaios não controlados: redução dos blocos diários de 30 minutos de inatividade física (-26,8%),²⁰ aumento no número de pessoas envolvidas em AF vigorosas por, pelo menos, seis dias nas últimas duas semanas (12,4%)¹⁹ e aumento do número de adolescentes que reportaram a prática de AF moderadas e vigorosas por, pelo menos, 60 minutos/dia (2,4).²¹ Em contrapartida, cabe mencionar os resultados estatisticamente nulos dos ensaios controlados randomizados^18,23,24 e dos estudos que utilizaram medidas objetivas (acelerômetros) para os níveis de AF.^23,24

Quadro 2
Instrumentos e resultados relativos aos indicadores de atividade física (n=8).

Ensaios controlados randomizados

Crespo et al.18 (QDE) Partindo do indicador de AF comparada com a de outras crianças, foram observadas mudanças de 0,36 no grupo família+comunidade e de 0,05 e no grupo controle, vistos os dados entre pós-intervenção e linha de base (sem significância estatística).

Waters et al.23 (Dois QDE: um para pais/responsáveis e outro para crianças) Não houve efeito de intervenção nos níveis autorreferidos de AF (informações numéricas não apresentadas).

Wieland et al.24 (Acelerômetro Kinetic Activity Monitor) Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos aos 6 (mudanças em AFMV: intervenção: 12min/d e controle: 9,3min/d) e 12 meses (mudanças AFMV: intervenção: -4,3min/d e controle: -16,2min/d).

Ensaios não controlados

Burnet et al.17 (Questionário utilizado em Aaron et al.*) Análise de 4 meses: (I) >20 min de AFV em ≥ 3 d da última semana: de 46% (n=13) para 58% (n=14); (II) > 20 min de AF leve em ≥ 3 d da última semana: de 39% (n=11) para 50% (n=12) e (III) ≥ 2 h/d de caminhada: de 26% (n=7) para 58% (n=14). Nenhuma diferença estatisticamente significante.

Shaibi et al.20 (3-day Physical Activity Recall - 3DPAR) Diferenças significantes nos blocos de 30min/d de inatividade física: de 15,7 para 11,5 (mudança de -26,8%). Sem diferenças nos níveis de AFMV (blocos de 30min/d): de 2,3 para 2,9 (mudança de 26,1%).

Rieder et al.19 (Modifiable Activity Questionnaire for Adolescents) Aumento significativo na prática de AFV ≥ 6 d/2 sem: de 13,2 para 25,6%. Mudanças não foram significantes nas variáveis AFM (1-5d e ≥ 6 d/2 sem) e AF vigorosa (1-5 d/2 sem).

Subtirelu et al.21 (QDE) A comparação das avaliações da linha de base revelou mudanças significativas nos níveis de 60 min/d de AFMV (de 3.3 para 5.7; p<0,001).

Ross et al.22 (Acelerômetro ActiGraph GT3X). Nenhum indicador de AF apresentou diferenças estatisticamente significantes entre a linha de base e o final da intervenção: AF muito leve (mudança: -0,2); leve (mudança: 0,2), AFM (mudança: 0,1), AFV (mudança: -0,2) e total (mudança: -0,1).

• *Aaron et al.25; AF: atividade física; AFM: atividade física moderada; AFMV: atividade física moderada e vigorosa; AFV: atividade física vigorosa; d: dia(s); h: hora(s); min: minuto(s); QDE: questionário desenvolvido para o estudo.

Da mesma forma, e independentemente da alta variabilidade observada entre os indicadores de CS analisados pelos estudos originais (Quadro 3), dois resultados positivos podem ser destacados: redução do número de blocos diários de 30 minutos de tempo de tela (-46,4%)²⁰ e redução do CS durante os dias do final de semana (-0,9 horas/dia).²¹ Também, assim como verificado nos indicadores de AF, nenhum resultado positivo foi observado nos ensaios controlados randomizados^18,22,24 e nos estudos que avaliaram o CS por meio de acelerômetros.^22,24

Quadro 3
Instrumentos e resultados relativos aos indicadores de comportamento sedentário (n=8).

Ensaios controlados randomizados

Crespo et al.18 (QDE) Indicador assistir à TV enquanto se prepara para a escola: mudanças de -0,22 grupo família+comunidade e -0,09 no grupo controle, comparando dados entre 1 ano após o término da intervenção e a linha de base (sem significância estatística).

Waters et al.23 (Dois QDE: um para pais/responsáveis e outro para crianças). Não houve efeito de intervenção nos níveis autorreferidos de CS (informações numéricas não apresentadas).

Wieland et al.24 (Acelerômetro Kinetic Activity Monitor). Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas aos 6 (mudanças intervenção: -11,7 min/d e controle: -1,6 min/d) e 12 meses (mudanças intervenção: 55,5 min/d e controle: 73,5 min/d) entre os grupos de intervenção e controle para CS.

Ensaios não controlados

Burnet et al.17 (Questionário utilizado em Aaron et al.*). Horas assistindo televisão: de 3,2 para 4,3, não significativa.

