Acessibilidade / Reportar erro

Casamento contemporâneo: revisão de literatura acerca da opção por não ter filhos

Contemporary marriage: a review of literature concerning voluntary childlessness

Resumos

Em meio às diversas transformações sofridas pelo casamento e pela família ao longo da história, várias configurações familiares convivem na contemporaneidade: nuclear, monoparental, homoparental, recomposta, entre outras possibilidades. Nesse contexto, aumenta, em vários países, e mais recentemente no Brasil, o número de casais que escolhem não ter filhos. O objetivo deste trabalho foi realizar uma revisão bibliográfica sobre o tema, incluindo publicações nacionais e internacionais. A busca foi feita em bases de dados (Web of Science, PsycINFO, Medline, SciELO, Lilacs, Psicodoc, BVS-Psi, Dedalus), e foram levantados artigos completos em periódicos indexados e resumos de teses e dissertações produzidas nos últimos dez anos. Os resultados coletados abordam diversas facetas do fenômeno da escolha contemporânea por não ter filhos: motivações declaradas, associação entre esse tipo de escolha e a situação profissional, relação com fatores de história de vida e família de origem, satisfação de vida e conjugal, preconceito e estereótipos negativos.

Casamento; Estrutura familiar; Não-maternidade


Marriage and family have undergone several transformations throughout history. Nowadays many family structures coexist: nuclear, monoparental, homoparental, recomposed, amongst others. In this context, in many countries, and most recently in Brazil, there is an increasing number of couples who are voluntarily childless. The aim of this article is to perform a bibliographical research on this theme, including Brazilian and international publications. The search was conducted of a variety of databases (Web of Science, PsycINFO, Medline, SciELO, Lilacs, Psicodoc, BVS-Psi, Dedalus) and included complete articles published in indexed periodicals and dissertation abstracts, from the last ten years. The collected results take into account various aspects of this phenomenon - the contemporary choice to remain childless: Declared motivations, the association between this type of choice and professional status, the relationship with factors in the life history and family origins, marital adjustment and satisfaction with life, prejudice and negative stereotypes.

Marriage; Family structure; Childlessness


ARTIGOS

Casamento contemporâneo: revisão de literatura acerca da opção por não ter filhos

Contemporary marriage: a review of literature concerning voluntary childlessness

Maria Galrão Rios; Isabel Cristina Gomes

Universidade de São Paulo, Instituto de Psicologia, Departamento de Psicologia Clínica. Av. Professor Mello Moraes, 1721, Bloco F, Sala 25, Cidade Universitária, 05508-030, São Paulo, SP, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: I.C. GOMES. E-mail: <isagomes@ajato.com.br>

RESUMO

Em meio às diversas transformações sofridas pelo casamento e pela família ao longo da história, várias configurações familiares convivem na contemporaneidade: nuclear, monoparental, homoparental, recomposta, entre outras possibilidades. Nesse contexto, aumenta, em vários países, e mais recentemente no Brasil, o número de casais que escolhem não ter filhos. O objetivo deste trabalho foi realizar uma revisão bibliográfica sobre o tema, incluindo publicações nacionais e internacionais. A busca foi feita em bases de dados (Web of Science, PsycINFO, Medline, SciELO, Lilacs, Psicodoc, BVS-Psi, Dedalus), e foram levantados artigos completos em periódicos indexados e resumos de teses e dissertações produzidas nos últimos dez anos. Os resultados coletados abordam diversas facetas do fenômeno da escolha contemporânea por não ter filhos: motivações declaradas, associação entre esse tipo de escolha e a situação profissional, relação com fatores de história de vida e família de origem, satisfação de vida e conjugal, preconceito e estereótipos negativos.

Unitermos: Casamento. Estrutura familiar. Não-maternidade.

ABSTRACT

Marriage and family have undergone several transformations throughout history. Nowadays many family structures coexist: nuclear, monoparental, homoparental, recomposed, amongst others. In this context, in many countries, and most recently in Brazil, there is an increasing number of couples who are voluntarily childless. The aim of this article is to perform a bibliographical research on this theme, including Brazilian and international publications. The search was conducted of a variety of databases (Web of Science, PsycINFO, Medline, SciELO, Lilacs, Psicodoc, BVS-Psi, Dedalus) and included complete articles published in indexed periodicals and dissertation abstracts, from the last ten years. The collected results take into account various aspects of this phenomenon - the contemporary choice to remain childless: Declared motivations, the association between this type of choice and professional status, the relationship with factors in the life history and family origins, marital adjustment and satisfaction with life, prejudice and negative stereotypes.

Uniterms: Marriage. Family structure. Childlessness.

A família e o casamento têm sofrido diversas transformações ao longo da história. A família tradicional cede lugar a diversas novas configurações familiares que se tornam mais visíveis, exigindo legitimidade e maior aceitação por parte da sociedade. A família atual pode ser nuclear, monoparental, homoparental, recomposta, desconstruída, gerada artificialmente, entre tantas possibilidades.

Roudinesco (2003) realiza uma profunda reflexão sobre as transformações sofridas pela família, especialmente a ruptura da soberania divina do pai e a irrupção do feminino. Em relação ao casamento contemporâneo, a autora conclui que: "despojado dos ornamentos de sua antiga sacralidade, o casamento, em constante declínio, tornou-se um modo de conjugalidade afetiva pelo qual cônjuges - que às vezes escolhem não ser pais - se protegem dos eventuais atos perniciosos de suas respectivas famílias ou das desordens do mundo exterior" (p.197, grifo dos autores).

