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Condutas desviantes e traços de personalidade: testagem de um modelo causal

Deviant behavior and personality traits: testing of a causal model

Resumos

A meta principal deste estudo foi comprovar a adequação de um modelo causal à explicação de comportamentos socialmente desviantes (condutas anti-sociais e delitivas), considerando a contribuição dos traços de personalidade (neuroticismo, extroversão e busca de sensações). Para tanto, participaram 755 estudantes do Ensino Médio e Superior, sendo a maioria do sexo feminino (50,3%), de escolas privadas (53,0%) e com idades variando de 16 a 26 anos (média=20,1; desvio-padrão=3,12). Estes responderam ao Inventário dos Cinco Grandes Fatores de Personalidade, à Escala de Busca de Sensações e ao Questionário de Condutas Anti-Sociais e Delitivas. Os principais resultados indicaram que os traços neuroticismo e busca de sensações explicam satisfatoriamente as condutas anti-sociais, e estas predizem diretamente as condutas delitivas. Neste aspecto, conseguiu-se constatar que os traços de personalidade são úteis ao entendimento das condutas socialmente desviantes, com especial destaque para o traço busca de sensações. Destaca-se, no entanto, a necessidade de estudos posteriores considerando outras variáveis e contextos.

Busca de sensação; Extroversão; Transtorno da personalidade anti-social


The main purpose of this study was to test the adequacy of a causal model to explain socially deviant behavior (i.e. antisocial and criminal behavior), taking into account the contribution of personality traits (neuroticism, extraversion, and sensation seeking). To this end, 755 high school and undergraduate students participated, most of them female (50.3%) and from private schools/universities (53%), with ages ranging from 16 to 26 (average=20.1; standard deviation=3.12). They answered a questionnaire in which three different measures were incorporated: Big Five Inventory, Sensation Seeking Scale, and Antisocial and Criminal Behavior Questionnaire. The main results demonstrated that the traits of neuroticism and sensation-seeking satisfactorily explained the antisocial behavior, and these directly predicated criminal behavior. It was confirmed that the personality traits, especially sensation seeking, are helpful in the understanding of socially deviant behavior. However, the need for further studies incorporating other variables and contexts should be emphasized.

Sensation seeking; Extraversion; Antisocial personality disorder


ARTIGOS

Condutas desviantes e traços de personalidade: testagem de um modelo causal1 1 Artigo elaborado a partir da dissertação de T. C. VASCONCELOS, intitulada "Personalidade, valores e condutas anti-sociais de jovens". Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2004.

Deviant behavior and personality traits: testing of a causal model

Tatiana Cristina VasconcelosI; Valdiney Veloso GouveiaII; Carlos Eduardo PimentelII; Viviany Silva PessoaII

IFaculdade Santa Maria. Cajazeiras, PB, Brasil

IIUniversidade Federal da Paraíba, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Departamento de Psicologia. Campus I, Cidade Universitária, s/n., 58051-900, João Pessoa, PB, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: V.V. GOUVEIA. E-mail: <vvgouveia@gmail.com>

RESUMO

A meta principal deste estudo foi comprovar a adequação de um modelo causal à explicação de comportamentos socialmente desviantes (condutas anti-sociais e delitivas), considerando a contribuição dos traços de personalidade (neuroticismo, extroversão e busca de sensações). Para tanto, participaram 755 estudantes do Ensino Médio e Superior, sendo a maioria do sexo feminino (50,3%), de escolas privadas (53,0%) e com idades variando de 16 a 26 anos (média=20,1; desvio-padrão=3,12). Estes responderam ao Inventário dos Cinco Grandes Fatores de Personalidade, à Escala de Busca de Sensações e ao Questionário de Condutas Anti-Sociais e Delitivas. Os principais resultados indicaram que os traços neuroticismo e busca de sensações explicam satisfatoriamente as condutas anti-sociais, e estas predizem diretamente as condutas delitivas. Neste aspecto, conseguiu-se constatar que os traços de personalidade são úteis ao entendimento das condutas socialmente desviantes, com especial destaque para o traço busca de sensações. Destaca-se, no entanto, a necessidade de estudos posteriores considerando outras variáveis e contextos.

Unitermos: Busca de sensação. Extroversão. Transtorno da personalidade anti-social.

ABSTRACT

The main purpose of this study was to test the adequacy of a causal model to explain socially deviant behavior (i.e. antisocial and criminal behavior), taking into account the contribution of personality traits (neuroticism, extraversion, and sensation seeking). To this end, 755 high school and undergraduate students participated, most of them female (50.3%) and from private schools/universities (53%), with ages ranging from 16 to 26 (average=20.1; standard deviation=3.12). They answered a questionnaire in which three different measures were incorporated: Big Five Inventory, Sensation Seeking Scale, and Antisocial and Criminal Behavior Questionnaire. The main results demonstrated that the traits of neuroticism and sensation-seeking satisfactorily explained the antisocial behavior, and these directly predicated criminal behavior. It was confirmed that the personality traits, especially sensation seeking, are helpful in the understanding of socially deviant behavior. However, the need for further studies incorporating other variables and contexts should be emphasized.

Uniterms: Sensation seeking. Extraversion. Antisocial personality disorder.

