Acessibilidade / Reportar erro

Vicissitudes do trabalho de grupo entre profissionais de saúde dos Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas

Vicissitudes in group work among health professionals of the Psychosocial Care Centers - Alcohol and Drugs

RESUMO

Este estudo teve por objetivo descrever a assistência grupal prestada pelos profissionais nos Centros de Atenção Psicossocial Alcool e Drogas. Os grupos constituem importantes estratégias no atendimento aos usuários de substâncias psicoativas, sendo práticas cada vez mais utilizadas nesses contextos. Os grupos recebem diversas designações, são coordenados por profissionais de diferentes áreas e seu funcionamento se dá através de metodologias diversificadas, que dependem da finalidade, do contexto, do referencial adotado pelo profissional de saúde ou ainda da sua experiência clínica.

PALAVRAS-CHAVES
Centros de Atenção Psicossocial; Terapia de Grupo; Álcool; Drogas

ABSTRACT

The objective of this study was to describe the joint assistance provided by the professionals in the “Centers for Psychosocial Attention to Drugs and Alcohol Users” (CAPS-AD). The groups constitute important strategies in the caring of the psychoactive substance users, being practices increasingly used in these contexts. The groups received different nomes, are coordinated by professionals from different areas and their operation is through diverse methodologies, depending on the purpose, context, theoretical adopted by the health professional ar from their clinicai experience.

KEYWORDS:
Psychosocial attention center; Group therapy; Alcohol; Drugs

Introdução

Cada vez mais se verifica a utilização de grupos na assistência dos serviços de saúde. Profissionais provenientes de diversas áreas do conhecimento empregam recursos da atividade grupal em seus campos de trabalho, dentre elas, as áreas da Saúde, Humanas, Ciências Sociais, Artes, Administração, entre outras. Na área da saúde, o grupo tem sido empregado de diversas maneiras, por exemplo, como estratégia de demanda, ou seja, como forma de alocação dos recursos assistenciais para responder ao elevado número de procura por atendimentos; como estratégia de transferência de informações sobre determinados procedimentos e doenças; como práticas alternativas para a compreensão crítica acerca das condições de vida e saúde dos sujeitos como protagonistas no processo de saúde; ou ainda, como dispositivo que favoreça a emergência de modos singulares de existência ou de subjetividades; enfim, são várias as estratégias utilizadas como meio para operacionalizar os processos de trabalho em grupo na saúde, com base nas necessidades e demandas dos sujeitos e nos referenciais que os profissionais adotam em suas práticas, o que aponta para uma ação interdisciplinar dos saberes e práticas profissionais (BARROS, 2007BARROS, R. B. Grupo: a afirmação do simulacro. Porto Alegre: Sulinas, 2007.; MAFFACCIOLLI, 2006MAFFACClOLLI, R. Os grupos na atenção básica de saude de Porto Alegre: uso e modos de intervenção terapêutica. 2006. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.; ZIMERMAN, 2000ZIMERMAN, D. E. Fundamentos básicos das grupoterapias. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.).

Sabe-se que, historicamente, o campo da saúde pública passou por importantes transformações no modelo de atenção à saúde, legitimando as ações assistenciais em práticas voltadas para a promoção da saúde articuladas às estratégias mais amplas de construção da cidadania e de transformação da cultura da saúde. Outras transformações também ocorreram no âmbito da saúde mental, configurando-se na reforma psiquiátrica brasileira, que apontou a construção do paradigma psicossocial, impulsionando o delineamento de diferentes práticas e intervenções para o atendimento às pessoas com transtornos mentais. Contudo, as reformulações não foram somente no âmbito da política ou na reorientação do modelo de atenção, mas também na formação e na prática dos profissionais envolvidos nessa assistência.

Na atenção aos usuários de álcool e outras drogas, desde o início do século XIX, diferentes modelos e abordagens foram elaborados para o tratamento e reabilitação dessa demanda, por constituir uma clientela peculiar, uma vez que difere em suas características pessoais, padrões de consumo, motivações para o uso de droga, realidades psíquicas e perfil socioeconômico e cultural. Diante disso, as atividades grupais têm sido uma das abordagens de intervenção mais adotadas nos serviços de saúde mental que compõem a rede de assistência aos usuários de substâncias psicoativas e, nesse contexto, inserem-se os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas - CAPSad (ZIMERMAN; OSÓRIO, 1997ZIMERMAN, D. E.; OSÓRIO, L. C. (CaL). Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.).

Os CAPSad foram criados pelo Ministério da Saúde e oferecem atendimento à população com transtornos decorrentes do uso e dependência de substâncias psicoativas, álcool e outras drogas. Essa clínica tem sido considerada um grande desafio para a saúde pública, nos tempos modernos. Considerado um importante dispositivo para acompanhamento dos transtornos relacionados ao uso de substâncias psicoativas tornando-se o regulador da porta de entrada e referência para a atenção aos usuários de álcool e outras drogas, o CAPSad desenvolve ações que contemplam desde a assistência no nível primário de saúde até a reabilitação e reintegração dos usuários de álcool e outras drogas na comunidade, sendo operacionalizado por uma equipe multiprofissional que se utiliza de várias estratégias no cuidado a essa clientela (BRASIL, 2004BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Saúde mental no SUS: os CAPS. Brasília: MS, 2004.).

