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Acesso e qualidade: avaliação das Equipes de Saúde Bucal participantes do PMAQ-AB 2012 em Pernambuco

Access and quality: evaluation of Oral Health Teams participating PMAQ-AB 2012 in Pernambuco

Resumos

Avaliou-se o acesso e a qualidade das ações e serviços das Equipes de Saúde Bucal participantes do Programa Nacional para Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica em Pernambuco no ano de 2012. Trata-se de um estudo transversal e descritivo em que se utilizou a base de dados do referido Programa. Foi constatada disponibilidade de equipamentos e insumos odontológicos garantindo a realização de procedimentos clínico-cirúrgicos, com exceção dos referentes à prótese dentária. Dificuldades para marcação de consulta ainda são relatadas pelos usuários e ainda há indefinição dos fluxos de referência e contrarreferência para os serviços especializados.

Gestão de qualidade; Saúde bucal; Avaliação de serviços de saúde; Atenção Primária à Saúde


Access and quality of services and actions by oral health teams participating in the National Program for Improving Access and Quality of Primary Care in Pernambuco in 2012 were evaluated. This is a cross-sectional and descriptive study in which is used the database of the referred program. The availability of equipment and dental supplies were confirmed, ensuring the achievement of clinical and surgical procedures, except for those concerning to dentures. Difficulties for scheduling a consultation are still reported by users, and there is still uncertainty of reference flows and counter-reference to specialized services.

Quality management; Oral health; Health services evaluation; Primary Health Care


Introdução

A avaliação da qualidade de serviços e ações em saúde bucal é objeto recente de pesquisas. Forte incremento no estado da arte tem sido observado a partir da inclusão da Equipe de Saúde Bucal (EqSB) na Estratégia Saúde da Família (ESF). Fato que se deve aos questionamentos provenientes de pesquisadores, gestores, profissionais da saúde e usuários quanto aos impactos promovidos pela implantação destes serviços e aos percursos a serem tomados (COLUSSI; CALVO, 2012COLUSSI, C. F. ; CALVO, M. C. M. Avaliação da atenção em saúde bucal no Brasil: uma revisão da literatura. Revista Saúde & Transformação Social, Florianópolis, v. 3, n. 1, p. 92-100, 2012.). Essas mesmas autoras afirmam que é preciso institucionalizar a avaliação, ou seja, incorporá-la à rotina dos serviços como parte integrante do planejamento, dando suporte à formulação de políticas e aos processos decisórios.

Tradicionalmente, o Sistema de Informação da Atenção Básica (Siab) e o Pacto de Indicadores da Atenção Básica se constituíram como os principais instrumentos de acompanhamento e avaliação da Atenção Básica (AB) no País. Além desses, a proposta de autoavaliação das Equipes de Saúde da Família através da Avaliação para Melhoria da Qualidade (AMQ) também foi incorporada como um dos mecanismos avaliativos nesse nível de atenção à saúde (BRASIL, 2008BRASIL. Ministério da Saúde. Avaliação para melhoria da qualidade da estratégia saúde da família. 3. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2008.).

Com o objetivo de induzir a ampliação do acesso e a melhoria da qualidade da AB com garantia de um padrão comparável nacional, regional e localmente, o Ministério da Saúde implantou o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) por meio da Portaria GM/MS 1.654 de 19 de julho de 2011.

O Programa está organizado em quatro fases que conformam um ciclo contínuo: fase 1 - adesão e contratualização; fase 2 - desenvolvimento; fase 3 - avaliação externa; e fase 4 - recontratualização (BRASIL, 2011).

Em 2012, a ESF estava presente em 94,4% dos municípios brasileiros (32.498 equipes, com cobertura populacional de 53,7%). No estado de Pernambuco, essa estratégia estava implantada em 100% dos municípios com cobertura populacional média de 68,7%. Diante do considerável aumento na oferta de serviços básicos de saúde ocorrido nos últimos anos e das melhores proporções entre número de EqSB e de Equipes de Saúde da Família (EqSF), quando em comparação aos dados nacionais, é necessária a avaliação do acesso e da qualidade das ações e serviços de saúde bucal prestados à população no estado de Pernambuco.