A sociedade atualmente vive um contexto em que adolescentes e jovens apresentam comportamentos anti-sociais e violentos, cada dia mais freqüentes. Tal aumento é confirmado por diversos estudos (Adalbjarnardottir & Rafnsson, 2002; Ding, Nelsen & Lassonde, 2002; Engels & Bogt, 2001; Hawkins, Catalano & Miller, 1992; Herrenkohl et al., 2000; Patterson, DeBaryshe & Ramsey, 1989; Saner & Ellickson, 1996), caracterizando-se como um fenômeno social e de saúde pública. Diante deste fato, surgem questões do tipo: quais os motivos que levam alguns jovens a se envolverem em situações que rompem as normas sociais, bem como em situações violentas? E, ainda, porque alguns jovens se envolvem em tais situações, enquanto outros não o fazem? Constata-se que estas, assim como outras questões, não são fáceis de serem respondidas, pois a complexidade e multideterminação do comportamento humano exigem uma análise cautelosa na sua explicação.

Pode-se dizer que os jovens e adolescentes parecem ser naturalmente mais suscetíveis a transgredir normas e regras sociais (Coelho Júnior, 2001). Pesquisas estadunidenses apontam que as pessoas nesta fase de desenvolvimento são mais prováveis causadoras ou vítimas de violência interpessoal, em comparação a indivíduos adultos (Herrenkohl et al., 2000). No caso do Brasil, Waiselfisz (2002) menciona que, no conjunto da população, 12,2% do total de mortes são atribuíveis a causas exógenas (homicídios, acidentes de automóveis). Entre os jovens, as mesmas são responsáveis por mais de 70,0% dos óbitos.

Na população brasileira, 4,7% das mortes são devidos a homicídios e, quando considerados especificamente entre os jovens, esses são responsáveis por 39,2% das mortes. Segundo Waiselfisz (2002), é na faixa dos 15 aos 24 anos que os homicídios atingem sua maior incidência, e o momento crítico, com maior risco de ser vítima de homicídio, é na idade de 20 anos. Nos últimos dez anos, percebe-se que houve um aumento de 77,0% no número de vítimas jovens, sendo o Nordeste a região que apresentou o maior crescimento no índice (60,7%), seguido pelo Sudeste (55,8%) e Centro-Oeste (55,9%).

Parece plausível falar em um aumento epidêmico dos fenômenos violentos e delinqüentes na sociedade, e isso tem sido enfocado constantemente pela mídia. Diferentes jornais e noticiários televisivos apresentam, quase diariamente, variadas formas de expressão das condutas violentas e anti-sociais (Formiga, 2002; Gouveia, Coelho Júnior, Gontiès, Andrade & Andrade, 2003). Estudar seus antecedentes deveria ser prioritário, pois permitiria, por exemplo, desenvolver políticas e delinear programas de prevenção e controle de alguns problemas sérios que lhe são correlatos durante a adolescência, a exemplo do uso/envolvimento com drogas (Coelho Júnior, 2001; Romero, Luengo & Sobral, 2001).

A partir desta problemática, a presente pesquisa buscou comprovar, pela adequação de um modelo causal, a influência dos traços de personalidade na explicação das condutas anti-sociais e delitivas, com destaque para o modelo dos Big Five (Cinco Grandes Fatores de Personalidade) e do traço busca de sensações. No decorrer deste texto, são apresentadas considerações mais detalhadas sobre tais construtos.

Condutas desviantes: anti-sociais e delitivas

As condutas dos adolescentes e jovens, por possuírem aspectos peculiares, são fontes de muitas pesquisas, especialmente das que consideram aspectos anti-sociais. Ainda mais porque, nos dias atuais, vê-se que os episódios de adolescentes e jovens envolvidos com drogas, roubos e até homicídios têm sido amplamente salientados.

Hawkins et al. (1992) apresentam uma gama de estudos que abordam a violência juvenil, a delinqüência, as condutas anti-sociais, bem como os sinônimos e as facetas deste problema social. Cabe, então, especificar que o termo condutas anti-sociais faz referência a todas as condutas consideradas socialmente indesejáveis, que podem afetar o bem-estar social, enquanto as condutas delitivas representam uma violação à lei (Formiga, 2002; Pimentel, 2004; Scaramella, Conger, Spoth & Simons, 2002), tendo como precedentes as condutas anti-sociais.

A respeito da relação entre condutas anti-sociais e delitivas, cabe esclarecer que toda conduta delitiva é anti-social, contudo, nem sempre o contrário é verdadeiro. O que as condutas anti-sociais e delitivas têm em comum é que ambas interferem nos direitos e deveres das pessoas, ameaçando o seu bem-estar (Formiga, 2002). Como faz parte do repertório do jovem o desafio aos padrões tradicionais da sociedade, é possível afirmar que a maioria destes pratica ou já praticou algum tipo de conduta anti-social, no sentido amplo (Coelho Júnior, 2001). No presente artigo, condutas desviantes, portanto, faz referência aos dois tipos de condutas antes discutidas.

Segundo Pfromm Neto (1979), os adolescentes que apresentam condutas delinqüentes (ou desviantes) compreendem um foco de grande preocupação na sociedade, por se tornarem indesejáveis. Tais jovens, violadores de normas e leis, caracterizam-se por apresentar uma personalidade que prioriza valores que vão de encontro às normas sociais e à orientação cultural (Formiga, 2002).

