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Demandas de saúde dos jovens brasileiros: perfil e manifestações da população de 15 a 29 anos à Ouvidoria-Geral do SUS (2014-2018)

RESUMO

O objetivo do estudo foi analisar o perfil e as principais demandas apresentadas por jovens de 15 a 29 anos à Ouvidoria-Geral do Sistema Único de Saúde (SUS) do Ministério da Saúde. Foram extraídas as bases de dados ‘manifestações’ e ‘perfil cidadão’ do Sistema Informatizado OuvidorSUS, de 2014 a 2018. Os dados foram analisados segundo os canais de atendimento, classificação e tipificação. O perfil foi desagregado em idade, raça/cor, sexo, orientação sexual, escolaridade, ocupação e faixa de renda. Foram registradas 114.618 manifestações com perfil do cidadão, sendo que 15,17% possuíam entre 15 e 29 anos. Prevaleceram negros (pretos e pardos), mulheres, heterossexuais, com nível superior concluído ou em curso, renda de até 2 salários mínimos e empregados no setor privado. A maior parte das manifestações foram solicitações, seguidas de reclamações e denúncias. As solicitações majoritariamente eram de consultas e cirurgias, nas áreas de ginecologia e obstetrícia e ortopedia e traumatologia. As reclamações e denúncias referiam-se, em grande parte, à gestão, sobretudo a profissionais e estabelecimentos de saúde. As sugestões foram as menos frequentes. As demandas refletem, em geral, os serviços utilizados pelos jovens e devem ser consideradas pela gestão para o direcionamento de políticas de saúde adequadas a essa população.

PALAVRAS-CHAVES
Saúde do adolescente; Adulto jovem; Participação social; Necessidades e demandas de serviços de saúde; Gestão em saúde

ABSTRACT

This study aimed to analyze the profile and the main demands presented by young people (15 to 29 years old) to the Unified Health System (SUS) General Ombudsman of the Ministry of Health of Brazil. The databases ‘manifestations’ and ‘citizen profile’ of the System were extracted from the OuvidorSUS computerized system, referring to the years 2014 to 2018. The data were analyzed according to the service channels, classification, and typification. The profile was disaggregated by age, race/color, gender, sexual orientation, education, occupation, and income. 114,618 manifestations were registered with the citizen’s profile, with 15.17% being by people from 15 to 29 years old. Blacks (including pardos), women, heterosexuals, with completed or ongoing higher education, income of up to 2 minimum wages, and employed in the private sector prevailed. Most of the manifestations were ‘requests’, followed by ‘complaints’ and ‘denunciations’. Most requests were for consultations and surgeries, in the areas of gynecology and obstetrics, and orthopedics and traumatology. Complaints and denunciations were largely related to management, especially to health professionals and establishments. The suggestions were the least frequent. The demands largely reflect the services used by young people and should be considered by managers to guide health policies appropriate to this population.

KEYWORDS
Adolescent health; Young adult; Social participation; Health services needs and demand; Health management

Introdução

O reconhecimento da prioridade dos direitos das crianças e adolescentes vem se consolidando ao longo dos anos; porém, é mais recente o reconhecimento das necessidades diferenciadas também da população jovem (até 29 anos), visando ao direcionamento de políticas públicas que assegurem um ambiente que lhes permita prosperar, alcançar seu pleno potencial e contribuir para o próprio desenvolvimento e de sua comunidade. Conforme traz a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável11 Organização das Nações Unidas. Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Nova York: ONU; 2015. [acesso em 2020 mar 22]. Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2015/10/agenda2030-pt-br.pdf.
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, jovens são agentes fundamentais de mudança e devem ser empoderados.

Considerando o fato de que as necessidades específicas dos adolescentes e jovens não estavam sendo adequadamente tratadas e levando em conta que os resultados para a saúde são mais efetivos quando a promoção da saúde, a atenção primária, a proteção social e os determinantes sociais são considerados, em 2008, os países da região das Américas, indo além das estratégias postas em âmbito global, adotaram e comprometeram-se com a ‘Estratégia Regional para Melhorar a Saúde do Adolescente e da Juventude’. As metas da Estratégia referiam-se à redução da violência e da mortalidade de adolescentes e jovens; à diminuição do uso de álcool, tabaco e outras drogas; ao combate a doenças crônicas; à garantia da saúde sexual e reprodutiva; e à promoção da saúde mental, da nutrição, da atividade física e de fatores de proteção22 Organização Pan-Americana da Saúde. 48º Conselho Diretor. 60ª Sessão do Comitê Regional da Organização Mundial da Saúde para as Américas. Estratégia Regional para Melhorar a Saúde do Adolescente e da Juventude. Washington, DC: OPAS; 2008..

Em termos gerais, a região avançou na implementação da estratégia, sendo que 93% dos países e territórios das Américas elaboraram ou atualizaram planos e políticas voltados para a saúde de adolescentes e jovens33 Organização Pan-Americana da Saúde. 57º Conselho Diretor. 71ª Sessão do Comitê Regional da Organização Mundial da Saúde para as Américas. Estratégia e Plano de Ação para a Saúde do Adolescente e do Jovem: Relatório Final. Washington, DC: OPAS; 2019.. Porém, os avanços da região não são homogêneos, e persistem grandes variações entre os países e dentro de cada país, com maiores cargas de morbimortalidade entre grupos de menor nível socioeconômico e de instrução, além das populações rurais, indígenas e afrodescendentes. A mortalidade em adolescentes, especialmente por causas evitáveis, manteve-se estável ou aumentou, e o índice de gravidez na adolescência continua inaceitavelmente elevado44 Organização Pan-Americana da Saúde. 56º Conselho Diretor. 70ª Sessão do Comitê Regional da Organização Mundial da Saúde para as Américas. Plano de Ação para a Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente 2018-2030. Washington, DC: OPAS; 2018..

