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Análise dos fatores que influenciam e condicionam a participação social na Atenção Primária à Saúde

RESUMO

O objetivo do estudo foi identificar e analisar os fatores que influenciam e condicionam a decisão de participar nas Comissões Locais de Saúde, espaços participativos localizados nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). Foram entrevistados 21 conselheiros, sendo os dados analisados pela técnica do Discurso do Sujeito Coletivo. Verificou-se nos discursos dos usuários a ideia de participação como meio de acesso da população ao funcionamento da UBS e da própria comissão. Os trabalhadores justificaram sua participação por meio dos princípios da atenção primária. Já os gestores, percebendo a importância desses fóruns para os usuários, procuram desenvolver práticas gerenciais democráticas e solidárias.

PALAVRAS-CHAVE
Participação social; Atenção Primária à Saúde; Política de saúde

ABSTRACT

This study is aimed at identifying and analyzing the factors that influence and condition the decision to participate in Local Health Commissions, participatory spaces located in the Basic Health Units (Unidades Básicas de Saúde - UBS). Twenty-one members were interviewed and data were analyzed using the Collective Subject Discourse technique. The idea of participation was verified in the users' discourses as a means for the population to access the functioning of the UBS and to the commission itself. Workers used the principles of primary care to justify their participation. Managers, on the other hand, aware of the importance of these forums for users, seek to develop democratic and supportive management practices.

KEYWORDS
Social participation; Primary Health Care; Health policy

Introdução

A Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, realizada em Alma-Ata, em 1978, preconizava a participação comunitária em diferentes momentos do planejamento e da implementação da atenção à saúde. Essa conferência compreendeu a saúde como direito humano fundamental, baseado em um estado de completo bem-estar físico, mental e social. Nesse contexto, a Atenção Primária à Saúde (APS) seria a base para um novo modelo de atenção à saúde, tendo a capacidade de reorganizar sistemas de saúde (OPAS, 2008ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE (OPAS). Declaração de Alma-Ata. Washington, DC, 2008. Disponível em: <http://www.legislacion.bvsalud.org/php/level.php?lang=pt&component=37&item=6>. Acesso em: 17 jan. 2016.
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).

A atenção primária pode ser entendida como um

conjunto de ações de saúde, em âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, a redução de danos e a manutenção da saúde. (BRASIL, 2012______. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2012., P. 19).

Cabe destacar que, no Brasil, durante o processo de construção do Sistema Único de Saúde (SUS) passou a ser designada por Atenção Básica à Saúde.

Em Belo Horizonte, a APS é composta pela rede de Unidades Básicas de Saúde (UBS), e se organiza a partir da definição de territórios sobre os quais as UBS devem ter responsabilidade sanitária (BELO HORIZONTE, 2016______. Relatório de gestão 2015. Belo Horizonte, 2016. Disponível em: <http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pIdPlc=ecpTaxonomiaMenuPortal&app=saude&lang=pt_BR&pg=5571&tax=15436>. Acesso em: 17 jan. 2017.
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). Tem entre seus princípios a universalidade, a integralidade, a acessibilidade, a coordenação do cuidado, o vínculo e a participação da comunidade (BRASIL, 2012______. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2012.). Dessa maneira, os serviços da APS devem ser orientados para a comunidade, por meio do conhecimento de suas necessidades de saúde, o que impõe seu envolvimento e participação nas decisões sobre a saúde da coletividade (GIOVANELLA; MENDONÇA, 2012GIOVANELLA, L.; MENDONÇA, M. H. M. Atenção primária à saúde: seletiva ou coordenadora dos cuidados? Rio de janeiro: Cebes, 2012.).

A Estratégia Saúde da Família (ESF), modalidade de atuação na APS, foi implantada em Belo Horizonte em 2002. Atualmente, o município possui uma população de 2.385.639 habitantes e conta com 85,6% de cobertura da ESF, por meio de 150 UBS e 588 Equipes de Saúde da Família (EqSF) (BELO HORIZONTE, 2016______. Relatório de gestão 2015. Belo Horizonte, 2016. Disponível em: <http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pIdPlc=ecpTaxonomiaMenuPortal&app=saude&lang=pt_BR&pg=5571&tax=15436>. Acesso em: 17 jan. 2017.
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). As EqSF realizam ações para o acolhimento dos usuários nas UBS mediante o atendimento programado a crianças, adultos e idosos, além do atendimento à demanda espontânea. Desenvolvem ações de assistência médica e odontológica, puericultura, pré-natal, assistência farmacêutica, vacinação, curativos, marcação de consultas especializadas, coleta de exames laboratoriais, entrega de resultado de exames e eletrocardiograma.

