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Desafios no caminho metodológico de construção do processo de Acreditação Institucional de ouvidorias do SUS

RESUMO

O artigo buscou refletir sobre os desafios teórico-práticos enfrentados no caminho metodológico de construção do processo de Acreditação Institucional de ouvidorias do Sistema Único de Saúde (SUS), na elaboração dos materiais pedagógicos e nas dinâmicas de interações fundamentais entre os atores envolvidos. Discorre-se sobre a trajetória de uma parceria de trabalho entre uma equipe de pesquisadores e um departamento do Ministério da Saúde, que visa apoiar teórico-metodologicamente as ações do setor trabalhando os grandes temas da participação e do controle social e, em particular, das ouvidorias, gerando evidências para a tomada de decisões da gestão. São apresentados e problematizados desafios enfrentados no caminho da parceria e do processo de um ponto de vista metodológico, reflexivo e participativo, apresentando-se ideias, noções e conceitos que sofreram evolução, e que presidem os materiais pedagógicos elaborados para instrumentalização do processo de Acreditação Institucional de ouvidorias do SUS enquanto balizamento teórico-prático. Conclui-se que a adoção de um desafiador método de trabalho construtivista e participativo representa um salutar esforço pelo autoaperfeiçoamento e pela garantia da afirmação de valores e princípios democráticos, efetivos na busca constante pela qualificação das ações das ouvidorias, da própria atividade de pesquisa, da prática da gestão e dos serviços e políticas públicas.

PALAVRAS-CHAVES
Controle social formal; Defesa do paciente; Acreditação; Acreditação de instituições de saúde; Metodologia como assunto

ABSTRACT

This paper aims to reflect on the theoretical and practical challenges in the methodological path of building the Institutional Accreditation process of the Unified Health System (SUS) ombudspersons, developing teaching materials, and the dynamics of fundamental interactions between the stakeholders involved. It discusses the trajectory of a working partnership between a team of researchers and a department of the Ministry of Health, which aims to theoretically and methodologically support the actions of the sector working on the principal participation and social control topics and, in particular, the ombudspersons, generating evidence for management decision-making. The authors present the challenges in partnership and the process and discuss from a methodological, reflective, and participatory viewpoint, presenting ideas and concepts that have evolved and govern the pedagogical materials prepared for the instrumentalization of the Institutional Accreditation process of SUS ombudspersons as a theoretical-practical framework. The authors conclude that adopting a challenging constructivist method is a healthy effort for self-improvement and guarantee of the affirmation of democratic values, effective in the constant search for the qualification of the actions of the ombudspersons, research activity, management practice, and services and public policies.

KEYWORDS
Social control, formal; Patient advocacy; Accreditation; Health facility accreditation; Methodology as a subject

Introdução

Ao longo da história da administração pública e do mundo corporativo, diversos tipos de órgãos têm sido estruturados de modo a promover e a facilitar identificação e atendimento de reclamações, denúncias, sugestões, elogios e demais manifestações que os usuários de serviços e sistemas têm a fazer, bem como consumidores de produtos/mercadorias.

