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Avaliação de uma experiência com o ensino de habilidades clínicas para alunos do primeiro ano de psicologia

Evaluation of an experience on the teaching of clinical skills for freshmen of psychology

Resumos

O presente trabalho teve como objetivo avaliar a experiência realizada descrevendo os efeitos do Projeto proposto sobre os alunos participantes. Avaliou-se o impacto da experiência sobre a formação dos alunos e a utilidade do modelo proposto para aprendizagem de habilidades clínicas relevantes à atuação como psicólogo. Participaram desta experiência 17 alunos do primeiro ano do curso de Psicologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). A realização do Projeto constou de três fases: 1) Preparação e Planejamento; 2) Realização e Acompanhamento; 3) Avaliação da Experiência por alunos e supervisores. Os resultados mostraram que o Projeto, tal como foi desenvolvido, teve efeitos positivos para a formação dos alunos em vários aspectos, principalmente sobre o crescimento pessoal. Como a formação profissional do psicólogo não é algo diferente de sua formação pessoal e que ambos os repertórios (pessoal e profissional) estão em estreita relação, o impacto dessa experiência sobre a visão de homem e de mundo dos alunos e as mudanças de postura e atitudes daí decorrentes pareceram ser as contribuições mais importantes desta experiência para sua formação profissional.

Formação profissional; Treino de habilidades clínicas; Relação teoria-prática


The present work aimed at evaluating the experience developed describing the effects of the proposed Project upon the participants, concerning the impact on their education and the use of the proposed model in the learning of relevant clinical abilities to their actuation as a psychologist. Seventeen Psychology's freshmen of Universidade Estadual de Londrina participated in the experience. The Project was carried out in three phases: 1) Preparation and Planning; 2) Realization and Accompaniment; and 3) Evaluation of the experience by students and supervisors. The results showed that the Project, as developed, had positive effects upon the students's education, in several aspects, but mainly upon their personal growlh. Since the Psychologist's education is not different from his/her personal formation, and since both repertoires (personal and professional) are closely related, the impact of such experience on the students'vision of the world and of mankind and the change in attitudes that followed seem to be the most important contributions of the experience on the student's professional education.

Professional Educational; Clinical Abilities; Theory-Practice Relation


ARTIGOS

Avaliação de uma experiência com o ensino de habilidades clínicas para alunos do primeiro ano de psicologia

Evaluation of an experience on the teaching of clinical skills for freshmen of psychology

Cynthia Borges de Moura

RESUMO

O presente trabalho teve como objetivo avaliar a experiência realizada descrevendo os efeitos do Projeto proposto sobre os alunos participantes. Avaliou-se o impacto da experiência sobre a formação dos alunos e a utilidade do modelo proposto para aprendizagem de habilidades clínicas relevantes à atuação como psicólogo. Participaram desta experiência 17 alunos do primeiro ano do curso de Psicologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). A realização do Projeto constou de três fases: 1) Preparação e Planejamento; 2) Realização e Acompanhamento; 3) Avaliação da Experiência por alunos e supervisores. Os resultados mostraram que o Projeto, tal como foi desenvolvido, teve efeitos positivos para a formação dos alunos em vários aspectos, principalmente sobre o crescimento pessoal. Como a formação profissional do psicólogo não é algo diferente de sua formação pessoal e que ambos os repertórios (pessoal e profissional) estão em estreita relação, o impacto dessa experiência sobre a visão de homem e de mundo dos alunos e as mudanças de postura e atitudes daí decorrentes pareceram ser as contribuições mais importantes desta experiência para sua formação profissional.

Palavras-chave: Formação profissional, Treino de habilidades clínicas, Relação teoria-prática.

ABSTRACT

The present work aimed at evaluating the experience developed describing the effects of the proposed Project upon the participants, concerning the impact on their education and the use of the proposed model in the learning of relevant clinical abilities to their actuation as a psychologist. Seventeen Psychology's freshmen of Universidade Estadual de Londrina participated in the experience.

The Project was carried out in three phases: 1) Preparation and Planning; 2) Realization and Accompaniment; and 3) Evaluation of the experience by students and supervisors. The results showed that the Project, as developed, had positive effects upon the students's education, in several aspects, but mainly upon their personal growlh. Since the Psychologist's education is not different from his/her personal formation, and since both repertoires (personal and professional) are closely related, the impact of such experience on the students'vision of the world and of mankind and the change in attitudes that followed seem to be the most important contributions of the experience on the student's professional education.

Key-words: Professional Educational, Clinical Abilities, Theory-Practice Relation

Introduzir alunos dos primeiros anos do curso de Psicologia num trabalho prático que proporcionasse a eles um contato inicial com a realidade do trabalho psicológico, na verdade, sempre foi mais uma solicitação dos próprios alunos do que um esforço dos docentes em favor da formação destes. Algumas poucas tentativas neste sentido sempre são muito limitadas colocando o aluno em contato indireto com tal realidade, ouvindo palestras ou realizando entrevistas com profissionais de diversas áreas. Tal contato além de não desenvolver no aluno habilidades necessárias a sua prática profissional, muitas vezes ainda fortalece a visão idealista e estereotipada da profissão, do profissional e das áreas de atuação, não levando o aluno a considerar formas alternativas de inserção do psicólogo em novos espaços de trabalho.

Trabalhando como docente do primeiro ano, também sentia necessidade de introduzí-los em tal prática, mas esbarrava com a limitação de como fornecer uma atividade prática protegida, na qual eles pudessem atuar sem ônus para a população-alvo, (dada a falta de subsídios teóricos dos mesmos), e ao mesmo tempo fornecessem uma contribuição significativa para esta população (dado que a maioria dos trabalhos iniciais do curso são observacionais). Desta forma, um trabalho comunitário de caráter preventivo pareceu ser a melhor alternativa.

Atuando como coordenadora de um Projeto de Extensão da Universidade Estadual de Londrina que vem sendo desenvolvido junto a um Projeto da Prefeitura (Projeto Piá) que atende crianças e adolescentes de uma comunidade pobre da cidade como objetivo de prevenção a delinqüência, vi neste contexto o espaço ideal para realizar este trabalho conciliando as necessidades dos alunos e da comunidade. Organizou-se assim o intitulado "Projeto de Férias" que envolvia o planejamento e a realização de uma semana intensiva de atividades recreativas dirigidas, durante as férias escolares de janeiro e julho, com os seguintes objetivos:

1) Oportunizar um espaço para que as crianças e adolescentes ligados ao Projeto Piá usufruam de atividades lúdicas e recreativas voltadas para o desenvolvimento da criatividade e socialização;

2) Fornecer aos educadores do Projeto Piá oportunidade de reciclagem de conhecimentos pela aprendizagem direta de novas estratégias de interação e uso de recursos lúdicos;

3) Proporcionar aos alunos dos primeiros anos do curso de Psicologia uma experiência prática no contato com a realidade que permitam a eles desenvolver e/ou aprimorar habilidades de interação e trabalho com crianças.

