Acessibilidade / Reportar erro

Acreditação Institucional de Ouvidorias do SUS: uma análise das experiências iniciais de avaliação externa

RESUMO

Com base no Curso de Qualificação de Avaliadores Externos para o processo de Acreditação no Sistema Único de Saúde (SUS), realizado em 2018, o objetivo deste artigo foi discutir os desafios postos ao processo de formação desses avaliadores, fundamentado em uma perspectiva da avaliação participativa, como forma de contribuir para aperfeiçoamento de processos dos dispositivos de avaliação externa e autoavaliação. Para isso, analisaram-se 33 documentos produzidos com a prática desses dispositivos no âmbito do projeto. Na avaliação externa, o principal desafio consiste em ‘olhar para o outro’; esse tipo específico de olhar exige que a Equipe de Avaliação Externa detenha o domínio sobre os conhecimentos prévios, competências e atitudes necessárias ao trabalho, para captar saberes, intencionalidades e relações, expressos nos atos de fala dos sujeitos. Na autoavaliação, o principal desafio consiste em ‘olhar para si’; tomar a si próprio como objeto de conhecimento e campo de transformação requer formas específicas de fazer, visando ao ganho de qualidade nos processos de trabalho. Construir uma cultura de avaliação, em que as informações produzidas subsidiem a tomada de decisão é um desafio para as ouvidorias, que pode ser superado com o Referencial de Qualidade das Ouvidorias do SUS.

PALAVRAS-CHAVES
Acreditação; Defesa do usuário; Avaliação em saúde; Capacitação de recursos humanos em saúde; Participação social

ABSTRACT

Based on the Qualification course of External Evaluators for the Accreditation process in the Unified Health System (SUS), held in 2018, this paper aims to discuss the challenges to the training process of these evaluators from a perspective of participatory evaluation to contribute to the improvement of external evaluation and self-evaluation devices. To this end, 33 documents produced with the practice of these devices were analyzed within the project. In external evaluation, the main challenge is to ‘look at the other’. This specific type of perspective requires the External Evaluation Team’s mastery over the previous knowledge, skills, and attitudes necessary for the work to capture knowledge, intentions, and relationships expressed in the statements of the subjects. In self-evaluation, the main challenge is ‘looking at oneself’. Taking oneself as an object of knowledge and field of transformation requires specific ways of doing to gain quality in work processes. Building a culture of evaluation in which the information produced supports decision-making is a challenge for the ombudspersons, which can be overcome with the Quality Benchmark of the Ombudsperson Services of the SUS.

KEYWORDS
Accreditation; Patient advocacy; Health evaluation; Health human resource training; Social participation

Introdução

A Acreditação Institucional de Ouvidorias do Sistema Único de Saúde (SUS) é um projeto que nasce a partir da constatação de que, para a gestão pública na Saúde, seria inovador e produtivo abordar e avaliar o processo de trabalho nas ouvidorias, a partir da produção de reflexões sobre o cotidiano de suas práticas, de modo a empoderá-las e contribuir para que se percebam enquanto ferramentas importantes de gestão11 Fernandes FMB, Moreira MR, Ribeiro JM. Análise da atuação das ouvidorias estaduais do Sistema Único de Saúde como instâncias participativas. Saúde debate. 2016 [acesso em 2021 out 14]; 40(esp):201-212. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-11042016S17.
https://doi.org/10.1590/0103-11042016S17...
.

A construção desse projeto é uma parceria entre pesquisadores do Departamento de Ciências Sociais da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz) e a Ouvidoria-Geral do Sistema Único de Saúde (OuvSUS) do Departamento de Integridade do Ministério da Saúde.

Para que a Acreditação alcance os objetivos propostos, é preciso enfrentar o desafio de criar uma cultura de avaliação, em que as informações produzidas nesse processo subsidiem a tomada de decisão pelos diferentes atores, gerando mudanças; o que só é possível se esse julgamento for capaz de ser crítico e favorecer a formação e o aprendizado22 Contandriopoulos A. Avaliando a Institucionalização da Avaliação. Ciênc. Saúde Colet. 2006; 11(3):705-711..

O modelo em construção para a Acreditação Institucional de Ouvidorias do SUS compreende dois dispositivos avaliativos. A autoavaliação, realizada no âmbito institucional pelos profissionais que desenvolvem a prática na ouvidoria e por atores estratégicos que, dado o caráter de mediação e interatividade desse trabalho, impactam ou são impactados por ele. A avaliação externa, em que uma equipe analisa o processo construído anteriormente pelas ouvidorias visando identificar conformidades e consistências no caminho de qualidade construído para essas ouvidorias, criando subsídios para a tomada de decisão e melhoria da qualidade da assistência.