Dentro desse contexto, faz-se necessário conhecer como as equipes que atuam nesses serviços lidam com as novas estratégias de assistência em saúde, especificamente, as estratégias grupais. De fato, há uma escassez de elementos indicativos para se conhecer o panorama em que essas atividades se apresentam e também as condições em que se desenvolvem e a sua efetividade nos serviços de saúde. Este estudo tem por objetivo descrever a assistência grupal prestada nos Centros de Atenção Psicossocial Áleool e Drogas, compreendendo as concepções de grupo, as metodologias adotadas nos grupos, as dificuldades encontradas pelos profissionais e a preparação destes para desenvolver o processo grupal.

Metodologia

CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO E CENÁRIOS DA PESQUISA

Esta pesquisa caracterizou-se como um estudo exploratório-descritivo, do tipo qualitativo. O estudo foi realizado nos CAPSad que compõem a rede de assistência aos usuários de álcool e outras drogas no Estado do Espírito Santo.

PARTICIPANTES DO ESTUDO

Foram entrevistados 17 profissionais de nível superior que atuavam ou coordenavam as atividades grupais dos CAPSad de diversas categorias profissionais, dentre eles, psicólogo, enfermeiro, assistente social, musicoterapeuta, arteterapeuta, artista plástico, terapeuta ocupacional e farmacêutico.

PROCEDIMENTOS

Inicialmente foi feita uma pesquisa documental para colher dados, registros históricos dos cenários estudados, através da busca por documentos disponíveis on-line e nos acervos das prefeituras municipais. A coleta do material foi realizada nos meses de junho a agosto de 2009. A técnica de investigação escolhida para a coleta do material foi a entrevista semi-estruturada. Para a construção dos dados, foi utilizado um roteiroguia de entrevista com questões abertas e fechadas que contemplou as informações necessárias para a exploração do objeto de pesquisa. Todo o material qualitativo após a transcrição das entrevistas foi submetido a análise de conteúdo proposta por Bardin (2006)BARDIN, L. Análise de conteúdo. 2. ed. Lisboa: Edições 70, 2006., operacionalizadas através da fases de pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados obtidos e interpretação, que resultou em quatro categorias de análise, a saber: 1) concepções de grupo, 2) metodologias adotadas nos grupos, 3) dificuldades encontradas nos grupos e 4) formação e preparação profissional para o trabalho com grupos, que foram relacionadas ao referencial teórico.

ASPECTOS ÉTICOS

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (protocolo nº055/09) e todos os procedimentos foram conduzidos conforme os dispositivos da Resolução nº 196/96. Além disso, a pesquisa foi submetida à anuência das Secretarias Municipais de Saúde, sendo devidamente autorizadas.

Resultados e Discussão

CARACTERIZAÇÃO DAS ATIVIDADES GRUPAIS

No tocante as atividades grupais, observou-se uma diversidade de ofertas terapêuticas e denominações diferenciadas nos grupos desenvolvidos nos CAPSad, sendo chamados de grupos de acolhimento, acompanhamento, oficinas terapêuticas e assembléias (Figura 1).

Figura 1
Atividades Grupais Desenvolvidas nos CAPSad

Os Grupos de Acolhimento são considerados a porta de entrada do serviço. É um grupo voltado para recepção dos usuários que buscam o serviço pela primeira vez, por demanda própria ou por encaminhamento dos serviços de saúde, da justiça ou por outros serviços. Nesse grupo, apresenta-se o funcionamento do serviço, colhese a história de vida, traça-se o projeto terapêutico e são feitos os encaminhamentos necessários, permitindo que o usuário também expresse suas expectativas e demandas. São grupos voltados para o diálogo e escuta e tem por objetivo fazer uma anamnese geral dos usuários que chegam ao serviço, para, posteriormente proceder aos encaminhamentos necessários.

Os Grupos de Acompanhamento são considerados grupos terapêuticos mais específicos voltados para clientelas e demandas específicas. São grupos classificados segundo a faixa etária (grupo de adolescentes, grupo de 18 a 25 anos, grupo acima de 45 anos), gênero (grupo de mulheres, grupo de homens) e em alguns serviços são classificados segundo a utilização de um tipo de droga (grupo de álcool, grupo de múltiplas drogas). Nesses grupos, várias estratégias são utilizadas abordando temas diversos, é um grupo de discussão e reflexão, que se utiliza do diálogo, de dinâmicas e técnicas para gerar algum tipo de discussão.

As Oficinas são uma das principais formas de tratamento oferecido nos CAPSad. São atividades da atenção diária, voltadas para usuários que necessitam de uma atenção mais intensiva. São consideradas atividades grupais de socialização, expressão e inserção social. Diferenciam-se dos grupos de acolhimento e acompanhamento pela freqüência das atividades que são mais intensas. As oficinas podem ter um caráter produtivo (possibilitando o aprendizado de atividades que podem servir para geração de renda), educativo (aprendizagem de alguma técnica ou habilidade), terapêutico (espaço de reflexão, expressão corporal, expressão artística, transformação e criação) informativo ou expositivo.

As Assembléias são reuniões mensais realizadas nos serviços, que envolvem usuários, técnicos e familiares, com o intuito de discutir sobre temáticas relacionadas à estruturação do serviço, ao atendimento prestado pela equipe, as demandas dos usuários, à organização do serviço, às queixas e sugestões para a melhora do serviço, entre outras, sendo que todos discutem, avaliam e propõem encaminhamentos juntos.

De modo geral, nota-se que o atendimento prestado no âmbito das atividades grupais se dá de diversas maneiras, dependendo da modalidade de atenção (intensiva, semi-intensiva ou não-intensiva) demandada pelo usuário do serviço.