A proposição deste Projeto foi a alternativa encontrada para que algumas dificuldades com este tipo de inserção do aluno iniciante pudessem ser superadas. O Projeto apoiou-se nas seguintes suposições:

1) Os alunos teriam um contato muito próximo com o trabalho psicológico em comunidades, uma vez que atuariam diretamente com a população, tendo a direção das atividades sob sua responsabilidade. Desta forma, não realizariam um trabalho meramente observacional e poderiam se envolver nas dificuldades concretas do trabalho prático e na realidade da comunidade atendida;

2) Os alunos realizariam um trabalho com "características psicológicas", uma vez que deveriam planejar e executar atividades recreativas direcionadas para o desenvolvimento da socialização, criatividade, cooperação e habilidades sócioemocionais das crianças e não voltadas apenas para o entretenimento das mesmas;

3) O trabalho em si não traria riscos para a comunidade pois, dado seu enfoque preventivo, não envolveria intervenção direta sobre problemas apresentados;

4) A comunidade poderia se beneficiar com os objetivos do Projeto: crianças teriam oportunidade para treinar e desenvolver habilidades importantes de convívio social e educadores poderiam acompanhar as atividades e aprender a utilizar novos recursos para seu trabalho cotidiano com as crianças;

5) Finalmente, caso os objetivos propostos não fossem completamente atingidos, dadas as suposições anteriores, nenhuma das partes envolvidas seria prejudicada com o desenvolvimento de uma experiência como esta.

Assim, este artigo apresenta a primeira experiência com a realização deste Projeto. Será descrita a trajetória do grupo de alunos desde a preparação até a realização e a avaliação final da experiência, a metodologia utilizada e o acompanhamento/ supervisão durante a realização das atividades. O que sentimos, o que aprendemos, o que precisamos mudar ou aprimorar, e a contribuição deste Projeto para os objetivos e necessidades iniciais dos alunos são focos da análise crítica realizada. A utilidade deste modelo para a inserção inicial do aluno à prática e para a aprendizagem de habilidades clínicas relevantes a atuação como psicólogo serão também analisadas.

Aspectos essenciais à formação de Psicólogos

A formação do psicólogo tem sido amplamente discutida nestes últimos anos. Muita atenção tem sido dada a questão da formação do profissional da Psicologia em todos os seus aspectos. Discutese desde os conteúdos teóricos imprescindíveis a formação (Shook, Clair, Harstsfield e Hermingway, 1995) até as habilidades específicas para o bom exercício da profissão nas diversas áreas de atuação, dando ênfase a estruturação dos currículos dos cursos e as estratégias de ensino (Rangé,Guilhardi, Kerbauy, Falcone e Ingberman,1995). Quanto a formação em Psicologia Clínica muitos relatos são encontrados em relação a definição de quais comportamentos são relevantes a um psicoterapeuta, qualquer que seja a abordagem teórica que ele assuma (Pollack e Slan, 1995).

Terapia Comportamental: Que habilidades são requeridas do terapeuta?

Falando especificamente da formação do terapeuta comportamental, Rangé, Guilhardi, Kerbauy, Falcone e Ingberman (1995) listaram e definiram alguns comportamentos terapêuticos relevantes que, segundo eles, favorecem a efetividade clínica do terapeuta. Alguns deles são: 1. Empatia, aceitação, interesse genuíno, calor humano e compreensão; 2. Apoio; 3. Diretividade e controle; 4.Questionamento; 5. Clarificação e estruturação; 6. Interpretação; 7. Confrontação e crítica; 8. Análise, avaliação e formulação de casos; 9. Uso adequado de técnicas terapêuticas; 10. Manejo de problemas especiais; 11. Comportamento ético; 12. Capacidade de tolerância à frustração, de persistência, paciência; 13. Capacidade de não-envolvimento pessoal, de decentramento; 14. Capacidade de demonstrar ânimo, otimismo, dinamismo, carisma e liderança; 15. Equilíbrio emocional.

Guilhardi (1988) discutindo também questões relativas a formação de terapeutas comportamentais aponta algumas contingências de desenvolvimento e manutenção do repertório do terapeuta às quais ele deve responder simultaneamente: 1. Contingências geradas pela comunidade-cliente; 2.contingências geradas pela relação terapêutica; 3. Contingências geradas pela interação com uma equipe; 4. Contingências geradas pela comunidade universitária; 5. Contingências geradas pela comunidade científica. Cada um desses conjuntos de contingências, segundo ele, ajuda o terapeuta a desenvolver-se em relação a habilidades necessárias a uma boa atuação por ampliar seu repertório através das diferentes respostas que os diferentes contextos requerem do terapeuta enquanto profissional.

Pollack e Slan (1995) oferecendo sugestões a líderes de psicoterapia de grupo, entre outras coisas, abordam a questão das habilidades requeridas de um terapeuta. Eles afirmam que um terapeuta deve não apenas conhecer a si mesmo, mas também ser ele mesmo na interação com os clientes. Para estes autores, a artificialidade é comumente percebida como desrespeito pelos clientes. Assim como na terapia individual, na terapia de grupo os terapeutas precisam ser bons ouvintes, ter habilidade para confrontar e assumir um enfoque teórico que norteie suas intervenções, devem ter habilidade de facilitar a auto-exposição do grupo e assegurar a participação de todos encorajando o compartilhar suas dificuldades no grupo e facilitando o feedback interpessoal.

Habilidades requeridas dos psicoterapeutas de crianças

Falando agora especificamente do trabalho com crianças, alguns autores têm ressaltado que o treinamento de terapeutas que trabalham com crianças deve ter duas características básicas: amplitude e diversificação (Stephen e Phillips, 1991 apud Conte, 1993).Os temas básicos que terapeutas deveriam dominar seriam o desenvolvimento humano (pais e crianças), tipos e severidade de problemas infantis, aspectos culturais (étnicos,sócio-econômicos), contexto de intervenção e modalidades de tratamento.