Em ambos os dispositivos, é preciso discutir: o que avaliar, como e quais atores incorporar nesse processo, tendo em vista que o trabalho da ouvidoria não se esgota em si mesmo. É relacional, em que, de modo individual ou coletivo, é construído a partir da composição de um conjunto de tecnologias e ferramentas – dura, leve-dura e leve – que permitem aos diferentes profissionais fazer pactuações sobre o seu processo de trabalho e produção do cuidado33 Merphy EE, Franco TB. Trabalho em saúde. In: Pereira IB, Lima JCF. Dicionário da Educação Profissional em Saúde. 2. ed. Rio de Janeiro: EPSJV; 2008. p. 392-399..

Para captar os diferentes sentidos e significados expressos na construção do caminho de qualidade, é necessário que a Equipe de Avaliação Externa (EAE) detenha caixas de ferramentas, conhecimento, saberes e relações, expressos nos atos de fala, capazes de perceber as intencionalidades dessas ações33 Merphy EE, Franco TB. Trabalho em saúde. In: Pereira IB, Lima JCF. Dicionário da Educação Profissional em Saúde. 2. ed. Rio de Janeiro: EPSJV; 2008. p. 392-399..

O Curso de Qualificação de Avaliadores Externos para Ouvidorias do SUS, realizado em 2018, pelo Departamento de Ciências Sociais da Ensp/Fiocruz, objetivou a construção de um Banco de Avaliadores Externos que desse suporte para o Sistema de Acreditação Institucional em Ouvidorias do SUS. Iluminar alguns desafios enfrentados no desenvolvimento desse curso possibilita, além de avançar no fortalecimento das bases de construção do Sistema, trazer subsídios para processos formativos que têm o trabalho como elemento de reflexão.

A formação em ato (ou navegar é preciso): as bases de sua construção

No curso e no próprio processo de Acreditação Institucional, a formação é compreendida como processo qualificatório contínuo, em estado de incompletude, e, portanto, constantemente em processo de (re)atualização, por meio da experiência vivenciada pelos profissionais em seus diferentes momentos de aprendizagem mediada pelas narrativas dos professores/facilitadores de aprendizagem. A dinâmica de construção, sistematização e organização das reflexões e de todo o trabalho feito pelos participantes é registrada em um dispositivo intitulado ‘Diário de Bordo’44 Carta de Navegação. Curso de qualificação em avaliação externa de ouvidorias do SUS. Rio de Janeiro: Mimeo; 2018..

A qualificação foi estruturada considerando que o público-alvo do curso, profissionais de saúde de nível superior atuando em ouvidorias, tivessem domínio prévio de alguns conteúdos sobre avaliação, políticas públicas, gestão, trabalho em equipe, participação e controle social.

A construção das atividades pedagógicas objetivava aprofundar conceitos importantes para a realização da avaliação externa. Nesse sentido, não se pretendia realizar extensas aulas expositivas sobre cada conceito ou teoria, mas, a partir das experiências trazidas pelos profissionais, pela bibliografia disponibilizada e pelos trabalhos em grupo e plenárias, discutir os conceitos trabalhados. Visava-se, assim, à produção de elementos que possibilitassem à equipe de avaliadores captar além do que estava aparente, percebendo as intencionalidades, os valores, as contradições e as disputas presentes na produção do fazer que compõe o trabalho em ouvidorias e suas implicações para o cuidado em saúde55 Foucault M. A arqueologia do Saber. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2008..

Dessa forma, o conhecimento construído para a avaliação se daria a partir da experiência, que, como ensina Bondía66 Bondía JL. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Rev. Bras. Educ. 2002 [acesso em 2021 out 14]; (19):20-28. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-24782002000100003.
https://doi.org/10.1590/S1413-2478200200...
, “é tudo aquilo que se passa, tudo aquilo que nos chega, nos acontece”. Para que isso ocorra, o conhecimento tem de ser vivenciado, reflexivo, evitando-se a busca incessante por informações, o excesso de opinião, as reflexões sem tempo e o trabalho excessivo vistos pelo autor como elementos que dificultam sua construção. Para ele:

Sujeito da experiência é aquele afetado por ela, que gera e é impactado por afetos, que deixa alguns vestígios e que está ex-posto, com todo o risco e vulnerabilidade que esta exposição possa trazer66 Bondía JL. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Rev. Bras. Educ. 2002 [acesso em 2021 out 14]; (19):20-28. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-24782002000100003.
https://doi.org/10.1590/S1413-2478200200...
.

Em consonância com essa perspectiva, a disposição curricular do curso se baseava na noção de ‘formação em ato’, em que tanto o currículo quanto o desenvolvimento do curso são concebidos organicamente, valorizando a experiência dos sujeitos envolvidos, de modo a gerar autonomia reflexiva. São incentivados e problematizados como referência teórica e base reflexiva para os conhecimentos preexistentes por parte dos alunos44 Carta de Navegação. Curso de qualificação em avaliação externa de ouvidorias do SUS. Rio de Janeiro: Mimeo; 2018..