Assim, definiu-se como objetivo de pesquisa avaliar o acesso e a qualidade das ações e serviços das EqSB participantes do PMAQ-AB no estado de Pernambuco no ano de 2012.

Metodologia

Trata-se de um estudo descritivo e analítico, de corte transversal, cujos dados foram provenientes da avaliação externa (fase 3) do PMAQ-AB, que coletou informações para a análise das condições de acesso e de qualidade das EqSB participantes do Programa. Para a realização da fase 3, foi utilizado um instrumento de avaliação elaborado pelo Ministério da Saúde para essa finalidade, contendo padrões de qualidade estabelecidos de acordo com as normas, protocolos, princípios e diretrizes que organizam ações e práticas, conhecimentos técnicos e científicos atuais, considerando a competência dos atores envolvidos. Tal instrumento estava organizado em três módulos:

  • Módulo I - Observação na Unidade Básica de Saúde (UBS), cujas questões estão direcionadas para a realização do censo de infraestrutura da unidade de saúde;

  • Módulo II - Entrevista com o profissional sobre o processo de trabalho da equipe de AB e a verificação de documentos na UBS, direcionado para a realização da avaliação externa das referidas equipes;

  • Módulo III - Entrevista com o usuário na UBS sobre satisfação, condições de acesso e utilização do serviço de saúde.

Os dados coletados foram organizados em três bancos de dados, conforme preconizava a metodologia da avaliação externa do PMAQ-AB: o do censo das UBS, o das entrevistas com profissionais das equipes que aderiram ao Programa e o que se refere às informações originadas das entrevistas com os usuários.

As análises foram realizadas através do software IBM SPSS versão 21. Para a elaboração deste artigo, foram selecionados os resultados das seguintes variáveis: infraestrutura, equipamentos e insumos odontológicos; processo de trabalho das EqSB; e percepção dos usuários sobre estes serviços.

A Pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (parecer nº 32012, de 06 de junho de 2012; CAEE 02040212.1.0000.5240), não havendo conflito de interesses entre os pesquisadores envolvidos e o objeto pesquisado.

Resultados e discussão

A apresentação e discussão dos resultados estão organizadas em três seções: infraestrutura, equipamentos e insumos odontológicos; processo de trabalho das EqSB; e percepção dos usuários sobre os serviços.

I - Infraestrutura, equipamentos e insumos odontológicos

Consultórios odontológicos compõem a infraestrutura de 1.522 unidades de saúde do estado de Pernambuco, o que corresponde a 75,38% das 2.019 unidades que integram o universo do censo da infraestrutura, atividade do Módulo I da avaliação externa do PMAQ-AB que alcançou 100% dos estabelecimentos deste nível de atenção à saúde.

Observou-se que a maioria das 1.522 unidades de saúde com consultórios odontológicos apresentou disponibilidade dos equipamentos necessários para a realização das ações e serviços de saúde bucal, com exceção do item autoclave exclusiva para odontologia, o qual não fora identificado em 65% unidades.

A ausência de equipamentos importantes para a realização de procedimentos dentários restauradores, como amalgamadores e fotopolimerizadores, foi identificada, respectivamente, em 17% e 12% das unidades de saúde. A disponibilidade desses e dos demais equipamentos pode ser visualizada na tabela 1.

Tabela 1.
Disponibilidade de equipamentos odontológicos nas Unidades Básicas de Saúde com EqSB participantes do PMAQ-AB. Pernambuco, 2012

Quanto aos insumos odontológicos, em 1.232 unidades (80,94%) estava disponível amálgama em cápsula ou material para preparo, em 1.263 (82,98%) havia diversos tipos de cimentos, em 1.328 (87,25%) havia fios de sutura odontológica, 861 (56,57%) possuíam selantes, 1.362 (89,48%) possuíam anestésicos e 1.321 (86,79%) apresentavam resinas compostas fotopolimerizáveis.