É importante expor, ainda, que a análise de tais condutas, ditas socialmente indesejáveis, está vinculada a três elementos indissociáveis, quais sejam: o comportamento em si, o indivíduo que o adota e o ambiente sócio-cultural. Em outras palavras, expõe-se aqui a idéia de que nem tudo que é anti-social em uma sociedade e contexto histórico será em outros.

As condutas, apesar de serem vistas como dinâmicas, funcionais, podendo ser compreendidas em função do contexto em que ocorrem, geralmente são consideradas como expressões da personalidade dos indivíduos, e podem ser explicadas em termos de traços de personalidade (Paunonen & Ashton, 2001). Não obstante, essa é uma hipótese que precisa ser comprovada. Cabe, neste instante, conhecer mais acerca da personalidade tal como foi tratada neste estudo.

Personalidade

A análise sistemática da personalidade é historicamente um tópico de grande relevância no âmbito da psicologia, tendo, nos últimos anos, recebido especial destaque a discussão acerca das suas dimensões principais (Benet-Martínez & John, 1998). No entanto, a literatura brasileira acerca desta temática ainda é escassa, especificamente no que diz respeito à sua análise empírica (Hutz et al. 1998; Jesus, 2001; Queiroga, 2002). Ademais, dentre os estudos empíricos que vêm sendo realizados, poucos são os que a consideram em relação a outros construtos, como as condutas anti-sociais e pró-sociais.

Diferentes abordagens dedicaram-se ao estudo da personalidade (Allport, 1973; Hall, Lindzey & Campbell, 2000; Pervin, 1978). Dentre as significativas contribuições, encontram-se os escritos de Allport (1973), que advogou que o nível mais proveitoso de estudo para a personalidade era o traço, dando origem a uma nova maneira de refletir acerca deste construto. Allport considerava traço de personalidade como sendo predisposições a responder igualmente ou de um modo semelhante a tipos diferentes de estímulos, ou seja, formas constantes e duradouras de reagir ao ambiente. Suas características seriam de individualidade, natureza real, determinação do comportamento, ser passível de demonstração empírica e possuir variações situacionais e interrelacionais (Schultz & Schultz, 2002). Neste sentido, o traço pode ser empregado para resumir como as pessoas são ou se comportam no seu dia-a-dia.

Baseados nesta visão, outros teóricos levaram a cabo estudos sobre a personalidade, focalizando, todavia, aspectos diferentes, como é o caso das teorias fatoriais. Cattell foi um dos precursores no uso da análise fatorial para o estudo de variáveis múltiplas, propondo o seu modelo dos 16-PF (Dezesseis Fatores de Personalidade), com a finalidade de obter um conjunto consistente de itens capaz de medir objetivamente a personalidade (Cattell & Cattell, 1995; Jesus, 2001; Queiroga, 2002).

Todavia, na época em que Cattell realizou a análise fatorial para elaborar o seu modelo, esta técnica ainda era bastante limitada e o modelo, bastante complexo, o que propiciou várias críticas, como observam Hutz et al. (1998), abrindo caminho para muitos modelos inovadores acerca das dimensões da personalidade, enfatizando diferentes quantidades de fatores.

Dos modelos que vêm sendo propostos, o OCEAN (abertura, consciencioso, extroversão, sociabilidade e neuroticismo), elaborado por Costa e McCrae (1992), propõe cinco dimensões da personalidade, baseando-se na análise fatorial de uma série de questionários. O Big Five, modelo em que se baseou este trabalho, tem bastante em comum com o PEN (psicoticismo, extroversão, neuroticismo), criado por Eysenck (1990, 1991), e inclusive compartilham os fatores de extroversão e neuroticismo.

O Big Five vem ganhando destaque na literatura sobre a estrutura da personalidade. Ele tem se mostrado adequado, apresentando um poder de síntese satisfatório e contando com alguns estudos a respeito no Brasil (Hutz et al. 1998; Jesus, 2001; Queiroga, 2002), evidenciando a idéia de que existem dimensões básicas da personalidade. Por esta razão, foi adotado o modelo do Big Five na análise deste estudo. Justifica-se, então, que este seja também resumido mais detidamente a seguir.

O modelo dos cinco grandes fatores

No trabalho intitulado Las Cinco Grandes Dimensiones de la Personalidad, de 1996, Jan ter Laak faz um apanhado histórico do surgimento do Modelo dos Cinco Grandes Fatores (MCGF) da personalidade, e comenta que as análises de correlação de diversos instrumentos que medem os traços ou disposições geralmente indicam duas dimensões, interpretadas como extroversão e neuroticismo.

As pesquisas correlacionais com enfoque psicoléxico, ou seja, aquelas que utilizam adjetivos de personalidade, levaram a agregar outras três dimensões, a saber: agradabilidade (sociabilidade), escrupulosidade (conscienciosidade) e abertura à mudança (Laak, 1996). Este novo conjunto de dimensões passou a ser conhecido como os Cinco Grandes Fatores de Personalidade (Cattell, 1996; Goldberg, 1981).

