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O complexo econômico-industrial da saúde: elementos para uma articulação virtuosa entre saúde e desenvolvimento* * Este artigo baseou-se nos trabalhos de análise da dinâmica do Sistema Produtivo da Saúde, realizada no âmbito do Grupo de Pesquisa de Inovação em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (GIS/ENSP/FIOCRUZ), os quais embasaram a elaboração de capítulo da segunda edição do livro-texto Políticas e Sistemas de Saúde no Brasil.

The health industrial complex: elements for a virtuous link between health and development

RESUMO

O objetivo deste artigo foi aprofundar o conhecimento sobre a dinâmica de inovação em saúde e os interesses sanitários e econômicos relacionados a ela. Para tal, baseia se em um conceito mais amplo da saúde que a situa no cerne da agenda de desenvolvimento nacional. Portanto, parte da caracterização e análise do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, e apontam-se os principais desafios para uma articulação virtuosa entre as variáveis sociais e econômicas da saúde.

PALAVRAS-CHAVE:
Inovação em Saúde; Complexo Econômico-industrial da Saúde; Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação; Saúde Coletiva; Desenvolvimento Nacional

ABSTRACT

This paper aimed at further investigating the dynamics of health innovation and the social and economic interests in its wake. For such, it was based on a broader concept of health that emphasizes it as an important protagonist within the national development agenda. Thus, it stems from the characterization and analysis of the Health Industrial Complex, and it points out the main challenges with respect to a virtuous joint between the social and economic variables of health within the broader development agenda.

KEYWORDS:
Health Innovation; Health Industrial Complex; National Science; Technology and Innovation Policy; Public Health; National Development

Introdução

O objetivo deste artigo foi aprofundar o conhecimento sobre a dinâmica de inovação em saúde e os interesses sanitários e econômicos a ela relacionados. Para tal, baseia-se em um conceito mais amplo da saúde que a situa no cerne da agenda de desenvolvimento nacional. Portante, parte da caracterização e análise do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CE1S)1 1 Neste artigo, o CEIS será tratado indiscriminadamente pelos termos ‘complexo produtivo da saúde,’ ‘complexo industrial da saúde,’ ‘complexo da saúde’ e ‘complexo produtivo’. , visando apontar os principais desafios para uma articulação virtuosa entre as variáveis sociais e econômicas da saúde.

A relevância do aprofundamento da análise da relação entre saúde e desenvolvimento2 2 É importante ressaltar que, neste artigo, desenvolvimento não é tratado como sinônimo de crescimento econômico, mas sim como um “processo de mudança social pelo qual o crescente número de necessidades humanas [...] são satisfeitas [por meio] de uma diferenciação no sistema produtivo, gerado pela introdução de inovações tecnológicas” (FURTADO, 1964). , neste momento, pauta-se particularmente pela constatação de que mais de 20 anos se passaram desde a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) e, em que pesem os avanços observados, grande parte da população, particularmente aquela em piores condições socioeconômicas, não tem acesso a serviços de saúde de qualidade.

O desenvolvimento de análises científicas sobre o CEIS justifica-se na medida em que sua institucionalização na agenda de desenvolvimento nacional, em especial pelo seu papel dinâmico no Sistema Nacional de Inovação, representa um possível passo na direção da articulação virtuosa entre saúde e desenvolvimento e da superação de falsas dicotomias, observadas entre a lógica sanitária e econômica da saúde.

Entretanto, a despeito de seu caráter estratégico, ainda persiste uma marcante fragilidade da base produtiva e tecnológica brasileira em saúde, refletida no crescente déficit da balança comercial do complexo da saúde. Essa fragilidade torna a política de saúde vulnerável, uma vez que dificulta a garantia da oferta universal de bens e serviços de saúde, sugerindo a necessidade de aprofundar o estudo da caracterização deste complexo, de seus subsistemas industriais e de serviços, de sua dinâmica inovativa, assim como dos principais desafios para seu fortalecimento.

Assim, este texto propõe-se a apresentar uma breve análise da dinâmica entre a saúde e o desenvolvimento, enfatizando-se a inovação como elo importante desta relação. Em seguida, apresenta-se a caracterização do CEIS, finalizando com o apontamento de alguns desafios para o fortalecimento do complexo e da agenda de inovação em saúde, cuja superação é essencial para a reversão da fragilidade a que está exposto o Sistema Nacional de Saúde.

A dinãmica entre saúde, desenvolvimento e inovação

A Constituição de 1988, ao inserir a saúde como dever do Estado e direito da população, afirmou-a como elemento estruturante do Estado de Bem-Estar e fator básico de cidadania, consolidando-a como parte inerente e estratégica da dimensão social do desenvolvimento.

A saúde destaca-se ainda como elemento essencial da ocupação territorial, uma vez que orienta a organização das redes urbanas e a delimitação de escalas e limites territoriais, reunindo elementos centrais para o planejamento e implementação de novas políticas de desenvolvimento regional (GADELHA et al., 2009GADELHA, C.A.G. et al. Complexo Econômico-industrial da Saúde. Relatório Final do Projeto PIB: Perspectiva do Investimento no Brasil. IE – UFRJ/IE-Unicamp – BNDES. 2009. Disponível em: <http://www.projetopib.org/?p=documentos>. Acesso em: 6 fev. 2012.
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).

Ademais, possui outras características que a colocam como área destacada de um projeto de desenvolvimento nacional, dado que sua base produtiva responde por 9% do produto interno bruto (PIB) e gera 12 milhões de empregos (diretos e indiretos), sendo responsável por aproximadamente 12% dos vínculos empregatícios formais (WHO, 2011WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). 2011. Disponível em: <http://www.who.int/research/en/>. Acesso em: 6 fev. 2012.
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). Além disso, a saúde constitui um mercado anual de mais de R$ 160 bilhões, sendo, em tamanho, o nono mundial (BRASIL, 2010BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca. Grupo de Inovação em Saúde da FIOCRUZ. Programa Mais Saúde: direito de todos – 2008-2011 (PAC Saúde). Distrito Federal: Ministério da Saúde, 2010.).