ATIVIDADES GRUPAIS: DA CONCEPÇÃO À FORMAÇÃO

Após a transcrição e análise de todo o material chegou-se a quatro categorias analíticas, que permitiram descrever as principais concepções de grupo, as metodologias utilizadas, as dificuldades e desafios encontradas no trabalho com grupos e a formação e preparo do profissional para o desenvolvimento dessa prática.

1- Concepção de grupo

O conceito de grupo é discutido por inúmeros autores, e pode designar diferentes conceituações a depender do contexto em que é utilizado. Como assinala Zimerman (2000)ZIMERMAN, D. E. Fundamentos básicos das grupoterapias. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. “[...] é muito vaga e imprecisa a definição do termo ‘grupo’, pois pode designar conceituações muito dispersas, num amplo leque de acepções” (p. 82). Nos cenários estudados, o termo grupo esteve associado principalmente à reunião de pessoas ligadas por um mesmo objetivo ou por uma mesma problemática, que neste caso, é o uso da droga. “Grupo é a interação entre pessoas para um objetivo” (SUJEITO O). “Grupo é um conjunto de pessoas, são pessoas completamente diferentes, mas que por algum motivo elas tem algum objetivo em comum [...]” (SUJEITO F).

O termo “grupo” aponta certa ambigüidade, não sendo um mero somatório de pessoas. No entanto, um dos principais requisitos que caracterizam um grupo é o objetivo em comum e a necessidade de haver alguma interação entre os indivíduos. Conforme Zimerman (2000)ZIMERMAN, D. E. Fundamentos básicos das grupoterapias. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. o que caracteriza um grupo é que todos os integrantes “[...] estão reunidos em torno de uma tarefa e de um objetivo comum” (p. 83). Do ponto de vista de Osório (2000)OSÓRIO, L. C. Grupos; teorias e práticas: acessando a era da grupalidade. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. o grupo pode ser um conjunto de pessoas que estão ligadas por interesses em comum, numa ação interativa e compartilhada, mas para que se configure verdadeiramente um grupo é necessário que haja alguma interação entre os indivíduos. Para Pichón-Riviere (2005)PICHÓN-RIVIÈRE, E. O processo grupal. 7. ed. São Paulo: Martins fontes, 2005., o grupo é um conjunto de pessoas, ligadas pelo tempo e espaço, que se propõem a realização de uma tarefa ou uma finalidade. As concepções relatadas pelos profissionais que coordenam os grupos nos CAPSad se aproximam muito das características básicas de um grupo - a interação e o objetivo em comum. O fato de pessoas estarem ligadas por uma problemática em comum (no caso dos CAPSad - o uso da droga) pressupõe a finalidade ou a tarefa.

Algumas falas assinalaram concepções de grupo como estratégia ou instrumento de trabalho para atendimento à demanda, para a dinamização do trabalho e viabilização do processo terapêutico.

[...] o grupo é uma estratégia de atendimento que nós criamos para poder atender a demanda, que é muito grande, porque se fossemos atender individualmente, não daríamos conta, não teríamos horários nas agendas para atender todo mundo (SUJEITO

Grupo pra mim é um instrumento de trabalho que a gente usa, é um dos recursos que a gente usa dentro desse processo terapêutico (SUJEITO E).

Do ponto de vista de Maffacciolli (2006)MAFFACClOLLI, R. Os grupos na atenção básica de saude de Porto Alegre: uso e modos de intervenção terapêutica. 2006. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006. as atividades grupais podem ser uma forma de sistematizar a assistência. Sua funcionalidade pode estar “[...] atrelada, além dos aspectos de tratamento, a uma forma de manejar o elevado número de procura por atendimentos” (p. 22). Segundo Bordin et al., (2004)BORDIN, S.; FIGLIE, N. B.; LARANJEIRA, R. Terapia cognitiva. In: FIGLIE, N. B.; BORDIN, S.; LARANJEIRA, R. Aconselhamento em dependência química. São Paulo: Roca, 2004. p. 187-212. o grupo é uma alternativa viável e efetiva, pois atende um maior número de pessoas, em menor tempo, com baixo custo. Isso pode ser considerado como uma das vantagens que o trabalho de grupo oferece, mas pensar o grupo somente com esse enfoque é reduzir essa estratégia a uma visão simplista, que não comprova seu grande potencial terapêutico e transformador. De outro modo, Maffacciolli (2006)MAFFACClOLLI, R. Os grupos na atenção básica de saude de Porto Alegre: uso e modos de intervenção terapêutica. 2006. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006., numa concepção diferente, revela que as atividades grupais podem ser instrumentais metodológicos potenciais ou ferramentas eficazes, capazes de viabilizar, através do vínculo entre usuário e profissional, a compreensão das situações de vida e do processo saúde-doença dos indivíduos. Nesse sentido, ao reconhecer o grupo como ferramenta terapêutica assistencial pressupõe entendê-lo como espaço de escuta, troca, discussão, de compartilhamento de experiências, e por isso, um espaço muito rico). Isso foi evidenciado nas falas de alguns profissionais entrevistados.

[...] o grupo é um espaço muito rico de discussão, de escuta, de troca, porque são várias pessoas com vivências diferentes, momentos diferentes [...] (SUJEITO L).

[...] o grupo é uma estratégia de atendimento e também um espaço para partilhar experiências [...] (SUJEITO L).