No Brasil, em 2013, foi instituído o Estatuto da Juventude, dispondo sobre os direitos dos jovens e os princípios e diretrizes das políticas públicas da juventude. De acordo com o Estatuto, são consideradas jovens as pessoas com idade entre 15 e 29 anos de idade. O Estatuto contempla uma seção específica sobre o direito à saúde, com diretrizes amplas, como as de acesso universal, integral e humanizado, mas também com ênfase em políticas e programas específicos, essencialmente referentes ao consumo de álcool e outras drogas e à saúde sexual e reprodutiva. Recebem bastante ênfase: o caráter intersetorial e a promoção da autonomia e da participação social e política dos jovens, inclusive na formulação, implementação e avaliação de políticas públicas55 Brasil. Lei nº 12.852, de 5 de agosto de 2013. Institui o Estatuto da Juventude e dispõe sobre os direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e o Sistema Nacional de Juventude - SINAJUVE. Diário Oficial da União. 5 Ago 2013..

Contudo, a atenção integral à saúde de adolescentes e jovens configura-se como uma agenda incompleta no País. Apesar das importantes tentativas realizadas no início dos anos 2000, com forte envolvimento da sociedade civil e de outros atores interessados, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Adolescente e Jovem nunca saiu de sua versão preliminar, apresentada em 2006, em decorrência de mudanças políticas, técnicas e de direcionamento da pauta66 Lopez SB, Moreira MCN. Quando uma proposição não se converte em política?: O caso da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens - PNAISAJ. Ciênc. Saúde Colet. 2013; 18(4):1179-1186.. Em 2010, foram publicadas as Diretrizes Nacionais para a Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens na Promoção, Proteção e Recuperação da Saúde77 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção em Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes nacionais para a atenção integral à saúde de adolescentes e jovens na promoção, proteção e recuperação da saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2010., com temas estruturantes, como participação juvenil, equidade de gêneros, direitos sexuais e reprodutivos, cultura de paz, igualdade racial e étnica. As diretrizes trazem orientações importantes para gestores e profissionais de saúde, entretanto, sem a força de Política instituída.

Apesar de alguns avanços normativos, ainda são inúmeros os desafios para a garantia de direitos da população jovem, que vivencia as consequências da desigualdade no acesso a direitos por questões de raça/cor, gênero, orientação sexual, classe social, entre outros. Os jovens negros são as principais vítimas da violência (inclusive daquela perpetrada por parte do Estado)88 Brasil. Câmara dos Deputados, Comissão Parlamentar de Inquérito. Homicídios de Jovens Negros e Pobres - Relatório Final. Brasília, DF: Câmara dos Deputados; 2015., assim como LGBTTI+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Intersexuais e outros) vivenciam diariamente situações de violência e exclusão, o que afeta diretamente suas condições de vida e saúde99 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2013..

Além disso, adolescentes e jovens continuam a enfrentar importantes obstáculos legais, políticos, organizacionais e sociais para receber atenção à saúde integral de qualidade e apropriada para a idade, encontrando serviços fragmentados e não alinhados às suas necessidades. Para melhorar a qualidade das respostas adaptadas às características singulares desse estágio do ciclo da vida, é preciso criar mecanismos formais e sustentáveis para facilitar e assegurar o pleno engajamento dos jovens33 Organização Pan-Americana da Saúde. 57º Conselho Diretor. 71ª Sessão do Comitê Regional da Organização Mundial da Saúde para as Américas. Estratégia e Plano de Ação para a Saúde do Adolescente e do Jovem: Relatório Final. Washington, DC: OPAS; 2019..

No Sistema Único de Saúde (SUS), a participação dos usuários na gestão do sistema é favorecida tanto por instâncias previstas na Lei nº 8.142 de 19901010 Brasil. Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. Diário Oficial da União. 28 Dez 1990., que contempla conselhos e conferências de saúde, como por outras instâncias e mecanismos participativos, como as ouvidorias. As Ouvidorias do SUS buscam a realização de escuta qualificada para avaliação e atendimento a situações individuais, assim como visam subsidiar decisões que representem melhorias coletivas, qualificando os serviços públicos. Para isso, realizam o processo de registro de manifestações, encaminhamento, resposta ao cidadão e construção de relatórios para a gestão e a sociedade1111 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departamento de Ouvidoria-Geral do SUS. Manual das Ouvidorias do SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2014.. No entanto, muitas vezes, esses relatórios apresentam informações muito genéricas, sem uma desagregação que permita identificar as necessidades específicas de cada grupo. Há também poucas informações sobre o acesso e a utilização desses canais pelos jovens.

É nessa perspectiva que o presente artigo pretende analisar as demandas apresentadas por adolescentes e jovens de 15 a 29 anos à Ouvidoria-Geral do SUS (OuvSUS) do Ministério da Saúde e o perfil desses cidadãos, a fim de ampliar a compreensão sobre as necessidades de saúde dessa população e subsidiar o direcionamento de ações e políticas específicas.