Conte (1993) abordando a questão da formação de terapeutas, concorda que terapeutas de crianças devem compartilhar as características apontadas para terapeutas de adultos, e além disso apresentar algumas habilidades específicas para o trabalho terapêutico com crianças. Esta autora relaciona alguns comportamentos e habilidades clínicas que parecem ser muito relevantes ao terapeuta de crianças:

1)Ter capacidade de permanecer relaxado, à vontade frente a criança, não se comportando como censor, pai ou professor;

2) Ter uma empatia de "mão-dupla": conseguir alternar papéis e olhar para os fatos ora do ponto de vista dos pais e ora do ponto de vista da criança (pois muitas vezes eles são contraditórios);

3) Gostar de brincar e saber brincar com a criança, ter habilidade para fazer coisas que elas gostam;

4) Transpor o brincar para o desenvolvimento dos objetivos terapêuticos;

5) Ter um amplo repertório para poder alternar propostas na direção do desejado. Não ser excessivamente preso ao programado (metódico);

6) Ter flexibilidade e criatividade, só possível com um amplo repertório;

7) Saber lidar com perguntas de ordem pessoal, por parte da criança;

8) Ter habilidade para lidar com pressões sociais (pais, escola, etc, e com expectativas sociais versus bem estar da criança).

9) Saber esperar pelos resultados, e não ter ansiedade em mostrar serviço.

Treinamento de psicoterapeutas: quais são as alternativas?

Segundo Conte (1993), no treinamento de terapeutas, o curso de psicologia pode estar gerando regras sobre qual é a postura desejável para o terapeuta, baseadas em modelos estáticos, que não consideram aspectos ambientais e contextuais. A proposta que ela apresenta é a de que, mais do que seguir regras, o terapeuta esteja atento e se deixe modelar pelas contingências especiais de cada caso, prestando atenção a "quem dirige que tipo de procedimento, para que tipo de indivíduo ou família, com que tipo de problema, em que contexto". Segundo esta autora, o terapeuta deve se desenvolver sob controle do desenvolvimento pessoal do seus clientes e das contingências presentes na psicoterapia.

Poucos estudos apontam para como estas habilidades podem ser ensinadas. Alguns poucos trabalhos sobre supervisão, indicam alguns caminhos para o ensino de habilidades a alunos de final de curso (Silvares, 1997). Nenhum relato foi encontrado sobre trabalhos práticos de qualquer natureza envolvendo alunos do início do curso. Talvez mais que uma falha, isto indique a concepção de que a teoria precede a prática e não que ambas podem caminhar juntas e subsidiar uma a outra (Morato, 1996). Este trabalho tem esta pretensão: mostrar uma experiência que está começando, mas frutificando, com o objetivo de dar a estes alunos a oportunidade de desenvolverem-se como pessoas, treinar habilidadese começarema prepararem-se para uma atuação clínica futura, mostrando que a formação clínica do psicólogo pode e deve começar desde cedo, para ser mais rica e mais completa.

OBJETIVOS

1) Avaliar a experiência realizada descrevendo os efeitos do Projeto proposto sobre os alunos participantes quanto ao impacto sobre sua formação (a avaliação dos efeitos do Projeto sobre as crianças e educadores será propositadamente excluída por não fazer parte dos objetivos desta análise);

2) Avaliar a utilidade do modelo proposto para a inserção inicial do aluno à prática e para a aprendizagem de habilidades clínicas relevantes a atuação como psicólogo.

MÉTODO

Os Alunos: Participaram desta experiência 17 alunos do primeiro ano do curso de Psicologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Como o Projeto foi desenvolvido nas férias escolares de fevereiro de 1998, tais alunos já haviam concluído o primeiro ano. Por ser uma primeira experiência optou-se por um número restrito de alunos participantes para testagem da proposta. Houve assim necessidade de se realizar uma seleção, dado o alto número de interessados que se inscreveram (40 alunos). Os alunos foram selecionados mediante combinação de quatro critérios: 1) disponibilidade para participação na data prevista; 2) motivo pelo qual desejava participar do Projeto; 3) possuir alguma experiência anterior com crianças e; 4) desempenho nas disciplinas relativas a Psicologia no primeiro ano.

A Equipe de Supervisores: O Projeto de Extensão do qual este Projeto de Férias fez parte envolvia o trabalho de três docentes, todas ligadas o Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento da UEL. Durante a realização do Projeto de Férias, as docentes se revezaram no acompanhamento aos alunos de modo que durante toda a semana e em cada período do dia havia uma docente no local do trabalho supervisionando as atividades e auxiliando no desenvolvimento das mesmas. No período de preparação que antecedeu a semana de atividades, as três docentes realizaram juntas o treinamento dos estagiários.

Procedimento: A realização do Projeto como um todo constou de três fases:

1) Preparação e Planejamento: Imediatamente após a divulgação dos alunos selecionados foi marcada uma reunião para explicitação das diretrizes do Projeto. Esta reunião foi realizada no final do ano letivo de 1997. Neste encontro definiu-se quais seriam as atividades, e o grupo concordou que seria mais adequado os seguintes agrupamentos: Música e Dança; Teatro; Argila e Sucata; e Recreação ao Ar Livre. Os alunos distribuíram-se nos quatro grupos conforme as afinidades com as atividades. Foi solicitado então que dentro destas grandes áreas eles planejassem as atividades conforme os objetivos já citados e trouxessem o planejamento para discussão nos dias marcados para preparação no próximo ano. Três dias antes da semana prevista para a realização das atividades com as crianças (em fevereiro de 1998) o grupo de alunos e de supervisores reuniu-se para verificação e adequação do planejamento, preparação de material, discussão teórica sobre o contexto de pobreza e trabalhos preventivos e visita ao local da realização do Projeto.

2) Realização e Acompanhamento: Na semana marcada os alunos iniciaram as atividades. Eles também montaram um revezamento de forma que uma equipe atuava pela manhã e outra a tarde desenvolvendo as mesmas atividades, uma vez que as crianças não eram as mesmas nos dois períodos. As supervisoras sempre estavam por perto acompanhando as atividades, auxiliando na sua condução, dirimindo dúvidas, resolvendo problemas. Nos intervalos das atividades, normalmente antes de começarem, às vezes ao final do dia, o grupo se reunia para conversar. Normalmente a conversa era em torno do que fazer diante dos problemas e dificuldades encontradas, tais como brigas, xingamentos, agitação, crianças que não obedeciam ordens e se dispersavam, crianças retraídas, tímidas e que não se envolviam com as atividades e com o grupo. Os supervisores ouviam a questão e qual tentativa foi feita para resolvê-la, pedia a opinião dos outros alunos a respeito da situação, e conduzia uma análise da melhor solução para aquele problema, caso ocorresse novamente.

3) Avaliação da Experiência: A avaliação do Projeto, do alcance de seus objetivos e de seu funcionamento como um todo foi realizada de duas formas: Num primeiro momento, foi solicitado aos alunos, ao final da semana, que respondessem a um formulário de avaliação. Esta avaliação formal visava promover reflexão específica sobre alguns pontos considerados relevantes para a formação dos alunos, avaliação da proposta do Projeto e reformulação de sua execução. Visava também proporcionar um espaço para a expressão de idéias, opiniões e vivências dos alunos em relação a experiência. Num segundo momento, as supervisoras realizaram a sua avaliação da semana, discutindo o que consideraram aspectos positivos e negativos, o que deveria ser mantido, reformulado e/ou implementado numa próxima experiência. A análise dos formulários e a avaliação a posteriori do processo é realizada a seguir.