Desde a publicação dos primeiros estudos a respeito dos cinco fatores, diversos autores têm se empenhado em abordar esta questão cientificamente, propondo inclusive novos instrumentos para medi-los (Benet-Martínez & John, 1998; Hofstee, Raad & Goldberg, 1992).

Falar em um modelo composto por cinco fatores de personalidade significa prover uma linguagem comum para psicólogos de diferentes tradições, um fenômeno básico para os teóricos da personalidade explicarem uma estrutura natural para organizar a pesquisa, e um guia para a avaliação compreensiva dos indivíduos, podendo ser de valor para psicólogos educacionais, industriais/organizacionais e clínicos (Queiroga, 2002). Todavia, mesmo seus mais ardentes defensores não proclamam que o modelo dos cinco fatores é a última palavra na descrição da personalidade, existindo disputas entre os five-fatoristas sobre a melhor interpretação dos fatores (McCrae & John, 1992).

Costa e McCrae (1992) e Goldberg (1981) são, provavelmente, os maiores proponentes do MCGF, tendo como embasamento teórico para seus estudos a díade genética/ambiente, e a hipótese léxica. Esta última é defendida como a melhor estratégia para entender as características da personalidade, uma vez que as pessoas tendem a ressaltar na linguagem suas diferenças mais significativas (Goldberg, 1981). Para Goldberg, se uma característica de personalidade for saliente, ou seja, capaz de gerar diferenças individuais socialmente relevantes, as pessoas vão notar esta característica e, por ser importante, vão querer falar sobre ela. Como conseqüência, uma palavra ou expressão possivelmente será criada para descrever essa característica ou traço.

Embora haja diferenciação em relação ao suporte teórico dos itens utilizados por alguns dos autores, observa-se certa convergência acerca das etiquetas para os fatores, podendo os mesmos ser apresentados da seguinte forma: agradabilidade, fator empregado para expressar a tendência de o indivíduo ser socialmente agradável, amigável, caloroso, dócil, ou não, e em que nível isto ocorre (Goldberg, 1981); conscienciosidade, fator também conhecido por escrupulosidade ou vontade de realização (will to achive) (Hutz et al. 1998; Queiroga, 2002), que é, no geral, um fator que agrupa traços ou características de personalidade que apresentam responsabilidade e honestidade, em um extremo, e negligência e irresponsabilidade, no outro; e abertura à mudança, fator também denominado de abertura a experiências e intelecto, que agrupa características como flexibilidade de pensamento, fantasia e imaginação, abertura a experiências novas, principalmente aquelas com um foco cultural (Five Factor Model, 2001; Goldberg, 1981; Hutz et al. 1998).

Os dois últimos dos cinco fatores fazem parte da maioria dos instrumentos de avaliação da personalidade (ver também comentários de Hutz et al. 1998), e são eles: extroversão, fator que sintetiza traços relacionados à atividade e energia, dominância, sociabilidade, expressividade e emoções positivas, ou, ainda, que procura saber se a pessoa é ativa e dominante, ou passiva e submissa (Benet-Martínez & John, 1998; Goldberg, 1981); e neuroticismo, fator que contrasta emoções estáveis com afetos negativos, incluindo ansiedade, tristeza, irritabilidade e tensão nervosa (Benet-Martínez & John, 1998) e, resumidamente, caracteriza a estabilidade emocional do sujeito, reunindo características ou traços de personalidade que procuram saber se a pessoa é desequilibrada, imprevisível, ou "equilibrada", estável (Goldberg, 1981).

Ainda que se comente ser improvável que estes sejam os únicos fatores da personalidade, parece relevante considerar a organização da personalidade em termos de cinco dimensões básicas, sendo estas úteis tanto para a avaliação individual, quanto para auxiliar os psicólogos estudiosos da personalidade a compreender outros fenômenos psíquicos (McCrae & John, 1992).

Segundo Perugini, Gallucii e Livi (2000), o Big Five pode, atualmente, ser considerado como o melhor candidato para representar o sistema coordenado da estrutura da personalidade. A este respeito, observa-se que um número considerável de pesquisas tem se dedicado a estudar diversos construtos a partir do MCGF. Nestas pesquisas são abordadas, por exemplo, as relações dos diferentes construtos com aspectos culturais, buscando saber acerca das características de personalidade que são universais ou específicas, dos traços em distintas culturas ocidentais e orientais (Digman, 1990; Gouveia, Meira, Santos, Jeans & Formiga, 2001; Katgbak, Church, Cuazon-Lapefia, Carlota, Del Pilar, 2002), e dos traços em relação às diferenças de gênero e/ou idade (Feingold, 1994; Queiroga, 2001).

Busca de sensações

Outro traço de personalidade que tem sido estudado é a busca de sensações. Marvin Zuckerman, desde a segunda metade dos anos 1960 até a atualidade, busca analisar e aprimorar a teoria deste traço (Zuckerman, 1994). Este autor verificou que ele se apresenta em todos os indivíduos, variando apenas na intensidade, sendo observadas na faixa-etária que varia entre 16 e 20 anos (ver também Kopeikin, 1997) as suas manifestações mais intensas.