Jablonski (2003) sintetiza muito bem as ideias de Doherty (1992, sobre as transformações na família e sobre o fato de que, no século XX, coexistem três tipos de família: a tradicional, caracterizada pela produção econômica conjunta, autoridade paterna, casamento com ênfase em seus aspectos funcionais e conexões com a comunidade e com os parentes; a família moderna ou psicológica, atravessada por valores mais individualistas, caracterizada pela mobilidade, por ser mais nuclear, menos ligada à comunidade, mais igualitária e centrada nos sentimentos e na afeição; e a família pluralística, que diz respeito à aceitação e à convivência de várias formas de arranjos não tradicionais.

Em um contexto que envolve os avanços da medicina - que permitem a contracepção e a dissociação entre sexualidade e procriação - uma conjugalidade pautada nas questões da afetividade, das escolhas subjetivas pessoais e do desejo, aumenta o número de pessoas que fazem a opção por não ter filhos.

Refletindo sobre os caminhos da maternidade e da paternidade no mundo ocidental, Maldonado (1989) considera que uma intensa associação entre maternidade e feminilidade foi produzida socialmente no século XIX, mas que, a partir de então, com a inserção da mulher em um campo mais amplo de estudo, trabalho e produção, e com a abertura de novas perspectivas existenciais, o casamento e a maternidade passaram a ser opção ao invés de destino, e a mulher passou a possuir maiores possibilidades de se sentir independente e adulta.

A teorização a respeito da desconstrução da ideia de amor materno como um instinto, universal e necessário deve-se, sobretudo, a Badinter (1985). Para esta filósofa, o amor materno é apenas um sentimento humano e, como tal, contingente e variável segundo a cultura, as ambições e frustrações das mulheres. Depende, em grande parte, de um comportamento social, mutável de acordo com a época e os costumes. Com ênfase nas atitudes das mães em relação a seus filhos, como a indiferença e o desprezo característicos de algumas épocas na História (por exemplo, os séculos XVII e XVIII), tal reflexão abre caminho para que se pense a possibilidade de uma mulher optar por não ter filhos, uma vez que não existe um instinto inato que a faça desejar a maternidade, ou amar incondicionalmente a criança que ela gera.

Scavone (2001), em uma reflexão sociológica sobre as mudanças nos padrões e experiências da maternidade contemporânea, coloca a escolha da maternidade como um fenômeno moderno consolidado no decorrer do século XX, com o avanço da industrialização e da urbanização. A consolidação da sociedade industrial teria sido a responsável por uma transição do modelo tradicional de maternidade - ou seja, a mulher definida como mãe - para o modelo moderno de mulher, definida também como mãe, mas com outras possibilidades.

Um estudo sobre a associação entre feminilidade e maternidade foi desenvolvido por Gillespie (2003). Segundo esta autora, o papel da mulher e a identidade feminina foram histórica e tradicionalmente construídos em função da maternidade. Frente à tendência crescente da quantidade de mulheres que não têm filhos por opção no mundo ocidental, a autora coloca a importância de um entendimento da identidade feminina que não esteja centrado na maternidade. A autora baseia suas reflexões em um estudo realizado com 25 mulheres voluntariamente sem filhos, inglesas, com idade entre 21 e 50 anos, utilizando a entrevista semidirigida como instrumento.

A ausência voluntária de filhos, fenômeno ocidental, vem aumentando em diversos países do mundo, porém há uma grande dificuldade em se obter dados que digam respeito especificamente à opção por não ter filhos, como explicitam Stöbel-Richter, Beutel, Finck e Bräler (2005), e também Park (2005), uma vez que há a necessidade de se distinguir entre a ausência voluntária e involuntária de filhos, entre as expectativas de não maternidade/paternidade e o estado atual em que se encontram as pessoas, além da existência de diferentes situações conjugais.

Abma e Martinez (2006) discutem o fato de que o fenômeno da ausência voluntária de filhos cresceu nos Estados Unidos entre os anos de 1982 (5%) e 1988 (8%), estabilizando-se até 1995 (9%), passando por um leve decréscimo em 2002 (7%). Hewlett (2002) ressalta a quantidade de mulheres que abrem mão da maternidade em prol do desenvolvimento profissional, apresentando o dado de que um terço das empresárias americanas mais bem sucedidas constitui-se de mulheres que não têm filhos, mesmo que manifestem o desejo de tê-los. Já Lee e Gramotnev (2006) trazem o resultado de que 9% das mulheres australianas manifestam o desejo de nunca se tornarem mães.

No Brasil, verificam-se as seguintes constatações, disponíveis no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (www.ibge.gov.br), que dizem respeito às Sínteses de Indicadores Sociais divulgadas a cada ano: a família tradicional - composta pelo casal com filhos - caiu de quase 60,0% em 1992 para 55,0% em 1999, 51,5% em 2003, 50,0% em 2005 e 49,4% em 2006 dos arranjos familiares residentes em domicílio particular; ao mesmo tempo, aumentou a proporção de outros tipos de composição familiar: de mulheres sem cônjuge e com filhos (de 15,1% para 17,1%, 18,1%, 18,1% e 18,1%, respectivamente) e de casais sem filhos (de 12,9% para 13,6%, 14,4% , 15,1% e 15,6%, respectivamente).

Deve-se ter em mente, entretanto, que esses dados foram obtidos por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). O conceito de família adotado, explicitado em nota técnica, refere-se ao conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco, dependência doméstica ou normas de convivência que residem na mesma unidade domiciliar e, também, à pessoa que mora só em uma unidade domiciliar. Esta definição é relevante para o tema aqui estudado na medida em que os dados que envolvem casais sem filhos dizem respeito aos casais que moram sem filhos, o que não implica a inexistência destes. Um outro importante ponto a se ter em mente é que, mesmo nos casos de casais que não possuem filhos, não se leva em conta o fato de isto se dar voluntariamente ou não, ou se as pessoas ainda pretendem tê-los. Sabe-se que em meio a tantas desigualdades e especificidades sociais econômicas e culturais, fica difícil pensar a existência de uma única realidade brasileira.