Em especial, na administração pública, as ouvidorias vão além de servir como simples canal de vocalização de demandas dos cidadãos. De fato, ouvidorias têm sido cada vez mais consideradas como ferramentas de gestão com importante potencial estratégico na elaboração de políticas, assim como no debate sobre as formas pelas quais governos atuam para atender à sociedade em seu bem-estar e condições de vida em lato sensu11 Vazquez ML, Silva MRF, Conzales ESC, et al. Nível de informação da população e utilização dos mecanismos institucionais de participação social em saúde em dois municípios do Nordeste do Brasil. Ciênc. Saúde Colet. 2005; 10(supl):141-155.,22 Po MV, Abrucio FL. Desenho e funcionamento dos mecanismos de controle e accountability das agências reguladoras brasileiras: semelhanças e diferenças. RAP. 2006; 40(4):679-698.,33 Pires R, Vaz A. Participação Social como método de governo? Um mapeamento das “Interfaces Socioestatais” nos programas federais: Efetividade das instituições participativas no Brasil. Brasília, DF: IPEA; 2012. (Texto para Discussão 1707). [acesso em 2021 maio 22]. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/participacao/images/pdfs/td_1707.pdf.
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,44 Peixoto SF, Marsiglia RMG, Morrone LC. Atribuições de uma ouvidoria: opinião de usuários e funcionários. Saúde Soc. 2013 [acesso em 2021 maio 22]; 22(3):785-794. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v22n3/12.pdf.
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,55 Fernandes FMB, Moreira MR, Ribeiro JM. Análise da atuação das ouvidorias estaduais do Sistema Único de Saúde como instâncias participativas. Saúde debate. 2016 [acesso em 2021 maio 22]; 40(esp):201-212. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-11042016S17.
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Interessantes estudos e textos vêm sendo produzidos, debatendo possibilidades e limitações das formas de intervenção dos cidadãos na administração pública, variedades de mecanismos institucionais de controle social e noções de democracia representativa, democracia deliberativa e democracia participativa66 De Mario CG. Ouvidorias públicas municipais no Brasil. [dissertação]. Campinas: Pontifícia Universidade Católica; 2006. 143 p. [acesso em 2021 maio 22]. Disponível em: https://repositorio.sis.puc-campinas.edu.br/bitstream/handle/123456789/16274/ceatec_ppgurb_me_Camila_GM.pdf?sequence=1&isAllowed=y.
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,77 Cardoso ASR, Neto FCL, Alcântara ELC. Ouvidoria Pública e Governança Democrática: Reflexões para Construção de um Sistema de Ouvidorias Públicas. Brasília, DF: Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas; 2013. [acesso em 2021 maio 22]. Disponível em: http://www.cgu.gov.br/sobre/institucional/eventos/2013/3a-reuniao-geral-normatizacao-do-sistema-federal-de-ouvidorias/arquivos/ouvidoria-publica_governanca-democratica_antonio-rito.pdf.
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,88 Fernandes FMB, Moreira MR, Ribeiro JM, et al. Inovação em ouvidorias do SUS – reflexões e potencialidades. Ciênc. Saúde Colet. 2016 [acesso em 2021 maio 22]; 21(8):2547-2554. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232015218.08382015.
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. Isso indica que órgãos, tais como os conselhos de direitos e as ouvidorias, por exemplo, têm atraído a atenção da academia e encontrado, em alguma medida, condições técnicas e políticas para serem incorporadas e sustentabilizadas nas estruturas administrativas, ainda que o processo não tenha fim e que os desafios sejam constantes99 Silva RP, Jesus EA, Ricardi LM, et al. O pensamento dos gestores municipais sobre a ouvidoria como um potencial instrumento de gestão participativa do SUS. Saúde debate. 2016 [acesso em 2021 maio 22]; 40(110):81-94. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-1104201611006.
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,1010 Machado FRS, Borges CF. Análise do componente ouvidoria na implementação da política de participação no SUS no estado do Rio de Janeiro. Soc. 2017 [acesso em 2021 maio 22]; 19(44):360-389. Disponível em: https://doi.org/10.1590/15174522-019004421.
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,1111 Lüchmann LHH. Interfaces das interfaces socioestatais: ouvidorias, conselhos gestores e Facebooks governamentais. Rev. Soc. Polít. 2020 [acesso em 2021 maio 22]; 28(74):e005. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1678-987320287405.
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Na área da saúde no Brasil, a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS), segundo o que a Constituição Federal1212 Brasil. Constituição, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal; 1988. e as legislações estabelecem, tem ensejado a institucionalização de instâncias de participação, controle social e interlocução entre os cidadãos e os gestores responsáveis pelo sistema, sob pena de não se promover o seu constante aperfeiçoamento e até mesmo comprometer sua funcionalidade e seu desempenho1313 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Portaria nº 8, de 25 de maio de 2007. Regulamenta o Sistema OuvidorSUS. Diário Oficial da União. 25 Maio 2007.,1414 Brasil. Ministério da Saúde, Gabinete do Ministro. Portaria nº 3.027, de 26 de novembro de 2007. Aprova a Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa no SUS – ParticipaSUS, que vislumbra a implantação de ouvidorias como uma das formas de fortalecer a gestão estratégica e participativa no SUS. Diário Oficial da União. 26 Nov 2007.,1515 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departamento de OuvidoriaGeral do SUS. Guia de orientações básicas para implantação de ouvidorias do SUS. Brasília, DF: MS; 2013.,1616 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.416, de 7 de novembro de 2014 - Estabelece diretrizes para a organização e funcionamento dos serviços de ouvidoria do Sistema Único de Saúde (SUS) e suas atribuições. Diário Oficial da União. 7 Nov 2014.,1717 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.975, de 29 de junho de 2018 – Estabelece incentivo financeiro destinado aos Estados e ao Distrito Federal para a qualificação da gestão no Sistema Único de Saúde - SUS, no âmbito da Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa do SUS - ParticipaSUS, com foco na implantação, descentralização e qualificação das Ouvidorias do SUS. Diário Oficial da União. 29 Jun 2018.. Trata-se de grande desafio em direção à afirmação de valores democráticos, quando se consideram históricos obstáculos de naturezas variadas enfrentados e que sempre existiram no País, marcado pela desigualdade, pela iniquidade, pelos privilégios das minorias detentoras de poder (social, econômico, político) e pela ideia de participação social distorcida ou mesmo sob ataque.

Ensejada por oportunidades convergentes, em 2013, foi firmada uma parceria entre uma equipe de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz e o então recém-criado e denominado Departamento de Ouvidoria-Geral do SUS da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde (Doges/Segep/MS), atual Ouvidoria-Geral do Sistema Único de Saúde do Departamento de Integridade do Ministério da Saúde (OuvSUS/Dinteg/MS).

Dessa forma, o presente artigo tem como objetivo relatar e refletir sobre os desafios teórico-práticos experimentados no caminho metodológico adotado no processo de Acreditação Institucional de ouvidorias do SUS resultante dessa parceria, bem como sobre os materiais pedagógicos e dinâmicas de interações fundamentais para o trabalho desenvolvido, discriminados e problematizados nas seções a seguir.