Essas concepções são sintetizadas no material pedagógico intitulado ‘Carta de Navegação’44 Carta de Navegação. Curso de qualificação em avaliação externa de ouvidorias do SUS. Rio de Janeiro: Mimeo; 2018., elaborado pela equipe de pesquisadores que desenvolviam o projeto. A escolha desse título reflete a concepção de que o horizonte do saber está em constante (re) construção e, embora esteja sujeito a correntes e marés, tempestades e calmarias, fluidez e obstáculos, é passível de mapeamento e (re) descobrimento proporcionador de segurança no percorrer das trajetórias.

O curso foi organizado em três unidades de aprendizagem, dedicadas a cada uma das fases que compõem a avaliação externa (preparação, desenvolvimento da avaliação externa e sistematização do processo de avaliação externa). Com sua realização, visa-se dar conta dos seguintes preceitos: i) Compreensão das diretrizes e dos objetivos de Acreditação e de avaliação externa de ouvidorias do SUS; ii) Planejamento e programação de avaliação externa; iii) Desenvolvimento de processo de avaliação externa em prática de ouvidorias do SUS; iv) Elaboração de síntese da prática de avaliação externa para gestão coletiva de qualidade de ouvidorias do SUS44 Carta de Navegação. Curso de qualificação em avaliação externa de ouvidorias do SUS. Rio de Janeiro: Mimeo; 2018..

Cada unidade de aprendizagem envolveu momentos presenciais e momentos de encontros a distância, viabilizados por intermédio de uma comunidade intitulada Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), constitutivo do conjunto de comunidades de aprendizagem disponibilizadas por meio da plataforma Moodle, pelo setor de Educação a Distância (EAD) da Ensp/Fiocruz.

Por essa perspectiva, a formação é concebida a partir de um ponto de vista técnico-político-ético, que valoriza a construção de indagações e questionamentos sobre o pensar, o fazer, o que se pensa, o que se faz e o que se pensa que faz e/ou se pode fazer. Em consonância com esse espírito, a proposta do curso não se esgota em sua primeira oferta, sendo um processo formativo contínuo.

Foi pactuada, inicialmente, com o Ministério da Saúde a realização de avaliação externa em dez ouvidorias, distribuídas a partir de critérios preestabelecidos, de modo a contemplar a variedade de ouvidorias do SUS existentes no País: diversidade regional, municípios de diferentes portes populacionais, ouvidorias pertencentes a esferas administrativas (estadual e municipal) e níveis distintos de complexidade (central e hospitalar). Por motivos operacionais, sete avaliações foram efetuadas durante a realização do curso e duas no ano de 2020, após a sua concretização. Na fase atual do projeto, está em andamento a realização do processo de Acreditação em 24 ouvidorias, inclusive com algumas ouvidorias que participaram da fase inicial.

Para a realização das avaliações externas, as equipes foram compostas por dois a três profissionais em formação, variando esse número de acordo com o porte populacional dos municípios onde as ouvidorias estavam inseridas e, portanto, da complexidade de suas respectivas redes. A relação com as ouvidorias foi mediada por facilitadores de aprendizagem, que conduziam o processo de adesão destas e acompanhavam as EAE. Além disso, a vivência de realização de avaliação externa pelos profissionais foi sistematizada no relatório de avaliação externa.

Fluxo e atores envolvidos no processo de Acreditação: compreendendo o lugar da avaliação externa

O Sistema de Acreditação Institucional é construído com base nos dispositivos de autoavaliação e avaliação externa, que, em conjunto, visam compreender como as ações para a melhoria dos serviços de saúde são conduzidas/potencializadas no âmbito das Ouvidorias do SUS. É a consistência das práticas discursivas produzidas por esses dispositivos que fornece as bases para a tomada de decisão pelo Comitê Acreditador e sua posterior chancela ao caminho de qualidade dos serviços construídos pelas ouvidorias.

Esses dispositivos são operacionalizados em diferentes momentos da Acreditação, dentro de um fluxo, no qual os elementos construídos em uma fase servem de base para a reflexão e o aprofundamento da fase posterior. Tem início com a pactuação dos objetivos da Acreditação entre a coordenação do projeto e a ouvidoria a ser acreditada. A publicação de portaria pela instituição com a composição e atribuições da Equipe de Gestão da Qualidade (EGQ), grupo de trabalho composto por atores internos e externos escolhidos pela ouvidoria em suas parcerias com outros setores do serviço e/ou da sociedade civil, materializa a adesão da ouvidoria à Acreditação Institucional, bem como expressa o compromisso e o envolvimento da instituição com esse processo.