RESULTADOS

Avaliação da experiência pelos alunos

A avaliação que os alunos realizaram dessa experiência foi moldada dentro de alguns parâmetros relativamente amplos que se considerava importante para reflexão. Apesar de ter sido uma avaliação dirigida, muitas das vivências pessoais dos alunos puderam ser resgatadas em sua riqueza e originalidade. Na avaliação realizada foram solicitados a análise dos seguintes temas: 1) aspectos da experiência que foram positivos e úteis para você como pessoa e para a formação acadêmico-profissional; 2) aspectos positivos e aspectos a serem aprimorados no desempenho frente a organização e realização das atividades e no manejo com as crianças; 3) principais dificuldades enfrentadas quanto a conduzir atividades, interagir com as crianças, lidar com imprevistos e problemas, orientar o desenvolvimento das atividades e o comportamento das crianças para o alcance dos objetivos propostos, etc; 4) relação teórico-prática proporcionada pela experiência dentro dos limites do conhecimento já adquirido em Análise do Comportamento; 5) espaço para críticas, sugestões, idéias, recadinhos ou qualquer outra observação.

Retiramos deste material os aspectos e vivências apontados por eles como mais marcantes e significativos quanto a cada um dos aspectos solicitados. Observou-se que, mesmo tendo um parâmetro pré-delimitado, cada aluno colocou sua experiência individual e subtemas emergiram em cada tema solicitado. Cada ítem será apresentado seguido de recortes ilustrativos dos relatos dos próprios alunos quanto a sua percepção acerca da questão.

Na tabela abaixo encontra-se um resumo dos temas principais abordados pelos alunos e dos subtemas que emergiram dos relatos:

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIAS

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Quando levados a refletir sobre os aspectos da experiência que foram positivos e úteis para você como pessoa e para a formação acadêmico-profissional (Tema 1), a maioria identificou claramente a relevância desta experiência para sua vida pessoal (Subtema 1.1). Todos relataram o impacto da diferença sócio-cultural sobre suas vidas, relataram a diversidade de sentimentos vivenciados, mudança de percepção e de atitudes e o quanto esta experiência contribuiu para o crescimento enquanto ser humano parauma maior valorização do eu e do outro. Observe-se alguns relatos:

Ieda: "Número inesperado de aspectos positivos... foi surpreendente... o meu conhecimento sobre uma realidade pobre e marginalizada mudou radicalmente... aprendi a dar valor a vida que possuo... em relação a formação acadêmico-profissional permitiu conhecer melhor esta área de atuação e o que a ciência pode oferecer contribuindo para um melhor desenvolvimento psicosocial de crianças cujo caminho seria a marginalidade"

Ana Cristina: "Essa experiência foi muito positiva para mim... tive a chance de lidar com vários sentimentos meus, organizá-los e procurar agir da forma mais conveniente... (senti angústia por não estar conseguindo desenvolver a atividade direito... dá vontade de xingar as crianças que estão fazendo bagunça), tive que me controlar, pensar no que havia de errado comigo para que as crianças não se interessassem pelas brincadeiras, foi ótimo para mim como pessoa e futura profissional, pois olhar para os nossos defeitos e limitações é muito difícil de admitir, aceitar e fazer algo para mudar"

Heloísa: "essa experiência foi positiva para mim... pude entrar em contato com a ‘diferença’ e ver como esta provoca um choque na gente... mas que com o tempo de convívio vai desaparecendo. Eu me senti realizada e capaz de lidar com as crianças o que no futuro vai me favorecer pois desejo trabalhar com crianças"

Josy: "a experiência me trouxe contato com uma realidade que eu não conhecia... me dei conta de como não tenho problemas comparados com as dificuldades que aquelas crianças passam... as crianças não são aquilo que eu imaginava como agressivas, desobedientes e de mal com a vida... são carinhosas, amigas e felizes... eu aprendi mais com elas do que elas comigo... quanto a minha formação acredito que foi só o começo de um aprendizado... que com certeza nunca termina..."

Respostas mais vagas foram dadas a questão da utilidade futura desta experiência durante a própria Universidade e para a vida profissional (Subtema 1.2). Alguns identificaram aspectos gerais e outros souberam apenas dizer que a aprendizagem ocorrida será útil mas não souberam identificar para quê ou em quê. Identificaram o trabalho preventivo como uma opção de atuação profissional que eles conheceram de perto. Alguns relatos:

Kellen: "vários aspectos positivos: contato com crianças de nível social diferente, oportunidade de estar colaborando com o Projeto e de poder aplicar conceitos aprendidos... trabalho conjunto com os professores... obtenção de experiência dentro da Psicologia Infantil"

Ana Cláudia: "experiência muito válida.. pude ter contato com crianças de uma realidade totalmente diferente da nossa, mas seres humanos com pensamentos e emoções como eu... que querem carinho e atenção como todos nós... no futuro essa experiência poderá ser lembrada no estudo da vida de população com outras regras, costumes..."

André: "a participação veio me revelar parte da realidade em que vivem crianças pobres... refleti muito sobre como proceder para ganhar a confiança, ter interação e poder esclarecê-las... acredito que futuramente esta experiência vai contribuir muito para o entendimento de aspectos teóricos e para um aperfeiçoamento do lidar com crianças e adolescentes"

Flávia: "eu percebi a dificuldade real de aplicar a teoria à prática... quando as situações ocorrem você fica meio perdida... o projeto me deu a oportunidade de emitir diferentes respostas e observar as conseqüências sobre as crianças... e ir aprimorando minhas atitudes e quando um caso parecido acontecia novamente eu obtinha maior sucesso...daqui pra frente terei outra maturidade para estudar as teorias...além de ter aumentado meu interesse pela terapia infantil"

Humberto: "a experiência foi positiva pois aumenta meu repertório com crianças e mostra como não devo fazer e/ou deixar que façam... a experiência com educadores, professores, colegas e com uma realidade que difere da minha e tudo o mais que não posso ainda discriminar"

Quando solicitados a avaliar os aspectos positivos do próprio desempenho na realização das atividades com as crianças e os aspectos a serem aprimorados (Tema 2), a maioria citou como aspectos positivos (Subtema 2.1) a alta motivação para participar deste trabalho, a boa vontade, a disposição, a socialização, a vontade de fazer tudo certo e de ensinar e aprender. Cada um também apontou aspectos pessoais que, segundo sua avaliação, lhe facilitaram a inserção no projeto e o relacionamento com as crianças, como por exemplo:

Kellen: "já ter experiência com crianças menores... ter a paciência necessária... o fato de acreditar que eu poderia desenvolver um bom trabalho independente de minhas dificuldades ou limitações"

Josy: "me dei muito bem no relacionamento com as crianças... não tive problema para organizá-las e fazer com que realizassem as atividades... ao mesmo tempo que fiz amizade com elas consegui manter o respeito... procurei entrar dentro da realidade delas: usar suas gírias, tocá-las para me aproximar mais e dar carinho"

Danyella: "no início houve dificuldades... crianças ficavam impacientes... foi difícil mas conseguimos mantê-las em ordem...confesso que superei minhas expectativas... depois de passado o sufoco acredito que desenvolvi um relacionamento cordial... tornou nossa convivência mais fácil... fui gostando mais delas..."