Primeiros passos da parceria

O propósito original da parceria consistia em apoiar teórico-metodologicamente as ações do setor por meio de pesquisa preliminar sobre os grandes temas da participação e do controle social – e, em particular, das ouvidorias –, sanando, assim, uma lacuna que havia sido observada na gestão federal nesse campo: a pesquisa inédita ‘Linha de Base para Estudos e Ações de Monitoramento e Avaliação em Ouvidoria’, que mapeou e caracterizou 512 ouvidorias municipais cadastradas pelo Doges/ Segep/MS e todas as 27 ouvidorias estaduais integrantes do SUS; e gerou evidências para a tomada de decisões, mirando a configuração e a consolidação de um Sistema Nacional de Ouvidorias do SUS (SNO-SUS), qualificando-as e potencializando-as por meio de uma implantação descentralizada1313 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Portaria nº 8, de 25 de maio de 2007. Regulamenta o Sistema OuvidorSUS. Diário Oficial da União. 25 Maio 2007.,1414 Brasil. Ministério da Saúde, Gabinete do Ministro. Portaria nº 3.027, de 26 de novembro de 2007. Aprova a Política Nacional de Gestão Estratégica e Participativa no SUS – ParticipaSUS, que vislumbra a implantação de ouvidorias como uma das formas de fortalecer a gestão estratégica e participativa no SUS. Diário Oficial da União. 26 Nov 2007..

No âmbito deste estudo inicial, foi instituído um Grupo de Trabalho (GT) com integrantes da equipe de pesquisadores e representantes do Doges/Segep/MS, que, em diversos encontros, explorou uma série de questões, tais como as seguintes: O que é ‘Ouvidoria’ e que outros órgãos/instâncias/estruturas semelhantes, governamentais ou não, já existiram e existem, no país e no mundo? Como pode funcionar uma ouvidoria e qual a sua importância para a gestão pública? Que relações/contribuições as experiências do mundo corporativo podem trazer? Que conexões pode ter com outros órgãos/sistemas? O que é ‘Inovação’, qual a sua importância para a gestão pública e como se aplica às ouvidorias? Quais as dificuldades a serem superadas e as facilidades a serem aproveitadas na relação entre a academia e a gestão que a pesquisa enfrentaria?

Definição conceitual

Com essas questões em mente, conceitos foram debatidos de modo a oferecer subsídios teórico-práticos para que se construísse uma tipologia de ouvidorias1818 Moreira MR, Fernandes FMB, Sucena LFM. Relatório “Subsídios para o Debate sobre Inovação no âmbito das Ouvidorias”. Rio de Janeiro: Mimeo; 2014.. A preocupação, portanto, voltava-se com ênfase para as ideias de funcionalidade, atuação e desempenho da capacidade resolutiva das ouvidorias, ao mesmo tempo que se voltava para a busca de formas mais fluidas e produtivas de interação entre a equipe de pesquisadores e a equipe de gestores e técnicos envolvidos1818 Moreira MR, Fernandes FMB, Sucena LFM. Relatório “Subsídios para o Debate sobre Inovação no âmbito das Ouvidorias”. Rio de Janeiro: Mimeo; 2014..

Os conceitos de Participação, Gestão da Informação e Resolutividade foram considerados fundamentais e presidiram o trabalho na própria operacionalidade do GT, tendo sido elaborados produtos1818 Moreira MR, Fernandes FMB, Sucena LFM. Relatório “Subsídios para o Debate sobre Inovação no âmbito das Ouvidorias”. Rio de Janeiro: Mimeo; 2014. que ensejaram mais um estudo intitulado ‘Levantamento da Percepção dos(as) Ouvidores(as) Municipais e Estaduais do SUS acerca da Resolutividade das Ouvidorias’, cujos resultados de sua aplicação geraram uma Linha de Base para estudos e ações de Monitoramento e Avaliação e uma proposta de ‘Índice de Desempenho das Ouvidorias do SUS – IndoSUS’. A partir deste estudo da percepção dos ouvidores, também se publicaram artigos acadêmicos44 Peixoto SF, Marsiglia RMG, Morrone LC. Atribuições de uma ouvidoria: opinião de usuários e funcionários. Saúde Soc. 2013 [acesso em 2021 maio 22]; 22(3):785-794. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v22n3/12.pdf.
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,88 Fernandes FMB, Moreira MR, Ribeiro JM, et al. Inovação em ouvidorias do SUS – reflexões e potencialidades. Ciênc. Saúde Colet. 2016 [acesso em 2021 maio 22]; 21(8):2547-2554. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232015218.08382015.
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Foram identificados desafiadores obstáculos na busca pela garantia da qualidade com excelência do trabalho desenvolvido pelas ouvidorias e pelo SNO-SUS a ser implementado. Observou-se que as especificidades e as realidades locais e regionais impactavam sobremaneira o desempenho de cada ouvidoria, dada a diversidade continental do País; e, por conseguinte, traziam questões desafiadoras para a aplicação e utilização de índices e indicadores baseados na noção de resolutividade.

