Acessibilidade / Reportar erro

Triagem cognitiva: comparações entre o mini-mental e o teste de trilhas

Cognitive screening: comparisons between the mini-mental and the trail-making test

Resumos

Este estudo investigou o desempenho de idosos no teste de triagem cognitiva Mini-Mental. Comparando a performance de 92 idosos neste teste e no Teste de Trilhas, demonstrou-se que o teste de triagem cognitiva Mini-Mental não é adequado para identificar comprometimento cognitivo precoce. Embora as análises realizadas tenham demonstrado que os idosos com pior desempenho no Teste de Trilhas tiveram performance inferior no teste de triagem cognitiva Mini-Mental, sujeitos que acertaram o primeiro se saíram melhor no segundo. Em um primeiro momento, pode parecer que o teste de triagem cognitiva Mini-Mental discrimina aqueles sujeitos que apresentam declínio; no entanto, a análise das médias de acertos nos testes mostra que tanto o grupo que completou corretamente o Teste de Trilhas quanto o que não completou apresentaram média de acertos superior ao ponto de corte no teste de triagem cognitiva Mini-Mental, mesmo quando se adotou um ponto de corte para sujeitos escolarizados. Cerca de 90% dos idosos que seriam descritos como portadores de algum prejuízo cognitivo na utilização do Teste de Trilhas B como parâmetro não apresentaram declínio quando o instrumento utilizado foi o teste de triagem cognitiva Mini-Mental. Esses resultados sugerem que o teste de triagem cognitiva Mini-Mental detecta o comprometimento quando ele já ocorreu, mas que tem pouco valor para avaliar o declínio, quando aplicado em uma amostra saudável.

Cognição; Envelhecimento; Fases do ciclo da vida; Avaliação neuropsicológica


This study investigated the performance of elderly people in the Mini-Mental State Examination cognitive screening test. By comparing the performance of ninety-two elderly subjects in the Mini-Mental test and the Trail Making test, the authors demonstrated that the Mini-Mental test is not appropriate for identifying precocious cognitive decline. The results of the analyses showed that those who passed the Trail Test had better performance than those who failed. At first, these results may suggest that both the Trail test and the Mini-Mental test are screening for cognitive decline. However, the analysis of the average number of correct answers in the test showed that around 90% of those who correctly completed the Trail Test B would pass the Mini-Mental test in clinical evaluations. These results held true even when a conservative cut-off point was adopted (those for literate subjects). Almost 90% of the subjects, who would be described as having a cognitive deficiency per Trail Test B did not show a decline when Mini-Mental cognitive screening was used. These results point to the importance of reviewing the screening procedures when prevention of cognitive decline is the aim. These results suggest that the Mini-Mental cognitive screening test detects decline when it has already begun but that it has little value when evaluating a sample of healthy subjects.

Cognition; Aging; Life cicle stagei; Neuropsycological assessment


ARTIGOS

Triagem cognitiva: comparações entre o mini-mental e o teste de trilhas

Cognitive screening: comparisons between the mini-mental and the trail-making test

Márcia Maria Peruzzi Elia da MotaI; Eliane Ferreira Carvalho BanhatoII; Kelly Cristina Atalaia da SilvaIII; Ana Paula Fabrino Bretas CupertinoIV

IUniversidade Federal de Juiz de Fora, Instituto de Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Campus Universitário Martelos, 36036-330, Juiz de Fora, MG, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: M.M.P.E. MOTA. E-mail: <mmotapsi@terra.com.br>

IIUniversidade Federal de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Saúde. Juiz de Fora, MG, Brasil

IIIUniversidad Pablo de Olavide, Laboratorio de Neurociencia Funcional. Sevilla, España