Essa equipe tem como atribuição coordenar o processo de autoavaliação e elaborar o relatório de autoavaliação e o plano de ação. Esse relatório deve expressar uma reflexão dos profissionais sobre o seu fazer cotidiano. Ou seja, é uma análise em que o sujeito ouvidoria deve falar de si, a partir de um olhar crítico dos diversos profissionais que trabalham nesse espaço sobre o seu processo de trabalho, bem como das relações construídas pela ouvidoria com outros serviços/atores, de modo a propiciar a construção de pactos e ações que possibilitarão o enfrentamento dos problemas no caminho de qualidade. Ademais, é realizado em diálogo com o Referencial de Qualidade (RQ)77 Moreira MR, organizador. Acreditação institucional de ouvidorias do SUS no Brasil: documentos de base. Rio de Janeiro: ENSP/Fiocruz; 2018. produzido para a Acreditação em Ouvidorias do SUS, expresso em quatro dimensões (infraestrutura, gestão, processo de trabalho e resultados) que, por sua vez, desdobram-se em subdimensões, argumentos e padrões de referência.

Uma vez concluído, esse relatório é enviado à Coordenação do Projeto de Acreditação e, em seguida, distribuído para a EAE, grupo de trabalho mobilizado pela entidade acreditadora, que utilizará o relatório como subsídio para elaboração dos roteiros de campo. Nessa fase, é necessário identificar os problemas a serem mais bem compreendidos e investigados, agendar o período da visita, definir técnicas e instrumentos de pesquisa (roteiros de entrevistas e de grupos focais) a serem utilizados com os diferentes atores.

A visita de avaliação externa permite a análise in loco, a percepção do quanto o caminho da qualidade desenhado no plano de ação da ouvidoria descrito no relatório de autoavaliação estava em conformidade com os padrões de referência descritos no RQ e apresentava consistência, ou seja, encadeamento de práticas discursivas coerentes e potentes para contribuir para a melhoria da qualidade dos serviços de ouvidoria em saúde do SUS77 Moreira MR, organizador. Acreditação institucional de ouvidorias do SUS no Brasil: documentos de base. Rio de Janeiro: ENSP/Fiocruz; 2018..

Essas impressões são sistematizadas no relatório de avaliação externa. Por fim, com base neste relatório, o Comitê Acreditador decide e chancela o processo desenvolvido pela ouvidoria, fechando o ciclo.

Os desafios para consolidação do Sistema de Acreditação Institucional

Para a reflexão sobre os desafios dessas experiências iniciais de avaliação externa, foi selecionado um conjunto de 33 documentos oriundos dos 9 experimentos de Acreditação já realizados no âmbito do Projeto. Tais documentos constituem-se por: 9 relatórios de autoavaliação, 9 relatórios de avaliação externa; 7 ‘Atividades de Análises Cruzadas’ – exercício de leitura cruzada e de autorreflexão sobre os relatórios de avaliação externa, elaborados pela equipe de coordenação e realizado pelos avaliadores em formação; e 8 instrumentos de ‘Reflexão sobre as Experiências de Avaliação Externa’, respondidos pelos profissionais em formação, que participaram de dois experimentos distintos.

Embora o foco de análise sejam os relatórios de avaliação externa, dado o caráter interligado entre os dispositivos, a inclusão dos relatórios de autoavaliação produzidos pelas ouvidorias foi importante para compreender em que medida o que é produzido pela autoavaliação impacta o trabalho da EAE.

Tais documentos refletem a possibilidade de qualificação do produto dos dois principais dispositivos da Acreditação Institucional. O aprofundamento da qualidade desses relatórios passa, organicamente, pela reflexão de todo o processo de trabalho que os constitui.

A análise desses documentos revelou dois macrodesafios presentes nos dispositivos de autoavaliação e avaliação externa: i) a Equipe de Gestão da Qualidade e o desafio de ‘olhar para si’; e ii) a Equipe de Avaliação Externa e o desafio de ‘olhar para o outro’. Ambos os desafios se desdobram em um conjunto de questionamentos específicos.

Ora, se o trabalho de autoavaliação consiste no ‘olhar para si’, pergunta-se: como construir coerência interna entre os discursos produzidos sobre as práticas cotidianas, vivenciadas no âmbito das ouvidorias? Como ordenar esses elementos de modo lógico, a permitir que o outro seja ‘capaz de ver’, de compreender tal realidade, por meio daquilo que lhe é apresentado por outra equipe, sem que ele tenha vivido tal experiência? Que instrumentos de análise utilizar para isso?