Metodologia

Este estudo, realizado a partir de dados secundários, foi desenvolvido a partir do banco de dados do sistema informatizado OuvidorSUS, utilizado em todas as etapas (registro, encaminhamento, resposta e construção de relatórios) do processo de tratamento de manifestações dos cidadãos à Ouvidoria-Geral do SUS do Ministério da Saúde.

A partir do banco de dados referente ao perfil do cidadão, foram levantadas as manifestações de adolescentes e jovens de 15 a 29 anos (faixa etária considerada pelo Estatuto da Juventude), extraídas do sistema OuvidorSUS, por meio de acesso ao banco de dados em SQL – Linguagem de Consulta Estruturada. O período de análise considerado foi o quinquênio de 2014 a 2018, tendo em vista que, em 2013, ocorreu uma evolução no sistema que ocasionou alteração no banco de dados, garantindo uma maior qualidade das informações apresentadas a partir de então; e, após o período apresentado, o perfil cidadão (pesquisa) foi descontinuado pela Ouvidoria-Geral do SUS.

A coleta de dados do sistema foi realizada entre maio e agosto de 2019, com a extração de planilhas de Excel® para análise, levando em consideração as manifestações registradas pela população jovem à Ouvidoria-Geral do SUS. O perfil do cidadão foi analisado a partir das categorias referentes a idade, sexo, orientação sexual, raça/cor, escolaridade, ocupação e faixa de renda, oriundas do próprio Sistema OuvidorSUS. A manifestação foi analisada conforme período, canal de atendimento, classificação e tipificação (assunto, subassuntos 1, 2 e 3). A classificação e tipificação das demandas são realizadas pela equipe da Ouvidoria-Geral do SUS, conforme o Manual de Tipificação do Sistema OuvidorSUS1212 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departamento de Ouvidoria-Geral do SUS. Manual de Tipificação do Sistema OuvidorSUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2017., e, também, consta no referido Sistema.

Resultados e discussão

Entre os anos de 2014 e 2018, a Ouvidoria-Geral do SUS protocolou 216.832 manifestações no Sistema OuvidorSUS, com 114.618 pessoas tendo respondido ao Perfil Cidadão (52,86%). A pesquisa do perfil do cidadão é opcional a quem entra em contato com o Disque Saúde 136, cabendo ao teleatendente, em acordo com a gestão da Ouvidoria, aplicar um questionário sobre questões socioeconômicas que vinculam a população ao registro da manifestação ou ao recebimento de orientações em saúde, permitindo apresentar a relação das demandas com as características da população.

Perfl Cidadão

Entre os usuários que responderam ao Perfil Cidadão no período, 17.391 (15,17%) possuíam idade entre 15 e 29 anos (com maior prevalência da faixa de 20 a 29 anos), cujas características são detalhadas na tabela 1. Cabe destacar que, de acordo com o último censo demográfico, em 2010, 26,90% da população brasileira possuía essa faixa etária1313 Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010. Brasília, DF: IBGE; 2010. [acesso em 2020 mar 22]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br.
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, proporção bastante superior à apresentada pelos demandantes da Ouvidoria.

Tabela 1
Perfl dos usuários jovens da Ouvidoria-Geral do SUS, 2014-2018

Verifica-se um aumento no quantitativo de questionários de perfil respondidos até 2017, que representou mais do que o dobro de 2014; contudo, em 2018, visualiza-se um decréscimo. No final desse ano, o questionário deixou de ser aplicado. Além disso, aumentou-se o uso também de outros canais da Ouvidoria, como o aplicativo Meu DigiSUS e e-mail, que não preveem o preenchimento do perfil. Ressaltase que, no ano de 2018, foram registrados na Ouvidoria mais protocolos do que nos anos anteriores (n=58.975, considerando todas as faixas etárias), mas menos perfis foram preenchidos.

O Disque Saúde 136, telefone gratuito, é o principal canal de atendimento da OuvSUS, recebendo mais da metade das manifestações totais do quinquênio. Todavia, entre a população jovem, os atendimentos via formulário web foram a maior parte, contabilizando 9.227 (53,06%), seguidos de 8.157 manifestações via Disque Saúde 136 (46,90%) e menos de 0,5% via cartas e e-mails.

Em face da relevância da tecnologia digital na vida cotidiana da juventude, o desenvolvimento de estratégias de saúde digitais deve ser promovido como parte da resposta para a saúde do adolescente e do jovem33 Organização Pan-Americana da Saúde. 57º Conselho Diretor. 71ª Sessão do Comitê Regional da Organização Mundial da Saúde para as Américas. Estratégia e Plano de Ação para a Saúde do Adolescente e do Jovem: Relatório Final. Washington, DC: OPAS; 2019.. Além do formulário web, o aplicativo Meu DigiSUS, que envia demandas à Ouvidoria desde 2017, pode ser promissor na ampliação da utilização desse canal, uma vez que o uso de tecnologias móveis e aplicativos tem aumentado consideravelmente no mundo1414 Lucena S. Culturas digitais e tecnologias móveis na educação. Educ rev. 2016; (59):277-290.. É importante ressaltar que esses canais devem contemplar o preenchimento do perfil, para melhor conhecimento das necessidades dos diferentes grupos populacionais.