A garantia da infraestrutura necessária ao funcionamento das UBS, assim como a manutenção regular dos insumos necessários para o seu funcionamento, são obrigações comuns a todas as esferas de governo, conforme preconiza a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) (BRASIL, 2012).

Mesmo com a normativa, a falta ou escassez de insumos odontológicos foi evidente nas equipes, limitando a realização de alguns procedimentos clínicos. Resultados similares foram encontrados por Rocha e Araújo (2009)ROCHA, E. C. A.; ARAÚJO, M. A. D. Condições de trabalho das equipes de saúde bucal no Programa Saúde da Família: o caso do Distrito Sanitário Norte em Natal, RN. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 43, n.2, p. 481-517, mar./abr., 2009. em estudo desenvolvido no município de Natal (RN), onde a maioria dos Cirurgiões-Dentistas (CDs) avaliou como razoável o ambiente físico das unidades de saúde em que atuavam, com destaque para as categorias estrutura física inadequada e falta de manutenção dos equipamentos.

Em estudo sobre as EqSB do Recife (PE), Silva (2008)SILVA, P. R. A. Avaliação da atenção à saúde bucal no Programa Saúde da Família do Recife: níveis de qualidade e aspectos contextuais relevantes. Dissertação de Mestrado. Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães/ Fundação Oswaldo Cruz: Recife, 2008. as categorizou como regular no que se referia aos equipamentos e insumos odontológicos disponíveis para o funcionamento. Ao avaliar a estrutura das UBS do município do Cabo de Santo Agostinho (PE), Macedo (2013)MACEDO, C. L. S. V. Avaliação da Estratégia de Saúde da Família do município do Cabo de Santo Agostinho-PE quanto às dimensões de estrutura, processo e resultado. Dissertação (Mestrado Profissional em Saúde Pública) - Fundação Oswaldo Cruz: Recife, 2013. as classificou como de baixa qualidade. Nessa pesquisa, apenas 67,56% das unidades dispunham de consultórios odontológicos.

Do mesmo modo, pesquisa desenvolvida por Souza (2011)SOUZA, R. O. A. A atenção básica em saúde no município de Três Rios: uma análise da gestão e organização do sistema de saúde.2011. 154f. Dissertação (Mestrado em Ciências na área da Saúde Pública) - Escola Nacional de Saúde Pública/ Fundação Oswaldo Cruz: Recife, 2011. nas UBS do município de Três Rios (RJ) concluiu que nenhuma delas atendia às normatizações do Ministério da Saúde quanto à estrutura física. Fato que se deve ao inadequado planejamento para a implantação das EqSF e de saúde bucal.

Nascimento, Santos e Carnut (2011)NASCIMENTO, A. P. S.; SANTOS, L. F.; CARNUT, L. Atenção primária à saúde via estratégia de saúde da família no Sistema Único de Saúde: introdução aos problemas inerentes à operacionalização de suas ações. Journal of Management and Primary Health Care, Recife, v. 2, n. 1, p. 18-24, 2011., ao realizar revisão sistemática de literatura, a fim de identificar os problemas das EqSF, consideraram a estrutura das unidades como um obstáculo para a efetivação da PNAB.

II - Processo de trabalho das Equipes de Saúde Bucal

A avaliação externa foi realizada em 1.009 equipes que aderiram ao PMAQ-AB em 2012, sendo entrevistados 1.009 profissionais (1,5% CDs, 5,9% médicos e 92,6% enfermeiros).