IVKansas University, Medical Center. Kansas, EUA

RESUMO

Este estudo investigou o desempenho de idosos no teste de triagem cognitiva Mini-Mental. Comparando a performance de 92 idosos neste teste e no Teste de Trilhas, demonstrou-se que o teste de triagem cognitiva Mini-Mental não é adequado para identificar comprometimento cognitivo precoce. Embora as análises realizadas tenham demonstrado que os idosos com pior desempenho no Teste de Trilhas tiveram performance inferior no teste de triagem cognitiva Mini-Mental, sujeitos que acertaram o primeiro se saíram melhor no segundo. Em um primeiro momento, pode parecer que o teste de triagem cognitiva Mini-Mental discrimina aqueles sujeitos que apresentam declínio; no entanto, a análise das médias de acertos nos testes mostra que tanto o grupo que completou corretamente o Teste de Trilhas quanto o que não completou apresentaram média de acertos superior ao ponto de corte no teste de triagem cognitiva Mini-Mental, mesmo quando se adotou um ponto de corte para sujeitos escolarizados. Cerca de 90% dos idosos que seriam descritos como portadores de algum prejuízo cognitivo na utilização do Teste de Trilhas B como parâmetro não apresentaram declínio quando o instrumento utilizado foi o teste de triagem cognitiva Mini-Mental. Esses resultados sugerem que o teste de triagem cognitiva Mini-Mental detecta o comprometimento quando ele já ocorreu, mas que tem pouco valor para avaliar o declínio, quando aplicado em uma amostra saudável.

Unitermos: Cognição. Envelhecimento. Fases do ciclo da vida. Avaliação neuropsicológica.

ABSTRACT

This study investigated the performance of elderly people in the Mini-Mental State Examination cognitive screening test. By comparing the performance of ninety-two elderly subjects in the Mini-Mental test and the Trail Making test, the authors demonstrated that the Mini-Mental test is not appropriate for identifying precocious cognitive decline. The results of the analyses showed that those who passed the Trail Test had better performance than those who failed. At first, these results may suggest that both the Trail test and the Mini-Mental test are screening for cognitive decline. However, the analysis of the average number of correct answers in the test showed that around 90% of those who correctly completed the Trail Test B would pass the Mini-Mental test in clinical evaluations. These results held true even when a conservative cut-off point was adopted (those for literate subjects). Almost 90% of the subjects, who would be described as having a cognitive deficiency per Trail Test B did not show a decline when Mini-Mental cognitive screening was used. These results point to the importance of reviewing the screening procedures when prevention of cognitive decline is the aim. These results suggest that the Mini-Mental cognitive screening test detects decline when it has already begun but that it has little value when evaluating a sample of healthy subjects.

Uniterms: Cognition. Aging. Life cicle stagei. Neuropsycological assessment.

As mudanças demográficas observadas nas últimas décadas mostram um aumento da população idosa em todo o mundo (Veras, 2001). No entanto, essas mudanças não vieram acompanhadas da melhoria da qualidade de vida desses idosos. Entre os problemas que contribuem para a má qualidade de vida dos indivíduos, encontra-se o declínio cognitivo.

Assim, a busca de instrumentos de avaliação, sobretudo de triagem cognitiva, que sejam eficientes, adquire uma configuração particular no contexto do envelhecimento populacional. Do ponto de vista clínico, a triagem cognitiva é necessária para identificar e monitorar mudanças sutis na cognição, a fim de que doenças - como as demências - sejam identificadas em estágios iniciais. Já para o campo da pesquisa, é interessante estudar se determinada disfunção cognitiva está associada a outras doenças, bem como investigar a prevalência e a incidência de processos demenciais em uma dada população (Medronho, Carvalho, Bloch, Luiz & Werneck, 2004).

Segundo Shulman (2000), os testes de triagem cognitiva precisam obedecer às seguintes características: ser curtos e de fácil aplicação; ser padronizados e validados para a população alvo; ser pouco influenciados pelo examinador, além de despertar o interesse do indivíduo a ser avaliado. Esses aspectos são importantes porque, desta forma, esses testes podem ser aplicados em grandes contingentes populacionais, com baixo custo de aplicação.

Entre os testes de triagem cognitiva mais conhecidos estão o Mini-Exame do Estado Mental (MEEM) (M. F. Folstein, S. E. Folstein & McHugh, 1975), o Teste do Desenho do Relógio (TDR) (Wolf-Klein, Silvertone, Levy & Brod, 1989; Tuokko, Hadjistavropoulos, Miller & Beattie 1992) e o Cambridge Cognitive Examination (CAMCOG). Entre esses, o MEEM é a escala mais amplamente utilizada.