O ancoramento do IndoSUS na noção de resolutividade foi a expressão de uma visão válida acerca de como as ouvidorias devem funcionar, e se revestia de importância quando se pensa em como avaliá-las pelas suas capacidades de atuação efetiva. Se uma instância como a ouvidoria não apresentar um bom desempenho de suas funções nem tiver resolutividade na resolução do problema vocalizado pelo usuário do SUS, ainda que não seja diretamente responsável pela solução, não cumprirá seu papel; por conseguinte, um sistema por elas assim composto também não será funcionalmente adequado. Entretanto, uma mudança no direcionamento do olhar pode representar uma sofisticação salutar a respeito do que efetivamente se vê e do que se pretende ver, a fim de que o que for visto seja mais bem visto e, com isso, mais bem compreendido, avaliado, apoiado e aperfeiçoado.

No caso das ouvidorias e do SNO-SUS, não basta funcionar de modo regulamentar, burocrático. Por força da própria condição de órgãos de estabelecimento de contato direto do usuário do SUS com o sistema corporificado nas pessoas das autoridades competentes e responsabilizáveis – os gestores –, espera-se que as ouvidorias tenham uma finalidade de contribuição na qualificação das ações e decisões tomadas no sentido da busca pelo constante aperfeiçoamento77 Cardoso ASR, Neto FCL, Alcântara ELC. Ouvidoria Pública e Governança Democrática: Reflexões para Construção de um Sistema de Ouvidorias Públicas. Brasília, DF: Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas; 2013. [acesso em 2021 maio 22]. Disponível em: http://www.cgu.gov.br/sobre/institucional/eventos/2013/3a-reuniao-geral-normatizacao-do-sistema-federal-de-ouvidorias/arquivos/ouvidoria-publica_governanca-democratica_antonio-rito.pdf.
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,99 Silva RP, Jesus EA, Ricardi LM, et al. O pensamento dos gestores municipais sobre a ouvidoria como um potencial instrumento de gestão participativa do SUS. Saúde debate. 2016 [acesso em 2021 maio 22]; 40(110):81-94. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-1104201611006.
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Isso implica legitimação e credibilização não apenas da entidade ouvidoria como também da gestão, dos sistemas de informação, dos serviços da ponta do sistema e do SUS. Nunca se esqueceu que é fundamental para a prática da accountability, da prestação de contas, que existam formas de mensuração e avaliação das ações dos órgãos e instâncias. As ouvidorias não se excluem nem devem ser eximidas disso, e a ideia do SNO-SUS justamente visava responder a isso, na medida em que se poderiam estimular intercâmbios de experiências enriquecedoras entre as ouvidorias por seu intermédio.

Logo, percebeu-se que era possível experimentar outro sentido de compreensão sobre como se poderia analisar e avaliar as ouvidorias, transicionando de uma concepção heurística marcada pela verticalização (ranqueamento de desempenho e resolutividade de ouvidorias), para uma concepção que primasse pela horizontalidade no trato com as ouvidorias, dando crédito aos seus esforços de adaptação e atuação diante das suas condições locais.

Transição conceitual

A adoção de um método de trabalho que não fosse verticalizador se constituiu em um desafio a ser enfrentado a partir de 2017. Se no padrão epistêmico anterior à ideia de comparação entre ouvidorias expressa nos índices e indicadores de desempenho poderia gerar, entre os ouvidores, um desconforto pelo fato de eventuais classificações dos desempenhos de suas ouvidorias não serem positivas, com uma mudança de compreensão, eliminava-se esse risco.

Mais ainda, com a ideia de que a realidade de cada ouvidoria é única em essência e, por conseguinte, submetê-la a uma comparação com a realidade de outras seria possível, mas injusto, chegou-se à compreensão de que cada ouvidoria pode (e deve) exercer sua autonomia avaliativa de si própria, dentro de suas próprias condições de funcionamento e de superação (ou não) de obstáculos. Em outras palavras, a noção de autoavaliação surgiu como uma proposta lógica e viável, em articulação com uma noção de avaliação desprovida de caráter punitivista e meramente contábil ou mensurador. Ademais, de maneira intrínseca, a noção de avaliação externa se mostrou importante para a consecução de uma visão sobre as ouvidorias garantidora da aferição da qualidade das suas ações já desenvolvidas e suas potencialidades.

Essa reflexão ensejou, portanto, estimulantes desafios inerentes da transição para a noção de Acreditação Institucional de ouvidorias do SUS com base nas noções de ‘Caminho de Qualidade’ e de ‘Formação em Ato’, desenhando-se um caminho metodológico que necessariamente envolvia a construção de processos teórico-práticos de caráter reflexivo e participativo e de elaboração de materiais pedagógicos adequados. Nessa perspectiva, o papel da equipe de pesquisa passa a assumir a feição de uma ‘Agência Acreditadora’, em construção e responsável pela condução de todo o processo e pela acreditação propriamente dita consubstanciada na aferição de um ‘selo de qualidade’ às ouvidorias que adiram voluntariamente ao processo.

