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Tensionamentos no cuidado em Saúde Mental relacionados ao uso de Substâncias Psicoativas: dificuldades identificadas por profissionais da saúde pública

Tensioning in Mental Healthcare related to Psychoactive Substance use: difficulties reported by public health professionals

RESUMO

Analisaram-se, na percepção de profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS), as dificuldades no cuidado em Saúde Mental relacionadas ao uso de Substâncias Psicoativas (SPA), à luz de reflexões sobre os tensionamentos presentes na saúde pública no que se refere ao seu uso. Foi conduzido estudo exploratório qualitativo em 11 municípios da Macrorregião de Saúde Oeste do estado de Minas Gerais, com entrevistas semiestruturadas e Grupos Focais com 145 profissionais da APS. O material foi analisado a partir do referencial de Análise de Conteúdo. As principais dificuldades identificadas estavam relacionadas à organização e à gestão do trabalho em saúde, ao estigma sobre usuários com demandas relacionadas ao uso de SPA, à falta de reflexões e práticas em saúde que considerem a realidade dos usuários em uso de SPA, à ‘cultura da medicação’ e à desarticulação da Rede de Atenção Psicossocial. É fundamental o desenvolvimento de políticas e práticas que permitam aos trabalhadores e às estruturas de saúde uma maior reflexão acerca da relação entre o uso de SPA e as possibilidades de lidar com o sofrimento, expresso de diferentes formas pelos usuários dos serviços de saúde.

PALAVRAS-CHAVES
Saúde mental; Atenção à saúde; Psicotrópicos

ABSTRACT

Difficulties found by healthcare professionals working at Primary Health Care (PHC) with respect to Mental Healthcare issues regarding Psychoactive Substances (PS) were analyzed considering a tensioning which pervaded those issues. An exploratory qualitative study was performed in 11 municipalities of the west macroregion of Minas Gerais state. Semi-structured interviews and focal groups with 145 PHC professionals. Data was analyzed through content analysis. The most relevant difficulties were related to health work organization and management, the stigma against users with demands related do the use of PS, the lack of reflections health practices which consider the user’s reality, the ‘medicine culture’ and a disjointed Psychosocial Attention Network. It is fundamental to develop policies and practices that allow workers and health structures to reflect more on the relationship between PS use and possibilities to cope with suffering, expressed in different ways by healthcare users.

Keywords:
Mental health; Delivery of health care; Psychotropic drugs

Introdução

O consumo de Substâncias Psicoativas (SPA) é um fenômeno histórico-cultural com desdobramentos de ordem médica, religiosa, econômica e política cujas determinações envolvem racionalidades diversas – terapêuticas, morais, legais e recreacionais11 MacRae E. Antropologia: aspectos sociais, culturais e ritualísticos. In: Seibel SD, Toscano Jr. A. Dependência de drogas. São Paulo: Editora Atheneu; 2009. p. 25-34.. O consumo prejudicial de SPA, por sua vez, representa um problema de saúde pública em função dos impactos produzidos tanto na saúde do usuário como nos diversos espaços em que ele convive22 United Nations Office on Drugs and Crime. World Drug Report 2021. Vienna: United Nations Office on Drugs and Crime; 2021. [acesso em 2021 jul 10]. Disponível em: https://www.unodc.org/unodc/en/data-and-analysis/wdr-2021_booklet-1.html.
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. A realidade social é complexa e repleta de contradições, inclusive ao se analisarem as definições e diferenciações entre SPA lícitas e ilícitas e a relação destas com os processos de saúde e adoecimento, a exemplo do que foi demonstrado no último relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime ao revelar que a cannabis continua sendo a SPA ilícita mais consumida no mundo, o que não se traduz, todavia, em maior risco à saúde22 United Nations Office on Drugs and Crime. World Drug Report 2021. Vienna: United Nations Office on Drugs and Crime; 2021. [acesso em 2021 jul 10]. Disponível em: https://www.unodc.org/unodc/en/data-and-analysis/wdr-2021_booklet-1.html.
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No Brasil, o consumo de SPA ilícitas está em franco crescimento33 Bastos FIPM, Vasconcelos MTL, Boni RBD, et al. III Levantamento Nacional sobre o uso de drogas pela população brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde; 2017. [acesso em 2023 fev 10]. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/34614.
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, enquanto prevalece a visão tradicional ligada ao paradigma proibicionista que criminaliza usuário, produtor e comerciante, colocando-os como inimigos em escala internacional, além da declaração de uma guerra às drogas que supõe a eliminação de determinadas substâncias e de determinados sujeitos, privilegiando o investimento no recurso militar e estratégias de encarceramento criminal ou sanitário. Além de acrescentar a perspectiva de criminalização, esse paradigma está articulado ao processo de medicalização do social e às estratégias disciplinares e de controle, lançando mão dos saberes médicos para definir campos da normalidade e da patologia44 Gomes-Medeiros D, Faria PH, Campos GWS, et. al. Política de drogas e Saúde Coletiva: diálogos necessários. Cad. Saúde Pública. 2019 [acesso em 2021 jul 10]; 35(7):e00242618. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/JJ5FM4Lk4RctsyTwbhFpfdk/?lang=pt.
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Embora a Reforma Psiquiátrica tenha uma longa história de lutas e conquistas, as políticas públicas em saúde direcionadas ao cuidado ao consumidor de SPA são relativamente recentes. Em 2002, foram previstos os Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas (CAPSad), preconizando o trabalho multidisciplinar, coordenação com a Atenção Básica (AB), planejamento terapêutico individualizado e parceria com a família e a comunidade. Seguiuse, em 2003, a Política de Atenção Integral ao Usuário de Drogas, que reforçou a proposta de atenção ao usuário centrada na comunidade e associada à rede de saúde, visando à reabilitação e à reinserção social, priorizando serviços extra-hospitalares de atenção psicossocial55 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria Executiva, Coordenação Nacional de DST/Aids. A Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas. Brasília, DF: Editora do Ministério da Saúde; 2003.. Nela, a Redução de Danos (RD) já se enunciava como método, destacando-se o papel do vínculo com os profissionais, considerados corresponsáveis na construção de percursos dos usuários55 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria Executiva, Coordenação Nacional de DST/Aids. A Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas. Brasília, DF: Editora do Ministério da Saúde; 2003.. Em 2011, o MS propôs a Rede de Atenção Psicossocial (Raps) com o intuito de criar, ampliar e articular pontos de atenção à saúde para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas66 Gerbaldo TB, Arruda AD, Horta BL, et al. Avaliação da organização do cuidado em saúde mental na atenção básica à saúde do Brasil. Trab. Educ. saúde. 2018 [acesso em 2023 fev 10]; 16(3):1.079-1.094. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/XHgtRbmrDbLVLczX4Ymn69n/?lang=pt.
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. Sua proposta está em sintonia com os princípios da atenção psicossocial, tais como o respeito aos direitos humanos; combate a estigmas e preconceito; assistência multiprofissional e interdisciplinar; desenvolvimento de atividades no território; desenvolvimento de estratégias de RD e promoção de estratégias de Educação Permanente em Saúde (EPS). É importante destacar que a inclusão da RD como paradigma para o cuidado está relacionada tanto à promoção da saúde quanto à valorização da cidadania e à garantia dos direitos humanos. Essa lógica de trabalho aponta para a valorização das escolhas do sujeito e busca não se pautar em julgamentos e posições moralistas, utilizando uma lógica muito diferente da proposta da abstenção e da proibição77 Souza J, Kantorski LP. Embasamento político das concepções e práticas referentes às drogas no Brasil. SMAD – Rev. Eletrônica Saúde Mental álcool drog. 2007 [acesso em 2023 jan 9]; 3(1):00. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielophp?pid=S1806-69762007000200003&script=sci_arttext.
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,88 Santos AM, Malheiro L, organizadores. Redução de danos: uma estratégia construída para além dos muros institucionais. In: Nery Filho A, Valério ARV. Módulo para capacitação dos profissionais do projeto consultório de rua. Salvador: Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas; 2010. p. 49-53..