Desse modo, é fácil perceber que as UBS representam um espaço de encontro entre os usuários, os profissionais de saúde, os gestores e a comunidade. Nesse sentido é que foram criadas as Comissões Locais de Saúde (CLS) em cada UBS, constituindo-se espaços participativos do SUS mais próximos da população. As CLS têm como atribuições propor, acompanhar e fiscalizar a implementação das políticas de saúde no âmbito da área de abrangência da UBS (CMSBH, 2014CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE BELO HORIZONTE (CMSBH). Regimento Interno Unificado das Comissões Locais de Saúde. Belo Horizonte: CMSBH, 2014.).

Um dos principais atributos da atenção primária é constituir-se como serviço de primeiro contato ou porta de entrada do sistema de saúde, visando garantir a resolução dos problemas de saúde de maior frequência e relevância dentro do território (BRASIL, 2012______. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2012.). Para tanto, o primeiro requisito é que o serviço de atenção primaria seja acessível à população. As CLS, assim como as UBS, também precisam se afirmar como porta de entrada preferencial da população, devendo estar acessível à população, objetivando a participação (OLIVEIRA; DALLARI, 2015OLIVEIRA, A. M. C.; DALLARI, S. G. Participação social no contexto da Atenção Primária em Saúde: um estudo de caso das Comissões Locais de Saúde do SUS de Belo Horizonte, Physis, Rio de Janeiro, v. 25, n. 4, p.1059-1078, out./dez. 2015.).

Por isso, a inclusão de novos atores sociais, por meio do envolvimento da comunidade, não está sujeita ao princípio da paridade. Segundo o Regimento Interno Unificado das Comissões Locais de Saúde a comissão não é paritária, sendo composta pelo gestor da unidade, trabalhadores lotados na UBS e por todos os usuários residentes e domiciliados na área de abrangência da UBS (CMSBH, 2014CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE BELO HORIZONTE (CMSBH). Regimento Interno Unificado das Comissões Locais de Saúde. Belo Horizonte: CMSBH, 2014.). As reuniões da comissão são abertas à comunidade, e todos os presentes têm direito à voz e ao voto. Dessa forma, a comissão não apresenta um número predeterminado de conselheiros. Já a Mesa Diretora da comissão, eleita anualmente pelo Plenário, é composta paritariamente por quatro membros: dois representantes de usuários, um representante dos trabalhadores e o gestor da unidade de saúde.

Nesse contexto, verifica-se que as CLS representam um espaço público inovador, com características próprias. Tais características valorizam a ampliação da esfera pública como elemento da democracia. O referencial teórico da pesquisa se apoia em Habermas (1989)HABERMAS, J. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 1989., que ressalta a importância da esfera pública para orientar e controlar a qualidade do processo de tomada de decisão por meio de discussões entre cidadãos. O objetivo deste estudo foi identificar e analisar os fatores que influenciam e condicionam a decisão de participar na APS, por meio da participação nas CLS.

Metodologia

Trata-se de um estudo empírico descritivo com abordagem qualitativa. Um estudo de caso único envolvendo mais de uma unidade de análise (YIN, 2010YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 4. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.). A seleção das unidades de análise foi realizada a partir de um convite feito aos Conselhos Distritais de Saúde de Belo Horizonte para participarem da pesquisa, indicando sua CLS mais atuante. Dois, dos nove Conselhos Distritais, Leste e Centro-Sul, responderam prontamente ao convite. As CLS indicadas possuem Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) opostos: muito elevado risco e baixo risco, respectivamente (BELO HORIZONTE, 2008BELO HORIZONTE. Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. Relatório de gestão 2007. Belo Horizonte: SMSA, 2008. Disponível em: <http://www.pbh.gov.br/smsa/arquivos/relatorio_de_gestao_final_24-04-2008.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2015.
http://www.pbh.gov.br/smsa/arquivos/rela...
). O IVS, criado pela Secretaria Municipal de Saúde (SMSA) associa indicadores de base populacional, tais como moradia e renda, com indicadores da saúde, como mortalidade infantil, estratificando a população em baixo, médio, elevado e muito elevado risco. Para compor a pesquisa, foi selecionada uma CLS com IVS muito elevado risco, pertencente ao Distrito Sanitário Centro-Sul, totalizando três unidades de análise (quadro 1).

Quadro 1
Caracterização das Comissões Locais de Saúde selecionadas

Foram entrevistados 21 Conselheiros Locais de Saúde utilizando a técnica de entrevista baseada em roteiro semiestruturado. Em cada CLS selecionada, foram entrevistados 7 conselheiros: o gestor, 3 representantes dos usuários e 3 representantes dos trabalhadores da saúde, escolhidos devido à presença frequente nas reuniões. O gestor é representado pelo gerente da UBS. Os usuários são representantes individuais que se autorrepresentam e/ou representantes coletivos, organizados em associações de bairro, que buscam melhorias nos serviços públicos. Os trabalhadores, lotados na UBS, são representados pelos profissionais médico, dentistas, enfermeiros, assistentes sociais, auxiliares de enfermagem, agente de combate a endemias e agente comunitário de saúde.