O caráter estratégico da saúde torna-se ainda mais evidente devido a sua posição de liderança no que tange ao investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D), sendo responsável por um quarto do esforço nacional em pesquisa (GUIMARÃES, 2005GUIMARÃES, R. Ciência, tecnologia e inovação: um paradoxo na Reforma Sanitária. In: LIMA, NT.; GERSCHMAN, S.; EDLER, F.C.; SUAREZ, J.M. Saúde e Democracia: história e perspectivas do SUS. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2005. p. 235-256.; GADELHA; MALDONADO, 2008GADELHA, C.A.G.; MALDONADO, J.M.S.V. Complexo Industrial da Saúde: dinâmica de inovação no âmbito da saúde. ln:GIOVANELLA, L. et al. (Org.). Políticas e Sistemas de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2008. p. 247-281.). Desse modo, ressalta-se sua função como catalisadora de inovação, elemento essencial para a competitividade na sociedade de conhecimento globalizada contemporânea. Por este motivo, diversos autores (LEMOS, 1999LEMOS, C. Inovação na era do conhecimento, In: LASTRES, H.M.M.; ALBAGLI, S, Informação e Globalização na Era do Conhecimento, Rio de Janeiro: Campus, 1999.; ALBUQUERQUE; CASSIOLATO, 2000ALBUQUERQUE, E.; CASSIOLATO, J. As especificidades de inovação do setor saúde: uma resenha da literatura como introdução a uma discussão sobre o caso brasileiro. Estudos Federação de Sociedades de Biologia Experimental 1, 2000.; GADELHA; QUENTAL; FIALHO, 2003GADELHA, C.A.G.; QUENTAL, C.; FIALHO, B.C. Saúde e Inovação: uma abordagem sistêmica das indústrias da saúde. Cadernos de Saúde Pública, v. 19, n. 1, 2003, p. 47-59., entre outros) vêm desenvolvendo uma perspectiva que incorpora o conceito de Sistema Nacional de Inovação (SNI)3 3 O conceito de SNI refere-se ao conjunto de instituições distintas que contribuem para o desenvolvimento e a difusão de tecnologias, tendo como fontes para a geração de inovação nâo apenas as empresas, mas também o universo de organizações e instituições políticas envolvidas nesse processo. Cada uma dessas instituições apresenta características históricas e culturais particulares e graus distintos de densidade e interações, o que implíca a utilização da abordagem de economia política e atuação específica e diferenciada (GADELHA; MALDONADO, 2008). ao campo da saúde, apontan-do-se para a existência de um SNI em Saúde (SNIS)4 4 Para uma análise mais aprofundada do conceito, ver Albuquerque e Cassiolato (2000). .

Assim, partindo-se do reconhecimento de diversas dimensões da saúde, tornam-se claras as relações intrínsecas entre esta e o desenvolvimento, uma vez que configuram

um processo dinâmico e virtuoso que combina, ao mesmo tempo, crescimento econômico, mudanças fundamentais na estrutura produtiva e melhora do padrão de vida da população. (VIANA; ELIAS, 2007, p. 1766VIANA, A.L.D.; ELIAS, P.E.M. Saúde e desenvolvimento. Ciência e Saúde Coletiva, v. 12, Suppl., 2007, p. 1765-77.).

Tal articulação entre saúde e desenvolvimento faz com que figurem res diversos, com forças assimétricas, tornando a análise da saúde nas suas várias dimensões bastante complexa e exigindo o uso da abordagem da economia política. A adequação deste arcabouço teórico decorre de o mesmo contemplar a complexidade da saúde, estabelecendo como categorias analíticas fundamentais seu papel como direito social, bem econômico e espaço de acumulação de capital (VIANA; SILVA; ELIAS, 2007VIANA, A.L.D; SILVA, H.P.; ELIAS, P.E.M. Economia Política da Saúde: Introduzindo o debate. Divulgação em Saúde para Debate, v. 37, 2007, p. 7-20.).

Parte-se da caracterização e análise do CEIS por permitir a exploração das categorias analíticas mencionadas. Ademais, é importante enfatizar que, na medida em que o CEIS articula um conjunto de novas tecnologias portadoras de futuro (dado que suas atividades produtivas são intensivas em Ciência e Tecnologia (C&T), seu desenvolvimento pode levar tanto ao adensamento do tecido produtivo nacional como pode direcioná-lo, de modo a compatibilizar a estrutura de oferta com a demanda social de saúde (GADELHA, 2007aGADELHA, C.A.G.. Desenvolvimento e saúde: em busca de uma nova utopia. Saúde em Debate, v. 30, n. 71, 2007a.).

O complexo tem o potencial, desta forma, de contribuir para um modelo de desenvolvimento socialmente inclusivo e de promover a superação das dicotomias atualmente existentes no bojo da saúde, as quais têm apontado para o estabelecimento de hierarquia entre os interesses econômicos e os sociais, favorável àqueles.

Ainda, o fortalecimento da base produtiva e de inovação da saúde é essencial para reverter a vulnerabilidade a que está exposto o SUS; em particular, ao se considerar as características sociais, demográficas e epidemiológicas atuais da população brasileira, assim como as tendências futuras, os custos crescentes pautados por novas e complexas tecnologias incorporadas pela saúde e a dependência externa dos produtos do CEIS.

A partir do reconhecimento de seu caráter estratégico, tanto no âmbito da agenda social, quanto na de desenvolvimento produtivo e econômico, o Governo Federal vem institucionalizando, nos últimos anos, o papel da saúde na agenda de desenvolvimento nacional em políticas setoriais, como no ‘Mais Saúde’ e no ‘PAC da inovação’, ambos de 2007; e, mais recentemente, no Plano Brasil Maior, lançado em 2011. Esta institucionalização também pode ser observada no plano prático por meio de diversas iniciativas, como o aumento da disponibilidade de linhas de financiamento específico para fomentar o desenvolvimento do CEIS5 5 Para informações detalhadas destas iniciativas, ver Gadelha e Costa (2011a). .