O MEEM é composto por diversas questões agrupadas em categorias específicas, de modo a avaliar as diversas funções cognitivas: orientação, atenção e cálculo, habilidade visuo-construtiva, linguagem e evocação. Com escore variando de 0 a 30 pontos, é de simples e rápida aplicação. Estudos têm demonstrado que o MEEM apresenta critérios altamente sensíveis à deterioração cognitiva moderada e grave, porém a sensibilidade decresce significativamente para os graus mais leves ou iniciais de declínio (Fóntan-Scheitler, Lourenço-Otero & Silveira-Brussain, 2004).

No Brasil, o MEEM foi traduzido por Bertolucci, Brucki, Campacci e Juliani (1994). Esses autores investigaram 530 pacientes que foram avaliados na triagem médica de um hospital-escola no Estado de São Paulo. Os autores compararam os escores destes pacientes com os de 94 que apresentavam delirium, doença de Alzheimer, hidrocefalia de pressão normal, síndrome amnésica e outros tipos de demência não definidas. Bertolluci et al. (1994) verificaram que a escolaridade dos participantes influenciava o seu escore total no MEEM. Em conseqüência, os autores propuseram pontos de corte diferenciados para o diagnóstico de declínio cognitivo. Os pontos de corte sugeridos foram 13 para analfabetos, 18 para baixa e média escolaridade, e 26 para alta escolaridade.

Entretanto, alguns aspectos precisam ser considerados. Embora Bertolucci et al. (1994) tenham estabelecido um ponto de corte específico para sujeitos não escolarizados, ainda assim a escolarização pode afetar a performance no teste. É o caso dos sujeitos que têm alto nível de escolaridade, cujo início do declínio pode ficar mascarado (teto insuficiente) por se saírem bem no teste, e também dos sujeitos com índices de escolaridade muito baixos, que podem ser diagnosticados como apresentando declínio, sem ainda estar passando por esse processo (base elevada).

Almeida (1998) investigou o melhor ponto de corte para diagnóstico específico de demências em uma amostra ambulatorial de idosos e encontrou 33,2% de pacientes com demência. Os escores do MEEM foram comparados entre grupos de pacientes com e sem demência. O ponto de corte 23/24 (caso/não caso) revelou índices de sensibilidade e especificidade de 84,3% e 60,3%, respectivamente. O escore total do MEEM correlacionou-se de forma significativa com a idade e com a escolaridade. O ponto de corte de 19/20 do MEEM apresentou sensibilidade de 80% e especificidade de 70,9% para o diagnóstico de demência entre os idosos sem escolaridade. O ponto de corte 23/24 do MEEM associou-se a taxas de sensibilidade e especificidade de 77,8% e 75,4%, respectivamente, para idosos com histórico escolar prévio. Sendo assim, Almeida (1998) concluiu que é necessário utilizar pontos de corte diferenciados no MEEM para idosos sem e com instrução escolar que estejam sendo avaliados para a presença de um possível quadro demencial.

Também a idade interfere no resultado do MEEM. Crum, Anttony, Bassett e Falstein (1993), estudando o desempenho de adultos com idade entre 18 e 81 anos, identificaram mediana de 29 para idades entre 18-24 anos, enquanto para os indivíduos com mais de 80 anos, a mediana foi igual a 25.

Outro ponto a ser considerado é a avaliação das funções cognitivas, feita de forma muito simplista no MEEM. A memória de trabalho, por exemplo, é medida por apenas um item - recordação de três palavras - o que é inferior à quantidade de itens normalmente recordados por adultos normais.

Pode-se argumentar que o MEEM é um teste que tem como objetivo específico avaliar as condições intelectuais de pacientes com suspeita de demência. Entretanto, estudo realizado por Fontán-Sheitler et al. (2004) mostrou que, mesmo nestes casos, o MEEM pode não ser apropriado para o diagnóstico de fases iniciais de demência.

Fica claro, assim, que a simples mensuração do desempenho cognitivo por meio do MEEM apresenta limitações, especialmente no caso da identificação precoce do declínio cognitivo. É necessário utilizar outras escalas complementares para que se possa investigar a dimensão cognitiva do indivíduo.