Caminho de qualidade na acreditação

No mundo pragmático da administração pública, e, em particular, para a área da saúde, percebe-se que a conceituação de ‘qualidade’ não é nada imediata ou fácil. Trata-se de um conceito polissêmico e complexo, com significados constituídos fundamentalmente em um ato de construção que é, portanto, artificial e arbitrário, todavia extremamente rico de possibilidades aplicativas.

Seja adaptando, seja utilizando de forma mais imediata e direta, o conceito de qualidade geralmente adotado se baseia no conceito mais básico do mundo corporativo, resumidamente caracterizado por basear-se no atendimento de necessidades dos interessados em dado produto ou serviço. No caso da forma pela qual o Estado se estrutura e atua, ações, programas e políticas públicas são mais que quantificáveis, são qualificáveis ante as demandas e questões coletivas. O atendimento de necessidades é mensurável e qualificável, portanto, na medida, alcance, profundidade e significado em que o que se oferece ao cidadão é satisfatório ou não a todos os interesses em jogo.

Por essa via, é possível conceituar ‘qualidade’ como sendo a solidez do caminho traçado e apresentado de modo coerente e com metas estabelecidas pelas ouvidorias em busca do aperfeiçoamento contínuo dos serviços prestados a população1919 Moreira MR, organizador. Acreditação institucional de ouvidorias do SUS no Brasil: documentos de base. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2018.. O caminho trilhado por uma ouvidoria apresentará tanto mais qualidade quanto as bases para sua execução e sustentabilidade estiverem expressas no respectivo plano de ação durante o processo de acreditação, envolvendo negociação permanente. Esse é o principal desafio que se coloca para as ouvidorias, para a equipe de pesquisadores e para os gestores envolvidos na construção do processo com a proposta de Acreditação Institucional1919 Moreira MR, organizador. Acreditação institucional de ouvidorias do SUS no Brasil: documentos de base. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2018..

Se forem entendidos caminhos como trilhas – mas não trilhos, muito menos bitolas – a serem (per/con)seguidos na articulação da ideia de trajetória das ações das ouvidorias, e metas como horizontes/cenários a serem alcançados (ou não) em tempo autodeterminado pelas ouvidorias, chega-se a uma compreensão do que se propõe como ‘Caminho de Qualidade’ de uma ouvidoria. Esse será inteligível, identificável e avaliável pelo como e pelo tanto que o plano de ação tem potência para expressar cenários nos quais constem e sejam problematizadas as ações já desenvolvidas e as planejadas, bem como as formas de envolvimento e engajamento dos atores e arenas considerados parceiros estratégicos para atingir os objetivos declarados1919 Moreira MR, organizador. Acreditação institucional de ouvidorias do SUS no Brasil: documentos de base. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2018..

Assim, identificou-se a necessidade de organizar um arcabouço teórico-prático enredador dos atores envolvidos no processo – equipe de pesquisadores/‘Agência Acreditadora’, gestores/técnicos do MS, avaliadores externos, equipes técnicas das ouvidorias e seus parceiros considerados estratégicos. Entendendo-se este como um dos desafios metodológicos de todo o processo, constatou-se que era necessário estabelecer um balizamento que não fosse dogmático, algo que se mostrou bastante desafiador e que está discutido na seção seguinte do presente artigo.

Dinâmicas entre elementos e na elaboração de materiais pedagógicos

Em geral, quando se pensa em formar pessoas, é preciso estabelecer o que se pretende desenvolver, considerando as condições (materiais e subjetivas) de todos os atores e arenas envolvidos nas e pelas quais se realizarão as reflexões, bem como a essência e a finalidade do processo formativo. O quê e como, para quê e para quem formar? Quem forma e quem é formado? Essas foram, continuam e continuarão sendo questões fundamentais enfrentadas no processo diante da necessidade de adotar um balizamento teórico-conceitual para os trabalhos, e, também, um planejamento e uma execução de um curso de formação de avaliadores externos, atento aos princípios da Educação Permanente em Saúde (EPS): Não é um processo de transferência unilateral de conhecimento, mas de aprendizagem coletiva, orgânica, vivenciada por todos os envolvidos2020 Macedo SMF, Caetano APV. A Ética como Competência Profissional na Formação: o pedagogo em foco. Educ. Realidade. 2017 [acesso em 2021 maio 22]; 42(02):627-648. Disponível em: https://doi.org/10.1590/2175-623656078.
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Era necessário, portanto, produzir textos que consubstanciassem todas as reflexões concernentes e que, simultaneamente, subsidiassem a elaboração de novas reflexões, mantendo acesa a chama da experimentalidade transformadora, sem perder de vista a importância da necessidade de balizamento estruturante sem ser inflexível.

Artefatos pedagógicos instigadores

Elaboraram-se quatro textos, em que o primeiro surgiu a partir de uma demanda a respeito de como se poderia debater o bom funcionamento de uma ouvidoria, o que resultou na elaboração de um ‘Documento de Boas Práticas em Ouvidorias do SUS’2121 Motta JIJ, Wanzeler MCC, Siqueira SAV, et al. Documento de Boas Práticas em Ouvidorias do SUS. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2017..