Quanto ao sexo do demandante, prevaleceu o acesso da população feminina. A literatura mostra maior procura das mulheres por serviços de saúde, em que o cuidar de si associado à busca de um serviço de saúde seriam naturalizados como mais próprios do público feminino, situação que precisa ser enfrentada para uma atenção integral à saúde dos jovens e, em particular, à saúde dos homens1515 Lopez SB, Moreira MCN. Políticas Nacionais de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens e à Saúde do Homem: interlocuções políticas e masculinidade. Ciênc. Saúde Colet. 2013; 18(3):743-752.. Entre a população adolescente, observa-se também uma percepção mais negativa das mulheres sobre sua própria saúde, que pode influenciar a busca por serviços1616 Higuita-Gutiérrez LF, Cardona-Arias JA. Meta-análisis de la percepción de la calidad de vida relacionada con la salud del adolescente según el género. Rev Fac Nac Salud Pública. 2015; 33(2):228-238..

Negros (pretos + pardos) foram a maioria dos solicitantes, em proporção similar à distribuição da população brasileira. No período de 2014 a 2018, 59,69% dos registros de nascidos vivos no Brasil foram de pretos e pardos1717 Brasil. Ministério da Saúde, Departamento de Informática do SUS. Informações de saúde (TABNET). [acesso em 2020 mar 25]. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=02.
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. Poucas foram as manifestações de indígenas e amarelos. Para além do quantitativo, é importante que as gestões considerem a perspectiva racial na análise das demandas dos usuários, a fim de identificar necessidades específicas de saúde e avaliar o acesso e a qualidade dos serviços a partir da perspectiva da equidade.

Na orientação sexual, a maioria informou ser heterossexual, e a minoria, travesti e transexual, sendo que essas duas categorias se referem à gênero, e não à orientação sexual. Há uma alta proporção sem registro, ainda maior no grupo de 15 a 19 anos (36,45%), o que pode refletir uma recusa do cidadão ou cidadã em responder, mas também uma resistência do próprio técnico da Ouvidoria em questionar. Os baixos quantitativos de dados devem ser analisados pela gestão, pois podem representar um contexto de uma população específica que sofre preconceitos e falta de acesso e podem orientar ações de educação permanente e de implementação de serviços que melhorem a atenção, de acordo com políticas de equidade, à população LGBTTI+99 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2013..

Quanto à escolaridade, os dados refletem um alto grau de instrução, inclusive maior do que da população em geral que acessa o serviço da OuvSUS. Foram identificados alguns possíveis erros no registro dos dados, uma vez que foram percebidos alguns casos em que estavam marcados como Doutorado (n=3) e Pós-Doutorado (n=11) para a população de 15 a 19 anos, situação bastante improvável. Essa inconsistência pode decorrer de possível confusão entre o registro de informações do cidadão contatante e da pessoa a quem a demanda se refere ou de erro de preenchimento pelo técnico. No entanto, esses casos representaram apenas 1% do total dessa faixa etária.

A ocupação possui a mais alta porcentagem de falta de registro. Entre os que responderam, a maior parte trabalha no setor privado. Há uma alta proporção de desempregados, de quase um terço dos respondentes. No Brasil, quase 11 milhões de jovens de 15 a 29 anos não estão no mercado de trabalho nem estudando1818 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. PNAD Contínua - Suplemento Educação 2018. Brasília, DF: IBGE; 2019.. A questão do desemprego da população jovem é uma preocupação importante que também afeta as questões de saúde e de desenvolvimento. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável têm metas específicas para a redução da proporção de jovens sem emprego, educação ou formação e para o alcance do emprego pleno e do trabalho decente para todas as mulheres e homens, incluindo jovens e pessoas com deficiência, com remuneração igual para trabalho de igual valor11 Organização das Nações Unidas. Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Nova York: ONU; 2015. [acesso em 2020 mar 22]. Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2015/10/agenda2030-pt-br.pdf.
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A renda não foi respondida por quase 25% dos cidadãos. Entre os respondentes, observa-se uma renda relativamente baixa, de até dois salários mínimos (57,19%), apesar da alta escolaridade. As desigualdades sociais afetam diretamente os jovens, e as condições socioeconômicas impactam nas suas condições de saúde e morbimortalidade1919 Schaefer R, Barbiani R, Nora CRD, et al. Políticas de Saúde de adolescentes e jovens no contexto luso-brasileiro: especificidades e aproximações. Ciênc. Saúde Colet. 2018; 23(9):2849-2858..

Manifestações

Em relação às manifestações, os canais de acesso a uma Ouvidoria do SUS permitem o recebimento de seis tipos de classificações (solicitações, elogios, denúncias, reclamações, sugestões e informações), sob a perspectiva da obtenção de dados para apuração de necessidade de saúde da população, para garantia do direito, para avaliação das práticas, ações e serviços e para subsidiar os gestores na tomada de decisão. As solicitações no período do estudo representam cerca de 32,94% das 17.391 manifestações, seguida das reclamações (31,48%), das denúncias (18,04%) e das informações (14,30%). Elogios (1,69%) e sugestões (1,55%) foram bem menos recorrentes.

Assim, mais de 80% das manifestações registradas por jovens no período de 2014 a 2018 referiam-se a algum tipo de dificuldade de acesso ou problema nos serviços de saúde. As solicitações apresentam a necessidade do acesso a determinado insumo, consulta, diagnóstico ou tratamento, que possivelmente não foram disponibilizados pelo fluxo normal dos serviços ou em prazo e condições consideradas aceitáveis pelo usuário. Ainda que possam indicar insatisfação, contêm requerimentos e, por isso, não são classificados como reclamação. As reclamações relatam insatisfações com ações e serviços de saúde. Já as denúncias indicam indício de irregularidade na administração e/ou no atendimento1212 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departamento de Ouvidoria-Geral do SUS. Manual de Tipificação do Sistema OuvidorSUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2017..