Em relação ao assunto específico "casais sem filhos", a disparidade e a maior concentração de casais nesta condição nas regiões Sudeste e Sul podem ser comprovadas a partir da seguinte comparação: na região Sudeste, em 1992, 13,1% dos tipos de família correspondiam a casais sem filhos; em 1999, esta proporção correspondia a 14,0% e, em 2003, a 14,6%. Já em 2005, correspondia a 15,4% dos arranjos familiares e, em 2006, a 15,7%. Na região Sul, os dados correspondentes são de 15,0%, 15,5%, 17,4%, 18,0% e 18,6%, respectivamente; já na região Nordeste, 11,9%, 12,2%, 12,6%, 13,4% e 13,9% e, na região Norte, 10,2%, 10,1%, 11,4%, 13,4% e 13,3%, respectivamente (IBGE, 2007).

Verifica-se, também, que a fecundidade é menor nas famílias com maior rendimento familiar per capita. Nas famílias com rendimento per capita de até um quarto de salário mínimo, de acordo com dados relativos a 2003, a média de filhos é de 2,7. Já nas com rendimento per capita superior a cinco salários, é de 0,8. Outro dado relevante é a associação entre aumento de escolaridade e diminuição no número de filhos: no Brasil, em 2005, onde a taxa total de fertilidade foi de 2,1, percebe-se que, em caso de mulheres com até três anos de estudo, esta taxa foi de 4,0, enquanto no caso de mulheres com mais de oito anos de estudo foi de 1,5.

O objetivo deste trabalho foi realizar uma revisão bibliográfica acerca do tema opção por não ter filhos, envolvendo um levantamento bibliográfico em bases de dados nacionais e internacionais, com artigos e dissertações ou teses produzidas nos últimos dez anos.

Método

As bases de dados nacionais e internacionais consultadas foram: Web of Science, PsycINFO, Medline, Biblioteca Virtual em Saúde, Lilacs, SciELO, PsicoDoc e Dedalus, com as seguintes palavras-chave: childless, childlessness, childfree, voluntary, couples, maternity, não maternidade, casais, filhos e maternidade. A pesquisa em português foi realizada com termos mais genéricos porque este idioma não conta com termos que sejam correntemente utilizados e que correspondam a childless ou childfree.

Após o levantamento nas bases de dados, foram computadas mais de duzentas publicações, entre artigos, resenhas de livros, resumos de dissertações e teses. As resenhas e os comentários de livros não foram considerados para este levantamento. Foram excluídos os trabalhos que apenas levavam em conta o fenômeno da esterilidade e da ausência involuntária de filhos. Entre os restantes, deu-se ênfase aqueles a que se tinha acesso ao texto completo. Estes foram, então, categorizados de acordo com seu tema principal. Importante observar que esta foi uma distinção didática, uma vez que as diversas facetas deste fenômeno sobrepõem-se em vários trabalhos. Foram selecionadas publicações dos últimos dez anos. Uma pesquisa brasileira anterior a 1998 foi incluída na revisão pela relevância de suas conclusões, e pela escassez de trabalhos nacionais.

Resultados e Discussão

A literatura estrangeira é abundante em estudos que enfocam especificamente os casais, ou mulheres e homens separadamente (com maior ênfase para as mulheres) sem filhos, sendo que grande parte destes estudos envolve pesquisas quantitativas. Das 32 publicações apresentadas a seguir, uma delas aborda casais (Rios, 2007), dez referem-se a indivíduos em geral, sejam homens ou mulheres, e o restante apenas a mulheres. Um dos estudos refere-se a uma meta-análise de artigos publicados entre os anos de 1974 e 2000 (Twenge, Campbell & Foster, 2003), e o restante a pesquisas empíricas realizadas com quantidades diferentes de participantes - de três a mais de dois mil sujeitos - com variadas idades. Tais pesquisas envolvem também diferentes instrumentos: pesquisas e estatísticas nacionais, entrevistas, questionários, testes psicológicos etc.

Em relação à realidade brasileira, é rara a produção divulgada nos periódicos indexados e nas bases de dados em psicologia, sendo que apenas quatro publicações foram encontradas (Bonini-Vieira, 1996; Mansur, 2000; Mondardo & Lima, 1998; Rios, 2007). As demais publicações, citadas abaixo, envolvem pesquisas realizadas nos Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Escócia, Alemanha, Noruega, Austrália, China, entre outros. Os assuntos mais abordados nessas pesquisas englobam diversos aspectos desta experiência: as motivações que levam a esta escolha; a existência ou não de vinculação entre a opção e aspectos ligados à infância e à família de origem daqueles que escolhem não ter filhos; a qualidade de vida e de relacionamento conjugal daqueles que optam por não ter filhos; o preconceito e a estigmatização sofridos por esta parcela da população e outros aspectos relevantes.

1. A opção por não ter filhos: motivações e vicissitudes: diversos estudos associam a escolha por não ter filhos a motivos tanto conscientes quanto inconscientes.

Rios (2007), interessada nas motivações que levam casais heterossexuais na região metropolitana de São Paulo a optarem por não ter filhos, utilizou entrevista e Teste de Apercepção Temática (TAT) com três casais sem filhos por opção, e constatou que a tomada da decisão por não procriar mostrou-se consensual ao menos em nível consciente, além de ser influenciada pelas experiências geracionais nas famílias de origem. Concluiu sobre a importância de se pensar a profundidade da experiência de cada casal em toda a sua complexidade, verificando que, mesmo que as motivações declaradas tenham sido semelhantes, o interjogo inconsciente que leva a esta escolha é sempre único.