Das equipes de AB que aderiram ao Programa, 801 (79,38%) possuíam profissionais da saúde bucal, destas 747 (93,2%) eram EqSF com saúde bucal e 54 (6,8%) equipes de AB parametrizadas com saúde bucal. Essas 801 equipes de AB com saúde bucal foram entrevistadas, conforme previa o Módulo II da avaliação externa, para verificar o processo de trabalho desenvolvido com foco no acolhimento, agenda compartilhada, oferta de ações por ciclos e condições de vida, realização de procedimentos odontológicos, referência para serviços especializados.

a) ACOLHIMENTO E AGENDA COMPARTILHADA

Realizar o acolhimento com escuta qualificada, classificação de risco, avaliação de necessidade de saúde e análise de vulnerabilidade, tendo em vista a responsabilidade da assistência resolutiva à demanda espontânea, e o primeiro atendimento às urgências são algumas das recomendações do Ministério da Saúde para o processo de trabalho na AB (BRASIL, 2012).

O Cirurgião-Dentista (CD) foi apontado como um dos profissionais que atua no acolhimento na unidade de saúde em 369 equipes (46,06%) e como um dos que utilizam agenda compartilhada em 629 (78,5%). A divisão da agenda segundo critérios de problemas de saúde, ciclos de vida, sexo e patologias dificulta o acesso dos usuários, contraria o disposto na PNAB e enfraquece o planejamento de trabalho das próprias equipes de AB (BRASIL, 2012).

O acolhimento à demanda espontânea é realizado de forma específica para a saúde bucal por 643 equipes (80,27%). A avaliação do risco e da vulnerabilidade no primeiro atendimento é feita por 729 equipes (91,01%) e a oferta é definida em função do risco em 645 equipes (80,52%). No entanto, apenas existe protocolo de acolhimento à demanda espontânea em 275 equipes (34,33%) e em 629 (78,52%), existe garantia de agenda para a continuidade do tratamento dos usuários.

As observações realizadas por Santos e Assis (2006) nas UBS do município de Alagoinhas (BA) demonstram que a recepção funciona segundo critérios administrativos, como meio para barrar ou limitar a demanda por serviços e que na prática odontológica também não foi percebido um processo acolhedor.

Neves, Pretto e Ely (2013)NEVES, M.; PRETTO, S. M.; ELY, H. C. Percepções de usuários e trabalhadores de saúde sobre a implantação do acolhimento em uma unidade de saúde em Porto Alegre - RS, Brasil. Revista de Odontologia da UNESP, Araraquara, v. 42, n. 5, 2013, p. 364-371. sugerem que ainda existe desconhecimento sobre o acolhimento como conceito e enquanto dispositivo de acesso por parte de alguns trabalhadores que atuam na AB. Esses mesmos autores, por meio de estudo em uma UBS de Porto Alegre (RS), demonstraram que a maioria dos usuários entrevistados relatou desconhecer a forma de acesso ao atendimento odontológico.

Por sua vez, usuários de uma unidade de saúde do município de João Pessoa (PB), entrevistados por Cavalcanti et al. (2012)CAVALCANTI, Y. W. et al. Avaliação de Usuários da Atenção Básica sobre a Implantação de Protocolo de Assistência Integral Odontológica. Revista Pesquisa Brasileira em Odontopediatria e Clínica Integrada, João Pessoa, v. 12, n. 3, p. 405-412, jul./set. 2012., relatam que a implantação do acolhimento contribuiu para a qualificação do serviço de saúde e dos cuidados em saúde bucal, favorecendo a ampliação do acesso e da resolutividade. Esse fato evoca a importância de se adotar o acolhimento como prática nas EqSB.

b) OFERTA DE AÇÕES POR CICLOS E CONDIÇÕES DE VIDA

O trabalho da equipe deve ser centrado nos principais agravos em saúde bucal e no desenvolvimento de ações que garantam o cuidado em ciclos e condições de vida da população (BRASIL, 2006a). A esse respeito, constatou-se que 616 equipes (76,9%) ofertam consultas odontológicas durante o acompanhamento das gestantes e, quanto ao cuidado domiciliar, este é executado pelo CD em 589 equipes (73,53%) e pelo técnico ou auxiliar em saúde bucal em 496 (61,92%).

Realizar atenção domiciliar, destinada a usuários que possuam problemas de saúde controlados/compensados e com dificuldade ou impossibilidade física de locomoção até uma unidade de saúde, se constitui uma das recomendações da PNAB (BRASIL, 2012).