Por outro lado, as informações são questionamentos dos cidadãos a respeito do SUS, os elogios demonstram satisfação com serviço prestado e as sugestões propõem melhorias em práticas, ações e serviços do SUS. Os cidadãos podem registrar manifestações em qualquer serviço público no Brasil, como regulamenta a Lei nº 13.460/20172020 Brasil. Lei nº 13.460 de 26 de junho de 2017. Dispõe sobre participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública. Diário Oficial da União. 26 Jun 2017., que dispõe sobre a participação, a proteção e a defesa dos direitos do usuário dos serviços da administração pública.

Essas manifestações classificadas recebem uma categorização no sistema OuvidorSUS que se divide em assunto principal e subassuntos 1, 2, 3, conforme manual de tipificação, desenvolvido em parceria com áreas técnicas do Ministério da Saúde. Nesse caso, ao ler o relato do cidadão, é preenchido o assunto principal, assim como o subassunto 1 (dados obrigatórios). Em alguns casos, esse relato pode se dividir em subassuntos 2 e 3 ou ainda em fármaco, que não são de preenchimento obrigatório e não estão presentes em todos os assuntos, tendo assim mais campos vazios.

Após o registro das manifestações na OuvSUS e sua análise, essas são encaminhadas para as áreas técnicas do Ministério da Saúde ou para os estados e municípios (os quais também são incentivados a ter ouvidorias do SUS próprias), de acordo com a responsabilidade pelo serviço ou ação a que se referem. Esses contatos dos cidadãos com a Ouvidoria geram informações importantes para a gestão.

A seguir, são apresentadas a classificação e a estratificação das principais manifestações registradas pela Ouvidoria-Geral do SUS. Para a análise, foram considerados os dois principais assuntos de cada uma das seis classificações, desmembrados a partir dos três principais subassuntos 1 e 2. Tendo em vista a quantidade mais restrita de subassuntos 3 e seu baixo preenchimento, eles não foram inseridos nos quadros, mas, quando relevantes, foram descritos na análise dos dados.

As solicitações representaram a classificação mais frequente das manifestações registradas no quinquênio 2014-2018 e são apresentadas no quadro 1, juntamente com as reclamações e denúncias. Verifica-se que os jovens solicitaram, principalmente, ações e serviços de assistência à saúde (n=3380) de média e alta complexidade, como consultas/atendimentos/tratamentos e cirurgias, seguidos de serviços de diagnóstico. As especialidades mais demandadas foram de ginecologia e obstetrícia, ortopedia e traumatologia e oftalmologia, além de cirurgias plásticas.

Quadro 1
Principais assuntos e subassuntos de solicitações, reclamações e denúncias de jovens à Ouvidoria-Geral do SUS, 2014-2018

Esses dados possibilitam a construção de relatórios específicos com as avaliações e a apuração das necessidades da sociedade, capazes de apoiar os gestores na tomada de decisão, efetivando a participação social na gestão do SUS para a sua melhoria contínua.

É importante destacar a proporção de gestações nessa faixa etária, responsável por mais de 60% das internações da população de 15 a 29 anos no período1717 Brasil. Ministério da Saúde, Departamento de Informática do SUS. Informações de saúde (TABNET). [acesso em 2020 mar 25]. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=02.
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. A gravidez indesejada na adolescência tem sido alvo de políticas de saúde para essa população. A América Latina e o Caribe são a região com a segunda maior taxa de fertilidade na adolescência no mundo e com a menor taxa de declínio, afetando basicamente adolescentes indígenas, rurais, com menor escolaridade e renda, o que demanda ações e programas de saúde específicos44 Organização Pan-Americana da Saúde. 56º Conselho Diretor. 70ª Sessão do Comitê Regional da Organização Mundial da Saúde para as Américas. Plano de Ação para a Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente 2018-2030. Washington, DC: OPAS; 2018..

A questão da ortopedia e traumatologia possivelmente tem importante relação com traumas ocasionados por acidentes e violência, principais causas de mortalidade nas faixas etárias de 15 a 19 anos (de mais de 75%) e 20 a 29 anos (de quase 70%)1717 Brasil. Ministério da Saúde, Departamento de Informática do SUS. Informações de saúde (TABNET). [acesso em 2020 mar 25]. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=02.
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. A Oftalmologia representou a terceira maior solicitação de consultas, indicando possível dificuldade de acesso a essa especialidade em algumas regiões do País. Os dados de todas as Ouvidorias da rede SUS ajudam a identificar a necessidade de acesso em cada local.