Mansur (2000 p.89) apresenta as perspectivas de oito mulheres brasileiras, de classe média paulistana, com nível universitário e profissionais ativas, independentemente do status conjugal. Nenhuma das mulheres era mãe, seja por opção, por infertilidade ou pelo adiamento contínuo da decisão. A autora enfatiza que "o que leva uma mulher a concluir que a maternidade não será exercida por ela é uma combinação de fatores que refletem a sua história, a interação entre medo e desejo, capacidades e limitações, personalidade e circunstâncias socioculturais". Considerando que a não maternidade é uma experiência polifônica e polissêmica, construída na intersecção entre corpo, personalidade, família e contexto histórico-cultural, reafirma a necessidade da aceitação do fato de que a vida das mulheres pode ter dimensões muito variadas e satisfatórias, já que a sociedade lhes apresenta outras opções além da maternidade.

Bonini-Vieira (1996) realizou pesquisa com dez mulheres, também independentemente da situação conjugal, pertencentes à classe média urbana carioca, que optaram por permanecer sem filhos, utilizando entrevista semidirigida. A autora relata a presença de ambiguidade e de ambivalência nos depoimentos, e considera que angústia e ambiguidade não são características exclusivas das mulheres que não tiveram filhos. Sua análise demonstrou que as participantes construíram um projeto de vida no qual a maternidade, tal como a representam, não encontra lugar, e é encarada como um elemento impeditivo aos objetivos delineados para suas vidas. Embora tais mulheres se percebam como pessoas produtivas e realizadas de acordo com suas próprias expectativas, isso não elimina a presença de conflitos e angústias, presentes também naquelas que optam por ser mães.

Connidis e McMullin (1999), pesquisadoras canadenses, realizaram um estudo com 287 pessoas sem filhos com mais de 55 anos, utilizando entrevista. Concluíram que alguns motivos citados como vantagens na ausência de filhos diziam respeito a um menor número de problemas e preocupações, benefícios financeiros, maior liberdade e flexibilidade na carreira. As maiores desvantagens seriam a falta de companhia e a solidão, falta se suporte/cuidado na velhice e a perda da experiência de paternidade/maternidade. Importante ressaltar que esta pesquisa envolveu pessoas permanentemente sem filhos, independentemente de ser uma opção ou não.

Lee e Gramotnev (2006) procuraram entender as razões pelas quais alguns australianos optam por não ter filhos. Concluíram, a partir de uma pesquisa sobre intenções de maternidade realizada com mais de sete mil mulheres sem filhos, com idades entre 22 e 27 anos, que não querer filhos pode ser determinado por múltiplos fatores, em parte por uma falta de interesse em relacionamentos tradicionais estabelecidos com os homens, em parte pela condição socioeconômica.

Park (2005), utilizando entrevistas em profundidade com 13 mulheres e oito homens sem filhos por opção, com mais de trinta anos e em uma relação heterossexual há mais de cinco anos, propôs-se a estudar qualitativamente as motivações apresentadas pelos participantes para não terem filhos. A autora explicita que tal decisão envolve as seguintes categorias: expe-riência com modelos de parentalidade, seja com conhecidos, amigos ou na família de origem (fator que influencia mais a decisão de mulheres do que de homens); fatores de personalidade julgados pelos participantes como incongruentes com uma boa função materna/paterna; objetivos relacionados à carreira e ao desenvolvimento profissional; um estilo de vida orientado para o mundo adulto; sentimentos em relação a crianças, como desconforto ou desinteresse; preocupação com o crescimento populacional. A conclusão é de que a decisão por não ter filhos é complexa e multifacetada, e que envolve motivos mais ou menos racionais, que muitas vezes se entrelaçam.

Abma e Martinez (2006), realizando uma comparação entre mulheres sem filhos com idades variando entre 35 e 44 anos, concluíram que aquelas que não desejam tê-los são as que possuem os maiores salários, maior experiência profissional e menos religiosidade em relação às mulheres que manifestam o desejo pela maternidade, inférteis ou não.

A complexa relação entre a ausência de filhos e a situação profissional de mulheres foi analisada em diversos estudos. Hewlett (2002) enfatiza a grande quantidade de mulheres que abrem mão da maternidade em prol do desenvolvimento profissional. Os dados demonstram que, para muitas delas, demandas ambiciosas em relação à carreira, assimetria homem-mulher e dificuldades de concepção posteriormente acabam minando a possibilidade de combinar trabalho de alto nível com família. No caso de homens, a autora conclui o contrário, ou seja, quanto mais bem sucedidos, maiores as probabilidades de casamento e filhos.

Rauchfuss e Sperfeld (2001), estudando mulheres alemãs sem filhos, concluíram sobre a existência de conflito entre metas de desenvolvimento profissional e maternidade. Consideram que um adiamento do desejo de ter filhos acaba gerando um aumento no número de mulheres não mães, voluntária ou involuntariamente (aquelas que, quando decidem ter um filho, já não podem por causa da idade avançada), o que gera efeitos psicossomáticos nos campos da obstetrícia e ginecologia. Os resultados foram obtidos a partir de questionários respondidos por 554 mulheres que não queriam filhos no momento da entrevista.

Kemkes-Grottenthaler (2003) realizou uma pesquisa com mulheres que trabalhavam em uma universidade na Alemanha, para entender se as mulheres sem filhos na academia estavam rejeitando ou apenas adiando a maternidade. Foram enviados questionários pelo correio; apenas 37% dos questionários foram respondidos - o que é levado em consideração na discussão dos resultados - correspondendo a 193 respondentes. A autora concluiu que, tanto no caso das mulheres que tomaram uma decisão ativa por não ter filhos, quanto no caso daquelas que estavam apenas adiando a maternidade, as que ainda não tinham decidido e as que haviam passado da idade reprodutiva, o emprego e as preferências de carreira mostravam-se como fortes influências na decisão. Um importante aspecto levado em conta nesta pesquisa é o do papel dos parceiros na decisão: a conclusão é a de que os homens podem exercer influência na decisão de várias maneiras, seja não querendo filhos, seja não se colocando disponíveis para ajudar nos cuidados com a criança.