Como técnica complementar, foi utilizada a observação participante com a adoção de um Diário de Campo. A pesquisa foi realizada no período compreendido entre os meses de fevereiro a julho e 2014, sendo aprovada na Plataforma Brasil, CAAE: 18186813.6.3001.5140.

Os dados obtidos com as entrevistas foram analisados pela técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2003LEFÈVRE, F.; LEFÈVRE, A. M. C. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa: desdobramentos. Caxias do Sul: Educs, 2003.), que, a partir de uma estratégia discursiva busca tornar mais clara uma dada representação social. Foram identificadas as expressões-chave, que são trechos selecionados do material verbal de cada depoimento que melhor descrevem seu conteúdo, e as ideias centrais, que são formulações sintéticas que descrevem o(s) sentido(s) presentes no material e também nos conjuntos de respostas de diferentes indivíduos que têm sentido semelhante ou complementar e, então, construídos os DSC. É importante destacar que, para a construção do painel de discursos, optou-se pela identificação das expressões-chave e das ideias centrais por segmento de participação nas CLS.

Resultados e discussão

Com a finalidade de identificar e analisar os fatores que influenciam e condicionam a decisão de participar utilizou-se a seguinte questão aberta: "Você decidiu ser Conselheiro Local de Saúde, não é mesmo! Como foi isso? Conta pra gente!" (quadro 2).

Quadro 2
Síntese de ideias centrais

Segmento dos usuários

A - PARTICIPAR DO DIA A DIA DO TRABALHO DO POSTO DE SAÚDE

DSC - A gente tá participando do dia a dia do posto de saúde e da comissão local, a gente vê o desenvolvimento do trabalho e até mesmo o porquê dessa comissão. Os moradores, todos eles, podem vir e participar. Tem palavra! Eles podem falar o que sentem [...]! Tem pergunta, tem resposta, tudo direitinho... aqui dentro, na hora da reunião.

B - PARTICIPAR PARA CONHECER E INFORMAR

DSC - Quando se trata da saúde é bom a gente tá participando! Porque a gente participando... se uma pessoa te pergunta o que ocorreu lá [na comissão local], o que está acontecendo na saúde, a gente pode explicar pra ela. E se a gente não tá participando, a gente não pode falar nada, por que a gente não sabe, não tá por dentro do assunto.

C - PARTICIPAR PARA REIVINDICAR

DSC - É mais fácil a gente tá assistindo as reuniões e quando a gente precisa de fazer uma reivindicação... é mais fácil, né... porque você tá sabendo de tudo que está passando ali. Nesse caso, eu tive desejo de participar pra pedir melhorias [...]. Eu tenho as minhas limitações... que eu não sei escrever muito bem [...]. Mas eu gosto demais de participar! E a gerente é uma pessoa assim, né... muito amiga e tudo [...] gosta de conversar com a gente e de explicar, o que é melhor! Ensinar, né... porque a gente é novo, não na idade, mas no que a gente tá fazendo. Ela não, ela senta e explica pra gente, e isso faz muita diferença!

D - LUTAR PARA ASSEGURAR O DIREITO CONSTITUCIONAL

DSC - Eu acredito que tudo isso já é uma conquista [o SUS], mas se não tiver uma luta, você conquista... mas você não leva. Então, primeiro você tem que lutar... mesmo que já seja um direito assegurado na constituição [...]. Cada comunidade tem que se unir pra buscar pra si [...] o que realmente acha que é bom. Não só pra você, pra meia dúzia de pessoas, mas pra toda a comunidade, porque a comunidade é muito carente desse atendimento.

A Declaração de Alma-Ata idealizava a APS como atenção à saúde baseada em métodos e tecnologias apropriadas, cientificamente comprovados e socialmente aceitáveis, cujo acesso deveria ser garantido a todas as pessoas e famílias da comunidade, mediante sua plena participação, pressupondo a democratização dos conhecimentos (OPAS, 2008ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE (OPAS). Declaração de Alma-Ata. Washington, DC, 2008. Disponível em: <http://www.legislacion.bvsalud.org/php/level.php?lang=pt&component=37&item=6>. Acesso em: 17 jan. 2016.
http://www.legislacion.bvsalud.org/php/l...
). Dessa maneira, o discurso do sujeito coletivo do grupo A destaca a noção de esfera pública aberta a todos que desejarem participar, tendo direito à voz. Os teóricos deliberativos observam como verdadeiramente democrática a possibilidade de todos os participantes se expressarem no processo decisório, por meio da formação de opiniões e das vontades.