Outro teste usado na avaliação neuropsicológica é o Teste de Trilhas, que acessa a capacidade de manutenção do engajamento mental, o rastreamento visual, a destreza motora e a memória operacional (Magila & Caramelli, 2000). O teste consiste em ligar letras na ordem em que aparecem no alfabeto (trilhas A); ou letras a números, seguindo também a seqüência em que aparecem no alfabeto, por exemplo, 1-A-2-B e assim por diante (trilhas B). Em geral, os idosos são mais lentos ao realizar as provas propostas nas partes A e B deste teste, mas, quando não se considera o fator tempo, há melhor possibilidade de avaliação dos componentes cognitivos de planejamento, organização, atenção, perseveração e memória (Magila & Caramelli, 2000). Outro fator que influencia a resolução desse teste é a educação, notadamente na parte B (Tombaugh, 2004).

O Teste de Trilhas, como o Mini-Mental, faz parte da bateria do Consortium to Establish a Registry for Alzheimer's Disease (CERAD), que é recomendado pelo Departamento Científico de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento, da Academia Brasileira de Neurologia, para avaliação cognitiva no caso de suspeita de doença de Alzheimer, principal causa das demências (Nitrini et al., 2005).

No estudo inicial de padronização, a bateria foi aplicada em 354 indivíduos com provável demência de Alzheimer e escore no Mini-exame do Estado Mental variando entre 10 e 24, de forma que foram excluídos casos muito leves ou muito severos. O desempenho deste grupo foi comparado ao de 278 controles, pareados por idade e nível socioeconômico. Os resultados mostraram coeficientes de confiabilidade entre examinadores satisfatórios para todos os testes (Bertolucci et al., 1994).

Esta bateria foi adaptada para a população brasileira por Bertolucci et al. (1994), que aplicaram os testes em 80 idosos livres de doença neurológica ou psiquiátrica, e em 21 indivíduos com doença de Alzheimer inicial. Os dois grupos diferiram em todos os testes. Os autores argumentam que estes resultados indicam que a adaptação foi adequada, e fornecem um padrão para o desempenho esperado em relação às demências.

Mota, Banhato, Cupertino e Silva (2004) investigaram a relação entre o Teste de Trilhas e o Teste do Desenho do Relógio (TDR) em uma população de idosos.O Teste de Trilhas foi avaliado segundo dois critérios: completar com sucesso (acertar toda a seqüência) ou não completar com sucesso (não acertar toda a seqüência). Os resultados deste estudo mostraram que o Teste de Trilhas B discriminou melhor o declínio cognitivo que o Teste de Trilhas A. A análise dos dados mostrou que, no Teste de Trilhas B, cerca de 50% dos que completaram o teste com sucesso ficaram abaixo do ponto de corte do TDR, enquanto no Teste A, apenas 20% dos que completaram o teste com sucesso tiveram desempenho inferior ao ponto de corte no TDR. O efeito da escolaridade não foi significativo no caso do Teste de Trilhas B, embora tenha sido significativo no Teste A. O estudo descrito demonstrou que o Teste de Trilhas B parece ser um instrumento mais sensível para apontar o declínio cognitivo, quando comparado ao TDR, do que o teste de trilhas A.

Segundo Bustamante et al. (2003), o uso de instrumentos combinados tem fornecido maior precisão na triagem de demências, especialmente nos casos iniciais. Os autores apontam que as pesquisas têm investigado tanto a associação de dois testes cognitivos quanto a combinação de um teste cognitivo com uma escala funcional, na medida em que esses seriam complementares para a avaliação de pacientes com suspeita de demência.

Mencionou-se anteriormente que o MEEM é um teste usado em larga escala para a triagem do declínio cognitivo e que é um teste altamente influenciado pela escolaridade, o que pode levar à identificação de falsos-negativos (indivíduos em processo demencial, mas que não são triados). O Teste de Trilhas, quando aferido sem que se considere a variável tempo, pode levar a uma melhor performance dos indivíduos idosos (evitando a inclusão de falso-positivos, ou seja, indivíduos que não apresentam processo demencial e que são selecionados como se apresentassem). Neste estudo, explorou-se a performance no Teste de Trilhas quando comparada à performance no MEEM em uma amostra de idosos.