Ainda na Alemanha, Stöbel-Richter et al. (2005) se propuseram a estudar as atitudes e motivações que influenciam a realização do desejo de ter um filho. Um questionário foi respondido por 1 580 homens e mulheres, e a conclusão foi a de que aspectos emocionais são os que mais pesam a favor da maternidade/paternidade, enquanto as restrições financeiras são as mais frequentemente citadas como argumentos contra a procriação.

Cummis (2005), ao pesquisar mulheres na academia, não mães por opção, considerou que estas, assim como as que são mães, também têm necessidade de uma política de suporte por parte das universidades.

Mondardo e Lima (1998) realizaram uma pesquisa, cujo instrumento foi uma entrevista semiestruturada, com três mulheres brasileiras com idades entre 35 e 40 anos, com relacionamentos conjugais estáveis de no mínimo cinco anos e que, até a realização da pesquisa, não haviam tido filhos por opção. O objetivo foi investigar a conexão entre maternidade e trabalho como forma de realização pessoal da mulher. Os resultados obtidos pelas autoras mostram que estas mulheres, em um momento de transição para a não fertilidade, vivenciam sentimentos de ambivalência e culpa, devido à história de vida e contexto cultural em que vivem. Segundo as autoras, essas mulheres seriam precursoras de um movimento na construção de novos modelos de funcionamento, mostrando-se coerentes em sua demanda interna, fazendo do trabalho profissional também uma forma de criação. Enfatizando o fato de que a dinâmica familiar exerce influência direta e decisiva no desenvolvimento emocional do indivíduo, as autoras concluíram que todas as participantes da pesquisa haviam perdido figuras parentais em idade precoce, demonstrando um processo acelerado de maturidade, associado à aquisição de autonomia e segurança conquistadas por meio do exercício profissional. Constatou-se o uso, por parte das entrevistadas, da projeção em pessoas e circunstâncias externas como justificativa para a escolha, com uma função de amenizar a culpa advinda de suas posições. As mulheres entrevistadas teriam, também, uma visão extremamente idealizada da maternidade, exigindo uma atuação perfeita. As autoras afirmam que essa opção pode estar influenciada por fatores inconscientes, mas que, mesmo assim, configura uma escolha, que esbarra em resistências e preconceitos.

Há uma importante faceta desta decisão abordada em algumas publicações, que leva em consideração a relação, existente ou não, entre não querer um filho e vivências na infância ou junto à família de origem. Essas pesquisas, em sua maioria, levam em conta as experiências das mulheres.

Slosar (2004) estudou a influência de fatores psicológicos em mulheres que adiaram a maternidade sem que esta tenha sido uma decisão consciente, embora manifestassem o desejo de ter filhos em época próxima ao fim da fecundidade, tentando entender o papel que forças psicológicas conscientes e inconscientes assumiam na vida e nas decisões reprodutivas de oito mulheres. Conflitos conscientes e inconscientes relativos à maternidade e à gravidez foram levados em conta nesta pesquisa, cuja metodologia envolveu o uso de entrevistas semidirigidas, cartões do TAT e o Pregnancy TAT. A autora verificou a presença de relações objetais infantis no conflito, mais especificamente uma notável falta de cuidados, amor e atenção por parte dos pais, reportada por todas as participantes. Outros achados em comum na maioria das participantes incluíam histórias de traumas ou perdas não elaboradas ocorridas na infância, repúdio à identificação maternal, evitação de responsabilidades como adultas, medo da gravidez e preocupação com a imagem corporal, raiva dos pais pelo tratamento que receberam na infância, uso de mecanismos de defesa - como repressão, negação e intelectualização - para se protegerem da realidade de não serem mães, falta de informação sobre fertilidade, ser a criança mais nova na família de origem, ter irmãos mais velhos também sem filhos e falta de encorajamento por parte dos próprios pais para serem mães.

Reitan (2000) comparou mães que adiaram a primeira gravidez até quase o final do período reprodutivo com não mães por opção, para verificar se existia relação entre vinculações na infância e essas opções em relação à maternidade, em mulheres com mais de 34 anos. Ao todo, a pesquisa contou com 48 mulheres; metade delas adiou a gravidez e as demais eram não mães por escolha. Foram utilizadas: uma escala, a Adult Attachment Interview, e questões complementares apresentadas em questionário.

A autora não encontrou diferença nos dois grupos pesquisados: mulheres de ambos os grupos reportaram ter experimentado muito pouco amor e um grau de rejeição moderado a alto por suas mães e por seus pais, significativamente mais pelos pais. Reitan (2000), entretanto, questiona a metodologia utilizada, concluindo que a semelhança dos resultados obtidos nos dois diferentes grupos pode ser decorrente do fato de a idade selecionada para a primeira gravidez ser muito próxima do fim da fecundidade, não se podendo tirar a conclusão de que vinculações precoces não exercem influência sobre as decisões reprodutivas.

Em um estudo realizado com mulheres australianas, Parr (2005) pretendeu analisar em que medida a opção por não ter filhos em mulheres variava de acordo com o tamanho e o tipo de família de origem, e também com a escolaridade, levando em conta variáveis que diziam respeito ao curso de vida posterior, como a situação conjugal e a condição socioeconômica. Esse estudo teve como base uma pesquisa demográfica realizada pelo governo da Austrália, e considerou mulheres sem filhos, entre 40 e 54 anos; a amostra final foi de mais de 2 mil mulheres. A conclusão foi de que mulheres com maior tempo de escolaridade (a partir de 12 anos) são mais propensas a não ter filhos por opção, assim como as que possuem um pequeno número de irmãos, as que aos 14 anos de idade tinham pais ausentes ou falecidos e as que aos 14 anos de idade tinham pais trabalhando em serviços profissionais.