A busca de sensações é definida por Zuckerman (1994, p. 1) como "Um traço que descreve a tendência para procurar sensações e experiências novas variadas, complexas e intensas, e a disposição para correr riscos com a finalidade de satisfazer tais experiências". Esta é apontada como uma característica peculiar ao adolescente, estando, na maioria das vezes, relacionada com comportamentos de risco, como, por exemplo, uso de drogas, atividades de mergulho e de pára-quedismo, além de dirigir embriagado (Lin & Tsai, 2002). Neste sentido, parece clara a necessidade de considerar tal construto neste estudo.

Dentre algumas características comuns aos chamados altos buscadores de sensações estão as atitudes positivas em relação à emoção ou alegria, e expressões mais desinibidas. Assim, espera-se que a busca de sensações prediga uma abertura à mudança, uma atitude receptiva em relação às novas experiências, e a habilidade para tolerar sensações e idéias que são comumente estranhas para a maioria das pessoas. Os altos buscadores de sensações são também considerados como mais sociáveis, impetuosos, assertivos, atrevidos e demonstram menos medo (Aluja, 1989, 1990; Zuckerman, 1983, 1994; Zuckerman, Eysenck & Eysenck, 1978).

Para mensurar a busca de sensações, a Escala de Busca de Sensação (EBS), proposta por Marvin Zuckerman, é a mais utilizada. A primeira versão surgiu em 1964, a qual continha um só fator geral, derivado racionalmente, ou seja, tomando como referência a concepção de um construto que deveria expressar. Em função das pesquisas realizadas, tiveram lugar outras versões, compostas por quatro sub-escalas, derivadas de análise fatorial: 1) Busca de Aventuras e Emoção (BEM); 2) Busca de Experiências (BEX); 3) Desinibição (DES); e 4) Suscetibilidade ao Aborrecimento (SAB). Em estudos com ingleses e holandeses, corroborou-se a presença destes quatro fatores (BEM, BEX, DES, SAB), resultando na versão V da escala, composta por 10 itens em cada fator.

Greene, Kcrmar, Walters, Rubin e Hale. (2000) observaram que os quatro fatores de busca de sensação estão diretamente correlacionados com um conjunto de comportamentos anti-sociais, a exemplo de fumar (r=0,22, p<0,001), prática sexual arriscada (r=0,15, p<0,001), uso de drogas (r=0,37, p<0,001), delinqüência (r=0,38, p<0,001), usar bebidas alcoólicas (r=0,43, p<0,001) e dirigir embriagado (r=0,30, p<0,001). Resultados muito similares foram observados por Donohew et al. (1999), no que se refere ao uso de maconha e álcool. Estes mesmos autores reafirmam os achados de Zuckerman (1994), ressaltando que os quatro fatores apresentados podem ser reduzidos a uma só dimensão. Assim, diante do exposto, considera-se que a busca de sensações pode contribuir para entender as condutas anti-sociais e delitivas dos adolescentes e jovens, como também pode ser melhor estudada em relação aos traços de personalidade.

Condutas desviantes, Big Five e busca de sensações

Em vários estudos, tentou-se estabelecer a relação entre traços de personalidade e condutas desviantes. Usando o modelo de Hans Eysenck, por exemplo, Romero et al. (2001), em amostras de estudantes espanhóis, encontraram que os fatores neuroticismo e psicoticismo se correlacionaram com condutas anti-sociais (rmédio=0,14 e 0,32, respectivamente; p<0,01 para ambos). Heaven (1994), com estudantes de Ensino Médio da Austrália, observou que o psicoticismo se correlacionou com medidas de vandalismo (rmédio=0,35, p<0,001) e violência (rmédio=0,37, p<0,001).

No caso do Big Five, Gullone e Moore (2000) afirmam que o padrão de correlação dos traços de personalidade com as condutas anti-sociais depende dos fatores de risco que são considerados. Para eles, os traços de personalidade foram mais eficazes para predizer os comportamentos de rebeldia, e menos os de busca de emoção. No caso das condutas anti-sociais, o fator neuroticismo foi o único dos Cinco Grandes a explicá-las satisfatoriamente (b=-0,15, p<0,01); o fator de extroversão logrou explicar a busca de emoção (b=0,23, p<0,001). Os resultados a respeito do fator abertura à mudança, presente entre os Big Five, não aparecem como relevantes nos estudos prévios que o consideraram. Não obstante, Gullone e Moore (2000) observaram algumas correlações com comportamentos socialmente desviantes, como rebeldia (r=-0,11, p<0,05) e imprudência (r=-0,15, p<0,05). Porém, embora positiva, sua correlação foi fraca com a medida empregada de conduta anti-social (r=0,05, p>0,05).

Percebe-se, pois, a relevância dos traços de personalidade delineados no modelo dos Big-Five e o papel do traço busca de sensações como construto que pode contribuir para a compreensão das interações sociais, descrição e explicação dos comportamentos individuais (Heaven, 1996; Heaven, Caputi, Trivellion-Scott & Swinton, 2000). Deste modo, verificou-se a influência de tais construtos na explicação das condutas desviantes. Para tanto, foi considerado o modelo dos Cinco Grandes Fatores enfocando, especificamente, os traços neuroticismo e extroversão, além do traço busca de sensações, como um fator geral.