Os grupos proporcionam uma partilha de experiências, de sentimentos com outras pessoas, que possibilita o desempenho social do indivíduo na comunidade (SCHUCKIT, 1998SCHUCKIT, M. A. Abuso de álcool e drogas. Lisboa: Climepsi, 1998.). A finalidade do grupo como espaço é propiciar um ambiente em que as pessoas possam falar de seus medos, anseios, angústias, fantasias acerca do que estão vivenciando em suas vidas, privilegiando ainda a troca de experiências. Essas trocas se dão em diversos sentidos, o que torna esse espaço rico. Segundo Mello (2002)MELLO, V. R. Grupo como dispositivo de promoção de saúde. 2002. Monografia (Pós-Graduação em Saúde Publica) - Escola de Saúde Pública - Secretaria de Estado da Saúde do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2002. “o trabalho em grupo merece ser estimulado como um espaço onde as trocas se dêem em diversos sentidos, tornando o processo mais rico e contribuindo para a formação de vínculo entre as participantes” (p. 15).

De modo geral, verificou-se que as concepções de grupo dos entrevistados confluem para as características básicas da constituição de um grupo com relação a sua finalidade (objetivo em comum), a troca e a interação que se estabelece, que constituem o cerne do processo grupal.

2- Metodologias adotadas nos grupos

As metodologias adotadas nos grupos foram relacionadas aos principais fundamentos técnicos que devem ser considerados ao se desenvolver grupos. Com relação ao funcionamento do grupo foram levados cm consideração alguns elementos do enquadre grupal. Esses elementos estão relacionados com a seleção do público e com a composição dos grupos. No que se refere à composição, os grupos podem ser abertos ou fechados, homogêneos ou heterogêneos. Os grupos abertos são grupos em que não há prazos de término previamente fixados e ainda há possibilidade de entrada de novos membros (sempre que houver vagas). Nos grupos fechados são estabelecidos algumas regras que a entrada de novos membros não é permitida, o que favorece a criação de vínculos, confiança e afeto entre os componentes. Nesses grupos, o delineamento do processo grupal se mantém tanto na sua constituição como na duração, que são pré-determinadas (OSÓRIO, 2000OSÓRIO, L. C. Grupos; teorias e práticas: acessando a era da grupalidade. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.). Com relação aos grupos homogêneos, estes são formados a partir de semelhanças Com relação à idade, ou sexo, diagnóstico, tipo de droga etc. Nos grupos heterogêneos há uma composição variada por sexo, idade, doença, raça, cultura etc.

Nos cenários estudados, as experiências apontam maiores sucessos quando os profissionais optam pelos grupos abertos. A opção por esses grupos foi relatada em todas as falas dos sujeitos e parece, em todas elas, atrelada às características do público atendido.

[...] a gente trabalha com grupo aberto de pessoas, não é um grupo fechado, por exemplo, está sempre, quer dizer, toda semana pode entrar gente diferente, e a gente conversa isso, deixa claro as regras [...] (SUJEITO E).

[...] o grupo é aberto, é dividido por faixa etária e por gênero, masculino e feminino, e faixa etária [...] (SUJEITO O).

Experiências com grupos fechados não foram bem-sucedidas.

[...] inicialmente a gente pensou numa proposta de grupo fechado e não funciona, não rola porque no final das contas só tinha um paciente porque eles vão desistindo, entendeu, aí não vem, entram outros, aí não podia entrar outros porque a gente tinha uma proposta, aí não deu certo esse grupo [...] (SUJEITO I).

Sabe-se que um dos principais desafios no tratamento aos usuários de drogas é a questão da recaída, ou seja, a retomada do usuário ao antigo padrão de consumo (MARLATTI; GORDON, 1993MARLATTI, A.; GORDON, J. R. Estrategias de manutenção no tratamento de comportamentos aditivos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.). Isso faz com que iniciem, interrompem e reiniciam novamente o tratamento.

“[...] nessa clínica eles vem e param, vem e param e, muitas vezes nem vem e fica [...] é característico desses usuários mesmo [...]” (SUJEITO I).

Esse processo que acontece no grupo, por características, muitas vezes, próprias da clientela atendida nos CAPSad, gera um certo mal-estar, uma frustração e sensação de fracasso nos profissionais, que foi referida no depoimento de um entrevistado.

[...] por conta deles estarem sob a influencia de uma substancia, tem época que a presença no grupo é altíssima, tem época que grande parte deles somem e pra mim ainda é uma coisa, assim, que ainda estou trabalhando [...] é muito doloroso você vir caminhando com uma pessoa durante meses e de repente ela chega e está acabada, todo aquele tempo vai embora e ela está toda arrasada, fez mil besteiras, está na rua de novo, entendeu, e isso é uma coisa, que lidar, pra mim, é muito doloroso [...] (SUJEITO H).

O trabalho com usuários de substâncias psicoativas parece ser muito difícil para o terapeuta, principalmente por essas características inerentes a droga, que interferem na relação entre paciente e terapeuta e na evolução do tratamento. Como assinala Bordin et al., (2004)BORDIN, S.; FIGLIE, N. B.; LARANJEIRA, R. Terapia cognitiva. In: FIGLIE, N. B.; BORDIN, S.; LARANJEIRA, R. Aconselhamento em dependência química. São Paulo: Roca, 2004. p. 187-212., “[...] os terapeutas consideram difícil trabalhar com um pacientes que abusa de substâncias. Há sem pre o risco de ele abandonar a terapia prematuramente” (p. 38).