Embora, historicamente, as políticas públicas nacionais – pensadas no esteio da Reforma Psiquiátrica e da luta antimanicomial – preconizem propostas de cuidado pautadas na RD e na articulação entre pontos da rede como fundamentais na construção do cuidado ao usuário de SPA, observa-se uma reconfiguração importante de suas características nos últimos anos. Hoje, pode-se dizer que há divergências e ambiguidades dentro das propostas públicas com relação ao cuidado de usuários de SPA. A inclusão das Comunidades Terapêuticas (CTs), majoritariamente vinculadas a instituições religiosas, e cuja lógica se baseia no paradigma da abstenção, é um exemplo dessa contradição. Elas foram incluídas como retaguarda para a Raps, e seu robusto financiamento público tem estimativa de crescimento – debalde as inúmeras denúncias e os relatórios apontando violações sistemáticas aos direitos humanos em sua rotina de funcionamento99 Conectas Direitos Humanos; Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Financiamento público de comunidades terapêuticas brasileiras entre 2017 e 2020. São Paulo: Conectas Direitos Humanos; 2021. [acesso em 2023 fev 10]. Disponível em: https://www.conectas.org/wp-content/uploads/2022/04/Levantamento-sobre-o-investimento-em-CTs-w5101135-ALT5-1.pdf.
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Paralelamente, em todo o território nacional, apontam-se dificuldades expressas pelos profissionais e gestores da AB em lidar com a demanda relacionada aos usuários de SPA no cotidiano dos serviços. Podem-se citar, como exemplos, atendimentos rápidos com objetivo apenas de estabilizar o paciente, sem ofertas de outras ações1010 Vargas D, Oliveira MAF, Luís MAV. Atendimento ao alcoolista em serviços de atenção primária. Acta Paul. Enferm. 2010 [acesso em 2023 jan 11]; 23(1):73-79. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ape/a/FhxvgcLTXrRqwNK4wyy8hhf/?lang=pt&format=pdf.
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; falta de ações de educação em saúde para a população, bem como falta de envolvimento com a comunidade/família/usuários; falta de formação adequada para os profissionais; a inexistência de uma política de EPS; e dificuldades de diálogo com os serviços especializados em álcool e outras drogas e toda a rede SUS (Sistema Único de Saúde)1111 Barros MA, Pillon SC. Programa Saúde da Família: desafios e potencialidades frente ao uso de drogas. Rev. Eletr. Enferm. 2006 [acesso em 2023 fev 8]; 8(1):144-149. Disponível em: https://revistas.ufg.br/fen/article/view/932/1129.
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,1212 Ronzani TM, Castro PM, Souza-Formigoni ML. Avaliação de um processo de implementação de práticas de prevenção ao uso de risco de álcool entre agentes comunitários de saúde. HU Revista. 2008 [acesso em 2023 fev 10]; 34(1):9-18. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/hurevista/article/view/66.
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É relevante destacar que a atenção ao uso de psicofármacos é ainda mais recente e incipiente no País. Em 2007, instituiu-se o Comitê Nacional para Promoção do Uso Racional de Medicamentos, e entre suas atribuições estão a proposição de marcos legais e instrumentos de regulação do setor, ações para a promoção do uso racional de medicamentos, bem como de educação em saúde quanto ao seu uso prejudicial1313 Brasil. Ministério da Saúde. Contribuições para a promoção do uso racional de medicamentos. Brasília, DF: Editora do Ministério da Saúde; 2021. [acesso em 2023 fev 10]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/contribuicoes_promocao_uso_racional_medicamentos_v2.pdf.
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. Embora o contexto brasileiro não envolva o uso problemático de psicofármacos de forma tão dramática como na América do Norte, há inúmeros trabalhos destacando o crescente fenômeno da medicalização1414 Zorzanelli RT, Cruz MGA. The concept of medicalization in Michel Foucault in the 1970s. Interface (Botucatu). 2018 [acesso em 2021 jul 15]; 22(66):721-731. Disponível em: https://interface.org.br/en/publicacoes/o-conceito-de-medicalizacao-em-michel-foucault-na-decada-de-1970-2/.
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, as preocupações com a construção e ampliação de propostas e ações do uso racional de medicamentos e como esse fenômeno figura como importante problema na Atenção Primária à Saúde (APS)1515 Monteiro ER, Lacerda JT. Promoção do uso racional de medicamentos: uma proposta de modelo avaliativo da gestão municipal. Saúde debate. 2016 [acesso em 2023 fev 10]; 40(111):101-116. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/YM7TDyGfDNrx66Q6bYxpbTc/?lang=pt&format=html.
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,1616 Santos RB, Zambenedetti G. Compreendendo o processo de medicalização contemporânea no contexto da saúde mental. Rev. Salud & Sociedad. 2018 [acesso em 2021 jul 15]; 10(1):22-37. Disponível em: https://revistas.ucn.cl/index.php/saludysociedad/article/view/2849.
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,1717 Bastos FI, Mota JC, Freitas F. Uso prejudicial e dependente de psicofármacos sem prescrição/em desacordo com regimes terapêuticos definidos por profissionais de saúde. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2020. [acesso em 2021 jul 15]. Disponível em: https://saudeamanha.fiocruz.br/wp-content/uploads/2020/03/PJSSaudeAmanha_Texto0040_v03.pdf.
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,1818 Caminha ECCR, Jorge MSB, Pires RRS, et. al. Relações de poder entre profissionais e usuários da Atenção Primária à Saúde: implicações para o cuidado em saúde mental. Saúde debate. 2021 [acesso em 2022 jul 10]; 45(128):81-90. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/Scndb667PSqJsNc6ZpySQPg/.
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,1919 Beserra FR, Rodrigues SE, Monteiro D. Uso terapêutico de psicodélicos: por uma perspectiva latino-americana. Platô. 2021 [acesso em 2022 jul 11]; 5(5). Disponível em: https://pbpd.org.br/wp-content/uploads/2021/12/P5-PLATO-5-FINAL-DIGITAL-3-compressed.pdf.
https://pbpd.org.br/wp-content/uploads/2...
,2020 Tesser CD. Cuidado clínico e sobremedicalização na atenção primária à saúde. Trab. Educ. Saúde. 2019 [acesso em 2021 jul 17]; 17(2):e0020537. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/QsMp6DrTxmZvNCHBCryLsNp/?lang=pt.
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Nesse contexto, pode-se afirmar que tanto as políticas públicas quanto as práticas em saúde voltadas ao uso de diferentes SPA são permeadas por contradições e pelos tensionamentos que delas decorrem. Dessa dinâmica resultam dificuldades no cuidado em saúde, a exemplo das visões estereotipadas e estigmatizantes sobre uso e dependência, modos e motivos de uso, e a relação dos indivíduos e coletividades com as diversas SPA1717 Bastos FI, Mota JC, Freitas F. Uso prejudicial e dependente de psicofármacos sem prescrição/em desacordo com regimes terapêuticos definidos por profissionais de saúde. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2020. [acesso em 2021 jul 15]. Disponível em: https://saudeamanha.fiocruz.br/wp-content/uploads/2020/03/PJSSaudeAmanha_Texto0040_v03.pdf.
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,2121 Scheneider DR. Horizonte de racionalidade acerca da dependência de drogas nos serviços de saúde: implicações para o tratamento. Ciênc. saúde coletiva. 2010 [acesso em 2021 jul 12]; 15(3):687-698. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/fJN7tZCsjCpLFSx344w3zNw/abstract/?lang=pt.
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,2222 Schneider DR, Lima DS. Implicações dos modelos de atenção à dependência de álcool e outras drogas na rede básica em saúde. Psico. 2011 [acesso em 2021 jul 15]; 42(2):168-178. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/view/7153.
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,2323 Silveira PSD, Martins LF, Ronzani TM. Moralização sobre o uso de álcool entre agentes comunitários de saúde. Psicol. Teor. Prat. 2009 [acesso em 2021 jul 15]; 11(1):62-75. Disponível em: https://www.scielo.br/j/epsic/a/JpFLqHY43XZxdn3MJMXqLgK/abstract/?format=html⟨=en.
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,2424 Gomide HP, Lopes TM, Soares RG, et al. Estereótipos dos profissionais de saúde em relação a alcoolistas em Juiz de Fora - MG, Brasil. Psicol. Teor. Prat. 2010 [acesso em 2021 jul 15]; 12(1):171-180. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ptp/v12n1/v12n1a14.pdf.
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. Assim, buscou-se analisar, na percepção de profissionais que atuam na APS, as dificuldades no cuidado em Saúde Mental (SM) relacionadas ao uso de SPA.