A despeito dessas iniciativas, a fragilidade da base produtiva da saúde permanece como um ponto de vulnerabilidade tanto para o setor, quanto para a agenda mais ampla de desenvolvimento nacional, reforçando-se a necessidade de se aprofundar o conhecimento do complexo da saúde, na busca de problematizar os gargalos enfrentados por estes setores produtivos, assim como orientar políticas voltadas à sua superação.

Caracterização do complexo produtivo da saúde ou CEIS6 6 Para uma apresentação e análise mais aprofundada de cada um dos subsistemas do CEIS, ver Gadelha et al., (2009) e Gadelha et al. (2011).

Um sistema de saúde é composto não somente pela demanda social por bens e serviços de saúde, como também por organizações voltadas à provisão desses serviços e para a geração de recursos humanos, financeiros, tecnológicos, produtivos e de infraestrutura. A abordagem da economia política, utilizada neste artigo, permite uma visão integrada das atividades produtivas interdependentes de caráter sistêmico, permitindo caracterizar o CEIS.

Assim, o CEIS pode ser definido como um complexo econômico a partir de um conjunto selecionado de atividades produtivas que mantêm relações intersetoriais de compra e venda de bens e serviços e (ou) de conhecimentos e tecnologias. Também envolve um conjunto de indústrias, que produz bens de consumo e equipamentos especializados (fármacos e medicamentos, vacinas, hemoderivados, reagentes para diagnóstico, equipamentos e materiais médicos), e um conjunto de organizações prestadoras de serviços em saúde (hospitais, ambulatórios e serviços de diagnóstico e tratamento) e consumidoras dos produtos manufaturados pelo primeiro grupo. Caracteriza-se, desta forma, uma clara relação de interdependência intersetorial (GADELHA, 2003GADELHA, C.A.G. O complexo industrial da saúde e a necessidade de um enfoque dinâmico na economia da saúde. Ciência e Saúde Coletiva, v. 8, n. 2, 2003, p. 521-35.).

Embora os segmentos que compõem o complexo tenham dinâmicas bastante diferenciadas entre si, eles compartilham o mesmo ambiente regulatório, orientações de política social, econômica, industrial e o modelo político institucional do Sistema Nacional de Saúde, ou seja, o mesmo arcabouço político institucional, destacando-se a centralidade do papel do Estado.

Para analisar tais relações, assim como para apontar empecilhos a uma política efetiva de fortalecimento da capacidade produtiva e inovadora em saúde pautada em uma política de desenvolvimento nacional, capaz de articular a vertente social à econômica, os próximos tópicos procuram caracterizar as indústrias que compõem o complexo produtivo da saúde e o subsistema de serviços. Desse modo, parte-se da base de conhecimento e tecnológica de cada um dos elementos representados, estabelecendo uma segmentação em três subsistemas, os quais, em conjunto, compõem o CEIS.

Subsistema de base ‘química e biotecnológica’

O subsistema de ‘base química e biotecnológica’ impacta diretamente a capacidade da prestação universal de serviços no Brasil, uma vez que é responsável pela produção de medicamentos, fármacos, vacinas e soros, hemoderivados e reagentes para diagnóstico. Caracteriza-se por sua relevância econômica e pelo domínio de tecnologias estratégicas para o Brasil, uma vez que mobiliza áreas críticas para a evolução da atenção à saúde – como, por exemplo, a Biotecnologia, a Nanotecnologia e a Química Orgânica avançada.

De modo geral, o mercado da indústria farmacêutica é marcado por uma competição voltada ao permanente processo de lançamento de novos produtos, sendo a apropriação dos resultados de seus esforços de P&D feita por meio de patentes, que garantem um monopólio temporário de vendas e restringem a competição por preços (CAPANEMA, 2006CAPANEMA, L.X.L. A indústria farmacêutica brasileira e a atuação do BNDES. Rio de Janeiro: BNDES Setorial, 2006.).

As atividades de maior densidade tecnológica das empresas líderes concentram-se nos países desenvolvidos, ficando as etapas da cadeia produtiva de menor conteúdo tecnológico nos países menos desenvolvidos, não ocorrendo uma ampla disseminação das atividades de maior valor agregado e mão de obra mais qualificada.

Essa situação prejudica a estruturação do sistema de inovação em saúde nos países em desenvolvimento, como o Brasil, resultando na dependência tecnológica e produtiva e na grave situação deficitária7 7 No Brasil, esta situação torna-se clara ao se observar a balança comercial relativa às importações de fármacos e medicamentos, tomada como o indicador mais poderoso dessa dependência, cuja soma em 2010 alcançou mais de US$ 6 bilhões em valores atualizados pela inflação americana (ALICE-Web, 2011). , assim como na dissociação entre as necessidades locais das regiões mais atrasadas e os esforços empresariais de P&D, sobretudo com o novo rumo das inovações ligadas à biotecnologia e à química fina.

Apesar deste quadro desfavorável para o Brasil, empresas de menor porte e de base nacional encontram espaços ou nichos de atuação, dentre os quais se destacam a produção de medicamentos similares e genéricos8 8 Vale mencionar que foi a consolidação dos genéricos no país que garantiu um crescimento expressivo das empresas nacionais no decorrer da última década, chegando a obter 45% do faturamento da indústria farmacêutica nacional (AGUILAR, 2009). , além da especialização em segmentos tecnológicos delimitados (a exemplo dos fitoterápicos e da prestação de serviços técnicos), A exploração destes nichos abre possibilidade para o fortalecimento da indústria nacional, podendo configurar-se como uma base para estratégias de inovação mais robustas.

Vale observar que o Governo tem tido uma atuação abrangente e crescente nesta área, sobretudo no que diz respeito às estratégias de desenvolvimento industrial, com o crescente uso do poder de compra do Estado, a instituição de parcerias público-privadas, a possibilidade de negociações tecnológicas e a utilização de mecanismos legais, tais como: as licenças compulsórias para atender ao interesse público e os financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Destaca-se, ainda, a atuação direta da rede de laboratórios farmacêuticos públicos, nas esferas federal e estadual, vinculados ao Ministério da Saúde, às Forças Armadas, às universidades públicas e às secretarias estaduais de Saúde, entre diversas outras iniciativas.