Também foram mencionadas a oferta de prevenção e acompanhamento do câncer de boca por 472 equipes (58,92%). Campanhas para detecção do câncer de lesões bucais e encaminhamento dos casos suspeitos acontecem em 567 das equipes (70,78%). Os casos suspeitos/confirmados são registrados e acompanhados por 422 equipes (52,68%).

Costa Júnior e Serra (2011)COSTA JÚNIOR, S.; SERRA, C. G. Diagnóstico e Continuidade do Cuidado do Câncer Bucal em pacientes acompanhados pelas Equipes de Saúde Bucal do Programa de Saúde da Família: a experiência do município de Resende, no Estado do Rio de Janeiro. Cadernos UniFOA, Volta Redonda, n.15, p. 73-90, abril 2011. identificaram que 90% dos CDs das EqSB do município de Resende (RJ) não haviam recebido capacitação institucional sobre diagnóstico precoce e encaminhamento de pacientes cadastrados nas suas áreas de atuação, com suspeita de lesões orais consideradas pré-cancerosas, justificando as limitações destes profissionais em desenvolver detecção de lesões.

Estudo desenvolvido por Pimentel et. al(2010)PIMENTEL, F. C. et al. Análise da atenção à saúde bucal na Estratégia de Saúde da Família do Distrito Sanitário VI, Recife (PE). Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, n. 4, p. 2189-2196, jul. 2010. identificou dificuldades de realização dos procedimentos coletivos de promoção e prevenção em saúde bucal por parte dos CDs, embora se observem esforços para superar o modelo de atenção voltado às práticas curativas.

Esses dados refletem que ainda não há plena adesão das equipes às diretrizes nacionais da Política Nacional de Saúde Bucal - Brasil Sorridente, no que diz respeito à ampliação e qualificação da AB (BRASIL, 2004a).

c) REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTOS ODONTOLÓGICOS

Os números encontrados na pesquisa revelam que se atende parcialmente ao disposto nas atribuições do CD dentro das equipes de AB, pois há realização dos procedimentos clínicos e pequenas cirurgias ambulatoriais em saúde bucal, conforme demonstra a tabela 2. No entanto, não estão aí incluídos os atendimentos das urgências e procedimentos relacionados com a fase clínica da instalação de próteses dentárias elementares (BRASIL 2012).

Tabela 2.
Procedimentos odontológicos ofertados nas Unidades Básicas de Saúde com EqSB participantes do PMAQ-AB. Pernambuco, 2012

Na visão de Baldani e colaboradores (2005)BALDANI, M. H. et al. A inclusão da odontologia no Programa de Saúde da Família no Estado do Paraná, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 21, 2005, p. 1026-1035., as EqSB ainda encontram dificuldades para a realização das práticas pertinentes às diretrizes da PNAB, como visitas domiciliares pelo dentista, ações de prevenção e promoção à saúde, bem como reuniões com a comunidade de abrangência.

Pimentel e colaboradores (2012) supõem que muitas dessas dificuldades estejam relacionadas ao porte populacional dos municípios, pois os de grande porte, com maior poder econômico, teriam uma melhor estrutura de serviços disponível para o desenvolvimento das ações de saúde, quando comparados aos municípios de médio e pequeno porte.

Outra dificuldade constatada pela pesquisa está atrelada à reabilitação protética pelas EqSB, pois em apenas 1,2% é realizada a moldagem da prótese dentária. Já a entrega com o consequente acompanhamento do usuário acontece em 3,2% das EqSB. Números pouco significativos quando se leva em conta a vinculação de recursos financeiros para estas finalidades (BRASIL, 2004b).

Na maioria das EqSB (56,3%), não existe sequer referência para profissionais protesistas e ações para a identificação de pessoas que necessitam de prótese dentária foram relatadas por 317 equipes (39,57%).