Metodologia

Em parceria com a Superintendência Regional de Saúde da Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais (SRS/SES/MG), foi desenvolvida pesquisa exploratória qualitativa2525 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14. ed. São Paulo: Hucitec; 2014. em municípios da Macrorregião de Saúde Oeste de Minas Gerais, composta por 54 municípios; 70% destes com menos de 20.000 habitantes, distribuídos em 6 Regiões de Saúde (RS). A Macrorregião possuía 34 Núcleos Ampliados de Saúde da Família (Nasf) implantados, representando 62,96% do total de municípios, população estimada de 1.277.842 habitantes, sendo que, aproximadamente, 15% da população não possuía referência de Caps (Centro de Atenção Psicossocial)2626 Gama CAP, Lourenço RF, Coelho VAA, et al. Os profissionais da Atenção Primária à Saúde diante das demandas de Saúde Mental: perspectivas e desafios. Rev. Interface (Botucatu). 2021 [acesso em 2021 jul 10]; (25):e200438. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/ngR3KBLS6xBNvHGNGjscJ9S/?lang=pt.
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A amostra foi composta considerando-se 2 municípios de cada RS – um deles, o município-polo, e o outro definido mediante sorteio. Os municípios-polo das RS são, na maioria das vezes, maiores em termos populacionais e também possuem estrutura de saúde mais complexa. Foram incluídos apenas municípios que possuíam Nasf implantado. Em uma das RS, o município-polo não atendia a esse critério e havia somente 1 município com Nasf implantado. Consequentemente, a amostra foi composta por 11 municípios, sendo 5 municípios-polo das RS e 6 municípios sorteados. Desse total, 4 são de médio porte (população acima de 50.000 habitantes), e 7 de pequeno porte (população abaixo de 50.000 habitantes), com variação entre 3.000 a 28.000 habitantes. Entre os municípios-polo participantes desta pesquisa, 4 são de médio porte e 1 de pequeno porte. A composição da amostra buscou um panorama geral da complexidade e diversidade das realidades nas RS e não as realidades dos municípios de forma específica, uma vez que as suas particularidades exigem variadas pactuações regionais para a oferta de integralidade do cuidado2626 Gama CAP, Lourenço RF, Coelho VAA, et al. Os profissionais da Atenção Primária à Saúde diante das demandas de Saúde Mental: perspectivas e desafios. Rev. Interface (Botucatu). 2021 [acesso em 2021 jul 10]; (25):e200438. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/ngR3KBLS6xBNvHGNGjscJ9S/?lang=pt.
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Para a coleta de informações, foram utilizadas duas estratégias: 1) Entrevistas semiestruturadas (E)2525 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14. ed. São Paulo: Hucitec; 2014. com profissionais de referência em SM das equipes Nasf; 2) Grupos Focais (GF)2727 Trad LAB. Grupos focais: conceitos, procedimentos e reflexões baseadas em experiências com o uso da técnica em pesquisas de saúde. Physis. 2009 [acesso em 2021 15 jul]; 19(3):777-796. Disponível em: https://www.scielo.br/j/physis/a/gGZ7wXtGXqDHNCHv7gm3srw/?format=pdf⟨=pt.
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com profissionais da APS que recebiam as ações dos Nasf cujos profissionais foram entrevistados. As informações foram coletadas entre julho e dezembro de 2017 e contemplaram profissionais de 43 equipes de Saúde da Família e 11 Nasf.