A análise empreendida concentra-se na indústria farmacêutica, dado que acaba por pautar a dinâmica dos segmentos de vacinas, hemoderivados e reagentes para diagnóstico. Ainda que cada um destes segmentos possua suas particularidades, é possível afirmar que há uma clara convergência tecnológica, econômica e competitiva, na qual as empresas líderes farmacêuticas entram nos demais segmentos de base química e biotecnológica e pautam suas estratégias de inovação. Esse quadro tem feito emergir o risco de as assimetrias típicas da indústria farmacêutica se reproduzirem nestes segmentos.

No que tange às vacinas, este risco é particularmente relevante, devido ao protagonismo do Programa Nacional de Imunizações na erradicação de diversas doenças epidêmicas no país, Além disso, o fato de o Estado ser responsável por mais de 95% do número de doses produzidas, e ainda assim as importações de vacinas (produtos acabados e bulk) estarem no patamar de US$ 1 bilhão, em 2010 (ALICE-Web, 2011ALICE-Web. Sistema Alice. 2011. Disponível em: <http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br>. Acesso em: 6 fev. 2012.
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)9 9 É importante ressaltar que as importações, no final dos anos 1990, eram de US$ 100 milhões, Esta explosâodas importações em 20 anos é em grande parte associada ao feto de o Programa Nacional de Autossuficiéncia em Imunobiológicos (Pasni) ter sido desativado no final da década de 1990, deixando os produtores sem qualquer mecanismo sistemático de coordenação das ações e de promoção dos investimentos. , revela a relevância da dependência externa, sobretudo no tocante ao desenvolvimento endógeno de novos produtos e processos.

No estágio atual, o principal desafio refere-se ao vínculo da capacidade produtiva com aquela para inovar, adensando as atividades endógenas de P&D no ambiente produtivo, estratégia que já está na agenda dos principais laboratórios públicos (Bio-Manguinhos/FIOCRUZ e Butantan).

Em relação ao segmento de hemoderivados, no Brasil, os esforços em superar o elevado déficit comercial10 10 O gasto com a importação de hemoderivados saltou de menos de US$ 100 milhões, em 1997, para mais de US$ 1 bilhão, em 2010 (GIS/ENSP/FIOCRUZ, 2011), tornando-se mais dependente das empresas líderes mundiais e fragilizando toda sua política de acesso. deste segmento estão concentrados na criação da Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (HEMOBRAS), vinculada ao Ministério da Saúde. Essa estratégia é particularmente relevante no Brasil, devido à inexistência de uma base produtiva nacional de plasma e derivados em um contexto de proibição constitucional da comercialização do sangue e de seus derivados.

No caso do Brasil, a rígida política de controle da qualidade do sangue exige uma bateria de exames para transfusões, cujos produtos são fabricados a partir de procedimentos de base biotecnológica. Assim, o fortalecimento do segmento de hemoderivados nacional potencializa a competitividade nacional na área de biotecnologia aplicada à saúde humana, permitindo articular a política de saúde com a de inovação (GADELHA, 2007bGADELHA, C.A.G.. Complexo econômico-industrial da saúde: produtos e insumos estratégicos para as políticas e programas de saúde. In: SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. Ciência e Tecnologia em Saúde/Conselho Nacional de Secretários. Brasília: CONASS, 2007b. p. 84-109.).

No entanto, as indústrias do segmento de reagentes para diagnóstico, por serem intensivas em tecnologia e possuírem particular potencial de desenvolvimento de produtos de base biotecnológica, constituem um nicho a ser explorado, inclusive por empresas de pequeno e médio portes, uma vez que as barreiras à entrada são inferiores à do mercado farmacêutico11 11 Isso porque seus produtos ocorrem in vitro, não requerendo o volume de gastos associados aos testes clínicos para aprovação de produtos. .

Em resumo, o desenvolvimento da base produtiva nacional destes segmentos representa não apenas a possibilidade da reversão da fragilidade da política de acesso à saúde (refletida principalmente no crescente déficit comercial da área farmacêutica), como também do posicionamento de liderança do país diante de novos paradigmas tecnológicos, articulando virtuosamente a saúde e o desenvolvimento.

Subsistema de base ‘mecânica, eletrônica e de materiais’

O subsistema de ‘base mecânica, eletrônica e de materiais’ exerce particular influência na prestação dos serviços de saúde, dado que influencia e sofre influência de mudanças nas práticas assistenciais. Fato este decorrente da forte associação dos produtos às práticas médicas, uma vez que estes produtos incorporam novas tecnologias aos procedimentos, no que se refere à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento de doenças.

A indústria de equipamentos e materiais médicos, particularmente, abarca grande heterogeneidade tecnológica, incorporando produtos de complexidade bastante diversificada: contemplando desde instrumentos de diagnóstico por imagem até materiais de uso rotineiro, incluindo instrumentos, material cirúrgico e ambulatorial, seringas, entre outros.

Ainda que esta indústria também seja altamente concentrada12 12 Os Estados Unidos representa, inconteste, o maior mercado mundial, com praticamente 40% do total, e 16 das 20 maiores empresas da indústria (que se estabelecem como as que mais investem em P&D), sendo também o maior exportador e importador mundial (GADELHA et al., 2009). , devido à especialização de seus produtos, é mais competitiva do que a farmacêutica em diversos de seus segmentos, que comportam empresas inovadoras de menor porte, em função de sua heterogeneidade tecnológica. Assim, há possibilidade de entrada de países menos desenvolvidos em certos nichos de mercado e de concepção de estratégias empresariais e nacionais de desenvolvimento focadas nesses segmentos.