No tocante à estrutura do grupo (homogêneos e heterogêneos), houve variações. Alguns profissionais utilizam grupos homogêneos, outros heterogêneos. Os grupos heterogêneos são mais característicos das oficinas, pela sua finalidade, demanda e freqüência diária com que acontecem. Com relação aos grupos de acoIhimenro e acompanhamento, algumas considerações são importantes. Os grupos homogêneos, nos CAPSad, são divididos por gênero (homens ou mulheres) ou por faixa etária (adolescentes ou adultos ou homens de 25 a 45 anos ou ainda homens acima de 45 anos) ou ainda pelo tipo de droga (alcoolistas, usuários de múltiplas drogas). Com relação à heterogeneidade desses grupos, é válido destacar a grande diversidade de pessoas com níveis sociais e realidades diferentes que compõem os grupos nos CAPSad, que geram algumas dificuldades para os profissionais lidarem com isso no grupo, se tornando um grande desafio. Muitas dessas dificuldades foram referidas pelos profissionais.

[...] a gente tem uma dificuldade Com relação aos pacientes, é um mix grande, paciente de abrigo, paciente de classe média, mora em jardim da Penha, mora na Praia do Canto, esse já tem outro referencial, ainda tem alguém por ele, aí vem um paciente que está na rua, está em risco social, está tomando álcool e de posto de gasolina e não tem nada por ele, nem ninguém por ele, aí no grupo a gente não escolhe, chega tudo junto, a demanda é muito grande e a gente tem que fazer malabarismos (SUJEITO J).

Há que se ter alguns cuidados com relação à composição dos grupos. Num grupo muito homogêneo, O nível de interação pode se dá apenas no plano superficial, não gerando tantas discussões e reflexões. Por outro lado, um grupo muito heterogêneo pode gerar algumas dificuldades e conflitos na interação e no entrosamento dos participantes, e cabe ao coordenador saber lidar com essas dificuldades. Tanto o grupo homogêneo quanto o heterogêneo, se bem estabelecidos seu funcionamento, se bem explorados e conduzidos, podem gerar discussões muito ricas e permitir que o grupo cresça em maturidade.

Com relação aos recursos e técnicas utilizadas nos grupos verificou-se o uso de diferentes recursos como dinâmicas, música, contos, imagens, materiais expressivos, arte, pintura, modelagem, desenho, teatro, recursos audiovisual, textos, filmes, entre outros.

Eu utilizo muitos contos, trabalho com imagens, mais materiais mesmo expressivos, são de arte, pintura modelagem, desenho e algumas dinâmicas [...] (SUJEITO F).

[...] a gente trabalha muito com a atividade, no grupo eu uso atividade de tudo, a gente trabalha com poesia, a gente trabalha com revistas, a gente trabalha com argila, com pintura, com desenho, com mosaico então assim é um grupo de atividades (SUJEITO I).

Observou-se que o uso desses recursos depende, muitas vezes, da finalidade do grupo, do que o grupo demanda e do referencial em que o profissional se baseia para realizá-lo.

Alguns entrevistados referiram se apropriarem de técnicas como as do psicodrama (jogos, dramatizações), da arteterapia (técnicas expressivas e vivências) e da psicoterapia corporal (toque, respiração, postura e movimentos específicos) para o desenvolvimento dos grupos. “[...] a gente utiliza técnicas do psicodrama e da arteterapia [...]” (SUJEITO G).

“[...] eu uso muito técnicas da psicoterapia corporal” (SUJEITO Q).

O uso dessas técnicas confere aos grupos um espaço rico de interações, favorece um processo de conscientização, sensibilização e a percepção de sentidos, vivências de papéis, expressão de sentimentos e ainda o processo de ensino-aprendizagem. Dentro desse contexto, pode-se atribuir que a utilização dessas técnicas esteja intimamente ligada aos pressupostos teóricos em que os profissionais se baseiam. Maffacciolli (2006)MAFFACClOLLI, R. Os grupos na atenção básica de saude de Porto Alegre: uso e modos de intervenção terapêutica. 2006. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006. ressalta que é “[...] preciso envolvimento e bom senso do profissional para utilizar os recursos da forma mais criativa possível” (p.70), mas o uso desses recursos, por si só, não garante “[...] o pleno desenvolvimento das práticas de grupo” (p. 70), apontando que os fundamentos para o processo grupal devem estar atrelados às finalidades do grupo, e o que deve prevalecer é a interação e as formas de comunicação estabelecidas entre os participantes.

Notou-se ainda que os profissionais se referiram muito ao uso de “dinâmicas de grupo” como uma técnica grupal.

[...] a gente procura fazer várias dinâmicas [...] (SUJEITO C).

[...] às vezes eu trago algumas dinâmicas já estabelecidas dentro de algo que eu quero trabalhar com eles, mas em geral eu deixo dentro do assunto que surge, até pra ver como é a dinâmica desse grupo, como que ele está funcionando [...] (SUJEITO Q).

Esse termo, proposto por Lewin (1965)LEWIN, K. Teoria de campo em ciência social. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1965., tem sido muito aplicado, atualmente, sendo reduzido, muitas vezes, a mera técnica de integração, interação, animação, apresentação e entrosamento do grupo, diferente do que Lewin construiu como teoria para entender o campo psicológico de um grupo como um campo dinâmico de forças, estabelecendo um referencial acerca do processo grupal. Nesse sentido, o que se observa nas falas dos sujeitos é a utilização da dinâmica de grupo como técnica em si mesma, ou como um meio para se alcançar uma resposta, ou ainda como forma de mobilizar o grupo. Andaló (2001)ANDALÓ, C. S. A. O papel de coordenador de grupos. Psicologia USP. v.12, n.1. p. 135-152, 2001. coloca a necessidade de se ampliar o saber na área do desenvolvimento de grupos para não haver banalizações desse cunho tecnicista, destacando que a falta de uma estruturação e sistematização das atividades de grupo pode ser resultado desses problemas.