Método

Neste estudo, assumiu-se um delineamento correlacional, ex post facto, considerando como variável antecedente os traços de personalidade (neuroticismo, extroversão e busca de sensações) e, como critério, as condutas desviantes. Levando isto em conta, foram formuladas as seguintes hipóteses: 1) o traço de personalidade neuroticismo explicará diretamente as condutas anti-sociais; 2) o traço de personalidade extroversão explicará diretamente as condutas anti-sociais; 3) o fator geral de busca de sensações explicará diretamente as condutas anti-sociais; 4) as condutas anti-sociais predirão diretamente as condutas delitivas.

Participaram do estudo a que se refere este artigo 755 estudantes do Ensino Médio e Superior. Do total de participantes, 401 (53%) eram do sistema privado e 354 (47%) do sistema público da cidade de João Pessoa (PB), sendo 50,3% do sexo feminino e com idades variando entre 16 e 26 anos (média (M)=20,21; desvio-padrão (DP)=3,12).

Instrumentos

Os participantes responderam a um questionário composto por três medidas:

Escala de Condutas Anti-Sociais e Delitivas (CAD). Este instrumento, proposto por Seisdedos (1988), compreende uma medida comportamental composta por 40 itens (que expressam condutas desviantes), distribuídos em dois fatores, como segue: 1) Condutas Anti-sociais, cujos elementos não expressam delitos, mas comportamentos que desafiam a ordem social e infringem normas (por exemplo: jogar lixo no chão, mesmo quando há perto um cesto de lixo; tocar a campainha na casa de alguém e sair correndo); e 2) Condutas Delitivas: seus itens incorporam comportamentos delitivos que estão fora da lei, caracterizando uma infração ou uma conduta faltosa e prejudicial a alguém, ou mesmo à sociedade como um todo (por exemplo: roubar coisas de um lugar público; conseguir dinheiro ameaçando pessoas mais fracas). Para cada item, os participantes devem indicar com que freqüência apresentam o comportamento no seu dia a dia, utilizando uma escala de resposta com onze pontos, tendo os seguintes extremos: 0=nunca e 10=sempre. Formiga e Gouveia (2003) adaptaram este instrumento, o qual apresentou parâmetros psicométricos satisfatórios; observaram-se índices de consistência interna (Alfa de Cronbach) de 0,91 para as condutas anti-sociais, e 0,86 para as delitivas. Usando análise fatorial confirmatória, este autor comprovou igualmente a adequação desta estrutura (c2/g.l.=1,78; GFI=0,91, AGFI=0,90 e RMSEA=0,04).

Inventário dos Cinco Grande Fatores da Personalidade. Elaborado por John, Donahue e Kentle (1991), também foi adaptado, mas por Gouveia et al. (2001). Utiliza-se aqui uma versão reduzida, composta por 14 itens, sendo sete para cada um dos dois fatores de interesse: extroversão (é sociável; extrovertido) e neuroticismo (fica nervoso facilmente; preocupa-se muito com tudo). Estes itens são respondidos em escala de cinco pontos, tipo Likert, com os seguintes extremos: 1= discordo totalmente e 5= concordo totalmente. Os índices de consistência interna (Alfa de Cronbach) desta medida ficaram acima de 0,70, como segue: neuroticismo (0,75) e extroversão (0,74).

Escala de Busca de Sensações (EBS). Construída por Zuckerman, Eysenck e Eysenck (1978), a versão empregada é composta de 23 itens, distribuídos em dois fatores: busca de aventura e emoção (por exemplo, gostaria de escalar uma montanha, ou gostaria de saltar de pára-quedas) e busca de experiência e excitação (por exemplo, sinto-me melhor depois de tomar alguns copos de bebida alcoólica, ou gostaria de provar drogas que causam alucinações). Estes itens são respondidos em escalas de cinco pontos, variando de 1=discordo totalmente a 5=concordo totalmente. Em uma ampla amostra (>1,000 participantes) na cidade de João Pessoa (PB), Vasconcelos (2004) comprova que os dois fatores desta medida estão diretamente correlacionados entre si (r=0,38, p<0,001), sugerindo que pode ser considerado satisfatório o índice de consistência interna geral da escala (Alfa de Cronbach de 0,87).

Além das medidas listadas, os participantes responderam a algumas perguntas de caráter sócio-demográfico (por exemplo, sexo, idade, em que medida se consideram bons estudantes, entre outras). Estas contribuem para descrevê-los, assim como permitem, no caso de ser necessário, seu controle estatístico.

Procedimentos

Inicialmente, as instituições de ensino foram contatadas com a finalidade de solicitar a permissão para a realização da pesquisa. Em seguida, solicitou-se aos participantes sua colaboração para responder aos instrumentos. Estes foram aplicados de forma coletiva, em salas de aula, mas respondidos individualmente. A todos foi informado o objetivo geral do estudo e o caráter confidencial e sigiloso de suas respostas. Com o fim de minimizar os vieses de resposta, os instrumentos foram contrabalanceados, porém, deixando-se invariavelmente a folha de dados sócio-demográficos no final do questionário. Em média, foram necessários 40 minutos para o preenchimento total dos questionários.

Análise dos dados

A versão 11 do pacote estatístico SPSSWIN (Statistical Package for the Social Sciences) foi utilizada para tabulação e análise dos dados. Fez-se uso do programa AMOS 4 (Analysis Moment Structures) para a realização da análise do modelo proposto.