Método

Participantes

Participou deste estudo uma subamostra de 92 idosos pertencentes ao banco de dados do projeto Processos de Envelhecimento Saudável (PENSA), um estudo transversal que objetivou traçar o perfil de envelhecimento da cidade de Juiz de Fora enfatizando os aspectos físicos, emocionais, sociais e cognitivos. Utilizou-se uma amostra de conveniência, pois a bateria cognitiva tem tempo de aplicação longa e não foi possível a testagem de todos os idosos que faziam parte do banco de dados do PENSA. Nesse tipo de amostragem, os indivíduos são convidados a participar do estudo sem critério prévio de seleção. Esse procedimento é adequado para situações em que não se necessita de uma amostragem aleatória, e é comum em estudos que investigam os fenômenos cognitivos (Goodwin, 1998). Quanto ao gênero, a amostra foi constituída de 73% de mulheres, com idade variando de 60 a 103 anos (média - M=69,5; desvio-padrão -DP=7,2). Os idosos desta amostra possuíam baixa escolaridade (M=7,8; DP=4,5, escolaridade mínima de 0 anos e máxima de 25 anos). Definiu-se baixa escolaridade adotando o critério proposto por Almeida (1998), que estabeleceu oito anos ou menos para classificação de baixo nível educacional.

Procedimentos

Os idosos foram entrevistados na sua residência, em uma sessão de mais ou menos 90 minutos. Nesta sessão foram coletados os dados sobre os aspectos físicos, sociais, emocionais e cognitivos dos participantes, por meio de uma entrevista semi-estruturada. Foram realizados, também, para a subamostra de 92 idosos que compuseram este estudo, o Teste de Trilhas e o Mini-Mental.

Na aplicação do MEEM, o entrevistador perguntou ao idoso item por item e, em seguida, anotou as respostas. Para a realização do Teste de Trilhas A e B, que depende de adequada acuidade visual, solicitou-se ao examinando que usasse seus óculos, se necessário. Após as devidas explicações para a realização do teste, este era iniciado.

Instrumentos

Teste de Trilhas (Trail Making Test). É composto de duas partes (Trilhas A e Trilhas B), e sua realização é precedida por um treinamento curto do percurso a ser executado. A Parte 'A' consiste de 25 círculos numerados e distribuídos aleatoriamente sobre uma folha de papel. É solicitado ao examinando que ligue, em ordem crescente e por meio de uma linha contínua, todos os números. A parte 'B' é constituída por 25 números e letras circulados e distribuídos ao acaso na folha. A tarefa consiste em ligar alternadamente número e letra (1-A, 2-B, 3-C etc.). Avalia a atenção, seqüenciamento, flexibilidade mental, busca visual e função motora. O teste também apresenta duas folhas de treino para cada uma das partes, que devem ser aplicadas imediatamente antes da realização de cada tarefa. O tempo de execução para cada um dos testes é limitado a quatro minutos ou a três erros. O Trilhas B exige maior capacidade de atenção e habilidade para fazer mudanças conceituais alternadas.

Mini-exame do Estado Mental (MEEM) (Bertolucci et al., 1994; Folstein et al., 1975): Composto de 30 itens, com subtestes que avaliam orientação espaço-temporal, memória imediata, evocação, atenção e linguagem.

Resultados

As duas primeiras análises realizadas tiveram como objetivo avaliar a relação entre o Mini-Mental e o Teste de Trilhas.

Relação entre o Teste de Trilhas e o MEEM

O Teste de Trilhas foi aferido como uma variável dicotômica (acertou, errou). Acertou o teste quem completou toda a seqüência sem erros, errou o teste quem cometeu pelo menos um erro na seqüência. Assim, para investigar a relação entre o Teste de Trilhas e o MEEM, optou-se por realizar dois testes-t. A variável dependente foi o escore no MEEM, e o escore no Teste de Trilhas foi a variável independente. A Tabela 1 mostra a média e o desvio-padrão do desempenho no MEEM para os sujeitos que acertaram ou erraram o Teste de Trilhas A e o Teste de Trilhas B.