Lilian: "estava sempre disposta a fazer o que tinha para ser feito... os aspectos positivos foram boa vontade, disposição, socialização, vontade de fazer tudo certo, de ensinar e aprender...

Patrícia: "na minha atividade eu me esforcei... não sou a pessoa mais criativa existente, nas férias procurei me atualizar nos brinquedos feitos com sucata e aprendi bastante... aprendi lidar com crianças imediatistas... me relacionar com uma criança deficiente mental... sendo que nem imaginava ter atitudes frente a situações que me pareceram difíceis...

Flávia: "... termos trabalhado em grupo fez com que novas idéias surgissem ou fossem aprimoradas... meu desembaraço para falar em público me ajudou a organizar melhor as atividades".

Tatiana: "desempenhei bem por já ter experiência razoável como professora... constatei que posso realizar um trabalho bom quando me proponho mesmo com minhas limitações e inseguranças... foi importante ter a responsabilidade em minhas mãos de conduzir as atividades...

Humberto: "acredito ter tido um bom desempenho frente as crianças e educadores tendo como base a aceitação e carinho que acredito serem advindos do meu esforço em entendê-las e aceitá-las como são, engolindo preconceitos e o medo de pegar piolhos, mantendo a boa vontade e a disposição em superar limites..."

Quanto aos aspectos a serem aprimorados (Subtema 2.2) as respostas foram mais concentradas em torno de uma temática comum: lidar consigo mesmo frente às peculiaridades das crianças e do contexto e lidar com estas últimas em si mesmas. Percebe-se nas respostas o medo de errar em alguma coisa, falta auto-confiança e auto-controle, lidar com imprevistos,lidar com sentimentos gerados pela situação e principalmente assumir o domínio da situação e colocar limites aos excessos das crianças. Alguns relato são bem claros:

Kellen: "questão de saber impor limites.. e falar a coisa certa na hora certa"

Ana Cristina: "em quase todos os aspectos, nos falta embasamento dentro do curso... mas o que eu mais preciso me aprimorar é o não envolvimento emocional tão intenso com as crianças... estou morrendo de saudades!!!"

Heloísa: "queria ter podido ser mais calma, menos agitada e afobada"

Ana Carolina: "Meu problema foi impôr limites... um controle melhor poderia ter sido estabelecido"

Lilian: "os aspectos negativos foram o receio e medo de errarem alguma coisa... faltou auto-confiança"

Patrícia: "ficar menos preocupada com perfeição (pois me frustro muito)... ter domínio da situação e menos medo de interferir..."

Taís: "Preciso aprender como agir com os comportamentos da criança... algumas vezes fiquei completamente atônita ao ver crianças brigando... eu estava tão preocupada em saber se a criança estava emitindo o comportamento para chamar a atenção ou por outro motivo para darlhe o ‘tratamento’ correto que eu não agia"

Flávia: "Preciso desenvolver mais minha calma e controlar mais minhas reações"

Priscila: "Tenho que me aprimorar é minha relação com as crianças, me envolvo de tal forma que meus sentimentos ou minhas opiniões prevalecem sobre certas técnicas ou teorias que deveriam ser aplicadas naquela circunstância... "

Quanto as principais dificuldades enfrentadas quanto a conduzir atividades, interagir com as crianças, lidar com imprevistos e problemas, orientar o desenvolvimento das atividades e o comportamento das crianças para o alcance dos objetivos propostos (Tema 3), novamente as respostas se concentraram em torno de uma temática comum: lidar consigo mesmo frente à situação (seus sentimentos e reações) e lidar com os déficits e excessos comportamentais das crianças (Subtema 3.1). A questão de lidar com imprevistos ficou evidente com a reclamação sobre a "chuva"que desmontou a programação ao ar livre e não se sabia como contornar este problema. Outra coisa que chamou a atenção foi a surpresa dos alunos frente a freqüência e intensidade com que apareceram questões relativas a comida, as crianças "estragaram" a dança da laranja comendo as laranjas e sempre que brincavam com massinha modelavam alimentos e fingiam comê-los. De modo geral são mais citadas as seguintes dificuldades: lidar por um lado com brigas, xingamentos, agitação, crianças difíceis de lidar que não obedeciam ordens e se dispersavam, e por outro lado com "carência afetiva" e timidez, como ‘pode ser observado nos relatos:

Ana Claúdia: "maior dificuldade foi buscar uma melhor organização nas atividades... crianças difíceis de lidar não obedecendo ordens e se dispersando"

Ana Cristina: "carência de afeto das crianças... todas queriam que você as preferisse, as tratasse de uma maneira mas especial do que o restante era tratâdo"

Heloísa: "quando os educadores não participavam.. davam bronca nas crianças, eu me sentia impotente para fazer algo. Quando as crianças ficavam agitadas... pediam materiais que não podiam ser dados... quando brigavam e se dispersavam me sentia em apuros, mas me virei como pude. Foi difícil conseguir dividir a atenção com todos"

Josy: "o início das atividades era um pouco difícil ... eles não gostavam de imediato, reclamavam... mas era explicar a importância da atividade que eles se animavam... daí o segundo problema... para acalmá-las, ficavam ansiosas, demoravam para se organizar em grupos. Outra dificuldade... as crianças se xingavam, tiravam sarro, humilhavam umas as outras... eu explicava que seria mais legal se todos se unissem para participar... era só dar uma brecha... começavam novamente..."

Danyella: "houve dificuldades em atingir um objetivo... havia dispersão... não ficavam quietas para que pudéssemos explicar... com criatividade e persistência conseguimos... a complicação maior foi quando choveu, tínhamos que mantê-las tranqüilas e serenas ...apesar dos pesares acabamos nos surpreendendo com o grande interesse..."

Ana Carolina: "quando choveu... e quando íamos brincar de dança da laranja e as crianças começaram a comer as laranjas e não tinha para todos então descascamos as laranjas com as unhas mesmo e começamos a dividir os gomos... os meninos tiveram dificuldade de começar a dançar porque era ‘coisa de menina’..."