Chama a atenção que a cirurgia plástica é a segunda mais solicitada entre os atendimentos, especialmente mamoplastia (n=37). Em geral, as cirurgias plásticas no SUS são realizadas apenas por necessidade de saúde, e não por aspectos estéticos. A cirurgia plástica reparadora tem como objetivo corrigir deformidades congênitas e/ou adquiridas, ou ainda quando existe déficit funcional, procurando aprimorar ou recuperar as funções2121 Brasil. Ministério da Saúde. Cirurgia Plástica Reparadora. [acesso em 2020 mar 25]. Disponível em: https://www.saude.gov.br/atencao-especializada-e-hospita-lar/especialidades/cirurgia-plastica-reparadora.
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Cabe destacar que o quantitativo de procedimentos cirúrgicos e de consultas realizadas nas áreas solicitadas tem grandes proporções, e as demandas à Ouvidoria representam possíveis di -ficuldades de acesso aos serviços, por isso devem ser vistas com atenção pelos gestores. As ouvido -rias, em geral, são buscadas como segunda instância de relacionamento com o cidadão2222 Silva RCC, Pedroso MC, Zucchi P. Ouvidorias públicas de saúde: estudo de caso em ouvidoria municipal de saúde. Rev Saúde Pública 2014; 48(1):134-141.. Outra ressalva é que os procedimentos são, em geral, de responsabilidade de outras esferas (municipal e/ou estadual) e que muitos registros podem ser feitos diretamente às ouvidorias do SUS locais (que registram quase 90% das manifestações dos usuários do SUS).

Na Assistência Farmacêutica, foram identificados pedidos de medicamentos não padronizados, caracterizando fármacos que não estão disponíveis pelo SUS, com maior demanda do anticoagulante enoxaparina sódica (32), incorporado ao sistema para o tratamento de gestantes com trombofilia apenas em 2018; fármacos do componente especializado, tendo a isotretinoína (23), medicamento utilizado para tratamento de acne grave, como o mais solicitado; e da atenção básica, principalmente o benzodiazepínico clonazepam (14).

Uma análise detalhada dos fármacos solicitados pelos usuários possibilita tanto uma identificação pela gestão de possíveis problemas de compra e distribuição dos medicamentos quanto uma melhor informação sobre a sua utilização pela população jovem. Cabe destacar que há uma divisão de responsabilidades de aquisição de medicamentos entre as esferas. Apesar de o componente básico ser de responsabilidade das gestões municipais, solicitações foram realizadas à OuvSUS, o que pode ocorrer por falta de conhecimento da população ou pela crença na possibilidade de intervenção do Ministério da Saúde em estados e municípios.

As reclamações de jovens se referiram, essencialmente, à Gestão (n=3704), com boa parte refletindo insatisfações com os profissionais e estabelecimentos de saúde, o que pode caracterizar um mau funcionamento dos serviços, mas também uma atenção à saúde não adaptada às necessidades específicas desse público.

Os profissionais médicos foram os que geraram maior número de insatisfações (n=518), bem como a ausência desse profissional (236), seguidos de enfermeiros (148) e recepcionistas/atendentes (139). Também, questões referentes à contratação de trabalhadores de saúde ou o não cumprimento de carga horária por esses profissionais foram alvo de insatisfações. Fernandes e Santos2323 Fernandes ESF, Santos AM. Desencontros entre formação profissional e necessidades de cuidado aos adolescentes na Atenção Básica à Saúde. Interface (Botucatu). 2020; (24):e190049. apontam que ainda se faz necessário maior investimento na formação dos profissionais para aperfeiçoar a prática nos serviços, adequando-a à lógica de cuidado e às necessidades e aos modos de vida dos adolescentes. O despreparo do profissional pode representar entrave, por exemplo, para vinculação dos adolescentes aos serviços de atenção básica.

Os estabelecimentos de saúde foram citados em relação à dificuldade de acesso, principalmente pela demora ou recusa de atendimento, rotinas e protocolos inadequados e interrupção de serviços. Os recursos materiais e financeiros também foram mencionados como insuficientes, com falta de materiais de expediente e/ou defeito de equipamentos de uso contínuo ou permanente, demandas que podem ter sido registradas não só por usuários do sistema como também por profissionais de saúde que sofrem com condições inadequadas de trabalho.

O segundo assunto que mais gerou reclamações, com proporção mais baixa que o anterior, foi o de Vigilância em Saúde. Nesse caso, apontaram-se principalmente problemas referentes a criadouros em potencial, falta de vacinação, além da presença de animais sinantrópicos. A notificação de possíveis criadouros e da presença de animais pela sociedade é primordial para o enfrentamento de doenças que acometem a população, como as arboviroses, importante problema de saúde pública no País. Entre 2014 e 2017, foram notificados mais de 4 milhões de casos de dengue no Brasil1717 Brasil. Ministério da Saúde, Departamento de Informática do SUS. Informações de saúde (TABNET). [acesso em 2020 mar 25]. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=02.
http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index...
, e entre 2016 e 2017, o País vivenciou um surto de febre amarela, afetando muitos a população jovem.

As denúncias apresentaram similaridade com os temas das reclamações, relacionados principal -mente com recursos humanos, estabelecimentos de saúde e recursos materiais, porém apresentam, além da insatisfação, o caráter de irregularidade e descumprimento de leis e normativas. O subassunto ‘outros’ se refere a dados não localizados na tipificação do sistema OuvidorSUS.