O autor considera que sua pesquisa encontrou diferenças substanciais na propensão à ausência voluntária de filhos, a partir de características obtidas precocemente no curso de vida das mulheres. A discussão dos resultados envolve considerações sobre o interessante fato de que pais com vida profissional oferecem uma melhor qualidade de vida para suas filhas, além de incentivá-las a estudar e a seguir uma carreira. Além disso, o fato de se encontrar uma ligação entre desejo por não procriar e pouco número de irmãos pode ser indicativo de que pais com poucos filhos tendem a investir mais tempo e recursos para as filhas, e que estas tendem a obter maior escolaridade e empregos mais bem pagos como resultado.

Em um estudo qualitativo sobre a história de vida de quatro mulheres casadas e sem filhos por opção, Ziehler (1999) concluiu pela especificidade de cada história, indicando alguns aspectos em comum: o desenvolvimento de uma grande força provinda de circunstâncias de vida não usuais; dificuldades para verbalizar o entendimento que têm sobre feminilidade; criação de múltiplos significados de gênero que desafiavam e estendiam a equação social "feminilidade=maternidade"; existência de relacionamentos significativos no cuidado com crianças; preocupação com a geração e com o cuidado de filhos anômalos. O estudo envolveu três ou quatro entrevistas com duração aproximada de duas horas com cada participante, em que a pesquisadora pedia para que as mulheres contassem suas histórias de vida: método de interpretação biográfica.

2. Qualidade de vida e de relacionamento conjugal em casais sem filhos por opção: uma das supostas motivações para a escolha de não ter filhos, amplamente abordada na literatura estrangeira, diz respeito à satisfação conjugal ou pessoal. Os resultados das pesquisas variam bastante em relação a conclusões de maior ou menor satisfação reportada por pessoas ou casais sem filhos, sendo diversas vezes contraditórios (DeOllos & Kapinus, 2002). Os critérios utilizados na definição de "satisfação conjugal" e "qualidade de vida" variam bastante em todas essas pesquisas, envolvendo algumas vezes satisfação e qualidade declaradas, dados obtidos em serviços de saúde etc.

Twenge, Campbell e Foster (2003) afirmam que pais reportam uma satisfação conjugal menor do que os não pais, especialmente nos grupos de maior poder socioeconômico. Os dados desses autores sugerem que o decréscimo em satisfação seja decorrente de conflitos de papéis e restrição da liberdade com o nascimento de filhos. As mulheres, mães de filhos pequenos, seriam as mais insatisfeitas. Essa pesquisa envolveu uma meta-análise de 97 artigos científicos e dissertações, levantados em bases de dados entre os anos de 1974 e 2000, incluindo, ao todo, 47 692 respondentes.

Spurling (2002) realizou uma comparação entre 154 mulheres, cuja idade média era de 47,5 (DP=10,8), que eram mães intencionais, mães não intencionais, não mães intencionais e não mães não intencionais, utilizando escalas para avaliar a satisfação de vida destas mulheres. Sua conclusão foi de que as não mães não intencionais eram as que demonstravam menor satisfação de vida, e que as não mães intencionais eram as mais satisfeitas do grupo.

Comparações entre mulheres canadenses mães voluntariamente e voluntariamente sem filhos mostram que aquelas que escolheram não ter filhos demonstram maiores níveis de bem-estar geral, intitulam-se mais autônomas, mais desenvolvidas e são menos propensas a arrependimentos pela falta de filhos (Jeffries & Konnert, 2002). A metodologia desta pesquisa envolveu a aplicação de escalas e a realização de entrevista semidirigida com 72 mulheres com mais de 45 anos, divididas em seis grupos diferentes. Uma importante contribuição desta pesquisa diz respeito à preocupação com o rigor na hora de definir se a ausência de filhos foi voluntária ou involuntária.

As autoras do estudo acima argumentam que cerca de um terço das mulheres categorizadas por pesquisadores como involuntariamente não mães se autointitula "não mãe por opção". Propõem, então, que as mulheres devem ser consideradas voluntariamente sem filhos se referirem uma destas razões: ela e o parceiro nunca terem desejado filhos; em um momento desejaram, mas mudaram de ideia; nunca era a hora certa, ou a decisão foi adiada até que fosse tarde demais. As mulheres devem ser consideradas involuntariamente sem filhos se uma das seguintes razões for apresentada: impossibilidade física dela ou do parceiro; ela apresentou dificuldades de concepção ou de levar uma gravidez a termo; ela não usou contraceptivos e não engravidou; tentou, ou quis, adotar uma criança, mas não pôde fazê-lo ou, finalmente, ela coloca que as circunstâncias fizeram com que fosse impossível ter filhos.

Alguns estudos norte-americanos concluem que a ausência de filhos não se liga necessariamente a uma diminuição do bem-estar subjetivo (Koropeckyj-Cox, 1998). Koropeeckjyj-Cox (2002), utilizando dados de uma pesquisa nacional e restringindo seu estudo a pessoas com idade entre 50 e 84 anos, enfatizou a necessidade de se considerar as diferenças qualitativas nas experiências de maternidade/paternidade ou de ausência de filhos. Desta maneira, em sua análise, a autora compara pais e mães, em termos de depressão e bem-estar, levando em conta a qualidade da relação com os filhos; no caso dos não pais e não mães, ela considerou se esta condição foi voluntária e se era congruente com os desejos dos participantes. Concluiu que, tanto para homens quanto para mulheres, uma relação ruim com os filhos liga-se à diminuição do bem-estar. Homens sem filhos voluntariamente e involuntariamente não apresentam menor bem-estar que os outros. As mulheres que se apresentam mais deprimidas e solitárias são as que não possuem filhos apesar de desejarem, e aquelas que possuem uma relação ruim com seus filhos. As que apresentam as melhores condições são aquelas que têm bom relacionamento com os filhos e aquelas que não são mães por opção.