Foram construídos roteiros de entrevista e condução dos GF baseados na proposta oficial do Nasf, e os tópicos abordados foram2626 Gama CAP, Lourenço RF, Coelho VAA, et al. Os profissionais da Atenção Primária à Saúde diante das demandas de Saúde Mental: perspectivas e desafios. Rev. Interface (Botucatu). 2021 [acesso em 2021 jul 10]; (25):e200438. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/ngR3KBLS6xBNvHGNGjscJ9S/?lang=pt.
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: 1) Demandas em SM identificadas pelos profissionais; 2) Dificuldades enfrentadas, estratégias e pactuações estabelecidas para lidar com elas; 3) Conhecimento sobre os princípios da Saúde Pública e Políticas de SM; Reforma Psiquiátrica; Paradigma da Atenção Psicossocial; propostas do Nasf, expectativas e dificuldades de sua implantação. Neste artigo, serão apresentados resultados relacionados aos tópicos 1 e 2, especificamente voltados ao uso de SPA. Os profissionais de referência em SM do Nasf foram indicados pelos coordenadores desses dispositivos e, nos municípios em que havia mais de uma equipe Nasf, foi realizado sorteio para definição da equipe que iria participar. Foram entrevistados nove psicólogos, um nutricionista e um terapeuta ocupacional.

Posteriormente, foram realizados 11 GF com profissionais da APS que recebiam as ações dos Nasf, num total de 134 profissionais de diferentes áreas de formação, sendo sete médicos, 23 enfermeiros, 22 técnicos de enfermagem, dois psicólogos, um nutricionista, um educador físico, 69 agentes comunitários de saúde, quatro odontologistas e cinco técnicos de saúde bucal. Os participantes dos GF foram indicados pelos coordenadores das unidades de saúde2626 Gama CAP, Lourenço RF, Coelho VAA, et al. Os profissionais da Atenção Primária à Saúde diante das demandas de Saúde Mental: perspectivas e desafios. Rev. Interface (Botucatu). 2021 [acesso em 2021 jul 10]; (25):e200438. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/ngR3KBLS6xBNvHGNGjscJ9S/?lang=pt.
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As E e os GF foram gravados, transcritos, e o material foi analisado a partir do referencial de Análise de Conteúdo, mais especificamente, da análise temática ou categorial2525 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14. ed. São Paulo: Hucitec; 2014.,2828 Bardin L. Análise de conteúdo. 1. ed. Lisboa: Edições 70; 2011.. Essa metodologia de análise de informações busca organizar, descrever e interpretar conteúdos expressos em mensagens para obter maior compreensão de seus significados, e para tal, recorre a um conjunto de processos: inicialmente, o texto é condensado, preservando seu significado central; a seguir, são identificadas as unidades de significado, também chamadas de núcleos de sentido, e, em seguida, esses núcleos de sentido são reunidos em categorias por sua similaridade de conteúdo ou contexto. A análise temática ou categorial parte dos conteúdos expressos nas mensagens, os organiza e analisa de modo a poder compreender outra realidade para além daquelas expressas nas mensagens iniciais. Nesta pesquisa, as mensagens textuais oriundas da transcrição das entrevistas e GF foram organizadas e analisadas pelos pesquisadores sem o uso de softwares, e as categorias reuniram núcleos de sentidos que descrevem diferentes aspectos, semelhanças ou diferenças dos conteúdos específicos do texto a que pertencem. Foram seguidas, portanto, as etapas de pré-exploração e organização das mensagens textuais (transcrição das entrevistas); leituras exaustivas; identificação e compreensão das estruturas de significação das mensagens, e análise final, na qual se buscou responder aos objetivos desta pesquisa, articulando dados analisados e referenciais teóricos2828 Bardin L. Análise de conteúdo. 1. ed. Lisboa: Edições 70; 2011.. Do processo de análise, as mensagens sobre as dificuldades para lidar com demandas relativas ao uso abusivo de Álcool e outras Drogas (AD) e psicofármacos foram agrupadas em quatro categorias, em função da similaridade dos conteúdos identificados, cada uma delas contendo os núcleos de sentido que as compõem e que representam as diferentes dimensões e perspectivas a partir das quais cada um dos conteúdos específicos foi abordado, sendo estas: 1) Gestão; 2) Rede de Atenção Psicossocial; 3) Profissionais.

Para preservar o sigilo dos participantes, as categorias profissionais não aparecem identificadas nos trechos de falas e discussões que exemplificam alguns dos resultados apresentados. A opção pela apresentação dos fragmentos de falas e discussões é um recurso utilizado para explicitar as percepções dos participantes e conferir fidedignidade às sínteses realizadas pelos pesquisadores. Utilizou-se codificação de letras e números, sendo (E) para identificar as falas das Entrevistas e (GF) para identificar as discussões dos Grupos Focais; seguida da numeração correspondente ao município participante, de 1 a 11.

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em pesquisa envolvendo seres humanos (CAAE 47083915.9.0000.5545) e todas as recomendações éticas foram seguidas.