A avaliação do uso e necessidade de prótese ajuda a entender o agravo 'edentulismo', servindo ao mesmo tempo para estimar a gravidade do problema e para subsidiar ações de planejamento (BRASIL, 2011).

Considerando os dados obtidos pela 'Pesquisa nacional de saúde bucal (SB) Brasil 2010' (BRASIL, 2011), no quesito 'necessidade de prótese dentária', as regiões Norte e Nordeste apresentaram os piores indicadores para todas as faixas etárias pesquisadas (15 a 19 anos, 35 a 44 anos e 65 a 74 anos). A baixa oferta de reabilitação protética, identificada no estado de Pernambuco, corrobora e perpetua a situação epidemiológica apresentada.

d) REFERÊNCIA PARA SERVIÇOS ESPECIALIZADOS

Integrar a AB aos demais níveis de atenção à saúde tem se constituído um desafio para o sistema de saúde brasileiro (MENDES, 2011MENDES, E. V. As redes de atenção à saúde. 2. ed. Brasília, DF: Organização Pan-Americana da Saúde, 2011.). Há evidências na literatura internacional e brasileira de que as redes de atenção à saúde podem melhorar a qualidade clínica, os resultados sanitários/epidemiológicos e a satisfação dos usuários, além de reduzir os custos dos sistemas de atenção à saúde (MOYSÉS, 2012MOYSÉS, S. J. Saúde coletiva: políticas, epidemiologia da saúde bucal e redes de atenção odontológica. Série Abeno Odontologia Essencial - Temas interdisciplinares. São Paulo: Artes Médicas, 2012.). Este autor propôs um exemplo de rede de atenção à saúde, com pontos de atenção e linhas de cuidado em saúde bucal, incluindo os Centros de Especialidades Odontológicas (CEO) e os Laboratórios Regionas de Prótese Dentária (LRPD).

A estruturação de uma rede de atenção em saúde bucal no estado de Pernambuco possui como desafio o enfrentamento dos vazios assistenciais nos serviços de média complexidade em saúde bucal, pois, no ano de 2012, estavam implantados apenas 48 CEO. 455 (29,89%) equipes relataram ter um CEO como referência.

As especialidades de referência citadas foram: a endodontia (53,4%), a periodontia (49,1%), a cirurgia oral menor (46,1%), a estomatologia (36,5%), a ortodontia (8,1%), a implantodontia (1,5%) e a radiologia (39,6%).

Os baixos percentuais de disponibilidade de referência para as especialidades ortodontia e implantodontia podem ser explicados pela incorporação recente das mesmas através da Portaria 718 de 20 de dezembro de 2010 (BRASIL, 2010). Contudo, melhores resultados deveriam ter sido encontrados para as especialidades da periodontia, endodontia, cirurgia oral menor e estomatologia por se constituírem como obrigatórias nos CEO (BRASIL, 2006b).

Os resultados da pesquisa demonstram que não vem sendo cumprida a recomendação da PNAB de que haja garantia de fluxos definidos na rede de atenção à saúde, entre os diversos pontos de atenção, limitando a integralidade do cuidado (BRASIL, 2012).

Achados semelhantes foram encontrados na pesquisa de Pimentel e colaboradores (2010) e de Andrade e Ferreira (2006)ANDRADE, K. L. C.; FERREIRA, E. F. Avaliação da inserção da odontologia no Programa Saúde da Família de Pompéu (MG): a satisfação do usuário. Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, 2006, p. 123-130, 2006.. Em todos eles, fica evidente que em não se resolvendo as necessidades no serviço local, não há um esquema de referência/contrarreferência e os problemas ficam sem solução. Assim, a odontologia não consegue solucionar os problemas bucais de sua população em função da grande demanda acumulada.

Constatou-se uma indefinição dos fluxos de referência e contrarreferência dos usuários para os CEO em 501 equipes (62,55%), para a solicitação de próteses em 680 equipes (84,89%), para os usuários com suspeita de câncer de boca em 579 equipes (72,28%) e para o atendimento a pessoas portadoras de necessidades especiais em 534 equipes (66,66%).