Com relação ao referencial adotado pelos profissionais ao desenvolver os grupos, observou-se uma diversidade de abordagens que embasam suas práticas, não seguindo um único referencial. “[...] eu utilizo vário referenciais, eu não sigo uma linha, por exemplo, áh eu só faço grupo operativo [...] eu não sigo uma linha só, depende do grupo, até porque pela diversidade de grupos que eu faço [...]” (SUJEITO I).

O referencial adotado pelos profissionais no grupo serve de sustentação para a escolha de técnicas adequadas para a intervenção e manejo do processo grupal. Sabe-se que o grupo é um objeto de estudo que se configura no entrelaçamento de diferentes e, muitas vezes, contraditórios esquemas teóricos. Conhecer o referencial teórico-metodológico adotado pelos profissionais significa entender como este conduz o processo grupal. De modo geral, observou-se que os profissionais não seguem um único referencial, mas a necessidade e a demanda do grupo os fazem procurar diferentes metodologias e aplicações na prática grupal, no entanto, a formação do profissional pode influenciar na escolha dessa metodologia e, consequentemente, na sua prática grupal. São muitas as abordagens direcionadas para o tratamento dos usuários de substâncias psicoativas, portanto, nesse estudo, os principais referenciais assinalados pelos entrevistados foram a terapia cognitivo-comportamental, os grupos operativos, os protocolos do Ministério da Saúde, a psicanálise, entre outros.

[...] a abordagem cognitivo-comportamental é simples de ser aplicada e é bem diretiva [...] é a busca pelo auto manejo, da própria pessoa estar identificando quais são os pontos fracos dela, quais são as dificuldades que ela tem para se manter afastada da droga, o que ela tem que fazer, agir estrategicamente nisso [...] (SUJEITO M).

Minha leitura é da psicanálise (SUJEITO O). A minha história com grupo é longa, então assim, eu tenho bastante coisa que já estudei de grupo operativo, de Pichón-Riviére, eu vejo essa questão do grupo, dentro dessa vertente, do grupo operativo [...] (SUJEITO O).

Eu me baseio no Ministério da Saúde, eu pego o protocolo do ministério [...] (SUJEITO N).

[...] talvez eu use até um pouco de Paulo Freire, vou dizer o porquê. Eu acredito muito, eu faço grupo muito a partir da realidade, da história de cada um, então é muito no construtivismo naquela questão assim: me fale um pouco sobre a sua história e a partir daí nós vamos tentar conversar [...] (SUJEITO E).

3- Dificuldades encontradas nos grupos

As dificuldades apontadas pelos profissionais foram relacionadas, principalmente ao profissional, aos usuários, à falta de recursos e aquelas ligadas ao processo grupal. Com relação aos profissionais, a falta de preparação destes para trabalhar com grupos, principalmente para aqueles que são iniciantes por conta da inexperiência, certa ansiedade e resistência podem ser observadas, que podem levar à evasão ou ao término do grupo. Outras dificuldades pessoais como a falta de motivação e impaciência para trabalhar com o processo grupal também foram apontadas como dificuldades relacionadas ao profissional.

[...] eu vejo que há uma resistência até do próprio profissional em trabalhar com grupo porque não sabe lidar, então eu acho que é mais uma questão de formação (SUJEITO G).

No início, quando era novidade pra mim, eu nunca tinha feito grupo, então eu tinha muito medo, receio, resistência [...] (SUJEITO D).

[...] eu não tenho muita paciência para lidar com isso, por isso que eu não gosto de grupo (SUJEITO N).

Tenho dificuldades pessoais, por não gostar de trabalhar com grupos [...] (SUJEITO N).

Zimerman (2000)ZIMERMAN, D. E. Fundamentos básicos das grupoterapias. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. coloca alguns atributos indispensáveis para um coordenador de grupo, dentre eles destaca o “gostar e acreditar em grupos” que se refere à motivação do profissional para lidar com os grupos e a “paciência” como atitude ativa do coordenador, um tempo de espera de cada um no grupo.

Com relação aos usuários também foram apontadas algumas dificuldades que se apresentam como resistências para que o processo grupal se desenvolva. “As pessoas que chegam pela primeira vez chegam preocupadas, com medo, ansiosas, então no primeiro momento, a gente tenta quebrar esse ... construir esse vínculo” (SUJEITO M). É necessário que o coordenador possa reconhecer contra quais ansiedades emergentes no grupo uma determinada resistência se organiza (medo da situação nova, de não ser reconhecido como igual aos outros e de não ser aceito por esses, do risco de vir a passar vergonha e humilhações). É importante que o coordenador saiba fazer a discriminação entre essas resistências e angústias, reconhecendo se elas são obstrutivas ao funcionamento do grupo ou simplesmente revelam um mecanismo de defesa da pessoa; se a resistência é da totalidade do grupo, de subgrupos ou de indivíduos (ZIMERMAN, 2000ZIMERMAN, D. E. Fundamentos básicos das grupoterapias. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.).

Outra dificuldade assinalada pelos entrevistados foi a falta de recursos, tanto os relacionados à estruturação física do serviço (espaço físico), como aqueles relacionados a falta de estruturação da rede e à falta de material.

[...] uma dificuldade é acomodar todo mundo numa sala só, porque não tem como, o espaço físico é precário (SUJEITO N).

A gente tem dificuldades em espaço fisico, que não é um local que foi construído para isso, então as salas são pequenas, não é are jado, adequado [...] outra coisa é a falta de material, nós temos poucos materiais, principalmente quando você faz uma vertente dessa questão do grupo operativo, é legal você trazer algumas coisas diferentes pra eles produzirem [...] então isso limita um pouco (SUJEITO B).