Ainda que houvesse materiais já publicados sobre o tema, partiu-se da premissa de que materiais utilizados por diferentes organizações (re)conhecidos como ‘boas práticas’ poderiam ser problematizados e aperfeiçoados com base no trabalho e na vivência dos gestores e ouvidores, bem como no retorno cotidiano dos usuários2121 Motta JIJ, Wanzeler MCC, Siqueira SAV, et al. Documento de Boas Práticas em Ouvidorias do SUS. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2017.,2222 Associação Brasileira das Relações Empresa-Cliente, Comitê de Ouvidorias. Manual de Boas Práticas Ouvidorias Brasil. 2015. [acesso em 2021 maio 22]. Disponível em: https://abrarec.com.br/wp-content/uploads/2015/07/Vs_pb.pdf.
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O conceito de ‘boas práticas’ adotado definia que são um conjunto de técnicas ou mecanismos inovadores já existentes utilizados no sentido de alcançar um melhor resultado nos processos de trabalho2121 Motta JIJ, Wanzeler MCC, Siqueira SAV, et al. Documento de Boas Práticas em Ouvidorias do SUS. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2017.,2222 Associação Brasileira das Relações Empresa-Cliente, Comitê de Ouvidorias. Manual de Boas Práticas Ouvidorias Brasil. 2015. [acesso em 2021 maio 22]. Disponível em: https://abrarec.com.br/wp-content/uploads/2015/07/Vs_pb.pdf.
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. Tais técnicas podem ser mutáveis, visto que são baseadas no cotidiano das experiências de trabalho, portanto, uma boa prática inerentemente é uma experiência dotada de vivacidade.

Nesse documento, trabalhava-se com um dimensionamento tripartite: a participação do cidadão, por meio do acolhimento de manifestações, melhoria de políticas, gestão, ações e serviços de saúde que podem potencializar a ampliação e o fortalecimento do controle social; o cotidiano de trabalho das ouvidorias do SUS, por meio de ações positivas, internas e externas, que envolvam a melhoria dos processos e a inovação e/ou a transformação da gestão pública; e o contexto da relação da ouvidoria com a gestão do sistema de saúde, pautado por ações colaborativas que contribuam para a melhoria dos serviços prestados, bem como o aperfeiçoamento da gestão2121 Motta JIJ, Wanzeler MCC, Siqueira SAV, et al. Documento de Boas Práticas em Ouvidorias do SUS. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2017..

Logo, ao contrário de textos prescritivos tradicionais, o documento visava apresentar e ampliar a discussão de expressões de boas práticas em ouvidorias do SUS entre a gestão federal e as ouvidorias de todo o País, em consonância com a ideia de consolidação do SNO-SUS. Apesar de não ser um material pedagógico em estrito senso, significou um importante subsídio para pensar as questões a serem abordadas ao longo do processo de Acreditação Institucional, sendo seu núcleo reflexivo convergente com as questões que perpassaram os outros textos produzidos.

Efetivamente voltados para o trabalho de Acreditação Institucional com as ouvidorias e no contexto da necessidade de materiais pedagógicos para o trabalho com os profissionais que efetuariam a avaliação externa, outros três textos foram elaborados: o ‘Manual de Acreditação Institucional de Ouvidorias do SUS’ e o ‘Documento Referencial de Qualidade’ (RQ), incluídos na publicação ‘Acreditação institucional de ouvidorias do SUS no Brasil: documentos de base’1919 Moreira MR, organizador. Acreditação institucional de ouvidorias do SUS no Brasil: documentos de base. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2018., e o ‘Perfil de Equipe de Avaliação Externa em Acreditação Institucional de Ouvidorias do SUS’2323 Moreira MR, organizador. Perfil de Equipe de Avaliação Externa em Acreditação Institucional de Ouvidorias do SUS. Rio de Janeiro. Editora Fiocruz; 2019..

O ‘Manual’, apesar do nome, não tem a pretensão de ditar procedimentos de forma dogmática, sendo um documento de comunicação para ação com bases estabelecidas nos processos de organização da política de qualidade e nos fluxos da Acreditação Institucional. A partir dele, as ouvidorias, com a entidade acreditadora – ou seja, a equipe de pesquisa –, podem fundamentar a eleição e a adesão ao processo de acreditação, a realização de autoavaliação de práticas de ouvidorias do SUS, e ainda o envolvimento nas práticas em defesa de direitos e de melhoria de ações e serviços de saúde em ouvidorias e no SUS1919 Moreira MR, organizador. Acreditação institucional de ouvidorias do SUS no Brasil: documentos de base. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2018..

O ‘Manual’ aborda a definição, os objetivos e os campos de atuação da Acreditação Institucional de ouvidorias do SUS, propõe um Sistema Nacional de Acreditação Institucional de Ouvidorias do SUS (SNAIO-SUS), discorre sobre os procedimentos gerais de acreditação e, por fim, indica diretrizes sobre os meios de verificação no momento de avaliação externa. O documento também apresenta um glossário de termos importantes a serem compreendidos no contexto do processo de acreditação, frisando que tais vocábulos possuem definição propositalmente generalizada, pois precisam ser explicitados em cada singularidade vivenciada por cada ouvidoria1919 Moreira MR, organizador. Acreditação institucional de ouvidorias do SUS no Brasil: documentos de base. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2018..