No Brasil, a indústria de equipamentos e materiais se expandiu significativamente a partir da segunda metade da década de 1990, sendo o poder público responsável por 21,5% das compras da indústria, em 200913 13 Deve-se ainda levar em conta que parte significativa das compras de entidades privadas é reembolsada pelo sistema público de saúde, o que, na prática, aponta para uma demanda próxima de 50% dos produtos vendidos pela indústria (PIERONI; REIS; SOUZA, 2010). . Além disso, as empresas nacionais, ao contrário do que ocorre no setor farmacêutico, representam cerca de 90% do mercado, predominando-se agentes de pequeno e médio portes, especializados nos segmentos de baixa e media densidades tecnológicas (IEMI, 2010INSTITUTO DE ESTUDOS E MARKETING INDUSTRIAL (IEMI). Estudo setorial da indústria de equipamentos odonto-médico-hospitalar e laboratorial no Brasil. São Paulo: IEMI/ABIMO, 2010.).

Portanto, considerando o peso da demanda pública e das empresas nacionais nesse mercado, é possível estabelecer uma articulação virtuosa entre a expansão desta indústria e a estruturação do SUS, no sentido da ampliação da oferta de serviços e de sua universalização e integralidade. O país realiza iniciativas neste sentido, como os programas de investimento do Governo Federal na rede assistencial, os quais têm respondido por parte expressiva do dinamismo empresarial, a exemplo do programa Reforsus (já finalizado) e dos financiamentos do BNDES para a rede filantrópica, que viabilizaram a incorporação de equipamentos no sistema.

Ainda assim, está ocorrendo uma perda de competitividade da indústria nacional nos segmentos mais dinâmicos, conforme atesta a balança comercial, cujo deficit saltou de US$ 200 milhões, no final da década de 1980, para aproximadamente US$ 800 milhões em meados de 1990 (GADELHA, 2007bGADELHA, C.A.G.. Complexo econômico-industrial da saúde: produtos e insumos estratégicos para as políticas e programas de saúde. In: SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. Ciência e Tecnologia em Saúde/Conselho Nacional de Secretários. Brasília: CONASS, 2007b. p. 84-109.) e US$ 2 bilhões em 2010 (BRASIL, 2011BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca. Grupo de Inovação em Saúde da FIOCRUZ. Dados selecionados. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2011.). É válido ressaltar que a perda de competitividade desta indústria ocorre, sobretudo, no grupo mais afetado pelos novos paradigmas tecnológicos: os aparelhos e equipamentos eletromédicos, odontológicos e laboratoriais, cujo processo produtivo vem sendo fortemente impactado pela Microeletrônica.

Note-se que esta perda de competitividade não somente representa pressão sobre um financiamento já insuficiente da saúde como também limita o potencial de atendimento das demandas específicas dos serviços de saúde do país. Enfatiza-se, assim, a importância de uma articulação virtuosa entre a política de saúde e a de desenvolvimento tecnológico-industrial, voltadas ao subsistema de equipamentos e materiais de saúde, sem a qual as estratégicas competitivas nacionais e a potencialidade de reestruturação do SUS, de acordo com as características sociosanitárias e demográficas brasileiras, vão se deparar com limites estruturais.

Subsistema de ‘serviços de saúde’

Ao congregar os setores envolvidos com a prestação de serviços de saúde (unidades hospitalares, ambulatoriais e de serviços de diagnóstico e tratamento), o subsistema de serviços organiza a cadeia de suprimento dos produtos industriais em saúde, constituindo-se como mercado final de produtos dos demais segmentos do complexo produtivo e articulando o consumo por parte dos cidadãos.

Ainda que a principal finalidade de qualquer sistema de saúde seja a prestação de serviços, esse não é o único objetivo envolvido neste subsistema, uma vez que seu dinamismo econômico14 14 É válido ressaltar que, apesar de sua importância econômica ao segmento dos serviços de saúde, não se aplica integralmente o conceito de mercado, devido ao fato de o conceito de utilidade nâo poder ser aplicado a um bem essencial como a saúde. e seu potencial de inovação podem alavancar tanto o desenvolvimento industrial quanto a estratégia nacional de inovação. Isso pelo fato de que cada serviço prestado corresponde a um ou mais bens, muitas vezes de alta tecnologia, passível de produção e de desenvolvimento no país, o que situa os serviços de saúde em uma agenda de intenso protagonismo na arena política nacional e internacional, mostrando que vários são os interesses em jogo, quando se pensa em estruturar um sistema de saúde.

Além das questões mais obviamente relacionadas à dinâmica deste subsistema (acesso e perfil sanitário), também influenciam significativamente a dinâmica dos serviços de saúde o arcabouço político institucional, as indústrias do Complexo da Saúde, suas novas tecnologias e a geração de conhecimento.

Diante destes elementos, os serviços de saúde têm se organizado crescentemente como uma indústria em bases empresariais de grande escala, tendo na capacidade de inovação o principal fator de dinamismo, competitividade e autonomia.

A partir deste reconhecimento, o Ministério da Saúde, sobretudo com a criação da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE), em 2003, começa a institucionalizar sua relação com os segmentos industriais do CETS e a valorizar a potencialidade da saúde também como frente de inovação.

Devido à universalidade do Sistema Nacional de Saúde brasileiro, de um lado existe uma potencialidade do uso do poder de compra por parte do Estado para induzir as inovações no setor; de outro, considerando a crescente pressão pelo controle de gastos em saúde, evidencia-se a necessária busca de tecnologias assistenciais mais eficientes, com relações custo-benefício adequadas, sobretudo pela crescente interdependência entre nanotecnologia, biotecnologia e Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) e pelos formatos de prestação e organização dos sistemas de saúde.