As CLS são fóruns abertos a todos os interessados, com direito à voz e ao voto, e, dessa maneira, realizam a proposta da Reforma Sanitária no sentido de "transformar todos os beneficiários da política de saúde em voz e voto" (LABRA, 2009LABRA, M. E. Política Nacional de Participação na Saúde: entre a utopia democrática do controle social e a práxis predatória do clientelismo empresarial. In: FLEURY, S.; LOBATO, L. V. C. (Org.). Participação, democracia e saúde. Rio de Janeiro: Cebes, 2009. p. 176-2003., P. 183). Entretanto, o sujeito coletivo A chama a atenção somente para o direito à voz. Esse fato pôde ser explicado com a utilização da técnica de observação participante, que observou a prática de tomada de decisões por meio de acordos, não sendo frequentes as votações.

Segundo o Regimento Interno Unificado das Comissões Locais de Saúde (CMSBH, 2014CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE BELO HORIZONTE (CMSBH). Regimento Interno Unificado das Comissões Locais de Saúde. Belo Horizonte: CMSBH, 2014.), faz parte das atribuições dos Conselheiros Locais acompanhar e fiscalizar os serviços prestados pela UBS, além de propor melhorias. Damasceno, Brito e Monteiro (2010)DAMASCENO, S. S.; BRITO, G. K. K.; MONTEIRO, C. H. Fomentando o controle social em rodas de conversa com usuários de uma unidade de saúde da família. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 84, p. 59-66, jan./mar. 2010. destacam que, para o exercício do controle social, é imprescindível o conhecimento sobre a dinâmica dos serviços de saúde. Dessa forma, o sujeito coletivo do grupo B percebe a participação como instrumento para obter conhecimento e informação. Ou seja, a participação como modelo de empoderamento visando à conquista de saberes para intervir nas decisões que afetam a vida da comunidade (PEREZ ET AL. APUDBISPO JÚNIOR; MARTINS, 2014BISPO JÚNIOR, J. P.; MARTINS, P. C. Participação social na Estratégia de Saúde da Família: análise da percepção de conselheiros de saúde. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 38, n. 102, p. 440-451, jul./set. 2014.).

O sujeito coletivo C reconhece "Eu tenho as minhas limitações... que eu não sei escrever muito bem [...]". Assim, constata-se o progresso no sentido de conceder a palavra àqueles com menor escolaridade e menos conhecimento técnico, promovendo a inclusão de grupos sociais tradicionalmente excluídos dos processos políticos (COELHO, 2011COELHO, V. S. P. Uma metodologia para a análise comparativa de processos participativos: pluralidade, deliberação, redes e politicas de saúde. In: PIRES, R. R. C. (Org.). Efetividade das instituições participativas no Brasil: estratégias de Avaliação. Brasília, DF: IPEA, 2011. p. 279-74.). Quanto à preocupação "A gente é novo, não na idade, mas no que a gente tá fazendo",Pateman (1992)PATEMAN, C. Participação e teoria democrática. Rio de janeiro: Terra e Paz, 1992. afirma ser a participação responsável por promover e desenvolver as qualidades que lhe são necessárias: quanto mais os indivíduos participam, mais bem capacitados eles se tornam para fazê-lo.

Esse sujeito coletivo valoriza a participação da gestão, representada por uma gerente disposta a "conversar, explicar e ensinar", e, de acordo com esse sujeito "isso faz muita diferença". Côrtes (2009)CÔRTES, S. M. V. Conselhos e conferências de saúde: papel institucional e mudança nas relações entre Estado e sociedade. In: FLEURY, S.; LOBATO, L. V. C. (Org.). Participação, democracia e saúde. Rio de Janeiro: Cebes, 2009. p. 102-128. ressalta que os atores estatais são decisivos na definição das condições de funcionamento dos conselhos. Por se tratar de fóruns nos quais a relação entre os atores é marcadamente assimétrica, cabe aos gestores públicos divulgar as atividades dos fóruns e garantir a disponibilidade de recursos e informações para a realização dessas atividades (COELHO, 2011COELHO, V. S. P. Uma metodologia para a análise comparativa de processos participativos: pluralidade, deliberação, redes e politicas de saúde. In: PIRES, R. R. C. (Org.). Efetividade das instituições participativas no Brasil: estratégias de Avaliação. Brasília, DF: IPEA, 2011. p. 279-74.).

Ainda segundo o sujeito coletivo do grupo C, participar das reuniões seria uma maneira de manter-se informado. Nesse sentido, uma das atribuições da CLS é exatamente "manter-se informado sobre os projetos que dizem respeito ao setor saúde na área de abrangência da UBS" (CMSBH, 2014CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE BELO HORIZONTE (CMSBH). Regimento Interno Unificado das Comissões Locais de Saúde. Belo Horizonte: CMSBH, 2014., P. 2), facilitando reivindicações que objetivem a melhoria do serviço, das condições de vida e saúde da comunidade. Giovanella et al. (2009)GIOVANELLA, L. et al. Saúde da família: limites e possibilidades para uma abordagem integral de atenção primária à saúde no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 3, p. 783-794, maio/jun. 2009. percebem a APS não só como estratégia capaz de organizar o sistema de saúde, mas também, capaz de responder às necessidades da população, o que exige o entendimento da saúde como direito social.