Em movimento dialógico geminado com o ‘Manual’, o RQ se propõe não como um gabarito indicador de como as ouvidorias devem atuar, mas sim como um esteio para a construção autônoma de seus caminhos. Nesse sentido, para isso acontecer, é fundamental a reflexão intelectualmente honesta e profunda por parte de todos os envolvidos sobre os próprios processos de trabalho. Com esse espírito, foi elaborado a partir de produtivas interações desenvolvidas em oficinas realizadas em 2016 com um grupo de ouvidores estaduais e municipais, além de representantes do Ministério da Saúde, e exprime um conjunto argumentativo de ideias que buscam contemplar o fazer cotidiano do processo de trabalho nas ouvidorias e as relações com diferentes interlocutores parceiros necessários para sua realização.

Em termos práticos, a concepção de qualidade no caminho das ouvidorias expressa no RQ ocorre por intermédio da organização em quatro dimensões que envolvem o trabalho em ouvidorias: Infraestrutura, Gestão, Processos de Trabalho e Resultados. Outrossim, abrangem 14 subdimensões que contêm argumentos que exprimem suas ideias centrais, as quais, por seu turno, desdobram-se em diferentes padrões de referência, em número de 681919 Moreira MR, organizador. Acreditação institucional de ouvidorias do SUS no Brasil: documentos de base. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2018..

Desse modo, os desafios de ordem teórica e prática que se apresentam para as ouvidorias devem ser constantemente (re)construídos e ressignificados a partir da relação entre elas e o RQ. Por conseguinte, o efeito desejado e viabilizado pela dinâmica relacional com o RQ pretende estimular e emplacar uma Cultura de Autoavaliação nas ouvidorias, preparando terreno para a Avaliação Externa, outra etapa do processo de Acreditação Institucional.

A interação dos participantes do processo de elaboração do RQ e do ‘Manual’ propiciou o florescimento de questões de ordem teórica, prática, política e ética, não só no que se aplica ao trabalho das ouvidorias como também no âmbito do trabalho cotidiano da gestão, assim como da própria equipe de pesquisa. A diversificação de atores significou um desafio coletivo de construção de consensos e de gerenciamento de inevitáveis dissensos, no qual se confirmou que a diferença é criativa na inter/atividade e inter/ação com a figura do ‘outro’. Além disso, o jogo de estranhamento-familiarização é afirmado com componente intrínseco de todo o processo, sendo mais visível na Avaliação Externa, quando a ouvidoria se encontra com uma equipe que vai realizar uma ‘avaliação’ – ou seja, dar um aval2424 Schraiber LB, Hartz ZMA, organizadores. Avaliação em Saúde: dos modelos conceituais à prática da implementação de programas. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 1997..

Como desdobramento, a importância da atuação de avaliadores externos se revelou em sua magnitude e pertinência, e assomaram-se questões quanto ao planejamento e à execução do curso de formação.

Formação em curso

Simultaneamente ao planejamento do curso, foi necessário estipular as noções de ‘avaliação’, ‘avaliação externa’ e ‘avaliadores externos’ constitutivas de todo o processo. Com essa intenção, elaborou-se um documento intitulado ‘Perfil de Equipe de Avaliação Externa em Acreditação Institucional de Ouvidorias do SUS’2323 Moreira MR, organizador. Perfil de Equipe de Avaliação Externa em Acreditação Institucional de Ouvidorias do SUS. Rio de Janeiro. Editora Fiocruz; 2019., recorrendo-se novamente ao expediente de construção coletiva de reflexões na expressão de uma dinâmica inter-relacional entre equipes da pesquisa e da gestão.

Com objetivo mais específico de debater a noção de Equipe de Avaliação Externa (EAE), o ‘Perfil’ traduz a ambição já indicada no ‘Manual’ da formação do SNAIO-SUS, operado por uma ‘Agência Acreditadora’ e baseado na aprendizagem constante, o que implica uma periódica validação. Nele, explicitaram-se características fundamentais referentes aos conhecimentos prévios, competências a serem desenvolvidas e atitudes relacionais dos profissionais responsáveis pela avaliação externa das ouvidorias2323 Moreira MR, organizador. Perfil de Equipe de Avaliação Externa em Acreditação Institucional de Ouvidorias do SUS. Rio de Janeiro. Editora Fiocruz; 2019..

O ‘Perfil’ construído por intermédio de um método participativo teve sua aplicação prática concebida para ocorrer de duas formas: como instrumental para o método de aprendizagem organizacional do curso ofertado em 2018 para profissionais que compuseram ao final do curso um banco de avaliadores externos; e como base para a captação contínua de novos avaliadores externos.

Como a preocupação primordial era com o desenho de uma EAE, e já que o processo de Acreditação Institucional envolve a noção de participação, era inescapável a concepção de que o trabalho dos avaliadores externos prima pelo senso coletivo.