Essa questão torna-se ainda mais relevante se considerado o subfinanciamento do SUS e a marcante incoerência no financiamento público do SUS, cuja participação não chega a 50% do total dos gastos em saúde, assemelhando-se à composição dos gastos do modelo liberal de saúde norte-americano. Assim, o pacto político-social constitucional, que define um sistema universal, co-habita com a estrutura de dispêndio de um sistema de saúde mercantil, cujo peso do gasto privado é incompatível com a universalização do acesso. Como consequência, constitui-se um sistema de saúde dual, bastante afeto aos interesses privados, que acaba por reforçar as existentes desigualdades de renda e regionais (GADELHA; COSTA, 2011aGADELHA, C.A.G.; COSTA, L.S. Saúde e desenvolvimento nacional: a gestão federal e ntre 2003 e 2010. In: MACHADO, C.V. et al. Política de saúde no Brasil: continuidades e mudanças nos anos 2000. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2011a.).

Neste sentido, Bezerra et al. (2011)BEZERRA, I.M.P. et al. Velhas e novas formas de intervenção em saúde: os modelos assistenciais em análise. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 35, n. 89, abr./jun. 2011, p. 197-206. defendem que mudanças no modelo de atenção à saúde tornam-se essenciais para a consolidação do sistema de saúde brasileiro, dada

a necessidade de qualificar o cuidado por meio de inovações produtoras de integralidade da atenção, da diversificação das tecnologias de saúde e da articulação das práticas de diferentes profissionais e esferas da assistência. (p. 198).

A efetividade dos sistemas de saúde requer a reestruturação dos mesmos de modo que atendam à necessidade de redução de custo e às alterações do perfil de morbimortalidade da população, cada vez mais marcada por doenças crônicas, mentais e aquelas decorrentes do estilo de vida. Em decorrência, os governos têm buscado a integração dos serviços prestados no âmbito dos sistemas de saúde, o deslocamento da porta de entrada para a atenção primária e uma difusão dos avanços científicos e tecnológicos para além dos hospitais. Este novo formato de atenção pode possibilitar a expansão do acesso qualificado para regiões atualmente privadas de infraestrutura de média e alta complexidades.

Entretanto, enquanto não se articularem os interesses públicos e privados na agenda de saúde e o volume de financiamento tornar-se compatível com um sistema universal, não há garantias que o sistema e as tecnologias articuladas pelo mesmo se orientem pela ampliação do acesso e pela atenção das necessidades sociais coletivas. Fato este agravado pelo tardio, e ainda embrionário, reconhecimento da importância da agenda de ciência e tecnologia por parte dos gestores da saúde.

Desafios para o fortalecimento do CEIS e da agenda de inovação em saúde

A compreensão da dinâmica dos interesses mercantis e capitalistas nos espaços sociais e, mais importante, a reflexão de como suas contradições podem ser reguladas fazem parte do processo da compreensão de que desafios ainda precisam ser superados pela saúde no Brasil. Assim, enfatiza-se a importância da análise de seu complexo produtivo, por articular um conjunto altamente dinâmico de atividades econômicas que podem se relacionar virtuosamente em um padrão de desenvolvimento, no qual o crescimento econômico e a equidade sejam objetivos complementares (GADELHA; MALDONADO; COSTA, 2011GADELHA, C.A.G.; MALDONADO, J.M.S.V; COSTA, L.S. Complexo Industrial da Saúde: dinâmica de inovação no âmbito da saúde. In: GIOVANELLA, L. et al. (Org.). Políticas e Sistemas de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2011 (Mimeo).).

A análise sistêmica empreendida mostra que um dos desafios enfrentados para a estruturação e a gestão do sistema nacional de saúde refere-se justamente a encontrar um meio de articular virtuosamente os componentes que impactam a estruturação dos serviços de saúde e os interesses a eles atrelados.

No que tange mais especificamente aos serviços de saúde, um desafio to ao subfinanciamento e à baixa participação do setor público neste financiamento, permanecendo limites expressivos na prestação de serviços de saúde em termos quantitativos, qualitativos e regionais. O próprio fato de o debate sobre os recursos do SUS ter sido tratado predominantemente no âmbito setorial da saúde reflete que o financiamento de um sistema universal não adquiriu centralidade no âmbito do estado nacional.

Com relação aos segmentos industriais da saúde, vale enfatizar que, a despeito dos desdobramentos concretos do reconhecimento do caráter estratégico da saúde no âmbito dos setores produtivos, a felta de uma base endógena de inovação ainda pontua sério risco de reversão no processo de fortalecimento da base produtiva de saúde.

Consequentemente, o sistema permanece crescentemente dependente de importações, levando ao aumento do custo para a provisão da saúde, o que provoca o aumento substantivo no deficit comercial brasileiro, que chega aproximadamente a US$ 10 bilhões em 2010 (GADELHA; COSTA, 2011bGADELHA, C.A.G. A saúde na política nacional de desenvolvimento: um novo olhar sobre os desafios da saúde. In: Saúde Brasil 2022-2030. PARTE 1 – Desenvolvimento, Estado e Politicas de Saúde. SAE – FIOCRUZ: 2011b (Mimeo).) e, portanto, compromete a capacidade de cumprir com os princípios do SUS.

Além disto, no que se refere especificamente às inovações em saúde, resta o importante desafio de intensificar a convergência entre as inovações no âmbito do CEIS e as necessidades de saúde coletiva. O desafio é fazer com que os interesses econômicos finalmente tes orientados, o que, por sua vez, depende de uma política transversal e multidisciplinar que envolva as esferas de governo. Ademais, ao se qualificar a participação social no SUS, um dos importantes desafios deste sistema de saúde, é possível superar uma relação restrita ao mercado e ao Estado, passando a incorporar as instâncias deliberativas da sociedade.

Ao contrário disto, até o presente, as assimetrias na força dos interesses sanitários e econômicos envolvidos têm sido responsáveis, no Brasil, pelo estabelecimento de uma relação hierárquica entre eles, favorável aos últimos, Como consequência, o sistema de saúde vem incorporando tecnologias que não são, em sua maioria, as mais adequadas ao modelo institucional e ao perfil epidemiológico da população. Para evitar tal situação, é urgente a adequação de uma ainda jovem política de incorporação tecnológica no Brasil. Ademais, sem uma mudança neste aspecto, o Sistema Nacional de Saúde continuará sofrendo os efeitos de uma crescente judicialização da saúde.