Nesse contexto, o sujeito coletivo do grupo D vê o SUS como uma conquista. Realmente, a promulgação da Constituição Federal de 1988 representou um marco na história da democracia brasileira, em particular, no que diz respeito aos direitos sociais e à cidadania. A Constituição Federal de 1988 reconheceu a saúde como direito fundamental do ser humano e vinculou sua obtenção às políticas sociais e econômicas, objetivando a redução do risco de agravos, bem como a garantia de acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde, destinados não só à sua recuperação, mas também à sua proteção e promoção. Pode-se dizer que essas conquistas são fruto da 'luta' do Movimento da Reforma Sanitária Brasileira.

Entretanto, esse mesmo sujeito coletivo fala da necessidade de "lutar... mesmo que já seja um direito assegurado na constituição". Apesar da Constituição de 1988 ter estabelecido a base legal que confere a igualdade de direitos, é a desigualdade no usufruto desses mesmos direitos formalmente estabelecidos é que é percebida. Essa desigualdade mantem a existência de diferentes padrões de democracia no cotidiano. Para as classes média e rica, há o reconhecimento dos direitos, bem como a capacidade de vocalização e reivindicação em diferentes fóruns. Já para os mais pobres, verifica-se uma romaria exaustiva para conseguir usufruir, ainda que parcialmente, dos direitos anunciados como existentes. São tratados como pedintes, a quem se lhes outorga no máximo um favor (ESCOREL; AROUCA, 2016ESCOREL, S.; AROUCA, L. E. Democracia e participação: para além das dicotomias. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 40, n. esp., p. 39-48, dez. 2016.).

Ainda que seja importante considerar a melhoria da qualidade e da lisura com os gastos e com a gestão da saúde, o que se constata é que o atendimento universal e de qualidade prometido pela Constituição e esperado pela população exige um maior comparecimento do gasto público (COSTA, 2017COSTA, A. M. A saúde em tempos de golpe. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 41, n. 112, p. 5-8, jan./mar. 2017.). Os sucessivos cortes no financiamento do SUS, gerando um subfinanciamento crônico, têm impedido a consecução de seus objetivos e princípios constitucionais (COSTA, 2017COSTA, A. M. A saúde em tempos de golpe. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 41, n. 112, p. 5-8, jan./mar. 2017.). Como relatado, na vida real das pessoas, a saúde está entre as primeiras queixas da população: "a comunidade é muito carente desse atendimento".

Infelizmente, o futuro também está ameaçado pela Emenda Constitucional (EC) 95, que estabelece teto para os gastos públicos. Estima-se que a aplicação dessa EC retira do SUS aproximadamente R$ 400 bilhões em 20 anos considerando o crescimento anual do Produto Interno Bruto (PIB) a 2,0% e a taxa de variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 4,5%.

E - DIFICULDADES NA PARTICIPAÇÃO

DSC - Eu acho também, que a idade vai chegando e a gente vai cansando e a gente também vai ter que sair, né. Mas enquanto não tiver outros pra pôr no lugar, porque os novos [...], não estão interessados. Se nós que estamos aqui sairmos, pode falar que vai acabar!

Esse discurso revela a existência de um sentimento de desinteresse da população pelas práticas participativas (BISPO JÚNIOR; MARTINS, 2014BISPO JÚNIOR, J. P.; MARTINS, P. C. Participação social na Estratégia de Saúde da Família: análise da percepção de conselheiros de saúde. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 38, n. 102, p. 440-451, jul./set. 2014.). Dessa forma, constata-se a fragilidade da base social necessária ao funcionamento do modelo participativo, em função da inexistência de um mínimo de organização da população. Segundo Labra (2009, P. 177)LABRA, M. E. Política Nacional de Participação na Saúde: entre a utopia democrática do controle social e a práxis predatória do clientelismo empresarial. In: FLEURY, S.; LOBATO, L. V. C. (Org.). Participação, democracia e saúde. Rio de Janeiro: Cebes, 2009. p. 176-2003.,

ainda não se pode afirmar que os cidadãos se envolvem de forma importante e generalizada nas questões de interesse comum, são solidários confiantes e tolerantes e se engajam em organizações cívicas que incorporam e reforçam esses valores.

Nesse contexto, Serapioni (2013) destaca a avaliação dos 30 anos após Alma-Ata, que elenca como importante desafio o deficitário envolvimento das comunidades na área da saúde, principalmente, das comunidades mais pobres.

Com a expressão "a idade vai chegando", o sujeito coletivo do grupo E chama a atenção para o perfil do segmento usuário: tem-se a prevalência do sexo feminino e faixa etária média de 60 anos.