Por sua vez, se o trabalho de avaliação externa consiste no ‘olhar para o outro’, questiona-se: como captar o que esse outro produz? Como perceber nas interações existentes no espaço onde as práticas da ouvidoria são forjadas, as potencialidades e fragilidades ali presentes? O que vai ser observado, com que atores, a partir de quais instrumentos? Em que medida o relatório de autoavaliação elaborado pela ouvidoria permite captar tais práticas? Que outros materiais são necessários para que a EAE compreenda a rotina de trabalho da ouvidoria e o contexto social e político no qual está inserida? Como construir um relatório capaz de subsidiar a decisão do Comitê Acreditador? Como criar consensos e composições a partir de diferentes olhares em equipe?

A seguir, buscar-se-á refletir sobre esses desafios e suas especificidades, provenientes das experimentações da Acreditação Institucional, no âmbito do Curso de Qualificação de Avaliadores Externos, no intuito de contribuir para o aperfeiçoamento dos processos formativos, em ato.

Equipe de Gestão da Qualidade e o desafio de ‘olhar para si’

O princípio segundo o qual a EGQ se orienta é o de ‘olhar para si’, ou seja, tomar o trabalho desempenhado pela própria ouvidoria, em suas múltiplas relações sociais, como objeto de estudo e campo de ação para transformar seus valores e práticas. Nessa concepção, aplicar-se sobre si é uma condição primária para a tomada de posição política88 Foucault M. História da Sexualidade 3: o cuidado de si. 11. ed. São Paulo: Graal; 2011..

A EGQ é responsável por dar consistência a essa preocupação, por meio da construção do método da autoavaliação. Dentre suas principais atribuições, destacam-se: identificar os problemas que demandam ações para sua superação; elaborar um plano de ação sustentável; colocar em marcha o caminho de qualidade proposto no plano, visando à superação dos desafios, problemas e nós críticos identificados; e definir os elementos para o monitoramento desse processo.

A construção desse método, cuja prática é consagrada ao ‘olhar para si’, é um dos principais desafios enfrentados pelas ouvidorias no processo de autoavaliação. Tomar a si próprio como objeto de conhecimento não designa uma preocupação difusa. Representa formas específicas de exercício e práticas refletidas, desenvolvidas e aperfeiçoadas para concretizar um saber de si, necessário para assumir responsabilidades públicas e participar ativamente como instrumento de gestão pública e contribuir para as políticas de saúde do SUS88 Foucault M. História da Sexualidade 3: o cuidado de si. 11. ed. São Paulo: Graal; 2011..

O RQ, proposto pela Coordenação do Projeto, visa ofertar padrões e argumentos que possibilitem à ouvidoria se ver a partir de um arcabouço lógico, identificando suas fragilidades e seus potenciais. Mediadas pelo RQ, as ouvidorias têm a oportunidade de realizar a problematização educacional do seu fazer cotidiano (aquilo que se sabe fazer diante das realidades específicas), visando à aprendizagem no trabalho por meio da valorização das experiências locais77 Moreira MR, organizador. Acreditação institucional de ouvidorias do SUS no Brasil: documentos de base. Rio de Janeiro: ENSP/Fiocruz; 2018..

Tais práticas têm por interesse manter um constante questionamento sobre as atitudes que deveriam ser tomadas em cada circunstância, favoráveis e desfavoráveis. É, pois: i) o controle administrativo para avaliar uma atividade realizada, reativar seus princípios e corrigir sua aplicação futura; ii) o exame da jornada cotidiana; iii) a verificação da conformidade e consistência do trabalho; iv) o mapeamento das regras de conduta que permitem atingir os objetivos propostos, utilizando os meios mais adequados; e v) a atitude vigilante em relação a si próprio88 Foucault M. História da Sexualidade 3: o cuidado de si. 11. ed. São Paulo: Graal; 2011..

Associado a essa dificuldade de construção do método da autoavaliação, surge outro desafio relevante para o êxito do dispositivo: a construção da coesão interna entre os participantes da EGQ. A análise dos documentos produzidos nas experiências iniciais da Acreditação Institucional apontou que as principais fragilidades verificadas estiveram relacionas com a ausência de corresponsabilidade entre os membros da Equipe; à participação de setores não familiarizados com a rotina de trabalho da ouvidoria; e à falta de multiplicidade de olhares para a composição do relatório.

Como consequência dessa não coesão interna, as principais fragilidades identificadas no relatório de autoavaliação foram: informações pouco consistentes, que não demonstravam a realidade da ouvidoria; relatórios centrados em uma visão não diversificada e pouco participativa do processo de realização da EGQ e autoavaliação; e ausência de um plano de ação eficaz e verificável.

A ausência de uma cultura de avaliação sistematizada e permanente nos serviços de saúde do País traz dificuldade para as ouvidorias compreenderem o quanto a organização do seu processo de trabalho impacta o seu fazer cotidiano e, também, a tomada de decisão em outros espaços e/ou níveis de gestão. Nesse sentido, o RQ pode tornar-se um importante aliado na construção dessa cultura de avaliação.