Zhang e Hayward (2001), com dados obtidos em pesquisa demográfica com idosos americanos, concluíram que a ausência de filhos, em si, não aumenta a prevalência de solidão ou depressão em idades avançadas. Nesta linha de investigação, Driver e Abed (2004) concluíram que mulheres sem filhos não cometem mais suicídios que a população feminina em geral em Rotherham, na Inglaterra. Wu e Hart (2002), que estudaram a saúde mental de idosos sem filhos (sem levar em conta se a ausência de filhos é intencional ou não) consideraram que, para se prever a saúde mental dos idosos, uma consideração a respeito da presença ou ausência de suporte social é mais efetiva do que a de filhos. E, para eles, os idosos sem filhos desenvolvem redes de suporte social que os protegem de problemas mentais, como estresse e depressão. A pesquisa foi realizada a partir de análise estatística de estudos populacionais canadenses.

Apesar destas evidências, Chou e Chi (2004) obtiveram outros resultados. Concluíram que, no caso de chineses idosos com mais de sessenta anos, a ausência de filhos foi correlacionada significativamente com solidão e depressão, mesmo após o controle de variáveis como situação conjugal, gênero, idade, grau de escolaridade, situação de saúde reportada e situação financeira. Essas autoras enfatizam a diferença entre os resultados obtidos em Hong Kong e aqueles obtidos em pesquisas norte-americanas, o que pode comprovar o que foi exposto acima, de que a escolha por não ter filhos seja um fenômeno predominantemente ocidental. Interessante observar também os dados de Stöbel-Richter et al. (2005), que demonstram que mulheres sem filhos na Alemanha oriental manifestam maior desejo de ter filhos do que as que vivem na Alemanha ocidental.

Fjell (2002), interessada na experiência da minoria de mulheres norueguesas que não pretendem ter filhos, e utilizando entrevistas em profundidade, concluiu que estas vivem felizes sem filhos, apesar de reportarem dificuldades sociais, decorrentes de críticas e falta de entendimento de muitas pessoas, que, segundo as entrevistadas, não levam sua decisão a sério.

Já um estudo conduzido na Alemanha por Bammann et al. (1999) apresenta um pior estado de saúde em mulheres entre 50 e 59 anos, empregadas e sem filhos, em comparação àquelas com filhos, empregadas ou não. Esse estudo teve como base dados de uma pesquisa nacional sobre saúde.

Nomaguchi e Milkie (2003) compararam indivíduos sem filhos e pais recentes. A pesquisa, quantitativa, foi realizada com dados de duas levas da National Survey of Families and Households, o que permitiu um acompanhamento longitudinal, além da divisão de grupos de comparação. Concluíram que a chegada de um filho é tanto gratificante quanto prejudicial: a maior vantagem da maternidade/paternidade seria em relação à integração social. Outros efeitos variavam muito dependendo do gênero e da situação conjugal. Os pais não casados, por exemplo, relataram menor bem-estar do que os não casados sem filhos. Mães casadas reportavam mais conflitos conjugais, mas menor depressão que as mulheres casadas sem filhos. No caso de homens casados, o status parental mostrou-se pouco influente. Percebe-se, a partir da leitura do texto, que os autores se posicionam a favor da experiência de ter filhos.

Em meio a tantos estudos que comprovam ora a vantagem na ausência de filhos, ora sua desvantagem, Skutch (2001) concluiu, a partir de sua pesquisa de comparação entre mães por opção e não mães por opção, que os dois grupos não diferem muito nos quesitos qualidade de vida e perspectiva feminina, ou seja, que o fato de ser ou não mãe não necessariamente se relaciona com um preenchimento da condição de mulher.

3. Visão social e preconceito em relação à não procriação: a questão dos estereótipos e preconceitos enfrentados por mulheres que optam pela ausência de filhos, já citados na conclusão de Fjell (2002), foi abordada por Letherby (2002), para quem a experiência da não maternidade é tão complexa e variada quanto a da maternidade, ao contrário do que sugerem as caricaturas socialmente intrincadas, de que mulheres sem filhos sejam desesperadas (no caso de infertilidade) ou egoístas (no caso de opção). A autora considera, entretanto, que já houve uma certa mudança nos discursos dominantes em relação à maternidade e à não maternidade: a ambivalência em relação à experiência da maternidade seria hoje mais fácil de ser verbalizada do que em outros tempos.

De acordo com Morell (2000), as experiências de mulheres heterossexuais sem filhos por opção são frequentemente mal entendidas e mal nomeadas, devido a um padrão idealizado de maternidade pelo meio social. A pesquisadora chegou a esta conclusão a partir de entrevistas realizadas com 34 mulheres americanas, casadas, com idade entre 40 e 78 anos. Ela ressalta o fato de que muitas destas mulheres pertenciam às classes mais pobres, e que associavam a ascensão social ao fato de não terem filhos.

Park (2002) considera que indivíduos que optaram pela não paternidade/maternidade lidam com os estereótipos negativos e com as pressões sociais para alterar ou justificar sua situação. Utilizando entrevistas em profundidade com 24 sujeitos, homens e mulheres, sem filhos por opção, investigou quais seriam as estratégias adotadas por eles ao lidar com uma identidade estigmatizada, tanto em âmbito individual quanto nas interações sociais. Concluiu que isso pode se dar ao longo de formas primárias e reativas de defesa, como alegar uma deficiência biológica; de formas intermediárias, desafiando ideologias tradicionais; ou por meio de técnicas pró-ativas de definição da ausência de filhos como um estilo de vida socialmente valorizado.