Resultados e discussão

Dificuldades no cuidado com as demandas vinculadas ao uso de SPA foram identificadas e discutidas pelos profissionais de saúde em todos os municípios, tendo sido expressas por meio de questões relacionadas ao uso de AD e prescrição exacerbada de psicofármacos. De forma geral, as demandas relacionadas a AD estavam presentes entre adolescentes, adultos e idosos, nas zonas urbanas e comunidades rurais, e apareceram vinculadas, também, aos pacientes com algum tipo de sofrimento psíquico. O uso de crack foi considerado problema grave em todos os municípios. No discurso dos participantes, não houve distinção entre modos de uso das SPA ilícitas, não se diferenciando uso prejudicial de uso recreacional ou eventual.

Com relação ao uso de psicofármacos, os benzodiazepínicos figuraram como a classe de medicamentos mais prescrita pelo sistema de saúde, e para a qual os profissionais dirigiram as maiores preocupações. Seu uso foi considerado prejudicial ou intenso em todos os segmentos populacionais, e com potencial de gerar dependência. De maneira análoga, discutiram preocupações com relação ao uso de antidepressivos para adultos e de metilfenidato para crianças encaminhadas com problemas de desempenho escolar. De forma espontânea, muitos profissionais se referiram ao fenômeno da medicalização do social como sinônimo de uso de psicofármacos, e manifestaram preocupações com relação a essa situação. No entanto, nenhum município possuía diagnóstico situacional em saúde consolidado sobre essas demandas, mas alguns haviam iniciado o processo de organização dos dados sobre o uso de psicofármacos.

De forma geral, a percepção dos profissionais estava vinculada às observações não sistematizadas do cotidiano dos serviços de saúde. As dificuldades no cuidado em SM relacionadas ao uso de SPA apareceram vinculadas à Gestão, à Raps e aos Profissionais de Saúde – dimensões que serão apresentadas e discutidas a seguir.

Gestão

Quando os profissionais de saúde foram convidados a falar sobre as dificuldades enfrentadas para lidar com as demandas relacionadas ao uso de SPA nos territórios nos quais atuavam, identificaram problemas ligados à gestão em saúde, especialmente às questões de rotatividade dos profissionais em geral e, especificamente, de médicos e coordenadores das unidades em função das mudanças político-partidárias, e o quanto essa rotatividade afetava o acompanhamento dos casos; diferenças nos vínculos profissionais (concursados e contratados) e seu impacto no trabalho em saúde; insuficiência da carga horária para o atendimento das demandas; falta de profissionais; falta de um perfil profissional que favorecesse a discussão dos casos e ausência de ações voltadas para as questões de AD. Os problemas de rotatividade são exemplificados a seguir GF4: “Quando mudou a administração, vieram novos profissionais, o grupo mudou o foco”.

Raps

Quando os profissionais de saúde foram convidados a falar sobre estratégias e pactuações locais e regionais estabelecidas entre os serviços públicos de saúde para lidar com as demandas relacionadas ao uso de SPA, identificaram um conjunto de dificuldades relacionadas à implantação e articulação da Raps. Mencionaram a escassez de serviços especializados, como o CAPSad, presente apenas em um dos municípios que participaram desta pesquisa; dificuldade para encaminhamento dos casos graves para o serviço de referência em outras localidades, e problemas para o desenvolvimento do trabalho em rede devido à falta de articulação e comunicação entre serviços e profissionais. Algumas iniciativas isoladas e pontuais foram citadas e raramente figuraram como parceria entre os pontos da Raps. De forma muito pontual, foram mencionadas as parcerias entre APS, Nasf e Caps.

Ao discutirem as dificuldades da articulação da Raps no que diz respeito ao uso de psicofármacos, identificaram isolamento dos serviços, falta de comunicação e acesso às informações sobre as prescrições dos pacientes. Mencionaram que o manejo de pacientes em uso de benzodiazepínicos e antidepressivos na APS se restringia à renovação de receita. Os casos que extrapolavam a renovação eram encaminhados aos psiquiatras dos Caps ou CAPSad. O fragmento da discussão a seguir exemplifica o problema da falta de informação e de comunicação entre profissionais da APS e Caps, as implicações para o cuidado em saúde e aponta o problema da concepção de tratamento com foco no medicamento e na supressão de sintomas.

E10: De vez em quando, a gente consegue [informações] porque tá acompanhando por telefone, então isso é uma falha do sistema, do serviço. Mas ele tá sendo medicado lá [referindo-se ao Caps] e com uma dosagem alta, porque quando você não tem controle do paciente, você dopa ele e eliminou os sintomas, e tá considerado satisfeito.

Com relação à atenção aos usuários de AD, afirmaram que a APS não era reconhecida como porta de entrada e que a maioria das pessoas com tais demandas procuravam diretamente o Caps. Em muitos municípios, o encaminhamento das demandas de AD foi mencionado como único recurso da APS, seja pela impossibilidade de fazê-lo ou pelo direcionamento às CTs de caráter religioso, para os Alcoólicos Anônimos (AA) ou para Caps e CAPSad de outros municípios. As CTs foram mencionadas como única retaguarda em alguns municípios. Os exemplos a seguir demonstram as dificuldades e os limites da APS com relação aos usuários de AD:

E9: É bem raro eu ver casos de álcool e drogas na atenção primária. Chega no Caps.

GF4: Dependente químico e alcoólatra, a gente não tem nem pra onde encaminhar. Aí a gente fica perdido no sistema, né?

Profissionais

Ao discutirem as dificuldades para lidar com demandas relacionadas ao uso de SPA, muitos profissionais identificaram uma cultura da medicação que era compartilhada por usuários, comunidade e profissionais de saúde. Com relação aos usuários e à comunidade, a cultura da medicação estava relacionada à demanda frequente por tratamento medicamentoso como recurso principal ou exclusivo aos vários problemas enfrentados por indivíduos e famílias, além de avaliarem que parte da causa do uso de psicofármacos estava associada à naturalização do seu uso. Os trechos a seguir exemplificam a compreensão dos profissionais sobre a cultura da medicalização:

E8: tudo é medicalizado, o sofrimento foi medicalizado, a gente não pode mais sofrer.