Patrícia: "crianças foram um pouco impacientes, algumas não faziam muito esforço para conseguir fazer o que havia sido proposto. Fiquei assustada ao ver grande parte modelar a massinha em forma de comida... o único problema foi com um garoto que ficou nervoso e se descontrolou, eu fiquei assustada e fui tentar conversar, no final deu tudo certo..."

André: "dificuldades com a interação devido a falta de contato com crianças e até certo ponto preconceito condicionado pela sociedade... lidar com imprevistos, problemas e certos comportamentos devido a falta de experiência, tais como: crianças tirarem sarro entre si, educadores estimularem este comportamento, criança que não queria participar ou era agressiva, o que e como falar sobre drogas"

Priscila: "quanto a conduzir atividades não houve dificuldades, quanto a interagir com crianças eu dava atenção especial aquelas que havia pego uma maior afinidade e com crianças que havia criado um certo ‘bloqueio’ não deixei de dar atenção mas não o fazia com tanta ‘ternura’ como com as outras..."

Tatiana: "dificuldades relevantes são as de nível pessoal... as crianças se comportavam de formas que acabavam evocando em nós sentimentos variados e uma ligeira desestabilização... porém as orientações que tivemos nos deram subsídios para enfrentar tais situações"

Humberto: "senti em alguns grupos dificuldades de fazêlos prestar atenção... controlar brincadeiras paralelas e convencer os que não queriam brincar... lidando com o imprevisto tentei sempre manter a calma e fazer uma leve ‘vista grossa’ para pensar como agir e então agir... o que me deixava sem ação eram as crianças muito tímidas que tinham vergonha de brincar... não querendo expor ninguém ao constrangimento senti meus argumentos vagos e inócuos..."

Percebe-se pelas respostas quanto a relação teórico-prática proporcionada pela experiência dentro dos limites do conhecimento já adquirido em Análise do Comportamento (Tema 4), que a maioria identifica alguns conceitos principais que conseguiram visualizar e que tentaram implementar na prática (Subtema 4.1). Foram poucos os que se arriscaram a uma explicação puramente teórica da experiência, a maioria identificou com exemplos a sua compreensão teórica da prática realizada e outros poucos não conseguiram estabelecer uma relação mínima entre teoria e prática, dando respostas muito genéricas a questão, como se pode observar:

Kellen: "...experiência positiva ... em relação a aplicação de alguns conceitos teóricos... por exemplo: a questão do reforçamento dos comportamentos positivos e a necessidade de estarmos dando modelos às crianças ou até mesmo tentando extinguir os comportamentos inadequados... perceber também como o ambiente controla o aparecimento de determinados comportamentos"

Lilian: "servir de modelo, mudar as contingências, extinguir, apresentar estímulos positivos foram tópicos usados na prática... a teoria auxiliou muito e nos deu um ponto de partida... sem esses conceitos teóricos nós estaríamos perdidas... sem saber que tipo de comportamento seria adequado em determinado situação"

Ieda: "Esta experiência proporcionou a aplicação de alguns princípios básicos do comportamento como: reforçamento positivo, extinção, punição e a observação de comportamentos de esquiva... o reforçamento foi o mais aplicado proporcionando um rendimento maior e melhor...a aplicação de extinção e punição foi menor porém eficaz... a contribuição da Psicologia para essas crianças é imensa pois parece ser o único momento em que elas demonstram satisfação em poder estar tendo um comportamento adequado frente a algumas situações reais que são estimuladas dentro do Projeto melhorando seu desenvolvimento psicosocial"

Ana Cristina: "observamos a mudança do comportamento de não interagir com o grupo quando convidamos pegando pela mão e conversando... várias situações de reforço positivo quando elogiávamos as crianças, valorizávamos as atitudes positivas... a integração teoria e prática é perfeita para observar a contribuição da Psicologia no caso Comportamental para essas crianças. Nós aprendemos com elas e elas conosco... a ser pacientes, não tão imediatistas, expressarem melhor seus sentimentos, terem contato umas com as outras sem atritos"

Heloísa: "é difícil trabalhar com crianças que vivem em ambientes adversos... mas não é impossível. Começar tentando extinguir certos comportamentos inadequados... demonstrando as conseqüências que podem ter é um bom passo. Sempre reforçar comportamentos mais adequados e seus esforços em melhorar. É importante mostrar que são capazes e que podem enfrentar as situações adversas tomando atitudes pensadas e não agindo pelo impulso que muitas vezes é violento"

Josy: "eu entendi que a punição não é a melhor forma de mudar um comportamento indesejado... melhor perguntar à criança o porquê do seu comportamento e mostrar que há outras formas dela conseguir o que quer... Quando fazem algo bom... nós a elogiamos... estamos mostrando um comportamento alternativo que elas serão melhor reforçadas... nosso conhecimento da Análise do Comportamento facilitou a maneira de lidar com as crianças.."

Danyella: "ao mostrar para as crianças que construir brinquedos com sucatas ou plantar árvores... são coisas boas para colocar em prática ao invés de estarem nas ruas à toa... correndo riscos... procuramos introduzir novas práticas no repertório de vida...quando manifestamos carinho estamos dizendo que são iguais as outras crianças... tem o direito de buscar uma vida melhor... colocar esperança na luta por um futuro digno"

Patrícia: "a teoria te esclarece muitas coisas... mas a prática não é tão simples... você falar que em tal situação use a extinção é uma boa... porém na prática você tem que fingir que a criança não está emitindo aquele comportamento que você julga indesejável no momento... foi tudo ótimo...pude ver que essas crianças não são ‘bichos-de-sete-cabeças’ que imaginava, pelo contrário, vi que são carinhosas, que necessitam de atenção e dedicação de quem se empenha neste trabalho"

Flávia: "a questão dos reforços ficou bem clara para mim. Uma simples palavra de encorajamento ou um simples olhar já são reforçadores imensos para essas crianças... acredito que a noção de se ignorar apenas o comportamento e não a criança seja fundamental... a Análise do Comportamento pelo que pude sentir visa a obtenção de resultados rápidos... as teorias levam a uma transformação do ambiente que rapidamente surte efeito na alteração do comportamento das crianças"

Nesta parte da avaliação em que os alunos estavam livres para apresentar sugestões, críticas e idéias (Tema 5), eles apontaram basicamente três coisas:

a) a mudança proporcionada pela experiência em sua concepção de vida, sua percepção sobre crianças carentes e seu preconceito em relação a pobreza (Subtema 5.1). Alguns apresentaram sugestões que evidenciam interesse e envolvimento com a problemática das crianças. Afirmaram que além de ser uma boa experiência acadêmica foi também uma experiência de vida muito marcante:

Patrícia: "antes eu achava que era necessário ajudar crianças carentes dando comida, roupa... agora vejo o quanto elas são carentes de atenção, carinho, respeito... necessidades que não são preenchidas"

Kellen: "tinha uma concepção diferente... achei que ao chegar lá iria encontrar crianças muito difíceis e o que encontrei foi bem diferente do imaginado... crianças carinhosas e carentes de afeto e amizade... quero parabenizá-las pelo esforço e dedicação... continuem acreditando nessas crianças... colocome a disposição para retomar este trabalho..."