Segmento dos trabalhadores

F - TRABALHAR NA UNIDADE E FAZER PARTE DA COMUNIDADE

DSC - Decidi ser conselheiro local de saúde devido à importância do conselho pra comunidade. Trabalho na unidade e faço parte dela [comunidade], sou ACE, Agente de Combate a Endemias. Daí meu interesse em tá participando da reunião e ser Conselheiro Local de Saúde.

G - PARTICIPAR PARA AJUDAR O PRÓXIMO

DSC - Eu trabalho aqui de ACS [Agente Comunitário de Saúde] já tem 11 anos, né. Desde que eu entrei aqui, eu tenho mania de ajudar as pessoas. Então, na reunião [...] eu comecei a vir e continuei a vir, e acabei fazendo parte. De vez em quando, eu trago demanda... porque eles não estão satisfeitos com a situação, discuto, convido pessoas pra vir. Eu acho bom participar porque meu alvo é trabalhar de perto, não é só pra ganhar dinheiro, é pra ajudar meu próximo.

H - INERENTE À PROFISSÃO

DSC - Ahh!... eu acho que isso é inerente a profissão! Eu tô aqui na Unidade Básica de Saúde... uma Comissão Local, com participação da comunidade... eu quero participar! Eu tenho que participar! Eu entendo que é pelo contato com a população que é atendida aqui. Eu acho que isso é bem próprio da gente, enquanto assistente social. Comissão Local... é importante tá junto!... tá participando!... tá escutando!

I - FAZER PARTE DO PROCESSO

DSC - Decidi participar porque eu faço parte do sistema de saúde, da comunidade! Eu pertenço à comunidade como médica dela, eu faço parte da equipe de saúde, né. Então, não tem como eu me abster, eu faço parte do processo!

J - ESPAÇO DE TOMADA DE DECISÕES

DSC - Eu decidi participar porque a Comissão Local... ela toma decisões, né... em relação aos problemas que a gente detecta, tanto na comunidade, quanto dentro do centro de saúde, e direciona as soluções. E como eu sou enfermeira do PSF, tenho contato diário com a comunidade, aqui no centro de saúde e nas visitas domiciliares. Então, eu achei que era imprescindível a minha presença, a minha colaboração, aqui na comissão.

Oliveira e Marcon (2006)OLIVEIRA, R. G.; MARCON, S. S. Trabalhar com famílias no Programa de Saúde da Família: a prática do enfermeiro em Maringá-Paraná. Rev Esc Enferm USP, São Paulo, v. 41, n. 1, p. 65-72, mar. 2007. destacam que o controle social na APS apresenta especificidades, pois deve ser exercido pelos profissionais que atuam diretamente no território e, portanto, que vivenciam a realidade local dos usuários. Mais que isso, os discursos do sujeito coletivo F e G revelaram a presença do ACE e do ACS, Conselheiros Locais de Saúde com duplo vínculo, ou seja, são ao mesmo tempo trabalhadores da saúde e moradores do território, fazendo parte da comunidade. Dessa maneira, comprova-se a inter-relação equipe/comunidade/família essencial para o desenvolvimento das atividades da APS (OLIVEIRA; MARCON, 2006OLIVEIRA, R. G.; MARCON, S. S. Trabalhar com famílias no Programa de Saúde da Família: a prática do enfermeiro em Maringá-Paraná. Rev Esc Enferm USP, São Paulo, v. 41, n. 1, p. 65-72, mar. 2007.).

Todavia, cabe ressaltar que, na CLS, esses conselheiros, representantes do segmento trabalhador, não se confundem com os representantes do segmento dos usuários, pois o Regimento Interno Unificado das Comissões Locais de Saúde (CMSBH, 2014CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE BELO HORIZONTE (CMSBH). Regimento Interno Unificado das Comissões Locais de Saúde. Belo Horizonte: CMSBH, 2014.) considera usuário o cidadão que não possua vínculo empregatício direto ou indireto com a rede SUS de Belo Horizonte.

Por meio da expressão "De vez em quando, eu trago demanda... porque eles não estão satisfeitos com a situação, discuto, convido pessoas pra vir", o sujeito coletivo G demonstra quão estreitas são as diretrizes do trabalho em equipe e da participação social. Segundo Crevelim e Peduzzi (2005)CREVELIM, M. A.; PEDUZZI, M. A participação da comunidade na equipe de saúde da família. Como estabelecer um projeto comum entre trabalhadores e usuários. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, p. 323-331, abr./jun. 2005., essas diretrizes são ao mesmo tempo consequência e expressão das relações entre a população de referência, o serviço e a equipe. Entretanto, ao associar sua participação na CLS como uma ajuda ao próximo, o sujeito coletivo G entende o controle social como prática caritativa. Vale ressaltar que as diretrizes da ESF orientam a participação e o controle social como estratégias para alcançar os princípios do SUS (OLIVEIRA; MARCON, 2006OLIVEIRA, R. G.; MARCON, S. S. Trabalhar com famílias no Programa de Saúde da Família: a prática do enfermeiro em Maringá-Paraná. Rev Esc Enferm USP, São Paulo, v. 41, n. 1, p. 65-72, mar. 2007.). Entretanto, o que se verifica é o SUS entendido como ação de filantropia, contrariando a premissa da saúde como direito social e de cidadania.