GF9: ... posso falar que 80% da população jovem adulto tá tomando algum tipo de ansiolítico. Mas é na cidade inteira. Outro dia eu até brinquei, eu falei ‘vai ter que por é na caixa d’água da Copasa pra vim pra todo mundo’, porque todo mundo toma.

Poucos foram os profissionais que identificaram motivos econômicos e psicossociais relacionados ao uso de medicamentos. Os principais motivos de uso identificados foram: imediatismo, falta de implicação com mudanças no estilo de vida, falta de informação, resistência a outras propostas para além do uso de psicofármacos e dificuldades de lidar com problemas. Relataram que os usuários já chegavam ao médico com a demanda da prescrição de medicamentos, dificuldades em parar de tomar remédios ou recorrer a estratégias como psicoterapia, atividades físicas ou participação em atividades grupais oferecidas pela APS. O trecho a seguir exemplifica a percepção dos profissionais sobre esse tensionamento entre a demanda dos usuários por medicamento e a oferta dos profissionais e serviços de saúde por outras estratégias para ajudar os usuários a lidarem com os problemas:

GF1: Muitas vezes, também, você faz o grupo e o pessoal acha que é só o remédio que resolve. Toma o remédio e acha que o problema tá resolvido, e na verdade não é. Precisa do acompanhamento do psicólogo.

Com relação aos profissionais de saúde, a cultura da medicação esteve relacionada ao excesso de prescrições, ausência de diagnóstico adequado, inseguranças de prescritores da APS com relação aos medicamentos da SM e uma escuta pouco qualificada em atendimentos, em sua maioria, muito rápidos. Mencionaram a grande utilização dos benzodiazepínicos na APS e a existência de expectativas dos usuários e profissionais de saúde de que o médico mantivesse e aumentasse a prescrição. Discutiram que essa cultura de medicação estava conectada a outros problemas que, em conjunto, apontavam para a falta de condições para lidar com a complexidade das demandas, tais como sobrecarga dos profissionais da APS; sobrecarga do psiquiatra; falta de acompanhamento longitudinal dos casos, seja pela rotatividade dos profissionais ou pela dificuldade de ter acesso aos prescritores; elevado encaminhamento aos Caps; renovação indiscriminada de receitas e falta de alternativas para o manejo de casos para além da medicação. O trecho a seguir exemplifica problemas relacionados à cultura da medicação e prática de renovação de receitas:

GF4: “Eu acho que existe um conformismo muito grande assim, porque é”. “Ah tá, você toma fluoxetina?”, “Tomo”. “Tudo bem, então”, “Renova minha receita, doutor?”. “Renova”. “Essas mulheres que tomam esse tanto de antidepressivos, cê fica até com pena,? Fico pensando: ô, meu Deus, podia fazer outra coisa pra não tomar, mas como planejar?”.

Muitos profissionais mencionaram medo de lidar com situações relacionadas ao uso de AD ou de psicofármacos, por não se sentirem capacitados e pelas dificuldades em criar vínculos com os usuários. Como, de forma geral, relataram poucas experiências com essas demandas no cotidiano dos serviços e poucas ou nenhuma atividade educativa sobre elas, várias das dificuldades identificadas pelos profissionais pareciam estar relacionadas às visões estigmatizadas sobre os usuários, a comunidade e o tratamento: demandas de AD foram consideradas problemas da comunidade; manifestaram medo de lidar com usuários agressivos; usuários não queriam interromper ou diminuir o uso das substâncias; usuários e familiares tinham dificuldade de procurar e seguir o tratamento. Cabe ressaltar que as perspectivas de tratamento mencionadas pelos profissionais de saúde se relacionavam exclusivamente às estratégias para interrupção do uso das substâncias. Algumas dessas questões podem ser exemplificadas pelos trechos das discussões a seguir:

GF2: É muito complicado você abordar, pegar, criar vínculo com o paciente. É muito difícil. Porque eles são ariscos,? Tem medo de tudo, não quer contar a realidade da vida. Então, pra você chegar até o ponto que você precisa pra encaminhar, pra você trazer... complicado, aí eu travo.

GF7: não se assumem como alcóolico.

Também foi citado que os usuários não aderiam ao tratamento de AD por vergonha e medo da exposição e que foram pontuais as falas dos participantes sobre o impacto que estereótipos e visões estigmatizadas poderiam representar para o cuidado em saúde. Quando perguntados sobre as estratégias adotadas para lidar com as dificuldades identificadas, de forma geral, não mencionaram políticas públicas, diretrizes ou ações de EPS voltadas para essas demandas. Identificaram capacitações pontuais ou discussão entre equipes e serviços de forma isolada. Ações de EPS sobre uso de psicofármacos foram mencionadas exclusivamente em município, e apenas em outro município foram mencionadas ações articuladas para prevenção do uso de AD como uma política de saúde. No entanto, de forma geral, os participantes reconheceram a necessidade de ações de EPS para lidar com essas demandas.