Indicadores estatísticos para o Modelo de Equações Estruturais (SEM) foram considerados segundo uma bondade de ajuste subjetiva, dada pelo c2/gl (grau de liberdade), que admite como adequados índices entre 2 e 3, aceitando-se até 5; índices de qualidade de ajuste, dados pelos GFI/AGFI, que medem a variabilidade explicada pelo modelo, e com índices aceitáveis a partir de 0,80; e a Raiz Quadrada Média Residual (RMR), que indica o ajustamento do modelo teórico aos dados, na medida em que a diferença entre os dois se aproxima de zero (Joreskög & Sörbom, 1989).

Resultados

Tendo assegurado o procedimento de eliminação dos missings cases, optou-se por uma observação dos dados nas análises descritivas. Assim, a fim de caracterizar os participantes nas condutas anti-sociais e delitivas, foram verificadas suas pontuações médias em relação à escala de resposta. Em um intervalo de variação de 0=nunca a 10=sempre, que avalia a freqüência de apresentação destas condutas, verificou-se que a média empírica nas condutas anti-sociais foi de 1,78 (DP=1,23; amplitude mínima de zero e máxima de sete), enquanto nas condutas delitivas os participantes apresentaram uma média de 0,25 (DP=0,30; e amplitude de zero a dois). Ambas as médias são estatisticamente inferiores ao ponto mediano teórico da escala de resposta (Md=5), t (754) > 71,96, p<0,001.

Em seguida, visando averiguar se existem diferenças em relação ao gênero e à faixa-etária no que se refere às condutas anti-sociais e delitivas, foram realizadas análises de comparações de médias, especificamente Análise Multivariada de Variância (MANOVA).

Não foi observado efeito de interação das variáveis sexo e faixa etária dos participantes, porém, estas apresentaram efeito principal, Lambda de Wilks de 0,91[F=35,01, p<0,001]. Concretamente, com relação às condutas anti-sociais, verificou-se que os participantes do sexo masculino apresentaram média superior (M=1,96, DP=1,33) à do grupo de mulheres (M=1,60, DP=1,09), sendo esta diferença estatisticamente significativa [F=15,89, p<0,001]. Quanto à faixa-etária, esta também se mostrou relevante; aqueles com idades entre 16 e 20 anos apresentaram média superior de condutas anti-sociais (M=1,90, DP=1,25) do que o fizeram os com idades de 21 a 26 anos (M=1,63, DP=1,20) [F=8,92, p<0,01]. No caso das condutas delitivas, unicamente se observou efeito principal da variável sexo [F=68,66, p<0,001], com os homens apresentando média (M=0,36, DP=0,42) superior à das mulheres (M=0,14, DP=0,27).

Testagem do Modelo

A fim de lograr o objetivo central deste artigo, lembrando, testar o modelo teórico (causal) para explicar as condutas desviantes a partir dos traços de personalidade (busca de sensações, extroversão e neuroticismo), considerou-se um modelo recursivo de equações estruturais. Os pesos (saturações) que explicam o modelo proposto são expostos na Figura 1.


Como é possível observar na figura acima, após as devidas modificações encontrou-se um modelo adequado, apresentando uma razão c2/gl=2,18, com GFI=0,99, AGFI=0,98, RMR=0,010 e RMSEA=0,040. Foi observado que os pesos das variáveis consideradas nos traços neuroticismo e busca de sensações explicaram direta e significativamente as condutas anti-sociais. Entretanto, o traço extroversão não se apresentou significativo na explicação de tais condutas. As condutas anti-sociais também explicaram direta e significativamente as delitivas, como o esperado. Esta última foi influenciada pelo fator busca de sensações. Assim, foi estabelecida uma explicação para as condutas desviantes (anti-sociais e delitivas), a partir de dois fatores (busca de sensações e neuroticismo).

Discussão

Os objetivos deste estudo foram cumpridos. Visava-se, primordialmente, abordar o fenômeno das condutas socialmente desviantes apresentadas pelos adolescentes e jovens. Por ser este um aspecto deveras presente na sociedade contemporânea, muitos estudiosos têm se dedicado a analisá-lo (Adalbjarnardotti & Rafnsson, 2002; Engels & Bogt, 2001; Hawkins et al., 1992; Herrenkohl et al., 2000). Primeiramente, deve-se ter em mente que o estudo das condutas anti-sociais e, em grau mais elevado, das condutas delitivas, apresenta algumas dificuldades, principalmente pela natureza complexa do fenômeno.

As condutas desviantes são consensualmente consideradas um problema multidimensional, e seus fatores norteadores podem se apresentar como os mais díspares possíveis. Pode-se mencionar a influência de fatores estruturais, culturais, institucionais, políticos, econômicos, sociais, históricos, psicológicos, biológicos, entre outros. Daí decorre a existência de pesquisadores das mais diversas áreas de conhecimento que se interessam pela temática. Frente ao exposto, decidiu-se aqui verificar em que medida, especificamente, os traços de personalidade (neuroticismo, extroversão e busca de sensações) são úteis para explicar as condutas anti-sociais e delitivas em um grupo de pessoas que têm características particulares: o grupo de adolescentes e jovens. Pfromm Neto (1979) coloca que muitas das transgressões dos adolescentes são, por vezes, uma ameaça à sociedade, porém, estas são freqüentemente estimuladas e consideradas necessárias para que o sujeito se sinta integrado ao seu grupo.