Nesta análise vale enfatizar que o protagonismo do Estado na mediação dos interesses em jogo constitui outro grande desafio dessa agenda, principalmente, no que diz respeito ao aparato regulatório, o uso de seu poder de compra e a adequação do modelo de gestão e fortalecimento do CEIS, Sem esta atuação do Estado, a relação entre os interesses públicos e privados tende a manter-se desequilibrada, o que prejudica sobremaneira a saúde pública e o sistema de bem-estar social.

Fica claro, portanto, que os grandes desafios do SUS situam-se na esfera política, e, para que as ações em saúde sejam eficientes e integradas, é necessário que se defina o modelo de bem-estar que se quer implementar no país.

Neste sentido, o caminho aponta para a necessidade de promoção do desenvolvimento tecnológico articulando os sistemas de inovação e bem-estar social. Apenas deste modo será possível, segundo Albuquerque (2007)ALBUQUERQUE, E.M. Celso Furtado, a polaridade modernização-marginalização e uma agenda para a construção dos sistemas de inovação e de bem-estar social. In: SABOIA, J.; CARVALHO, F.J.C. Celso Furtado e o século XXI. Barueri, SP: Manole; Rio de Janeiro: Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007, p. 181-204., superar a histórica polaridade modernização-marginalização, na qual o processo de modernização tecnológica ocorreu simultaneamente ao de marginalização social.

Deste modo, o desenvolvimento tecnológico deve ser orientado para que se tenha um caráter mais equitativo, visando reverter a dinâmica vigente da geração de inovação não-vinculada às necessidades sociais. A grande questão em aberto é como induzir a taxa de progresso técnico e como definir sua direção, ou seja, como fazer com que a inovação siga rumos socialmente desejáveis e sustentáveis. Em outras palavras, a sustentabilidade estrutural do sistema de saúde brasileiro remete à necessidade de pensar o padrão de desenvolvimento do país em função da maneira como este se expressa e se reproduz no âmbito da saúde.

Estas são algumas questões fundamentais para a análise dos próximos passos necessárias para a articulação virtuosa entre saúde e desenvolvimento.

Considerações finais

Partiu-se, neste artigo, da abordagem da economia política para uma compreensão abrangente da saúde, dado que esta articula processos de produção de bens e serviços e envolve um conjunto de setores e instituições, que interagem de forma sistêmica. Conforme demonstrado, a saúde envolve espaços de mercado e do Estado regidos por um mesmo arcabouço político institucional, e o tratamento não-sistêmico dos interesses públicos e privados da saúde tem levado à desconsideração de variáveis relevantes na elaboração das políticas de saúde.

Nesta perspectiva, a inovação ganha um campo de estudo privilegiado na área da saúde, dado que mobiliza uma relevante infraestrutura em C&T, uma base industrial e de serviços relativamente consolidada que envolve setores portadores de futuro e um arcabouço político-institucional favorável, o que a insere estrategicamente na agenda de desenvolvimento (GADELHA; MALDONADO; COSTA, 2011GADELHA, C.A.G.; MALDONADO, J.M.S.V; COSTA, L.S. Complexo Industrial da Saúde: dinâmica de inovação no âmbito da saúde. In: GIOVANELLA, L. et al. (Org.). Políticas e Sistemas de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2011 (Mimeo).).

O reconhecimento da centralidade da saúde na agenda de desenvolvimento tem levado à crescente institucionalização do caráter estratégico do complexo da saúde, o que representa um possível passo para consolidar um padrão de desenvolvimento voltado ao crescimento econômico e à equidade como objetivos complementares.

Esta institucionalização do CEIS também é importante na medida em que aponta para a incorporação, nas políticas de governo, da percepção de que a fragilidade da base produtiva e inovativa nacional em saúde – em uma área de alta intensidade e dinamismo científico e tecnológico - implica riscos tanto para a orientação de uma atenção universal e integral à saúde, garantida constitucionalmente, como para o projeto de desenvolvimento e inserção competitiva nacional, em ambiente globalizado.

Pode-se afirmar, inclusive, que, embora de modo incipiente, essa nova perspectiva reflete o reconhecimento da associação das dimensões social e econômica no âmbito das políticas públicas voltadas ao desenvolvimento nacional. Como reflexos deste protagonismo atribuído à saúde, iniciativas diversas se concretizaram no sentido de fomentar a produção e a inovação no âmbito do CEIS, assim como orientá-las a partir das demandas sanitárias.

Entretanto, o persistente déficit to da saúde mostra que estas iniciativas ainda são insuficientes ao qual o Sistema Nacional de Saúde está submetido, sobretudo quando considerada a pressão insustentável nos custos de saúde, resultante das novas tendências demográfica.

É importante enfatizar que a conjuntura atual, apresentada neste estudo, torna possível a superação do mito de que as políticas de saúde universais e integrais e aquelas direcionadas ao adensamento do SNIS e de sua base produtiva, o CETS, são incompatíveis. Para que isso aconteça, entretanto, é necessário superar a atual desarticulação entre a atenção à saúde e a dinâmica industrial e de inovação, que aponta para uma dicotomia falsa entre saúde e desenvolvimento econômico.

Para tanto, cabe aos Estados nacionais mediar estes interesses, de natureza social e econômica, visando ao estabelecimento de uma agenda virtuosa tanto na geração e incorporação de inovação, quanto na reestruturação dos serviços em saúde que seja condizente com os novos desafios impostos pela mudança no perfil epidemiológico e demográfico da população.