O Ministério da Saúde (2012) considera atribuição comum a todos os profissionais da APS promover a mobilização e a participação da comunidade, buscando efetivar o controle social. Dessa maneira, o sujeito coletivo dos grupos H, I e J revelaram a participação nas CLS dos profissionais assistente social, médico e enfermeiro. A concepção da APS no Brasil preconiza a adoção de um processo de trabalho apoiado em uma equipe multiprofissional, que trabalhe com a definição de território, adscrição de clientela, cadastramento e o acompanhamento da população residente na área de abrangência.

Nesse sentido, pesquisa realizada por Giovanella et al. (2009)GIOVANELLA, L. et al. Saúde da família: limites e possibilidades para uma abordagem integral de atenção primária à saúde no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 3, p. 783-794, maio/jun. 2009., no município de Belo Horizonte, revelou que 85% das famílias cadastradas buscam o mesmo serviço de saúde para a assistência ou prevenção, comprovando os princípios de responsabilização pela população adscrita e o vínculo existente entre os usuários, os trabalhadores de saúde e o serviço da APS.

Não é à toa que o sujeito coletivo do grupo H valoriza a participação por propiciar um contato com a população de referência. "Comissão Local... é importante tá junto!... tá participando!... tá escutando!". Assim, a equipe de saúde deve atuar como mediadora no processo participativo, escutando a comunidade no momento em que ela manifesta suas vontades e opiniões, estimulando-a a tomar decisões objetivando o bem comum (DAMASCENO; BRITO; MONTEIRO, 2010DAMASCENO, S. S.; BRITO, G. K. K.; MONTEIRO, C. H. Fomentando o controle social em rodas de conversa com usuários de uma unidade de saúde da família. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 84, p. 59-66, jan./mar. 2010.).

Por sua vez, o sujeito coletivo do grupo K reconhece a importância da CLS, exatamente, como espaço de tomada de decisões. Ou seja, uma esfera pública democrática, na qual grupos organizados influem e decidem sobre ações governamentais necessárias ao bem-estar da coletividade. Desse modo, compete aos Conselheiros Locais discutir e buscar soluções para os principais problemas assistenciais e estruturais da comunidade (BISPO JÚNIOR; MARTINS, 2014BISPO JÚNIOR, J. P.; MARTINS, P. C. Participação social na Estratégia de Saúde da Família: análise da percepção de conselheiros de saúde. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 38, n. 102, p. 440-451, jul./set. 2014.), na esfera pública CLS. Já o sujeito coletivo do grupo I revela um sentimento de pertencimento à comunidade. "Eu pertenço à comunidade como médica dela".Gurza Lavalle e Isunza Vera (2011)LAVALLE, A. G.; VERA, E. I. A trama da crítica democrática: da participação à representação e a accontabillity. Lua Nova, São Paulo, v. 84, p. 353-364, 2011. observam na participação o potencial de desenvolver o sentimento de pertencimento do cidadão à sua sociedade, não apenas fortalecendo a formação de identidades políticas, mas também legitimando as instituições políticas.

K - DIFICULDADES NA PARTICIPAÇÃO

DSC - Não foi bem eu quem escolheu, acho que fui escolhida! Os representados escolheram os representantes na hora da reunião, não houve candidatura, não houve eu quero [...]. Assim, me torno conselheira por falta de opção... por falta de participação do trabalhador da unidade. E aí vou ficando! Infelizmente [os trabalhadores] são sempre os mesmos.

O sujeito coletivo do grupo K relata uma situação de eleição de Conselheiros Locais de Saúde, representantes do segmento de trabalhadores da saúde. "[...] na hora da reunião, não houve candidatura, não houve eu quero [...]". A técnica de observação participante possibilitou aferir que, no processo eleitoral, nas CLS acompanhadas, não são compostas chapas. Os nomes vão surgindo indicados pelos presentes, tanto para o segmento dos usuários quanto para o segmento dos trabalhadores. É importante ressaltar que a eleição é realizada somente para mesa diretora. Como explicado anteriormente, a CLS considera como conselheiro todos os presentes nas reuniões, trabalhadores da UBS e usuários pertencentes a área de abrangência da UBS. Nas CLS acompanhadas os trabalhadores das UBS não são obrigados a participarem das reuniões.