Isto trouxe como desafio a proposta de trabalhar a ideia de que as individualidades não devem ser negadas, sob pena de perder a riqueza da intersubjetividade, ao mesmo tempo que se afirmava como fundamental o exercício de pactuações, negociações, acordos e consensos. A EAE é pensada para ser composta de individualidades cuja multiplicidade tanto se torna rica quanto se compreendem e operam as diferenças enquanto agregadoras e construtivas, ainda que não necessariamente se extinguam paixões, idiossincrasias e opiniões divergentes entre si. Assim também é no caso da equipe de pesquisa e da gestão, bem como das equipes das ouvidorias participantes do processo, o que torna desafiadora a tarefa de levá-lo adiante de modo equilibrado.

Considerações finais

Por certo, os robustos desafios metodológicos presentes no processo de Acreditação Institucional são generalizados para todos os atores envolvidos e são constantes, reajustáveis e renováveis a cada experiência de ouvidoria aderida, por causa da própria disposição teórico-filosófica que embasa a proposta: um processo de constante aprendizado/ aprendizagem.

A Acreditação Institucional de ouvidorias do SUS consiste, portanto, no reconhecimento de competência social das entidades acreditadas em face de sua capacidade consistente em realizar suas ações, de modo a construir uma dinâmica relacional de confiança com atores considerados parceiros estratégicos pela cooperação e responsabilidade partilhada. O compromisso assumido é com a qualidade, de um ponto de vista interno e externo ao seu trabalho, o que equivale dizer que a acreditação é ‘um modo de gestão coletiva de qualidade pelo qual uma instituição, entidade, órgão ou empresa busca refletir para agir no seu processo de trabalho, tendo em vista o reconhecimento social do mesmo’1919 Moreira MR, organizador. Acreditação institucional de ouvidorias do SUS no Brasil: documentos de base. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2018..

O que se espera como efeitos observáveis de um processo de acreditação são: a) a contínua melhoria da qualidade, não só das ações das ouvidorias, mas também dos níveis de gestão do sistema, dos serviços e do SUS – conferir sustentabilidade a essa postura é, por certo, o grande desafio –; b) a afirmação e a manutenção da credibilidade na realização dos atos das ouvidorias, construindo onde não houver e consolidando onde já existir legitimação e legitimidade para essas entidades – esse é outro desafio, de ordem mais política que técnica –; c) valorização da ação colaborativa entre todos os atores sociais envolvidos, corroborando a promoção de um caráter construtivista e participativo nas relações intra e intergovernamentais, assim como não governamentais – também de ordem política, esse é um desafio crucial na medida em que existe na proposta a pretensão de que a condição de acreditada conferida às ouvidorias aderidas seja a expressão de fé pública avalizada por diferentes atores sociais1919 Moreira MR, organizador. Acreditação institucional de ouvidorias do SUS no Brasil: documentos de base. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2018..

Ainda, o processo trabalha com a ideia de sazonalidade; e, para as ouvidorias, isso significa que uma temporalidade cíclica de solicitação de reativação da acreditação deve estar presente no plano de ação, representando um fino cálculo das possibilidades inerentes às ações das ouvidorias ao trilhar seus Caminhos de Qualidade. Convém assinalar que o contexto mundial de pandemia da Covid-19, que dificulta o contato presencial imprescindível para a Avaliação Externa, é, sem dúvida, mais um desafio que se apresenta para todos os atores envolvidos.

No processo de Acreditação Institucional proposto, a sucessão de fases ou etapas guarda linearidade, pelo menos em plano teórico e para fins de visualização e compreensão das ações que cada um dos participantes do processo tem responsabilidade em executar. Começa-se pela etapa ou fase de Adesão, passa-se à Autoavaliação, depois, Avaliação Externa e culmina com a Acreditação propriamente dita, sendo que uma somente se inicia com o término da outra, sem uma temporalidade fixada de antemão. Na prática, porém, a temporalidade de cada uma das etapas ou fases pode ser afetada pelas condições que se apresentem derivadas das interações com as ouvidorias, bem como das respectivas injunções locais. Isso afeta os balizamentos teórico-práticos expressos nos materiais pedagógicos, proporcionando a oportunidade de se retroalimentarem e se renovarem.

Com isso, chega-se ao entendimento do trabalho das ouvidorias em dimensões espaçotemporais que considerem fatores estruturais, técnicos e políticos ao longo da sua história pregressa, atual e futura, de maneira equilibrada, amenizando vieses.

Justamente na busca pela amenização dos vieses, com a consciência de que nunca deixarão de estar presentes em qualquer atividade humana e, mais ainda, com a compreensão de que são componentes das realidades com as quais se lida no cotidiano, é que a Avaliação Externa se constitui na etapa subsequente à Autoavaliação, e todo o trabalho desenvolvido na elaboração dos artefatos pedagógicos e dos outros materiais do curso de Formação em Avaliação Externa se faz sentir em sua plenitude.

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Nov 2022

Histórico

  • Recebido
    30 Jul 2021
  • Aceito
    13 Out 2021
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