Ana Carolina: "... gostaria de agradecer vocês por terem me proporcionado esta

experiência que mudou vários conceitos que eu possuía sobre crianças carentes"

Ieda: "adorei participar deste SubProjeto foi uma experiência positiva para mim. Conhecer a realidade frente a frente fez doer, porém fez crescer muito mais"

b) o reconhecimento do trabalho realizado pelos professores, cujo empenho e dedicação parecem ter servido de modelo para o enfrentamento de desafios profissionais como este (Subtema 5.2):

Ieda: "O trabalho que vocês realizam é admirável pois é um grande esforço que vocês fazem para realizá-lo,tenho que parabenizá-las"

Flávia: "agradeço a oportunidade e quero elogiar o esforço de vocês em estimular o interesse dos alunos desde o primeiro ano. A maioria dos nossos professores não encarariam esse tipo de projeto devido ao esforço desprendido às ‘pequenas’ recompensas... obrigada pela chance"

c) a gratidão pela experiência proporcionada a alunos de primeiro ano de curso que normalmente tem quase nenhuma oportunidade de envolver-se em trabalhos práticos e a solicitação para a continuidade do SubProjeto nos mesmos moldes e principalmente envolvendo primeiranistas (Subtema 5.3):

Tatiana: "quero agradecer a oportunidade e a confiança que depositaram em nós acreditando que podíamos desenvolver um bom trabalho. Espero que este subprojeto aconteça novamente’

Lilian: "eu achei muito bom em vários aspectos, tivemos a oportunidade de ver o trabalho das psicólogas e também trabalhamos com as crianças... acho que o tempo de preparação junto às professoras foi muito pouco... gostaria de agradecer a oportunidade... espero que outras pessoas do primeiro ano também possam ter a oportunidade"

Patrícia: "acho que este SubProjeto de Férias deve continuar porque é um estímulo para nós estudantes do primeiro ano que não temos oportunidade de vermos a parte prática do que estudamos..."

Priscila: "gostaria de parabenizar vocês por este trabalho e agradecer pela oportunidade que me deram... sugiro que persistam neste trabalho e uma idéia é que pudéssemos voltar lá... eu me apaixonei pelas crianças e através deste projeto pude conhecer-me muito mais!"

Avaliação da experiência pelos supervisores

A avaliação realizada pelos supervisores foi mais informal. O grupo de supervisores trocou algumas impressões sobre a experiência que foram anotadas para comparação com os aspectos apontados pelos alunos. As anotações realizadas serão transcritas abaixo de forma comentada pois refletem os resultados da experiência segundo a ótica do grupo de supervisores.

1)A experiência proporcionou o desenvolvimento de autonomia por parte dos alunos: um resultado decorrente da forma como as atividades foram preparadas e realizadas foi o desenvolvimento de uma maior autonomia e por parte dos alunos, uma vez que dentro dos parâmetros do Projeto eles eram responsáveis pelo planejamento e execução das atividades e podiam decidir o que fazer e como fazer;

2) A experiência proporcionou maior flexibilidade de regras e planejamentos pré-estabelecidos: os alunos foram colocados num contexto onde a probabilidade de que imprevistos acontecessem era muito alta. Desta forma o planejamento e as regras de conduta deveriam ser flexibilizadas conforme a demanda para que as atividades fossem realizadas de forma adequada ao contexto;

3) O aprendizado do trabalho em equipe foi outro resultado importante: tendo que trabalhar em conjunto com outros colegas, com os educadores do Projeto e com os próprios professores, os alunos precisaram exercitar a cooperação e a colaboração, uma vez que a natureza do trabalho e do contexto exigia um esforço em equipe para ser efetivo;

4) A presença dos professores no local de realização do Projeto pareceu ter funcionado com um apoio aos alunos para que estes se arriscassem mais nas interações com as crianças: caso algo não funcionasse bem haveria alguém "capacitado" para "socorrê-los". Esta presença proporcionou a segurança necessária para que as interações fossem mais naturais

5) O feedback dos professores durante a semana pareceu ser importante para assegurar que o estava sendo feito realmente era adequado: o profissional deveria legitimar as práticas dos iniciantes para dar mais confiança e segurança de que se estava indo pelo rumo certo.

DISCUSSÃO, CONCLUSÃO E PROPOSTAS DE CONTINUIDADE

A partir da avaliação realizada pode-se levantar vários pontos importantes para a análise dessa experiência em relação ao alcance dos objetivos propostos. Pode-se considerar que a análise e avaliação do impacto dessa experiência sobre os alunos começa antes mesmo do Projeto se iniciar. O grande número de alunos que se inscreveram para participação no Projeto evidencia a necessidade de um espaço prático onde situações reais de aprendizagem possam ser vivenciadas. Infelizmente algumas barreiras institucionais nos impediram de acolher a todos e nos forçaram o uso de estratégias de seleção consideradas "justas" no contexto acadêmico por serem convencionalmente utilizadas mas muitas vezes injustas por não atender a todos e assim contribuir para uma formação profissional.

Parece evidente que o Projeto, tal como foi desenvolvido, teve efeitos positivos para a formação dos alunos em vários aspectos. Dado que a formação profissional do psicólogo não é algo diferente da sua formação pessoal (Guilhardi, 1987), e que ambos os repertórios (pessoal e profissional) estão em estreita relação, o impacto dessa experiência sobre a visão de homem e de mundo dos alunos e as mudanças de postura e atitudes daí decorrentes pareceram ser importantes para a formação profissional.