Um novo item que aparece em denúncias sobre os estabelecimentos de saúde refere-se ao acompanhante para gestante no serviço de saúde. A Lei nº 11.108/2005 garante às parturientes o direito à presença de acompanhante de sua escolha durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato2424 Brasil. Lei nº 11.108 de 7 de abril de 2005. Altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para garantir às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União. 7 Abr 2005.. No entanto, ainda se verifica o descumprimento dessa lei por serviços que tanto restringem a presença do acompanhante quanto, muitas vezes, querem definir quem deve acompanhar a parturiente. Além disso, os obstáculos também evidenciam as desigualdades. Estudo de base populacional demonstrou que mulheres pretas e pardas tinham mais risco de ausência de acompanhante quando comparadas com mulheres brancas2525 Leal MC, Gama SGN, Pereira APE, et al. A cor da dor: iniquidades raciais na atenção pré-natal e ao parto no Brasil. Cad. Saúde Pública. 2017; 33(supl1):e00078816..

O segundo assunto mais denunciado foi o Programa Farmácia Popular do Brasil – sistema de copagamento, sobretudo por descumprimento das normas de funcionamento do programa e uso indevido do Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) dos usuários. O programa foi instituído pelo governo federal em 2004 como estratégia de ampliação de acesso da população a medicamentos essenciais, a partir da dispensação de medicamentos a preço de custo, com até 90% de desconto, ou gratuitos. Diversas fraudes e erros no programa foram denunciados ao longo dos anos, com adoção de medidas visando maior controle e fiscalização, incluindo auditorias2626 Silva RM, Caetano R. Programa “Farmácia Popular do Brasil”: caracterização e evolução entre 2004-2012. Ciênc. Saúde Colet. 2015; 20(10):2943-2956..

Conforme mencionado anteriormente, o cidadão que entra em contato com a Ouvidoria pode registrar uma manifestação para outra pessoa, situação que possivelmente ocorre nas denúncias referentes às fraldas geriátricas apresentadas como subassunto 3.

Na maioria das vezes, a informação solicitada é respondida diretamente pelo operador do Disque Saúde 136 durante a ligação, a partir de um grande Banco de Informações Técnicas em Saúde (Bits). Em cinco anos, quase 1 milhão de informações foram disseminadas pelos operadores da Ouvidoria-Geral do SUS, representando mais de quatro vezes o quantitativo de manifestações registradas. Nos casos em que o Bits não contemple o questionado, são registrados protocolos para buscar a informação solicitada. Esses protocolos não incluem as solicitações de informação realizadas via Sistema de Informação ao Cidadão (SIC), vinculado à Lei de Acesso à Informação, que possui sistema de registro e tratamento próprio.

O quadro 2 detalha os pedidos de informação protocolados no Ministério da Saúde, bem como os elogios e sugestões. A maior parte das informações foi do âmbito da Gestão, referente às ações e programas de saúde variados, recursos humanos e estabelecimentos de saúde. As questões sobre recursos humanos abordaram especialmente a contratação de profissionais e concurso público, além de temas referentes à capacitação técnico-profissional e pagamento. Considerando o alto grau de instrução observado no perfil, há, possivelmente, uma quantidade importante de profissionais de saúde entre os solicitantes dessas informações.

Quadro 2
Principais assuntos e subassuntos de informações, elogios e sugestões de jovens à Ouvidoria-Geral do SUS, 2014-2018

Quanto aos estabelecimentos de saúde, as solicitações de informações sobre rotinas, protocolos e endereço de serviços podem refletir a ainda insuficiente transparência e disponibilização de informações por parte da gestão, bem como um possível desconhecimento da população sobre onde acessar essas informações.

O segundo assunto mais demandado foi o de orientações em saúde, como cobertura de procedimentos pelo SUS e doenças. Também foram solicitadas informações sobre materiais de comunicação, como publicações, e-mail, site, entre outros. Conforme apontam Silva et al.2424 Brasil. Lei nº 11.108 de 7 de abril de 2005. Altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para garantir às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União. 7 Abr 2005., a Ouvidoria tem importante função no fornecimento de informações e na divulgação da rede de saúde, não só explicando e orientando a população sobre as portas de entrada adequadas do sistema, mas também facilitando o acesso aos serviços de saúde.

Os elogios registrados foram majoritariamente para os profissionais de saúde, que, por outro lado, foram também alvo do maior número de reclamações e denúncias. A satisfação foi principalmente com a equipe de saúde (69), médicos (56) e enfermeiros (21).

Chama a atenção que o segundo maior assunto de elogios é a própria Ouvidoria do SUS, em relação aos teleatendentes e equipe, possivelmente quando da resposta ao cidadão sobre uma manifestação registrada. Peixoto et al.2727 Peixoto SF, Marsiglia RMG, Morrone LC. Atribuições de uma ouvidoria: opinião de usuários e funcionários. Saude soc. 2013; 22(3):785-794. apontam que os usuários costumam ver os serviços da ouvidoria como um setor superior ou, ao menos, com poder de decisão para uma possível solução de seus problemas. Quando o problema é solucionado, particularmente de forma breve, leva à satisfação desse usuário, enquanto o oposto costuma ocasionar insatisfação e desconfiança quanto à efetividade da ouvidoria.

As sugestões, objeto do menor número de manifestações à OuvSUS, em grande parte, referiram-se a ações e programas de saúde, implantação de setor/serviço/unidade, rotinas/protocolos, contratação ou capacitação técnico-profissional de trabalhadores da saúde. O assunto comunicação recebeu sugestões sobre campanhas e canais de comunicação, como e-mail ou site.