Em pesquisa desenvolvida no município do Recife, também foi identificada a dificuldade em se realizar o acompanhamento do paciente referenciado, pois muitas vezes ele não retornava à unidade de origem para o seguimento e/ou conclusão do tratamento (PIMENTEL ET AL., 2010).

Estudo de corte transversal realizado por Chaves et al. (2012)CHAVES, S. C. L. et al. Características do acesso e utilização de serviços odontológicos em municípios de médio porte. Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 11, 2012, p. 3115-3124. em dois municípios de médio porte do estado da Bahia identificou maior utilização dos serviços odontológicos públicos na AB do que na atenção especializada, observando-se pouca interface entre estes dois níveis de assistência.

A existência de Laboratório Regional de Prótese Dentária (LRPD) de referência foi relatada por 234 equipes (29,21%). Dados do Ministério da Saúde retratam a existência de 57 destes laboratórios no estado de Pernambuco, para o ano de 2012 (BRASIL, 2014). Destes, 94% realizam prótese total, 75,2% realizam próteses parciais removíveis e apenas 6,83% realizam próteses fixas.

Cruz et al. (2011)______. Ministério da Saúde. Portaria nº 74 de 20 de janeiro de 2004 - reajusta os valores dos incentivos financeiros das ações de saúde bucal no âmbito do Programa Saúde da Família, inclui procedimento de moldagem para prótese e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Brasília, 2004b. afirmam que a integralidade é alcançada por meio da criação de redes macro e microinstitucionais, em processos dinâmicos, voltadas ao fluxo de assistência ao usuário e centrada em seu campo de necessidades.

A constituição das linhas de cuidado é um dos pontos mais significativos na busca pela integralidade e se dá pela organização dos processos de trabalho na AB com assistência multiprofissional, operando com acolhimento, vinculação de clientela e responsabilidade da equipe (CRUZ ET AL., 2011).

Quanto ao processo de trabalho, analisando o indicador 'Primeira consulta odontológica programática' em uma série histórica de 2001 a 2009 no estado de Pernambuco, estudo desenvolvido por Viana, Martelli e Pimentel (2012)VIANA, I. B.; MARTELLI, P. J. L.; PIMENTEL, F. C. Análise do acesso aos serviços odontológicos através do indicador de primeira consulta odontológica programática em Pernambuco: estudo comparativo entre os anos 2001 e 2009. Revista Brasileira de Promoção da Saúde, Fortaleza, v. 25, n. 2, p. 151-160, abr./jun., 2012. demonstrou que ainda não se efetivou a incorporação plena da assistência odontológica à ESF.

Com relação ao trabalho em equipe multiprofissional, destaca-se que apenas 76 EqSB (4,99%) no estado de Pernambuco incorporam o Técnico em Saúde Bucal (TSB). Sabe-se que as atribuições do TSB vão desde a remoção do biofilme, a realização de fotografias e tomadas de uso odontológico, até a inserção e distribuição de materiais odontológicos no preparo cavitário da restauração dentária direta (BRASIL, 2012).

A introdução desse profissional na equipe aumentaria o escopo das ações e promoveria ampliação do acesso a ações e serviços, organizando a demanda de forma mais regular (KITANI, 2011KITANI, N. T. Percepção do cirurgião-dentista quanto à inserção e trabalho do técnico em saúde bucal na equipe de saúde bucal. Dissertação (Mestrado em Ciências Odontológicas) - Universidade de São Paulo: São Paulo, 2011.). No entanto, a expansão profissional do TSB tem sido lenta, dada a resistência do CD (PINTO, 2000PINTO, V. G. Saúde Bucal Coletiva. 4a ed. São Paulo: Editora Santos, 2000.).

III - Percepção dos usuários quanto aos serviços de saúde bucal

Um total de 3.617 usuários foram entrevistados no Módulo III da avaliação externa, no estado de Pernambuco. O objetivo foi identificar a percepção destes usuários quanto ao processo de trabalho das equipes de AB.