No entanto, isso não é suficiente. É necessário que essas reflexões extrapolem o muro das ouvidorias e envolvam outros setores/serviços, bem como a gestão da instituição. É a partir do envolvimento desses atores/serviços que a EGQ pode criar as bases para a construção dos pactos necessários para que o caminho da qualidade a ser trilhado reflita a melhoria dos serviços e o atendimento às manifestações dos usuários/cidadãos.

O RQ encoraja que os atores sociais assumam coletivamente as escolhas feitas. As decisões coletivas e a pactuação entre os diversos atores sociais em processo de diálogo e interação

Abrangem o objeto da autoavaliação, o modo como se quer avaliar, acompreensão de contextos, conhecimentos, normas e procedimentos, e ainda as formas de ação e reação, as quais conjuntamente imprimem resultados77 Moreira MR, organizador. Acreditação institucional de ouvidorias do SUS no Brasil: documentos de base. Rio de Janeiro: ENSP/Fiocruz; 2018.(13–14).

Trata-se de um modo de gestão democrática, que preza pela construção de canais de comunicação negociados e de responsabilização compartilhada nas decisões cotidianas das ouvidorias do SUS, visando à qualidade como desafio negocial para a produção social em saúde.

O processo de trabalho desempenhado pela EGQ é, portanto, uma relação de aprendizagem no trabalho que envolve desconstrução-reconstrução-estruturação e descoberta de novos pontos fortes coletivos entre atores parceiros e demais setores do serviço e/ou da sociedade civil.

Tal exercício político ancora-se no interesse pela melhoria contínua da qualidade do trabalho realizado pelas ouvidorias do SUS: a ação pública em permanente construção. Ressalta-se que o princípio do ‘olhar para si’ tem como objetivo uma dimensão coletiva: aplica-se sobre si, para cuidar dos outros; nesse caso, promover a prática da democracia, defender os direitos humanos, mediar conflitos, potencializar a capacidade de escuta e reconhecimento das pessoas como sujeitos de direitos88 Foucault M. História da Sexualidade 3: o cuidado de si. 11. ed. São Paulo: Graal; 2011., 99 Mansano SRV. Sujeito, subjetividade e modos de sub-jetivação na contemporaneidade. Rev Psicol. UNESP. 2009; 8(2):110-117..

Este é, portanto, um dos pontos mais importantes dessa atitude consagrada ao ‘olhar para si’: uma prática social. O desafio de institucionalização de uma cultura de autoavaliação traz consigo a preocupação da melhoria constante dos serviços de saúde prestados no SUS à população e o fortalecimento da gestão de qualidade dos processos de trabalho.

A Equipe de Avaliação Externa e o desafio de ‘olhar para o outro’

A principal atribuição da EAE é realizar a visita de campo nas Ouvidorias do SUS envolvidas com a Acreditação Institucional, visando analisar a prática de qualidade em suas ações, tendo como referência as percepções dos sujeitos e as dimensões do trabalho abordadas em termos de infraestrutura, processo de trabalho, gestão e resultados. Trata-se de uma prática de interpretação e tradução do trabalho da ouvidoria e de sua cultura institucional1010 Brasil. Ouvidorias do SUS. Perfil de Avaliação Externa em Acreditação Institucional de Ouvidorias do SUS. Rio de Janeiro: Mimeo; 2019..

O principal objetivo da avaliação externa é verificar os requisitos de conformidade atendidos na estrutura de atuação da ouvidoria e de consistência na realização de ações, tendo como base o caminho de qualidade, avaliando a sustentabilidade da implementação das proposições definidas no relatório de autoavaliação e no plano de ação da qualidade.

Nesse sentido, a prática da EAE não consiste em um ‘fim em si mesma’, é parte constitutiva do processo de Acreditação, e tem como uma de suas características principais a intermediação entre autoavaliação e Acreditação1010 Brasil. Ouvidorias do SUS. Perfil de Avaliação Externa em Acreditação Institucional de Ouvidorias do SUS. Rio de Janeiro: Mimeo; 2019..

O princípio segundo o qual o trabalho de avaliação externa se orienta é o ‘olhar para o outro’; isso significa perceber, nas interações existentes no espaço em que as práticas da ouvidoria são forjadas, de que modo as fragilidades identificadas são enfrentadas e as potencialidades valorizadas, contribuindo para a melhoria dos serviços de ouvidoria ofertados aos cidadãos. Esse olhar que a EAE dedica à ouvidoria é mediado pelos referenciais que forjam o Sistema de Acreditação Institucional de Ouvidorias do SUS, em específico, a noção de qualidade.