Shaibi et al.20 (3-day Physical Activity Recall - 3DPAR). Diferença significante no indicador blocos diários de 30 min de tempo de tela: de 5,6 para 3,0 (mudança de -46,4%).

Rieder et al.19 (Modifiable Activity Questionnaire for Adolescents). Horas em televisão, computador e videogame: 2-5 h/d (de 49 a 48%); ≥ 6 h/d (de 35 a 27%), sem diferenças estatisticamente significantes entre as medidas.

Subtirelu et al.21(QDE) A comparação das avaliações da linha de base revelou diferença significativa no CS durante os dias de fim de semana (linha de base 3,5 h/d vs. acompanhamento 2,6 h/d, p<0,001). Sem diferenças entre CS nos dias da semana (de 4,5 h/d para 2,1 h/d).

Ross et al.22 (Acelerômetro ActiGraph GT3X) Alteração de 0,1 min/h em CS, não significativa.

• *Aaron et al.25; CS: comportamento sedentário; d: dia(s); h: hora(s); min: minuto(s); QDE: questionário desenvolvido para o estudo.

DISCUSSÃO

Com base nas evidências de oito intervenções conduzidas por ACS com fins na promoção de AF em crianças e adolescentes, a presente revisão trouxe como principais achados: (i) resultados discretos no aumento dos níveis de AF, considerando que alterações significantes foram encontradas em apenas três ensaios não controlados, avaliados por questionários; (ii) a maior parte das estratégias foi direcionada a grupos específicos de adolescentes vulneráveis (considerando fatores étnicos, econômicos e/ou com diagnóstico de DCNT), ressaltando a importância da ação dos ACS no contexto das comunidades; (iii) o papel dos ACS na implementação e no apoio de ações educativas.

Mais especificamente, dos três resultados que sugerem o aumento dos níveis de AF,^19,20,21 cabe destaque às intervenções com tempos de duração entre 9^19,21 e 12 meses,²⁰ direcionadas às populações de latinos obesos de baixa renda. Em relação aos protocolos, podem ser destacadas as intervenções que combinaram atividades teóricas e práticas.^19,20

Esses achados corroboram a evidência de estudo prévio, no qual se reforçava a recomendação de que os aspectos relacionados a AF fossem priorizados em intervenções direcionadas às populações de crianças e adolescentes inseridos em contextos economicamente desfavorecidos.²⁶ Nessa perspectiva, é importante que mais esforços sejam conferidos ao estudo dos processos operacionais de maior impacto para o aumento dos níveis de AF e a redução do CS, de modo que também possa ocorrer a avaliação desses impactos nos indicadores de saúde dessas populações.

De modo geral, boa parte das intervenções incorporou atividades para os pais, visando a efeitos no contexto familiar como um todo. Por outro lado, observou-se limitado diálogo intersetorial, de forma que as ações dos ACS podem estar mais articuladas ao trabalho das equipes escolares, no sentido de fortalecer as relações de trabalho educativo nas comunidades e do trabalho em saúde nas escolas. Futuros estudos podem levar esse ponto em consideração, visto que intervenções escolares são potenciais,²⁷ com particular menção aos contextos de populações economicamente desfavorecidas.²⁶

Em vista do trabalho desenvolvido nas comunidades em que residem (ou em comunidades que possuem proximidade socioeconômica, étnica e/ou cultural), as ações de cuidado direcionadas aos grupos específicos de maior vulnerabilidade parecem ser um elemento potencial do trabalho dos ACS, uma vez que levam em consideração as especificidades e os contextos das populações locais, bem como favorecem o estabelecimento de vínculos entre os demais profissionais que atuam no sistema de saúde e a comunidade. Por essas razões, a estratégia de inserção dos ACS parece ser especialmente relevante nessas situações, destacando as evidências de outras revisões que abordaram outros desfechos de saúde.^9,10,28

Visto que os estudos incluídos foram desenvolvidos em países de alta renda mas direcionados às populações sob maior risco, reforça-se a importância da introdução dos ACS em sistemas de saúde não universais. Mesmo reconhecendo o importante papel desempenhado pelos ACS nas intervenções incluídas, não há indicativo de que as ações desenvolvidas sejam contínuas nessas populações, o que ressalta a implementação de ações permanentes e processuais nesses contextos de maior vulnerabilidade. Nesse sentido, pode-se levantar a hipótese de que a introdução de ACS nos sistemas de saúde, atuando de forma longitudinal, pode impactar na situação de saúde das populações mais vulneráveis.