Quando questionados quanto ao profissional que os escutavam durante o acolhimento à demanda espontânea, o CD foi citado por apenas 239 (6,6%) dos usuários. Ressalte-se que foi a categoria profissional menos citada quando em comparação ao médico e ao enfermeiro.

Sobre a realização de procedimentos de extração dentária, 2.508 (69,3%) relataram não conseguir fazê-los. 1.744 (48,2%) afirmaram conseguir realizar a marcação de atendimento com o dentista enquanto que apenas 359 (9,9%) nunca procuraram atendimento. 1.213 entrevistados (33,5%) nunca ouviram seu dentista dizer que precisavam usar prótese.

As queixas de falta de vagas para consulta odontológica se constituíram como a segunda maior insatisfação dos usuários em pesquisa desenvolvida por Marta e colaboradores (2011)MARTA, S. N. et al. Programa de Saúde da Família sob a visão do usuário. Salusvita, Bauru, v. 30, n. 3, p. 159-177, 2011.. Nesse mesmo estudo, 54,75% dos entrevistados relataram um sentimento de insuficiência da EqSF em atender à demanda da comunidade.

Bonfada et al. (2012)BONFADA, D. et al. A integralidade da atenção à saúde como eixo da organização tecnológica nos serviços. Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, p. 555-560, 2012.constataram que o predomínio do modelo médico assistencial curativista no fazer/pensar dos profissionais da saúde se constitui como a principal causa dos entraves para a melhoria dos serviços prestados pelo SUS. A clínica tradicional/biologicista precisa ser desconstruída, rompendo com a lógica do sofrimento manifesto e da queixa-centrada com vistas a uma vigilância em saúde.

Conclusão

O acesso e a qualidade das ações e serviços de saúde bucal ofertadas pelas equipes de AB com saúde bucal integrantes do PMAQ-AB em Pernambuco no ano de 2012 foi avaliada através das categorias infraestrutura, equipamentos e insumos odontológicos, processo de trabalho e percepção dos usuários.

Observou-se que a maioria das unidades de saúde com consultórios odontológicos apresentou disponibilidade dos equipamentos necessários para a realização das ações e serviços de saúde bucal. Em pouco menos de 20% das unidades, a disponibilidade de insumos odontológicos para procedimentos dentários restauradores foi limitada.

Quanto ao processo de trabalho, houve compartilhamento de agenda entre o CD e os demais profissionais que compõem as equipes de AB em 78,5% das equipes integrantes do PMAQ-AB. Em pouco mais de 40% das equipes, o CD participa do acolhimento à demanda espontânea.

Procedimentos odontológicos clínico-cirúrgicos são realizados rotineiramente pelas equipes de AB com saúde bucal em atendimento aos dispositivos da PNAB. Exceção é constatada quanto à realização dos procedimentos clínicos de prótese dentária.

Dificuldades para marcação de consulta com o dentista ainda são relatadas pelos usuários entrevistados. A operacionalização de uma rede de cuidados em saúde bucal ainda é falha, pois se constatou uma indefinição dos fluxos de referência e contrarreferência dos usuários para os serviços especializados, para a solicitação de prótese dentária, para os casos suspeitos de câncer de boca e para o atendimento a pessoas portadoras de necessidades especiais.

Referências

  • ANDRADE, K. L. C.; FERREIRA, E. F. Avaliação da inserção da odontologia no Programa Saúde da Família de Pompéu (MG): a satisfação do usuário. Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, 2006, p. 123-130, 2006.
  • BALDANI, M. H. et al. A inclusão da odontologia no Programa de Saúde da Família no Estado do Paraná, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 21, 2005, p. 1026-1035.
  • BONFADA, D. et al. A integralidade da atenção à saúde como eixo da organização tecnológica nos serviços. Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, p. 555-560, 2012.
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Avaliação para melhoria da qualidade da estratégia saúde da família. 3. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2008.
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  • Suporte financeiro: não houve

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    Set 2014
  • Aceito
    Dez 2014
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