A partir deste postulado de ‘olhar para o outro’, surge o primeiro desafio prático ao trabalho das EAE: a preparação da visita de campo.

Com base na análise dos documentos das experiências iniciais da Acreditação, a preparação das visitas de campo foi organizada pelas Equipes em torno de três aspectos principais:

  1. Síntese do Relatório de Autoavaliação – análise do material encaminhado pela ouvidoria, com foco na visualização dos seus processos de trabalho e na identificação do caminho de qualidade construído;

  2. Levantamento Documental – buscas por documentos, dados e informações em sites oficiais, visando solidificar a compreensão sobre a rotina de trabalho da ouvidoria e o contexto político-social no qual está inserida;

  3. Delimitação dos Objetivos e Elaboração dos Roteiros – definição do que será observado, quais atores serão acionados e quais técnicas de investigação mobilizadas.

O êxito da avaliação externa está associado ao investimento das EAE em cada um desses três aspectos. A produção de roteiros de visitas consistentes que permitam a identificação de discursos de diferentes atores, que expressem a viabilidade da execução do caminho traçado pela ouvidoria no seu plano de ação e disputas relacionadas ao Caminho da Qualidade, depende da articulação entre essas etapas.

Na avaliação externa, assim como na pesquisa social, só se acha o que se procura. Para ter as respostas, é preciso saber as perguntas. Consequentemente, a primeira exigência para a realização da avaliação externa é um treinamento rigoroso nos referencias teóricos da Acreditação Institucional, que possibilite a EAE saber ‘o que’ e ‘como’ observar. É preciso saber exatamente o que se quer, e isso depende inteiramente da delimitação precisa dos objetivos que norteiam a ida a campo1111 Evans-Pritchard EE. Apêndice IV: Algumas reminiscências e reflexões sobre o trabalho de campo. In: Evans-Pritchard EE. Bruxaria, Oráculos e Magia entre os Azande. Rio de Janeiro: Zahar; 2005. p. 243-255..

Quanto mais a EAE tiver lucidez sobre as questões que pretende aprofundar na visita de campo, mais a Equipe será capaz de captar os discursos que permitam a construção de um relatório potente.

Articulado à preocupação da preparação da visita, desponta outro importante desafio para a EAE: garantir subsídios que viabilizem a tomada decisão do Comitê Acreditador.

A viabilização desse desafio está relacionada com a consolidação do relatório de avaliação externa, produzido a partir da triangulação entre: i) o relatório de autoavaliação; ii) as informações levantadas na visita de campo; iii) os padrões de referência, presentes no RQ das Ouvidorias do SUS.

Quando a EAE volta de campo e tem a responsabilidade de produzir esse relatório sobre a ouvidoria visitada, revela-se a importância da sólida fundamentação teórica. A batalha decisiva para a construção de um relatório potente não se trava no campo, mas na volta do campo. Isso só pode ser alcançado com um treinamento sistemático sobre os conhecimentos prévios, competências e atitudes relacionais necessárias ao trabalho da EAE1111 Evans-Pritchard EE. Apêndice IV: Algumas reminiscências e reflexões sobre o trabalho de campo. In: Evans-Pritchard EE. Bruxaria, Oráculos e Magia entre os Azande. Rio de Janeiro: Zahar; 2005. p. 243-255..

O investimento teórico que fundamenta tal análise volta-se para: avaliação e inovação; educação e saúde; gestão e administração pública; participação e controle social; pesquisa social; SUS e suas ouvidorias; política de qualidade da Acreditação Institucional de Ouvidorias do SUS; RQ das Ouvidorias do SUS; metas definidas pelas ouvidorias envolvidas com o processo de Acreditação no relatório de autoavaliação; e objetivos da avaliação externa. O aprofundamento nesses temas é imprescindível para a concretização do relatório de avaliação externa1010 Brasil. Ouvidorias do SUS. Perfil de Avaliação Externa em Acreditação Institucional de Ouvidorias do SUS. Rio de Janeiro: Mimeo; 2019..

O domínio e a articulação sobre esses referenciais são o que garante que a EAE interaja com os serviços de ouvidoria, de modo a perceber a conformidade e a consistência do caminho de qualidade, traduzindo tais práticas em um relatório capaz de subsidiar a decisão do Comitê Acreditador.

Para o alcance desses objetivos, é necessário que a EAE seja capaz de partilhar as decisões e as responsabilidades sem perder a perspectiva coletiva do trabalho, como um processo desenvolvido em equipe. Esse trabalho relacional concretiza-se por meio da pactuação entre diferentes atores, com foco na construção de composições entre os olhares, as subjetividades e as competências.