Os resultados das análises estatísticas mostraram que os idosos que acertaram o Teste de Trilhas A tiveram média de acerto significativamente maior do que os idosos que erraram (t(90)= -2,87; p<0,05).

Resultados semelhantes foram encontrados para o Teste de Trilhas B. As análises mostraram, neste caso, que os idosos que acertaram a segunda parte do Teste de Trilhas tiveram média de acerto significativamente maior do que os idosos que erraram (t(90)= 3,39; p<0,01).

Uma observação cuidadosa da média de acerto no MEEM para os sujeitos que acertaram e erraram o Teste de Trilhas A mostra que 74 idosos que acertaram o teste tiveram média superior ao ponto de corte no MEEM (M=26,86; DP=2,05). Quando foi analisada a média daqueles que erraram o Teste de Trilhas (n=18), verificou-se que estes também tiveram média superior ao ponto de corte no MEEM (M=25,00; DP=3,79). Analisando os escores no Teste de Trilhas B, observou-se que apenas 44 dos participantes tiveram bom desempenho. A análise das médias mostra que, mais uma vez, aqueles idosos que erraram o Teste de Trilhas B tiveram escores acima do ponto de corte no MEEM (M=25,69; DP=2,95).

Explorando-se esses resultados ainda mais, observa-se que nenhum dos idosos que acertaram o Teste de Trilhas B teve escores abaixo de 23 no MEEM, e que, dentre os que erraram, apenas cinco (10,4% deste grupo) tiveram escores abaixo do ponto de corte.

Relação entre idade cronológica, escolaridade e MEEM

Para investigar as relações entre os escores no MEEM, a idade cronológica e os anos de escolarização dos participantes, foram realizadas correlações de Pearson. Os resultados destas mostraram que, embora fraca, uma correlação negativa e significativa foi encontrada entre a idade cronológica e a performance no MEEM (r=-0,38, p<0,01), confirmando resultados obtidos por outros pesquisadores que demonstraram que, quanto mais avançada a idade cronológica, pior será a performance nos testes de função executiva, indicando um declínio no funcionamento cognitivo (Stuart-Hamilton, 2002).

Os resultados das correlações entre o MEEM e o número de anos de escolarização foram significativos e positivos, embora com associação fraca (r=0,38; p<0,01). As correlações entre idade e escolaridade foram negativas e significativas (r=- 0,17, p<0,01).

Relação entre o Teste de Trilhas, a escolarização e o MEEM

A regressão logística feita para o Teste de Trilhas A, tendo como primeira variável a idade cronológica, como segunda a escolaridade e como terceira os escores no MEEM, não apresentou resultados significativos para idade cronológica, escolaridade e MEEM (β=0,03, S.E=0,04, p<0,05; β=-0,02, S.E=0,07, p<0,7; β=-0,2, S.E=0,1, p<0,07, respectivamente). Isto é, nenhuma das variáveis do modelo contribuiu para se acertar o Teste de Trilhas A.

A regressão logística feita para o Teste de Trilhas B não apresentou resultados significativos para idade cronológica e escolaridade, porém foi significativa para o MEEM (β=-0,02, S.E=0,03, p=0,59; β=-0,11, S.E=0,06, p=0,07 e β=-0,31, S.E=0,13, p<0,02, respectivamente).

Discussão

Atualmente, verifica-se uma ênfase nos aspectos preventivos na área da saúde. Tal interesse se dá por ser socioeconomicamente mais viável investir na prevenção da saúde do que tratar as doenças já estabelecidas. Na saúde mental, a identificação precoce de declínio cognitivo permite que se tracem estratégias de promoção de atividades cognitivas, de modo a retardar este declínio. Para isso, faz-se necessário o desenvolvimento de instrumentos diagnósticos sensíveis.

Embora o diagnóstico precoce das demências gere controvérsias - devidas, por exemplo, ao medo de estigmatização do idoso -, a identificação de indivíduos com risco possibilita, como ressaltam Charchat-Fichman, Caramelli, Sameshima e Nitrini (2005), medidas de intervenção que visem à melhoria da qualidade de vida dos idosos e de suas famílias.