O conjunto de dificuldades identificadas e discutidas pelos participantes aponta o desafio de lidar com a multiplicidade de motivações, contextos, dinâmicas sociais, conflitos, contradições, condições materiais e relações de poder que levam sujeitos e coletividades a se relacionarem com alguma SPA, seja para lidar com sofrimentos inerentes à existência humana, seja para buscar prazer ou produtividade, controlar o humor ou para empreender alguma forma de expansão da consciência11 MacRae E. Antropologia: aspectos sociais, culturais e ritualísticos. In: Seibel SD, Toscano Jr. A. Dependência de drogas. São Paulo: Editora Atheneu; 2009. p. 25-34.,44 Gomes-Medeiros D, Faria PH, Campos GWS, et. al. Política de drogas e Saúde Coletiva: diálogos necessários. Cad. Saúde Pública. 2019 [acesso em 2021 jul 10]; 35(7):e00242618. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/JJ5FM4Lk4RctsyTwbhFpfdk/?lang=pt.
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As contradições diante da relação dos indivíduos e coletividades com as SPA constituem a cultura e estão presentes, portanto, na gestão em saúde, seus trabalhadores e estrutura de serviços, gerando um permanente tensionamento entre posições divergentes e, muitas vezes, antagônicas. Se, com relação ao álcool e às SPA ilícitas, apareceram, com mais intensidade, as perspectivas terapêuticas relacionadas à abstinência e à proibição do uso, fortemente influenciadas pelo paradigma proibicionista, não se pode dizer o mesmo com relação às SPA ofertadas pela própria estrutura de cuidado em saúde para lidar com o sofrimento psíquico, a exemplo do uso disseminado de benzodiazepínicos, que impulsiona modos de uso e prescrição que se configuram como dependência3131 Martins IC, Silveria LC, Carrilho CA, et al. “O que não tem remédio nem nunca terá”: um estudo a partir do uso abusivo de benzodiazepínico em mulher. Rev. Min. Enferm. 2017 [acesso em 2021 jul 10]; (21):e-1015. Disponível em: http://www.revenf.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-27622017000100224&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt.
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,3232 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Uso de Medicamentos e Medicalização da Vida: recomendações e estratégias. Brasília, DF: Editora do Ministério da Saúde; 2018. [acesso em 2021 jul 15]. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/bvsms/resource/pt/mis-40061.
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Com relação ao que foi discutido pelos participantes como uma cultura da medicação, importante destacar o fenômeno da medicalização1414 Zorzanelli RT, Cruz MGA. The concept of medicalization in Michel Foucault in the 1970s. Interface (Botucatu). 2018 [acesso em 2021 jul 15]; 22(66):721-731. Disponível em: https://interface.org.br/en/publicacoes/o-conceito-de-medicalizacao-em-michel-foucault-na-decada-de-1970-2/.
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como processo social e cultural amplo e complexo, que traz significativas repercussões sociais e na formação subjetiva. Em alguns casos, a medicalização pode transformar problemas que possuem origem socioeconômica em necessidades médicas, abordando-os como doenças, reduzindo a complexidade do sofrimento ao aspecto biológico e apresentando o recurso farmacológico como forma de tratamento1616 Santos RB, Zambenedetti G. Compreendendo o processo de medicalização contemporânea no contexto da saúde mental. Rev. Salud & Sociedad. 2018 [acesso em 2021 jul 15]; 10(1):22-37. Disponível em: https://revistas.ucn.cl/index.php/saludysociedad/article/view/2849.
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,1818 Caminha ECCR, Jorge MSB, Pires RRS, et. al. Relações de poder entre profissionais e usuários da Atenção Primária à Saúde: implicações para o cuidado em saúde mental. Saúde debate. 2021 [acesso em 2022 jul 10]; 45(128):81-90. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sdeb/a/Scndb667PSqJsNc6ZpySQPg/.
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,2020 Tesser CD. Cuidado clínico e sobremedicalização na atenção primária à saúde. Trab. Educ. Saúde. 2019 [acesso em 2021 jul 17]; 17(2):e0020537. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/QsMp6DrTxmZvNCHBCryLsNp/?lang=pt.
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. Entre as diversas perspectivas desse intrincado processo social, destacam-se as análises sobre seu papel na diminuição das possibilidades de ação dos sujeitos e coletividades diante da dor, do adoecimento, sofrimento e morte, desabilitando-os a tomar a saúde enquanto promoção de arranjos criativos para lidar com as adversidades3333 Rosa BPGD, Winograd M. Palavras e pílulas: sobre a medicamentalização do mal-estar psíquico na atualidade. Psicol. Soc. 2011 [acesso em 2021 jul 10]; 23(esp):37-44. Disponível em: https://www.scielo.br/j/psoc/a/mc8GbxhvsTdDfbPsK7PYRnc/abstract/?lang=pt.
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,3434 Dantas JB. Tecnificação da vida: uma discussão sobre o discurso da medicalização da sociedade. Rev. de Psicol. 2009 [acesso em 2021 jul 15]; 21(3):563-580. Disponível em: https://www.scielo.br/j/fractal/a/FwQmjsZxb8Yz4KdPdNpwQkM/?lang=pt.
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No esteio das contradições sociais, não se pode deixar de chamar a atenção para o fato de que a prescrição e o uso de psicofármacos apontam para a naturalização do uso de outras SPA que alcançam o status de possibilidade terapêutica geral, fazendo com que os psicofármacos se apresentem como potentes amortecedores aos mais heterogêneos problemas da vida. Estudos têm problematizado o uso prejudicial de medicamentos relacionado ao paradigma atual de que todo conflito e sofrimento deve ser abolido, mesmo que isso implique uso ampliado dos psicofármacos, estratégia considerada válida em uma sociedade que impõe a busca de produtividade, saúde e sucesso constantes e na qual o sofrimento, como obstáculo ao alcance desses, figura como condição-alvo das intervenções3333 Rosa BPGD, Winograd M. Palavras e pílulas: sobre a medicamentalização do mal-estar psíquico na atualidade. Psicol. Soc. 2011 [acesso em 2021 jul 10]; 23(esp):37-44. Disponível em: https://www.scielo.br/j/psoc/a/mc8GbxhvsTdDfbPsK7PYRnc/abstract/?lang=pt.
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,3434 Dantas JB. Tecnificação da vida: uma discussão sobre o discurso da medicalização da sociedade. Rev. de Psicol. 2009 [acesso em 2021 jul 15]; 21(3):563-580. Disponível em: https://www.scielo.br/j/fractal/a/FwQmjsZxb8Yz4KdPdNpwQkM/?lang=pt.
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Outra questão central no discurso dos participantes desta pesquisa se relacionou a percepções estigmatizantes dirigidas aos usuários de SPA, seus familiares, à comunidade e às perspectivas de tratamento. No cenário nacional, assim como em outros contextos internacionais, o paradigma proibicionista vem atrelando o combate a algumas SPA ilícitas ao aumento da violência, a danos à saúde, mortes evitáveis, encarceramento em massa e desrespeito aos Direitos Humanos, especialmente para populações já marginalizadas, racializadas e em situação de vulnerabilidade44 Gomes-Medeiros D, Faria PH, Campos GWS, et. al. Política de drogas e Saúde Coletiva: diálogos necessários. Cad. Saúde Pública. 2019 [acesso em 2021 jul 10]; 35(7):e00242618. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/JJ5FM4Lk4RctsyTwbhFpfdk/?lang=pt.
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. Os estereótipos e estigmas relacionados ao uso de SPA dificultam que a gestão em saúde, seus trabalhadores e a estrutura de serviços avancem na discussão de alternativas de cuidado que considerem o cenário de desigualdade, fome, preconceito, violência, questões de gênero e raça aos quais essas questões estão circunscritas, além das diferenças relacionadas aos motivos pelos quais as pessoas e coletividades fazem uso das SPA1717 Bastos FI, Mota JC, Freitas F. Uso prejudicial e dependente de psicofármacos sem prescrição/em desacordo com regimes terapêuticos definidos por profissionais de saúde. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2020. [acesso em 2021 jul 15]. Disponível em: https://saudeamanha.fiocruz.br/wp-content/uploads/2020/03/PJSSaudeAmanha_Texto0040_v03.pdf.
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,2424 Gomide HP, Lopes TM, Soares RG, et al. Estereótipos dos profissionais de saúde em relação a alcoolistas em Juiz de Fora - MG, Brasil. Psicol. Teor. Prat. 2010 [acesso em 2021 jul 15]; 12(1):171-180. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ptp/v12n1/v12n1a14.pdf.
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Além disso, como o paradigma proibicionista também define campos da normalidade e patologia, muitas vezes, as abordagens dos serviços de saúde excluem o sujeito, desconsideram suas condições e história de vida, ou lançam mão delas para confirmar a visão estigmatizante com relação a esse sujeito, acabando por culpabilizá-lo por sua situação44 Gomes-Medeiros D, Faria PH, Campos GWS, et. al. Política de drogas e Saúde Coletiva: diálogos necessários. Cad. Saúde Pública. 2019 [acesso em 2021 jul 10]; 35(7):e00242618. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/JJ5FM4Lk4RctsyTwbhFpfdk/?lang=pt.
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,2020 Tesser CD. Cuidado clínico e sobremedicalização na atenção primária à saúde. Trab. Educ. Saúde. 2019 [acesso em 2021 jul 17]; 17(2):e0020537. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/QsMp6DrTxmZvNCHBCryLsNp/?lang=pt.
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. Nesse sentido, vale lembrar o quanto a medicalização promoveu enorme expansão do leque de síndromes psiquiátricas e os respectivos medicamentos psicotrópicos vinculados à sua cura ou ao controle de sintomas44 Gomes-Medeiros D, Faria PH, Campos GWS, et. al. Política de drogas e Saúde Coletiva: diálogos necessários. Cad. Saúde Pública. 2019 [acesso em 2021 jul 10]; 35(7):e00242618. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/JJ5FM4Lk4RctsyTwbhFpfdk/?lang=pt.
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. Além disso, não se pode deixar de mencionar que tanto no cenário internacional quanto nacional crescem as investigações sobre o potencial medicinal de SPA ilícitas77 Souza J, Kantorski LP. Embasamento político das concepções e práticas referentes às drogas no Brasil. SMAD – Rev. Eletrônica Saúde Mental álcool drog. 2007 [acesso em 2023 jan 9]; 3(1):00. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielophp?pid=S1806-69762007000200003&script=sci_arttext.
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e que, contrários à perspectiva proibicionista e medicalizante, existem questionamentos com relação à concepção da dependência química como doença do cérebro relacionada a determinações genéticas e biológicas.