  • *
    Este artigo baseou-se nos trabalhos de análise da dinâmica do Sistema Produtivo da Saúde, realizada no âmbito do Grupo de Pesquisa de Inovação em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (GIS/ENSP/FIOCRUZ), os quais embasaram a elaboração de capítulo da segunda edição do livro-texto Políticas e Sistemas de Saúde no Brasil.
  • Suporte financeiro: Não houve
  • 1
    Neste artigo, o CEIS será tratado indiscriminadamente pelos termos ‘complexo produtivo da saúde,’ ‘complexo industrial da saúde,’ ‘complexo da saúde’ e ‘complexo produtivo’.
  • 2
    É importante ressaltar que, neste artigo, desenvolvimento não é tratado como sinônimo de crescimento econômico, mas sim como um “processo de mudança social pelo qual o crescente número de necessidades humanas [...] são satisfeitas [por meio] de uma diferenciação no sistema produtivo, gerado pela introdução de inovações tecnológicas” (FURTADO, 1964FURTADO, C. Dialética do Desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1964.).
  • 3
    O conceito de SNI refere-se ao conjunto de instituições distintas que contribuem para o desenvolvimento e a difusão de tecnologias, tendo como fontes para a geração de inovação nâo apenas as empresas, mas também o universo de organizações e instituições políticas envolvidas nesse processo. Cada uma dessas instituições apresenta características históricas e culturais particulares e graus distintos de densidade e interações, o que implíca a utilização da abordagem de economia política e atuação específica e diferenciada (GADELHA; MALDONADO, 2008GADELHA, C.A.G.; MALDONADO, J.M.S.V. Complexo Industrial da Saúde: dinâmica de inovação no âmbito da saúde. ln:GIOVANELLA, L. et al. (Org.). Políticas e Sistemas de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2008. p. 247-281.).
  • 4
    Para uma análise mais aprofundada do conceito, ver Albuquerque e Cassiolato (2000)ALBUQUERQUE, E.; CASSIOLATO, J. As especificidades de inovação do setor saúde: uma resenha da literatura como introdução a uma discussão sobre o caso brasileiro. Estudos Federação de Sociedades de Biologia Experimental 1, 2000..
  • 5
    Para informações detalhadas destas iniciativas, ver Gadelha e Costa (2011a)GADELHA, C.A.G.; COSTA, L.S. Saúde e desenvolvimento nacional: a gestão federal e ntre 2003 e 2010. In: MACHADO, C.V. et al. Política de saúde no Brasil: continuidades e mudanças nos anos 2000. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2011a..
  • 6
    Para uma apresentação e análise mais aprofundada de cada um dos subsistemas do CEIS, ver Gadelha et al., (2009)GADELHA, C.A.G. et al. Complexo Econômico-industrial da Saúde. Relatório Final do Projeto PIB: Perspectiva do Investimento no Brasil. IE – UFRJ/IE-Unicamp – BNDES. 2009. Disponível em: <http://www.projetopib.org/?p=documentos>. Acesso em: 6 fev. 2012.
    http://www.projetopib.org/?p=documentos...
    e Gadelha et al. (2011)GADELHA, C.A.G. Desenvolvimento produtivo e complexo da saúde: a inserção do CEIS na política de desenvolvimento nacional, perspectivas para 2022-2030, PARTE 5. In: Saúde Brasil 2022-2030. SAE: FIOCRUZ, 2011 (Mimeo)..
  • 7
    No Brasil, esta situação torna-se clara ao se observar a balança comercial relativa às importações de fármacos e medicamentos, tomada como o indicador mais poderoso dessa dependência, cuja soma em 2010 alcançou mais de US$ 6 bilhões em valores atualizados pela inflação americana (ALICE-Web, 2011ALICE-Web. Sistema Alice. 2011. Disponível em: <http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br>. Acesso em: 6 fev. 2012.
    http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br...
    ).
  • 8
    Vale mencionar que foi a consolidação dos genéricos no país que garantiu um crescimento expressivo das empresas nacionais no decorrer da última década, chegando a obter 45% do faturamento da indústria farmacêutica nacional (AGUILAR, 2009AGUILAR, A. Inovação é o calcanhar de Aquiles. Valor Econômico. Saúde, Valor Setorial. Jornal Valor Econômico, Suplemento Especial de Dezembro de 2009, p. 22-4.).
  • 9
    É importante ressaltar que as importações, no final dos anos 1990, eram de US$ 100 milhões, Esta explosâodas importações em 20 anos é em grande parte associada ao feto de o Programa Nacional de Autossuficiéncia em Imunobiológicos (Pasni) ter sido desativado no final da década de 1990, deixando os produtores sem qualquer mecanismo sistemático de coordenação das ações e de promoção dos investimentos.
  • 10
    O gasto com a importação de hemoderivados saltou de menos de US$ 100 milhões, em 1997, para mais de US$ 1 bilhão, em 2010 (GIS/ENSP/FIOCRUZ, 2011), tornando-se mais dependente das empresas líderes mundiais e fragilizando toda sua política de acesso.
  • 11
    Isso porque seus produtos ocorrem in vitro, não requerendo o volume de gastos associados aos testes clínicos para aprovação de produtos.
  • 12
    Os Estados Unidos representa, inconteste, o maior mercado mundial, com praticamente 40% do total, e 16 das 20 maiores empresas da indústria (que se estabelecem como as que mais investem em P&D), sendo também o maior exportador e importador mundial (GADELHA et al., 2009GADELHA, C.A.G. Saúde e Desenvolvimento: uma perspectiva territorial. In: VIANA, A.L.D.; IBAÑEZ, N.; ELIAS, P.E.M. Saúde, Desenvolvimento e lerritório. São Paulo: Hucitec, 2009.).
  • 13
    Deve-se ainda levar em conta que parte significativa das compras de entidades privadas é reembolsada pelo sistema público de saúde, o que, na prática, aponta para uma demanda próxima de 50% dos produtos vendidos pela indústria (PIERONI; REIS; SOUZA, 2010PIERONI, J.P.; REIS, C.; SOUZA, J.O.B. A indústria de equipamentos e materiais médicos, hospitalares e odontológicos: uma proposta de atuação do BNDES. BNDES Setorial: 2010. p. 185-226.).
  • 14
    É válido ressaltar que, apesar de sua importância econômica ao segmento dos serviços de saúde, não se aplica integralmente o conceito de mercado, devido ao fato de o conceito de utilidade nâo poder ser aplicado a um bem essencial como a saúde.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2012

Histórico

  • Recebido
    Out 2011
  • Aceito
    Jan 2012
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