Em relação aos resultados expostos, como antes foram descritos, os jovens deste estudo apresentaram pontuações baixas nas medidas de condutas desviantes. O próprio fato de terem ingressado em escolas de ensino médio ou universidades torna menos provável que estes jovens se envolvam em condutas desta natureza. Apesar de estatisticamente representativa, em números, a amostra em questão tem um claro viés. Especificamente, considera apenas jovens que estão estudando. Ter uma atividade regular de aprendizagem tem sido mencionado como um elemento que inibe as condutas desviantes (Coelho Júnior, 2001; Hawkins et al., 1992). Além disso, os participantes deste estudo, embora possam apresentar comportamentos desta natureza, não têm exatamente um histórico de delinqüência. Tratam-se, pois, de jovens da população geral dos estudantes. Este aspecto se deixa transparecer quando são consideradas as pontuações médias que estes apresentaram nas medidas de condutas desviantes - claramente, muito abaixo do ponto mediano da escala.

No que tange às possíveis diferenças em relação ao sexo e à faixa-etária, coerentemente com os estudos prévios, os jovens diferiram significativamente em relação às condutas desviantes em função da faixa etária. Os homens, e com idades entre 16 e 20 anos, são mais sujeitos a apresentar estas condutas (Formiga, 2002). Esta diferença entre homens e mulheres provavelmente ocorre devido aos fatores envolvidos no processo de socialização, visto que a menina é educada para o diálogo, enquanto o menino é educado para a ação. No caso da idade, os jovens de 16 a 20 anos se encontram em plena adolescência, conforme a OMS (Bahls & Ingbermann, 2005), sendo este um período em que é alta a probabilidade de se querer provar coisas, buscar aventuras, realizar travessuras e romper normas (Coelho Júnior, 2001; Petraits, Flay & Miller, 1995).

As principais indicações do modelo proposto revelam o poder de explicação dos traços de personalidade. Observou-se que os traços neuroticismo e busca de sensações foram os únicos no modelo que predizem satisfatoriamente as condutas anti-sociais de forma direta; neste sentido, o traço extroversão não colaborou na explicação de tais condutas. As pessoas que apresentam alta pontuação no traço neuroticismo são, geralmente, ansiosas, tensas e emotivas. Têm alta probabilidade de apresentarem problemas na sua auto-estima. De acordo com Benet-Martínez e John (1998), este traço põe em destaque os afetos negativos dos sujeitos, os quais incluem tristeza, irritabilidade e tensão nervosa. Daí, pode se verificar a sua relevância para explicar as condutas em questão, pois, muitas vezes, as pessoas, por apresentarem estas características, diferenciam-se do padrão de comportamento que é socialmente esperado, podendo, então, ser percebidas e perceberem a si mesmas como anti-sociais.

O segundo traço que se mostrou relevante no modelo foi a busca de sensações. Como dito, este reflete a característica de querer buscar novas e intensas experiências. No modelo testado, o traço explicou diretamente as condutas anti-sociais, sendo o traço com maior peso fatorial no modelo. Estes achados corroboram os estudos que tratam da relação entre a busca de sensações e os comportamentos de risco. A despeito, Lin e Tsai (2002) encontraram que tanto comportamentos de risco socialmente aceitáveis (como é o caso de pára-quedismo e atividades de mergulho), quanto os não aceitáveis (por exemplo, dirigir embriagado e usar drogas) estão diretamente relacionados a altas pontuações em busca de sensações.

Estes achados confirmam o que aponta Zuckerman (1983; 1994) acerca dos altos buscadores de sensações. Para este autor, eles têm algo de anti-social em seu senso, o que faz com que seus comportamentos estejam baseados em sua própria vontade, ao invés das convenções sociais ou das vontades de outrem. Ademais, eles são não-conformistas e valorizam situações de risco.

Em resumo, os traços de personalidade, a exemplo dos cinco grandes fatores, têm sido considerados como construtos importantes para explicar as condutas anti-sociais e delitivas (Heaven, 1996). Contudo, o traço busca de sensações parece ser mais relevante neste contexto, uma vez que revela padrões de condutas intimamente relacionados com a possibilidade de assumir riscos.

Finalmente, cabe destacar a necessidade de novos estudos que abordem a temática em questão. Neste sentido, é importante considerar outras variáveis apontadas pela literatura como úteis à análise deste fenômeno no qual, cada vez mais, estão envolvidos crianças, adolescentes, jovens e adultos, atingindo diversas classes sociais e níveis de escolaridade.

Recebido em: 27/7/2006

Versão final reapresentada em: 29/1/2007

Aprovado em: 23/4/2007

Agradecimentos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, pelo apoio financeiro para realização desta pesquisa, em forma de bolsa de mestrado para a primeira autora e de produtividade para o segundo.

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  • 1
    Artigo elaborado a partir da dissertação de T. C. VASCONCELOS, intitulada "Personalidade, valores e condutas anti-sociais de jovens". Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2004.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Mar 2008

    Histórico

    • Aceito
      23 Abr 2007
    • Recebido
      27 Jul 2006
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