A ausência de uma política de EPS impactou sobremaneira todo o processo de trabalho e cotidiano dos serviços em que os participantes atuavam. A proposta da EPS está atrelada aos princípios e às diretrizes do SUS, e incorpora o aprender e ensinar na rotina do trabalho em saúde, por meio do desenvolvimento de novas habilidades, tecnologias e estratégias para lidar com demandas e desafios apresentados, exigindo para isso o compromisso de gestores e trabalhadores em saúde3535 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria-Executiva, Subsecretaria de Assuntos Administrativos. O Trabalho como fonte de formação: um movimento em construção no Ministério da Saúde – Agenda 2015 de Desenvolvimento dos Trabalhadores. Brasília, DF: Editora do Ministério da Saúde; 2015. [acesso em 2021 jul 15]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/trabalho_fonte_formacao_movimento_construcao.pdf.
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,3636 Pinheiro MCC, Hypólito ALM, Kantorski LP. Educação permanente no processo de trabalho em saúde mental. J. nurs. Health. 2019 [acesso em 2023 fev 10]; 9(2):e199203. Disponível em: https://docs.bvsalud.org/biblioref/2019/12/1047262/2.pdf.
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. Pode-se perceber, por meio do que os participantes trouxeram em suas narrativas, que as dificuldades encontradas no cuidado ao usuário de SPA não eram partilhadas entre os profissionais, gestão ou Raps, de modo a buscar soluções coletivas para o desenvolvimento de novas formas de pensar fluxos ou processos de trabalho.

Considerações finais

Os profissionais de saúde lidam cotidianamente com uma série de dificuldades relacionadas às demandas de AD e ao uso de psicofármacos. Tais dificuldades tanto estão relacionadas às condições de trabalho em saúde quanto aos tensionamentos advindos das contradições sociais diante do uso de SPA. As fronteiras entre o que é preconizado como cuidado em saúde – na forma da prescrição de psicofármacos – e o que é rechaçado enquanto possibilidade terapêutica – na forma do uso de SPA ilícitas ou álcool – não parecem ser tão rígidas quanto o discurso dos participantes desta pesquisa pareceu supor.

Não parece possível que se chegue a uma forma unívoca e infalível de cuidado em saúde que possa resolver e endereçar toda a demanda relacionada ao uso de SPA, nem abolir todos os tensionamentos resultantes das contradições que permeiam territórios, sujeitos, profissionais e cotidiano dos serviços. No entanto, ressaltamos que a aposta na EPS deve ser fundamental como estratégia para a reflexão sobre o trabalho, bem como para o desenvolvimento de processos e tecnologias para modificação do trabalho em SM direcionado ao uso de SPA.

Espaços de discussão e reflexão sobre o trabalho em saúde e sua articulação com o território, sujeitos e a própria subjetividade dos trabalhadores são necessários se o objetivo é avançar na construção de propostas de cuidado que dialoguem e se articulem com os princípios do SUS e da Reforma Psiquiátrica.

  • Suporte financeiro: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais, Edital 01/2016, Demanda universal processo nº CHE-APQ-02530-16
  • *
    Orcid (Open Researcher and Contributor ID).

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    09 Out 2022
  • Aceito
    28 Fev 2023
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