No caso dos Estados Unidos, mais especificamente, onde ocorreram sete das oito intervenções incluídas, a presente síntese corrobora a evidência de Perry et al.,⁸ na qual são discutidos esforços dos ACS para a redução da carga de morbimortalidade, sobretudo nas situações de DCNT em populações mais vulneráveis, reforçando sua importância nos serviços comunitários e nas equipes de atenção primária à saúde. A estratégia de ACS articulada com outras ações e políticas que visam ampliar o acesso e a utilização dos serviços de saúde, como o Affordable Care Act, pode contribuir para mitigar o abismo existente entre estadunidenses de alta e baixa renda no que tange à expectativa de vida e a outros indicadores de saúde.²⁹

Dessa forma, ao considerar o potencial de atuação dos ACS nessas comunidades mais vulneráveis, destacando a compreensão bilíngue e bicultural, pode-se estimar o aumento da possibilidade de articulação entre as pessoas atendidas e a equipe de saúde, no sentido de favorecer os encaminhamentos mais adequados e, consecutivamente, a resolutividade dos casos. Sendo assim, torna-se fortalecido seu papel de ligação entre o serviço de saúde e as comunidades pela sua capacidade de tradução, mediação cultural e facilitação das ações de saúde nos territórios.^30,31

Mesmo com a heterogeneidade observada nos desfechos primários das intervenções, a maior parte das estratégias direcionou-se à alimentação saudável e à AF, muito por conta de elas se enquadrarem como comportamentos modificáveis para o controle de uma série de DCNT, como sobrepeso/obesidade e diabetes melito tipo 2, muito presentes nas populações abrangidas pela presente síntese. Dessa forma, cabe destacar que todas as intervenções incluídas apresentaram estratégias educativas e, em algumas delas, direcionamentos não apenas restritos à temática da AF, envolvendo também um olhar mais ampliado de saúde, com disseminação de informações, atividades práticas, alterações nos ambientes e ações para a resolução de problemas, com particular enfoque na alimentação saudável e na gestão do peso. Revisão prévia também apontou o protagonismo dos ACS na implementação de intervenções educativas nas temáticas da segurança alimentar, imunizações em grupos de crianças e adolescentes.⁹

Reconhecendo a importância dos ACS em contextos em que há escassez de profissionais de saúde, é importante que futuros estudos reforcem os processos de recrutamento, supervisão, incentivo e oferta de equipamentos para as ações, reconhecendo-se que essas questões podem melhorar o seu desempenho.³² Complementarmente, cabe mencionar a importância de avaliar essas intervenções para além do conceito de efetividade, envolvendo, por exemplo, os processos de adoção, alcance, implementação³³ e custo-efetividade,³⁴ de modo que os resultados produzidos nos níveis de AF possam ser mais bem contextualizados aos potenciais e limitadores observados ao longo do processo da intervenção,^33,35 tal como os impactos econômicos dessas ações no sistema de saúde. Em boa parte dos estudos incluídos apenas foi apontado que os ACS receberam treinamento prévio para a implementação da intervenção, sem maior detalhamento quanto a temas e ações, supervisão e resolução de problemas ao longo do processo, nem melhor informação sobre os recursos e equipamentos que foram utilizados.

Diante das características dos estudos que compuseram a presente revisão, pode-se sugerir a realização de intervenções nos países de baixa e média renda e/ou nos países que possuem ACS em seus respectivos sistemas de saúde, como é o caso do Brasil, onde é registrada sua importância, por exemplo, em ações voltadas ao controle do peso das crianças, à amamentação materna e à introdução tardia da mamadeira.³⁶ Também, que propostas de educação permanente em saúde direcionadas aos ACS possam ser ofertadas de maneira contínua e longitudinal por parte dos sistemas de saúde, de modo que novos ACS também possam receber o conhecimento adequado e articulado às demandas locais de saúde que possibilitem sua participação em uma perspectiva mais abrangente.³⁷

No mesmo sentido, pode-se sugerir que esse treinamento aborde os mecanismos fundamentais que levam às mudanças na AF das crianças e dos adolescentes, visando expandir e aprimorar as oportunidades de AF ao longo do dia, como sugere a teoria de Beets et al.³⁸ Além disso, esse treinamento pode capacitar ACS para aplicação de diversas ferramentas de avaliação da AF e de outros aspectos, como qualidade de vida e hábitos alimentares, uma vez que crianças e adolescentes podem estar expostos a vários comportamentos de risco à saúde.³⁹

Com base na análise do risco de viés, pode-se destacar que a alta heterogeneidade entre as populações selecionadas para as intervenções representa um dos principais fatores limitadores da presente revisão, visto que as especificidades contextuais e os perfis dos participantes diminuem a capacidade de generalização da evidência. Complementarmente, limitações também podem ser apontadas em relação ao delineamento das intervenções incluídas, visto que cinco delas não possuem grupos comparadores, e em relação às perdas e desistências ao longo do seguimento, em que apenas metade dos estudos foi classificada como de baixo risco. Quanto aos instrumentos e procedimentos adotados nas coletas de dados, mesmo que todos os estudos tenham sido classificados como de baixo risco de viés, cabe apontar sua alta heterogeneidade, sugerindo maior cautela na comparação e extrapolação dos resultados.

Por fim, mesmo que a maior parte das intervenções incluídas não tenha apresentado efeitos significativos no aumento dos níveis de AF em crianças e adolescentes, a evidência disponível aponta para a importância do trabalho das ACS em contextos de maior vulnerabilidade. Também pode-se sugerir o desenvolvimento intervenções conduzidas por ACS nas escolas, em parceria com a equipe escolar e respaldadas por avaliações dos processos de implementação e custo-efetividade.

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Financiamento

• O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  25 Out 2021
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  01 Jul 2020
• Aceito
  19 Out 2020