Diferentemente, Bispo Júnior e Martins (2014)BISPO JÚNIOR, J. P.; MARTINS, P. C. Participação social na Estratégia de Saúde da Família: análise da percepção de conselheiros de saúde. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 38, n. 102, p. 440-451, jul./set. 2014., ao estudarem os Conselhos Locais de Saúde no município de Vitória da Conquista, detectaram que os profissionais de saúde das UBS são obrigados a participar das reuniões. Os autores apuraram, também, que grande parte dos profissionais de saúde não se encontra motivada para exercer a participação, entendendo as atividades do Conselho Local como uma atribuição a mais, na sobrecarregada jornada de trabalho. Nesse sentido, o sujeito coletivo K lamenta: os representantes dos trabalhadores "são sempre os mesmos".

Segmento de gestores

L - PARTICIPAR PARA MELHORAR A REALIDADE ONDE VOCÊ TRABALHA

DSC - A decisão de ser conselheiro é a decisão de poder contribuir, de poder ajudar a melhorar a realidade [...], em conjunto com a comunidade. Melhorar o serviço, melhorar a prestação do serviço e a interação com a comunidade. Tentar a melhoria na vida de todas as pessoas que dependem [...] dessa unidade.

M - GOSTO EM PARTICIPAR

DSC - Na qualidade de gestora, a gente sempre tem um assento na comissão. Esse é um dos motivos, e outro... é que eu gosto de participar, gosto de estar participando das decisões, gosto de estar conversando com as pessoas, de fazer uma gestão mais democrática. Eu acho que a participação na comissão é muito enriquecedora.

O cenário de declínio da economia aliado ao massacre dos diretos sociais tem como consequência direta o acirramento das desigualdades sociais (ESCOREL; AROUCA, 2016ESCOREL, S.; AROUCA, L. E. Democracia e participação: para além das dicotomias. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 40, n. esp., p. 39-48, dez. 2016.). Dessa forma, em realidades onde as carências e a exclusão social são elementos que determinam a saúde e a qualidade de vida, promover saúde deve ser sinônimo de transformação social em busca de justiça e inclusão (CARVALHO; GASTALDO, 2008CARVALHO, S. R.; GASTALDO, D. Promoção à saúde e empoderamento: uma reflexão a partir das perspectivas crítico-social pós-estruturalista. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 13, p. 2029-2040, 2008.).

Nesse sentido, o sujeito coletivo L, representante do segmento de gestores, percebe a "decisão de ser conselheiro como estratégia para melhorar a realidade", o que pode ser entendido como o enfrentamento das desigualdades sociais "em conjunto com a comunidade". Não é à toa que a APS compreende a saúde de maneira indissociável do desenvolvimento econômico e social, propondo o enfrentamento dos determinantes sociais no processo saúde-doença.

Para tanto, a APS deve ser desenvolvida por meio de práticas gerenciais democráticas e participativas (BRASIL, 2012______. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2012.). O sujeito coletivo do grupo M concorda com essa ideia e destaca o gosto em participar através do exercício de "uma gestão mais democrática". Coelho (2011)COELHO, V. S. P. Uma metodologia para a análise comparativa de processos participativos: pluralidade, deliberação, redes e politicas de saúde. In: PIRES, R. R. C. (Org.). Efetividade das instituições participativas no Brasil: estratégias de Avaliação. Brasília, DF: IPEA, 2011. p. 279-74. observa que a atuação da autoridade política é capaz de proporcionar um contexto favorável à mobilização, possibilitando a inclusão de um maior número de cidadãos, promovendo a disseminação de informações, e consequentemente, um debate público mais profícuo.

Conclusões

Ao buscar identificar e analisar os fatores que influenciam e condicionam a decisão de participar, verificou-se, nos discursos apresentados pelo segmento dos usuários a ideia de participação como meio de acesso da população ao funcionamento da UBS e da própria Comissão Local. O estudo identificou, também, as dificuldades de participação do segmento dos usuários, que podem ser associadas a fatores socioculturais históricos, como a falta de tradição participativa e de cultura cívica e a cultura política dominante. Ainda assim, mesmo que, de maneira incipiente, constata-se o envolvimento da comunidade, que a partir de um processo de empoderamento reivindica uma atenção à saúde de qualidade, além da efetivação do direito universal à saúde no cotidiano dos cidadãos, conforme afirmado na Constituição de 1988.

O segmento dos trabalhadores reconhece como dificuldade a pequena participação dos trabalhadores das UBS nesse fórum e justifica sua participação por meio de uma equipe multiprofissional, com base nos princípios norteadores da APS.

Já os gestores, por meio uma participação compulsória, demonstraram preocupação com a 'realidade' da comunidade. Nesse sentido, ao perceberem a importância desse fórum para os usuários, procuram valorizar e desenvolver na APS, práticas gerenciais democráticas e solidárias.

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2017

Histórico

  • Recebido
    Dez 2016
  • Aceito
    Jul 2017
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