Destaca-se a importância de estimular o uso dos canais de participação para sugestões, sobretudo para que os serviços se adequem e sejam apropriados às demandas específicas da população jovem. As ouvidorias também precisam apresentar e divulgar seus resultados, para estimular o uso pela população, assim como pela gestão. Antunes2828 Antunes LR. Ouvidorias do SUS no processo de participação social em saúde. Rev Saude Colet. 2008; 5(26):238-41. aponta que tanto a propaganda dos funcionários quanto a dos próprios usuários já atendidos pela ouvidoria costumam ser as principais formas de divulgação e encaminhamento dos usuários ao serviço.

O relatório final da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) sobre a Estratégia e Plano de Ação para a Saúde do Adolescente e do Jovem33 Organização Pan-Americana da Saúde. 57º Conselho Diretor. 71ª Sessão do Comitê Regional da Organização Mundial da Saúde para as Américas. Estratégia e Plano de Ação para a Saúde do Adolescente e do Jovem: Relatório Final. Washington, DC: OPAS; 2019. aponta como atividades cruciais para acelerar o progresso na área de saúde do adolescente e do jovem: o aumento do investimento; a elaboração, atualização e implementação de políticas multissetoriais baseadas na abordagem dos determinantes sociais e na redução das iniquidades; a implementação de intervenções baseadas em evidências e de baixo custo voltadas à melhoria e promoção da saúde mental, física, sexual e reprodutiva de adolescentes, com empoderamento de grupos em vulnerabilidade; a eliminação de barreiras para o acesso universal a serviços de saúde; o estabelecimento de mecanismos específicos para que adolescentes e jovens participem dos processos de elaboração e monitoramento de políticas; e o aumento da capacidade do país de produção de informações fidedignas sobre essa população, entre outras.

Para isso, as Ouvidorias do SUS e as informações por elas produzidas e sistematizadas podem ser de grande valia, não apenas para possibilitar a participação de adolescentes e jovens e a produção de informações sobre esse público como também para direcionar políticas de saúde que atendam às necessidades dessa população.

Considerações finais

Conforme apresentado, houve um aumento importante no quantitativo de manifestações registradas por jovens de 15 a 29 anos à Ouvidoria-Geral do SUS de 2014 a 2017, com uma redução apenas em 2018. Não obstante, essa população ainda representa pouco mais de 15% dos demandantes. Ressalva-se apenas que a OuvSUS não é o único canal de acesso dos cidadãos e que outras demandas desse público podem estar sendo registradas pelas ouvidorias das outras esferas (municipal e estadual).

A maioria dos solicitantes jovens possuem de 20 a 29 anos, são negros, do sexo feminino e heterossexuais. Há uma alta escolaridade, com maioria cursando ou tendo concluído o nível superior, no entanto, com renda relativamente baixa, de até 2 salários mínimos, e empregados no setor privado.

As solicitações, as reclamações e as denúncias concentraram quase 80% das manifestações. As solicitações foram principalmente vinculadas à assistência à saúde de média e alta complexidade, como consultas/atendimentos/tratamentos, cirurgias e serviços de diagnóstico, além de medicamentos. Reclamações e denúncias trataram, sobretudo, de recursos humanos e estabelecimentos de saúde, o que pode sinalizar, além de um mau funcionamento dos serviços, uma inadequação às necessidades de saúde da população jovem.

Os temas de recursos humanos e estabelecimentos de saúde, bem como ações e programas de saúde, também foram frequentes nas solicitações de informação, nos elogios e nas sugestões, sendo estas últimas as menos registradas. Assim, faz-se necessário ainda um maior estímulo à utilização das Ouvidorias do SUS também para sugestões de melhorias do sistema, a fim de atender às reais necessidades da população, considerando também as especificidades dos diferentes grupos.

Ressalta-se a importância da disponibilização de canais acessíveis à população jovem, por meio de tecnologias e estratégias de Ouvidoria Ativa, assim como a necessidade de realização de pesquisas de perfil do cidadão, para uma melhor caracterização da população demandante e para o direcionamento da tomada de decisão de gestores.

As informações apresentadas podem servir de linha de base sobre as demandas pré-pandemia, subsidiando estudos que pudessem investigar os efeitos da pandemia sobre as demandas dos jovens à OuvSUS. Para isso, o preenchimento do perfil do cidadão nos atendimentos da Ouvidoria é de grande importância. Também se fazem necessários o monitoramento das demandas e o registro das consequências decorrentes das manifestações efetuadas, o que não foi possível verificar nessa base de dados, a fim de que se possa analisar a efetividade desse canal de atendimento. A efetividade dos mecanismos de participação social e o conhecimento por parte da população são cruciais para sua utilização.

É importante destacar que, apesar da disponibilização de mecanismos, a participação social nas políticas públicas não está de todo garantida. Apesar de previsões constitucionais e legais da participação dos usuários na administração pública, perdas recentes na pauta foram vivenciadas, como a rejeição da Política Nacional de Participação Social por parte do Congresso Nacional em 20142929 Brasil. Decreto nº 8.243 de 23 de maio de 2014. Institui a Política Nacional de Participação Social - PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social - SNPS, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 23 Maio 2014. e a extinção em massa, em 2019, de conselhos, comitês, comissões, grupos e outros tipos de colegiados da administração pública federal3030 Brasil. Decreto nº 9.759 de 11 de abril de 2019. Extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal. Diário Oficial da União. 11 Abr 2019.. Assim, a participação social e o empoderamento dos jovens são construções que precisam ser defendidas cotidianamente.

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Nov 2022

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2021
  • Aceito
    25 Fev 2022
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