De modo geral, constatou-se que os cenários investigados não contavam com condições adequadas para a realização das atividades de grupo, como descritas nas diretrizes de estruturação dos CAPSad. Verificou-se que a maioria dos CAPSad pesquisados não estão estruturados com as condições mínimas conforme as normalizações da Política de Saúde Mental do Estado. A falta de materiais também foi outra dificuldade para a realização dos grupos relatada pelos profissionais. As maneiras de enfrentamento dessas dificuldades adotadas pelos profissionais são criativas e adaptativas, mobilizadas através de investimentos pessoais, criatividade e improvisações.

“[...] a gente tem dificuldades, muitas vezes, institucionais, falta de recursos em algumas oficinas [...] acaba que às vezes a gente faz um ‘investimento pessoal’ mesmo [...]” [grifo nosso] (SUJEITO F).

Outra questão apontada pelos entrevistados foi a falta de estruturação da rede de atendimento aos usuários de álcool e outras drogas para fazer os encaminhamentos necessários.

“Às vezes, a gente precisa encaminhar algum usuário para outro tipo de serviço, para a internação, e é muito difícil conseguir alguma vaga, pois falta uma estruturação de toda a rede” (SUJEITO J).

A rede de atenção em saúde mental, no Estado, ainda é muito frágil e encontra-se em fase de implementação, o que impõe muitos desafios para a efetivação da política estadual de saúde mental, álcool e outras drogas.

Outras dificuldades estavam relacionadas ao processo grupal. A rotatividade e a coesão nos grupos foram apontadas como dificuldade, principalmente, porque gera certa frustração no profissional e descontinuidade do trabalho.

[...] é muito rotativo, às vezes você tem dois ou três pacientes que são aqueles que vem, que acompanha, que fica muito tempo e tal, agora, a maioria começa, para e volta, então isso gera uma dificuldade no trabalho, porque você não tem uma continuidade, você, muitas vezes, não consegue acompanhar a evolução desse paciente ou quando ele já está melhor, ele acaba recaindo [...] (SUJEITO I).

[...] o grupo não é coeso, cada um fala uma coisa e é muita fala ao mesmo tempo e não chega a conclusão nenhuma, acho que pelo fato de não saber lidar com isso no grupo (SUJEITO N).

Por características próprias da clientela, como já assinaladas anteriormente é que ocorre essa rotatividade no grupo. A questão da recaída é algo esperado em todo tratamento para dependentes químicos (MARLATTI; GORDON, 1993MARLATTI, A.; GORDON, J. R. Estrategias de manutenção no tratamento de comportamentos aditivos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.; BORDIN et al., 2004BORDIN, S.; FIGLIE, N. B.; LARANJEIRA, R. Terapia cognitiva. In: FIGLIE, N. B.; BORDIN, S.; LARANJEIRA, R. Aconselhamento em dependência química. São Paulo: Roca, 2004. p. 187-212.). Cabe ao profissional aprender a lidar com essa recaída e estabelecer um contrato terapêutico e o enquadre grupal que dê conta das questões que aparecem no decorrer do grupo.

4- Formação e preparação do profissional para o trabalho com grupos

A importância de se conhecer a formação do profissional e sua experiência com grupos pressupõe compreender a maneira como essa formação influencia sua prática (MAFFACCIOLLI, 2006MAFFACClOLLI, R. Os grupos na atenção básica de saude de Porto Alegre: uso e modos de intervenção terapêutica. 2006. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.). Ao questionar os profissionais sobre sua formação como forma de embasar sua prática grupal, várias falas assinalaram que a formação, muitas vezes, não é suficiente para o desenvolvimento na prática, mas a experiência clínica favorece um grande aprendizado da realidade.

“[...] na minha formação eu não tive nada de grupo, nem teórico e muito menos prático, então pra mim foi uma dificuldade muito grande [...]” (SUJEITO D).

A experiência com os usuários de substâncias psicoativas coloca os profissionais diante de inúmeros desafios. Em primeiro lugar, trabalhar numa perspectiva diferente daquela aprendida na formação, altamente prescritiva e centrada na doença.

[...] a minha formação foi bem curativa, para trabalhar em hospital [...] éramos bem preparados para trabalhar em hospital, não tinha outro caminho [...] (SUJEITO D).

[...] nossa formação na faculdade é uma formação muito voltada para métodos, essa sim é a formação da área de saúde, nós aprendemos coisas que tem uma descrição técnica [...] (SUJEITO J)

Em segundo lugar, enfrentar seus medos, anseios e insegurança para lidar com uma abordagem pouco vivenciada na formação.

“Quem já tem alguma noção, uma vivência em grupo vai facilitar, mas quem não tem, tem dificuldades, ele precisa se engajar no trabalho e não sabe como fazer” (SUJEITO G).

Em terceiro lugar, aprender com a experiência e buscar, por si só, fundamentos teóricos e referenciais básicos para entender o processo grupal, e principalmente com uma clientela tão específica,

[...] eu acho que a própria experiência foi me capacitando, tive que correr atrás do conhecimento sozinha porque álcool e drogas é muito específico [...] a própria vivência foi me fazendo com que me sentisse preparada para isso [...] (SUJEITO F).

Eu aprendi mais na prática mesmo (SUJEITO M).

Para aqueles que já tem uma formação que lhes dá base para trabalhar com grupos, o desafio é associar toda teoria à prática. “[...] toda teoria que você aprende da faculdade se esbarra com uma prática bastante complexa [...]” (SUJEITO O).