A saúde, como prática social complexa, só pode ser compreendida a partir de um conjunto de conhecimentos interdisciplinares, que, articulados, possibilitem à equipe de avaliação mobilizá-los para compreender o trabalho de determinada ouvidoria1010 Brasil. Ouvidorias do SUS. Perfil de Avaliação Externa em Acreditação Institucional de Ouvidorias do SUS. Rio de Janeiro: Mimeo; 2019..

Considerações finais

As questões abordadas no artigo permitem apontar que o RQ mostrou robustez para pôr em movimento os dispositivos de autoavaliação e avaliação externa, desenhados em uma perspectiva participativa. As dimensões e os padrões apresentados instigam os participantes da autoavaliação e da avaliação externa a refletirem sobre o processo de trabalho desenvolvido nas ouvidorias, identificando as questões a serem enfrentadas, bem como suas fortalezas e fragilidade, de modo que o caminho de qualidade almejado seja perseguido.

Nessa perspectiva, a qualidade é vista como um processo em permanente construção, no qual não há um ponto de chegada. Ao alcançar determinados objetivos propostos, novos problemas aparecem, o que coloca a necessidade da realização de adequações/mudanças constantes na prática, em um diálogo permanente com a sociedade.

Isto coloca para os serviços de ouvidoria a perspectiva de que a avaliação deixe de ser um momento pontual para se constituir em prática de rotina. Nesse sentido, o grande desafio consiste em enfrentar as condições para a sua sustentabilidade diante das necessidades e emergências do fazer em saúde, em que tudo é para ontem. O tamanho desses desafios depende de várias questões; por exemplo, as condições políticas e institucionais, do nível de complexidade do sistema de saúde na localidade onde a ouvidoria está inserida e do nível de autonomia para a tomada de decisões.

No caso da avaliação externa, esta deve ser capaz de captar esse caminho e realizar análises que produzam informações que fortaleçam o debate e o aprendizado sobre os processos de trabalho nas ouvidorias, de modo que a avaliação legitime esses processos, contribuindo assim para o aperfeiçoamento do SUS.

Do mesmo modo, a variedade de experiências existentes sobre o fazer cotidiano nas ouvidorias traz para a formação permanente dos avaliadores externos o desafio de compreender as especificidades dos processos vivenciados no âmbito da ouvidoria e, ao mesmo tempo, o de manter um RQ.

  • Suporte financeiro: não houve

Referências

  • 1
    Fernandes FMB, Moreira MR, Ribeiro JM. Análise da atuação das ouvidorias estaduais do Sistema Único de Saúde como instâncias participativas. Saúde debate. 2016 [acesso em 2021 out 14]; 40(esp):201-212. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-11042016S17.
    » https://doi.org/10.1590/0103-11042016S17.
  • 2
    Contandriopoulos A. Avaliando a Institucionalização da Avaliação. Ciênc. Saúde Colet. 2006; 11(3):705-711.
  • 3
    Merphy EE, Franco TB. Trabalho em saúde. In: Pereira IB, Lima JCF. Dicionário da Educação Profissional em Saúde. 2. ed. Rio de Janeiro: EPSJV; 2008. p. 392-399.
  • 4
    Carta de Navegação. Curso de qualificação em avaliação externa de ouvidorias do SUS. Rio de Janeiro: Mimeo; 2018.
  • 5
    Foucault M. A arqueologia do Saber. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2008.
  • 6
    Bondía JL. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Rev. Bras. Educ. 2002 [acesso em 2021 out 14]; (19):20-28. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-24782002000100003.
    » https://doi.org/10.1590/S1413-24782002000100003.
  • 7
    Moreira MR, organizador. Acreditação institucional de ouvidorias do SUS no Brasil: documentos de base. Rio de Janeiro: ENSP/Fiocruz; 2018.
  • 8
    Foucault M. História da Sexualidade 3: o cuidado de si. 11. ed. São Paulo: Graal; 2011.
  • 9
    Mansano SRV. Sujeito, subjetividade e modos de sub-jetivação na contemporaneidade. Rev Psicol. UNESP. 2009; 8(2):110-117.
  • 10
    Brasil. Ouvidorias do SUS. Perfil de Avaliação Externa em Acreditação Institucional de Ouvidorias do SUS. Rio de Janeiro: Mimeo; 2019.
  • 11
    Evans-Pritchard EE. Apêndice IV: Algumas reminiscências e reflexões sobre o trabalho de campo. In: Evans-Pritchard EE. Bruxaria, Oráculos e Magia entre os Azande. Rio de Janeiro: Zahar; 2005. p. 243-255.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Nov 2022

Histórico

  • Recebido
    01 Ago 2021
  • Aceito
    03 Nov 2021
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde Av. Brasil, 4036, sala 802, 21040-361 Rio de Janeiro - RJ Brasil, Tel. 55 21-3882-9140, Fax.55 21-2260-3782 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revista@saudeemdebate.org.br