Integrando as avaliações realizadas pelos alunos e pelos supervisores, pode-se perceber que os seguintes aspectos ficaram evidenciados:

1) Este tipo de espaço de atividade prática pareceu corresponder a uma necessidade urgente dos alunos iniciantes. Isto fica evidente no grande número de alunos que procuraram o Projeto e no empenho e dedicação com que os que participaram realizaram suas atividades e envolveram-se com as crianças e com as questões da comunidade atendida;

2) O impacto maior desta experiência pareceu ser sobre a formação pessoal mais do que sobre a profissional. Talvez porque o aspecto profissional esteja sendo visto como muito distante, dado que tais alunos acabaram de ingressar na Universidade, enquanto o aspecto pessoal é algo mais presente. E também porque com uma bagagem teórico-conceitual ainda tão pequena o único repertório realmente disponível era o pessoal. Assim parece óbvio que esta experiência tenha trazido mais mudanças na visão de vida do que da profissão;

3) A experiência parece ter trazido aos alunos uma clareza de que o psicólogo precisa lidar com suas próprias características e limitações pessoas (sentimentos, reações, preconceitos, valores) para poder ir ao encontro do outro e fornecer auxílio útil às necessidades deste, podendo atingir os níveis de ajuda que realmente trazem mudança psicológica e social;

4) Outro aspecto que parece ter ficado evidente para os alunos foi a necessidade de aquisição de conhecimentos teóricos que subsidie uma prática comprometida com a comunidade. Os alunos sentiram a necessidade de se aprimorarem não apenas no auto-conhecimento e consequente auto-controle, mas também no conhecimento produzido cientificamente no qual eles possam apoiar suas intervenções com mais segurança;

5) Os supervisores por outro lado, pude-ram comprovar que, ao contrário do que geralmente se pensa, alunos de graduação não entram com "repertório zero" de habilidades clínicas importantes para a formação profissional. O fornecimento de um espaço no qual eles possam desenvolver seu potencial responsabilizando-se por tarefas a altura de sua condição de iniciantes pode contribuir muito para o aprimoramento da formação que eles vieram buscar dentro do curso.

Estas constatações nos fazem perceber que o ensino de habilidades clínicas relevantes não pode ser deixado apenas para a parte final da formação situada no estágio supervisionado que os alunos devem cumprir ao final do curso. O desenvolvimento de tais habilidades deve ser visto como um processo que deve ser iniciado logo no início da formação, pois o aluno traz habilidade sem seu repertório pessoal que precisam ser aprimoradas juntamente com a aquisição de conhecimentos teóricos.

A presente análise nos mostra que muitas das habilidades citadas por Rangé, Guilhardi, Kerbauy, Falcone e Ingberman (1995) puderam ser trabalhadas através desta experiência, tais como a empatia, aceitação, interesse genuíno, calor humano e compreensão, (uma vez que os alunos precisariam interagir com crianças de nível social muito diferente); a diretividade e controle, (precisaram estruturar as atividades e comandá-las); o manejo de problemas especiais, (precisaram lidar com muitas situações novas e inusitadas);a capacidade de tolerância à frustração, de persistência, paciência, (visto que muitos imprevistos ocorreram e precisaram ser contornados, e os resultados do trabalho não eram imediatos).

Também as habilidades do trabalho com crianças, citadas por Conte (1993), puderam ser exploradas, como gostar de brincar e saber brincar com a criança, ter habilidade para fazer coisas que elas gostam; transpor o brincar para o desenvolvimento dos objetivos terapêuticos; não ser metódico e não permanecer excessivamente preso ao programado; ter flexibilidade e criatividade no manejo das estratégias; não ter ansiedade em mostrar serviço e saber esperar pelos resultados.

A partir desta avaliação, surgiram algumas propostas para a continuidade deste Projeto, uma vez que se pretende realizá-lo periodicamente durante as férias escolares. Alguns pontos parecem claramente necessários se rem modificados enquanto outros necessitam se implementados numa nova etapa desta experiência:

1) Está claro que este tipo de experiência deve continuar envolvendo alunos de primeiro ano, que são os que menos tem oportunidades desta natureza. O tipo de atividade proposta pareceu se adequar bem ao que eles poderiam desenvolver neste momento e portanto parece ser um ponto a ser mantido, uma vez que também favoreceu o alcance dos objetivos propostos quanto a formação dos mesmos.

2) Podería-se envolver alguns alunos que já participaram desta experiência como monitores dos recentes. Assim, alguns dos problemas enfrentados com relação a não saber como agir frente ao desconhecido, poderiam ser minimizados com a presença de alguns alunos que possuem experiência anterior com o Projeto e a população.

3) Os dias de planejamento que antecedem a semana de atividades deve incluir um aumento no tempo de interação entre educadores e alunos para maior conhecimento mútuo e entrosamento durante as atividades. Foi realizada apenas uma reunião para apresentação dos alunos e do Projeto que pareceu não ser suficiente para a integração dos alunos aos educadores e ao contexto de funcionamento do Projeto Piá, onde o trabalho se inseriu.

4) Devería-se realizar, durante a semana, momentos mais sistemáticos de supervisão da atuação dos alunos e não deixar esta avaliação apenas para o final. Assim, esses momentos deixariam de ser encontros esporádicos, para constituirem-se em momentos de aprendizagem, troca de experiência e aprimoramento do próprio desempenho.

A preocupação de avaliar criticamente o desenvolvimento de qualquer atividade profissional é muito importante para o aprimoramento prático e principalmente para a compreensão teórica do que é desenvolvido. Muitos profissionais que tem uma boa atuação não sabem o que fazem e nem porque o fazem. Avaliar o próprio trabalho, refletir sobre ele a luz de outras experiências, crescer com o aprimoramento e com a correção dos próprios erros também faz parte das habilidades requeridas de um bom profissional da Psicologia, e também deve ser ensinado aos iniciantes como parte essencial do repertório profissional.

  • CONTE, F.C.S. (1993). A Terapia Infantil na Clínica Comportamental Palestra proferida no Encontro de Terapeutas Comportamentais realizado na Universidadede São Paulo.
  • GUILHARDI, H. J. A formação do terapeuta comportamental. Que formação? In: Lettner, H.W. & Rangé, B.P. Manual de Psicoterapia Comportamental. (pp.313-320). São Paulo: Manole.
  • MORATO, H. T. P. (1996). Supervisão na Formação de Psicólogos: um recorte para a problematização das relações entre teoria e prática em Psicologia Clínica. Boletim de Psicologia. 46, (105)
  • POLLACK, H.B. & Slan,J. B. (1995). Reflections and Suggestions on Leadership of Psychotherapy Groups. lnternational Journal of Group Psychotherapy 45,.(4),
  • SILVARES, E. F. M. (1997). Dificuldades, na graduação e pós-graduação, com a prática clínica comportamental. In: Banaco, R.A. (Org.) Sobre Comportamento e Cognição. (pp. 503-509). São Paulo: ARBytes.
  • SHOOK, G. L, Clair, A., Harstsfield, F.& Hemingway, M. Conteúdo Essencial no Treinamento de Analistas do Comportamento. The Behavior Analyst 18 (1), 83-91.
  • RANGÉ, B., Guilhardi, H. J., Kerbauy, R. R., Falcone, E. M. O. & Ingberman, Y. K. (1995). Ensino, treinamento e formação em psicoterapia comportamental e cognitiva. In: Rangé, B. (Org. ) Psicoterapia Comportamental e Cognitiva: Pesquisa, Prática, Aplicações e Problemas (pp.331-351). Campinas: Editorial Psy.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jun 2015
  • Data do Fascículo
    Abr 1999
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