Ao questionar sobre a preparação do profissional para lidar com grupos, as respostas estiveram, em sua maioria, associadas à busca constante por conhecimento.

Acho que a gente nunca está preparado [...] a gente sempre tem que estar aberto para aprender [...] mas a maior experiência vem com a prática (SUJEITO M).

[...] eu acho que é sempre um aprendizado [...] é um serviço que todo dia você tem um desafio, então você tem que estar sempre buscando, sempre estudando, eu quero nunca falar que estou totalmente preparada pra trabalhar com qualquer coisa [...] (SUJEITO I).

O trabalho com grupo exige do coordenador um preparo e habilidades particulares, uma vez que ele deve estar envolvido com a atividade desde a sua concepção até a avaliação. Por isso, há uma necessidade de se investir cm capacitações e formações profissionais contínuas. No entanto, a prática do terapeuta mostrou ser importante nesse processo de formação, visto que fornece informações relevantes quanto à realidade do processo clínico.

Considerações Finais

Nesse estudo, pode-se constatar que o trabalho de grupo entre profissionais de saúde dos CAPSad recebe uma diversidade de designações, concepções, metodologias e referenciais. Isso também foi visto na literatura, que não há um consenso com relação a essas concepções, O grupo enseja essa miscelânea de conceitos, recursos, vertentes, concepções, que favorecem uma certa ambigüidade. Cabe ressaltar, ainda, que é própria da clínica psicossocial essa diversidade conceitual, o que torna um campo interdisciplinar, repleto de múltipla produção de subjetividades, saberes, intervenções e práticas (FERREIRA, 2010FERREIRA, A. A. L (Org.). A pluralidade do campo psicológico: principais abordagens e objetos de estudo. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2010.).

Além disso, os profissionais apontaram algumas dificuldades encontradas no trabalho com grupos, dentre elas, a forma de condução do processo grupal, manejo das resistências, a falta de adesão dos usuários, a rotatividade dos mesmos, a falta de motivação do profissional para se engajar nessa atividade, a falta e precariedade dos recursos mínimos e a falta de uma formação que dê ao profissional, minimamente, uma base para o trabalho com grupos. Observa-se que as dificuldades apresentadas foram inerentes ao processo grupal, ao profissional, à instituição e à clínica psicossocial na atenção aos usuários de álcool e outras drogas, corroborando com o que a literatura apresenta. Com relação à formação do profissional, vale destacar, que ainda há uma formação muito prescritiva e centrada na doença diferente do novo modelo de atenção à saúde, e ainda há uma escassez da inclusão do campo psicossocial nos currículos de formação acadêmica, E para o profissional, trabalhar numa ótica diferente daquela aprendida na formação acadêmica se torna um grande desafio.

Conclui-se que a experiência e os desafios da utilização dos grupos são ainda assuntos pouco explorados, constatando-se poucas comunicações ou publicações sobre experiências com grupos ou ainda uma escassez de metodologias de pesquisa relacionadas a esta estratégia terapêutica de assistência à saúde. Estudos posteriores devem ser realizados com os participantes dos grupos, ou seja, aqueles que fazem parte do processo grupal, ou ainda devem ser realizados estudos voltados para descrever, através de observações diretas, como se dá, de fato ou como ocorrem as relações e interações dentro do grupo, as resistências, os papéis, as ansiedades e o manejo do profissional dentro do processo grupal.

  • Suporte financeiro: inexistente

Referências

  • ANDALÓ, C. S. A. O papel de coordenador de grupos. Psicologia USP. v.12, n.1. p. 135-152, 2001.
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Saúde mental no SUS: os CAPS. Brasília: MS, 2004.
  • BARDIN, L. Análise de conteúdo. 2. ed. Lisboa: Edições 70, 2006.
  • BARROS, R. B. Grupo: a afirmação do simulacro. Porto Alegre: Sulinas, 2007.
  • BORDIN, S.; FIGLIE, N. B.; LARANJEIRA, R. Terapia cognitiva. In: FIGLIE, N. B.; BORDIN, S.; LARANJEIRA, R. Aconselhamento em dependência química. São Paulo: Roca, 2004. p. 187-212.
  • FERREIRA, A. A. L (Org.). A pluralidade do campo psicológico: principais abordagens e objetos de estudo. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2010.
  • LEWIN, K. Teoria de campo em ciência social. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1965.
  • MAFFACClOLLI, R. Os grupos na atenção básica de saude de Porto Alegre: uso e modos de intervenção terapêutica. 2006. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.
  • MARLATTI, A.; GORDON, J. R. Estrategias de manutenção no tratamento de comportamentos aditivos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
  • MELLO, V. R. Grupo como dispositivo de promoção de saúde. 2002. Monografia (Pós-Graduação em Saúde Publica) - Escola de Saúde Pública - Secretaria de Estado da Saúde do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2002.
  • OSÓRIO, L. C. Grupos; teorias e práticas: acessando a era da grupalidade. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
  • PICHÓN-RIVIÈRE, E. O processo grupal. 7. ed. São Paulo: Martins fontes, 2005.
  • SCHUCKIT, M. A. Abuso de álcool e drogas. Lisboa: Climepsi, 1998.
  • ZIMERMAN, D. E.; OSÓRIO, L. C. (CaL). Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
  • ZIMERMAN, D. E. Fundamentos básicos das grupoterapias. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    01 Out 2011
  • Aceito
    01 Jun 2013
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde Av. Brasil, 4036, sala 802, 21040-361 Rio de Janeiro - RJ Brasil, Tel. 55 21-3882-9140, Fax.55 21-2260-3782 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revista@saudeemdebate.org.br