Este estudo comparou os resultados obtidos em dois testes de avaliação cognitiva recomendados pela Academia Brasileira de Neurologia, o MEEM e o Teste de Trilhas A e B, em idosos. Os resultados mostraram uma consistência entre os dois testes, mas, considerando-se o ponto de corte do MEEM, pode-se observar que embora os sujeitos neste estudo fossem pouco escolarizados, a análise da média de acertos no MEEM mostra que eles apresentaram escores acima do ponto de corte para sujeitos mais escolarizados. Tais resultados sugerem que o MEEM é um teste que pode ser pouco sensível à triagem do declínio cognitivo, especialmente quando se considera amostra de idosos que vivem na sociedade e não amostras clínicas. O uso apenas do MEEM, neste caso, poderia aumentar o número de casos falso-negativos. Assim, apesar de ser um instrumento amplamente utilizado pelos profissionais da área de saúde mental, o MEEM parece apresentar limitações em sua capacidade de identificar o declínio cognitivo precoce.

Os resultados mostraram que os sujeitos que acertaram o Teste de Trilhas saíram-se melhor no MEEM. A princípio, esse resultado pode sugerir que tanto o Teste de Trilhas quanto o MEEM discriminam os sujeitos que já apresentam declínio daqueles que não apresentam; entretanto, é preciso ter cautela com a interpretação destes resultados. A análise das médias de acerto nos testes mostrou que tanto o grupo que acertou o Teste de Trilhas quanto o que errou apresentaram média de acerto superior ao ponto de corte no MEEM.

Cerca de 90% dos idosos que seriam descritos como portadores de algum declínio cognitivo com o uso do Teste de Trilhas B como parâmetro não apresentaram comprometimento pelo MEEM. Esses resultados sugerem que o MEEM detecta o declínio quando ele já ocorreu, mas tem pouco valor para avaliar o prejuízo em estágios iniciais. Esse dado apóia-se no fato de que a presente amostra foi retirada da sociedade - sendo, portanto, presumivelmente saudável.

A correlação entre o MEEM e a idade cronológica dos participantes mostrou que, quanto mais velho, pior o desempenho no MEEM. Esses resultados são compatíveis com os estudos que mostram que há um declínio cognitivo com a idade. A correlação entre escolaridade e MEEM foi também significativa (Banhato, 2005; Laks et al. 1998).

Uma das críticas feitas aos testes de triagem cognitiva é que estes são influenciados pela escolaridade. O modelo de regressão logística, que incluiu as variáveis idade cronológica, escolaridade e desempenho no Teste de Trilhas, mostrou que quando se adota um critério dicotômico, o desempenho cognitivo talvez não seja influenciado pela idade cronológica ou escolaridade. No entanto, estudos futuros devem explorar essas relações mais profundamente.

É preciso também que a relação entre o MEEM e o Teste de Trilhas e o declínio cognitivo seja estudada através de estudos longitudinais, para que se possa investigar o valor preditivo desses testes para o declínio cognitivo.

Recebido em: 8/11/2006

Versão final reapresentada em: 29/5/2007

Aprovado em: 3/9/2007

Agradecimentos ao financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), projeto PROFIX, processo 54.0956/001-5NV, aos bolsistas de Apoio Técnico e de Iniciação Científica do CNPq entre 2001 e 2004, bem como aos alunos do treino de pesquisa entre 2001 e 2004. Comitê de ética (protocolo CEP/HU: 170-009/2002).

  • Almeida, O. P. (1998). Instrumentos para avaliação de pacientes com demência. Revista Psiquiatria Clínica, 26 (2), 152-157.
  • Banhato, E. F. C. (2005). Avaliação das funções executivas em uma amostra de idosos da comunidade de Juiz de Fora/MG. Dissertação de mestrado não-publicada, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
  • Bertolucci, P. H. F., Brucki, S. M. D., Campacci, S. R., & Juliani, Y. (1994). O mini-exame do estado mental em uma população geral: impacto da escolaridade. Arquivos Brasileiros de Neuropsiquiatria, 52 (1), 1-7.
  • Bustamante, S., Bottino, C., Lopes, M., Azevedo, D., Hototian, S., Litvocet J., et al. (2003). Instrumentos combinados na avaliação de idosos. Arquivos de Neuropsiquiatria, 61 (3A), 601-603.
  • Charchat-Fichman, H., Caramelli, P., Sameshima, K., & Nitrini, R. (2005). Declínio da capacidade cognitiva durante o envelhecimento. Revista Brasileira de Psiquiatria, 27 (12), 79-82.
  • Crum, R. M., Anthony, J. C. Bassett, S. S., & Folstein, M. F. (1993). Population-bases norms for the MEEM State Examination by age and educacional level. Journal of American Medical Association, 269 (18), 2386-2391.
  • Folstein, M. F., Folstein S. E., & McHugh, P. R. (1975). Mini-mental state: a practical method for grading the cognitive state of patients for the clinician. Research Journal of Psychiatry, 12 (3), 189-198.
  • Fóntan-Scheitler, L., Lorenzo-Otero, J., & Silveira-Brussain, A. (2004). Perfil de alteración en el MEEM state examination en pacientes con deterioro cognitivo leve. Revista de Neurología, 39 (4), 316-321.
  • Goodwin, C. (1998). Research psychology: methods and designs. New York: John Wiley and Sons.
  • Laks, J., Munck, M., Castro, P., Belusci, L. N., Hermolin, M. K., Pessanha, M., et al. (1998). Avaliação do impacto da escolaridade e da idade no estado cognitivo de idosos em lar abrigado Rio de Janeiro: UFRJ.
  • Magila, M. C., & Caramelli, P. (2000). Funções executivas no idoso. In O. V. Forlenza & P. Caramelli. Neuropsiquiatria geriátrica (pp.517-526). São Paulo: Atheneu.
  • Medronho, R. A., Carvalho, D. M., Bloch, K. V., Luiz, R. R., & Werneck, G. L. (2004). Epidemiologia. São Paulo: Atheneu.
  • Mota, M., Banhato, E., Cupertino, A. P., & Silva, K. (2004). Instrumento de rastreio cognitivo em idosos: considerações a partir do MEEM [CD-Rom]. In Anais do Encontro Juizforano de Psicologia, 1 Juiz de Fora, MG.
  • Nitrini, R., Caramelli, P., Bottino, C. M. C., Damasceno, B. P., Brucki, S. M. D., & Anghinah, R. (2005). Diagnóstico de doença de Alzheimer no Brasil: avaliação cognitiva e funcional. Arquivos de Neuropsiquiatria, 63 (3-A), 720-727.
  • Shulman K. L. (2000). Clock-drawing: is it the ideal cognitive screening test. International Journal of Geriatric Psychiatry, 15 (6), 548-561
  • Stuart-Hamilton, I. (2002). A psicologia do envelhecimento: uma introdução. Porto Alegre: Artmed.
  • Tombaugh, T.N. (2004). Trail Making Test A and B: normative data stratified by age and education. Archives of Clinical Neuropsychology, 19 (2), 203-214.
  • Tuokko, H., Hadjistavropoulos, T., Miller, J. A., & Beattie, B. L. (1992). The clock test: a sensitive measure to differentiate normal elderly from those with Alzheimer´s Disease. Journal of the American Geriatrics Society, 40 (6), 579-584.
  • Veras, R. P. (Org.). (2001). Velhice numa perspectiva de futuro saudável. Rio de Janeiro: Unati.
  • Wolf-Klein, G. P., Silverstone, F. A., Levy, A. P., & Brod, M. S. (1989). Screening for alzheimer's disease by clock drawing. Journal of the American Geriatrics Society, 37 (8), 730-734.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Out 2008
  • Data do Fascículo
    Set 2008

Histórico

  • Aceito
    03 Set 2007
  • Recebido
    08 Nov 2006
  • Revisado
    29 Maio 2007
Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de Campinas Núcleo de Editoração SBI - Campus II, Av. John Boyd Dunlop, s/n. Prédio de Odontologia, 13060-900 Campinas - São Paulo Brasil, Tel./Fax: +55 19 3343-7223 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: psychologicalstudies@puc-campinas.edu.br