Considerações Finais

Pretendeu-se, aqui, uma revisão da literatura sobre uma questão contemporânea, ou seja - a escolha por não ter filhos em casais ou individualmente - em publicações específicas da área de psicologia, nos últimos dez anos. O levantamento foi realizado nas mais diversas perspectivas, que envolveram diferentes populações, metodologias e instrumentos utilizados, o que permitiu tecer uma visão crítica acerca da produção científica recente envolvendo o tema.

Todas as pesquisas e trabalhos apresentados evidenciaram uma importante dimensão política, seja pelo vértice da valorização do feminismo e da possibilidade de escolha ativa pela mulher, do pronatalismo ou da necessidade de término das estigmatizações negativas em relação a esta população. Os trabalhos da última década servem como exemplo, pois colocam claramente, em um contexto crítico, o preconceito sofrido pelos que optam pela ausência de filhos e, também, discutem a valorização da não maternidade sob um enfoque feminista.

Uma preocupação que se mostra em vários artigos de origem europeia - especialmente alemã - e australiana relaciona-se à diminuição no número de crianças e ao envelhecimento da população. Tais trabalhos se propõem, manifestadamente ou não, a estudar em profundidade a escolha pela não maternidade como uma maneira de elaboração de políticas públicas eficazes de incentivo aos nascimentos. Esta seria uma atitude justificada pela condição social em que se inserem tais países, com taxas de fecundidade muitas vezes menores que a taxa de reposição da população.

Conclui-se ainda que o aspecto fundamental a ser considerado, em todo o levantamento bibliográfico realizado, é a possibilidade de escolhas para além da maternidade, especialmente para as mulheres do período pós-feminismo. É o "poder escolher", independentemente daquilo que se escolhe, a grande fonte de satisfação, seja ela de caráter individual ou conjugal.

A maioria dos estudos quantitativos permite observar um aumento na satisfação conjugal e pessoal decorrente desse tipo de opção, bem como a existência ainda de preconceito e estigmatização social, de um modo geral. Em contrapartida, quando se tem acesso à singularidade de cada caso - dado que se pode obter mediante estudos qualitativos - tem-se que tal escolha encontra-se envolta em uma atmosfera de conflitos, ambivalências e ambiguidades, e é influenciada pelos fatores geracionais, prevalecendo nas mulheres a possibilidade de realizações em outros campos da vida. Entretanto, deve-se levar em consideração que a presença de ambivalências, conflitos e angústias não é exclusiva dessa população pesquisada.

Dado que na Europa e Estados Unidos o feminismo e o controle da natalidade deram-se mais precocemente do que no Brasil, os estudos e pesquisas sobre ausência voluntária de filhos são mais numerosos e antigos, e são, em sua maioria, quantitativos. Na realidade brasileira esse é um fenômeno recente e, consequentemente, pouco estudado. Destaca-se a unanimidade de utilização de metodologias qualitativas nas pesquisas brasileiras envolvendo populações de grandes centros urbanos.

Espera-se que esta revisão possa ser útil na produção de um conhecimento cada vez mais necessário no país, na medida em que o fenômeno da ausência voluntária de filhos vem assumindo relevância e visibilidade na família contemporânea brasileira, gerando questionamentos e preocupações acerca da importância ou não da herança geracional na constituição psíquica dos indivíduos e da influência desse modus vivendi nos índices populacionais. A diminuição na taxa de natalidade tem como consequência, após alguns anos, o envelhecimento da população, fator que leva à necessidade de novas políticas sociais.

Recebido em: 6/8/2007

Versão final reapresentada em: 2/4/2008

Aprovado em: 24/4/2008

  • Abma, J. C., & Martinez, G. M. (2006). Childless among older women in the United States: trends and profiles. Journal of Marriage and Family, 68 (4), 1045-1056.
  • Bammann, K., Babitsch, B., Jahn, I., & Maschewsky-Schneider, U. (1999). Female life courses and health: results of a study of national survey data of 50-69-year-old women in East and West Germany. Sozial-und Präventivmedizin, 44 (2), 65-77.
  • Badinter, E. (1985). Um amor conquistado: o mito do amor materno Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
  • Bonini-Vieira, A. (1996). Definidas pela negação, construídas na afirmação: a perspectiva de mulheres não-mães sobre a maternidade e seu projeto de vida. Dissertação de mestrado não-publicada, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
  • Chou K. L., & Chi I. (2004). Childlessness and psychological well-being in Chinese older adults. International Journal of Geriatric Psychiatry, 19 (5) 449-57
  • Connidis, I. A. & McMullin, J. A. (1999). Permanent childlessness: perceived advantages and disadvantages among older persons. Canadian Journal on Aging, 18 (4), 447-465.
  • Cummis, H. A. (2005). Mommy tracking single women in academia when they are not mommies. Women's Studies International Forum, 28 (2-3), 222-231
  • DeOllos, I. Y., & Kapinus, C. A. (2002). Aging childless individuals and couples: suggestions for new directions in research. Sociological Inquiry, 72 (1), 72-80.
  • Driver, K., & Abed, R. T. (2004). Does having offspring reduce the risk of suicide in women? International Journal of Psychiatry in Clinical Practice, 8 (1), 25-29.
  • Fjell, T. I. (2002). Voluntarily childless women: wherein lies the problem? Tidsskr Nor Laegeforen, 122 (1), 76-8.
  • Gillespie, R. (2003). Childfree and feminine: understanding the gender identity of voluntarily childless women. Gender and Society, 17 (1), 122-136.
  • Hewlett, S. A. (2002). Executive women and the myth of having it all. Harvard Business Review, 80 (4), 66-73.
  • Instituto Brasileiro de Geografia e Estatítica. (2007). Síntese dos indicadores sociais 2006. Recuperado em outubro 13, 2007, disponível em http://www.ibge.gov.br
    » link
  • Jablonski, B. (2003). Afinal, o que quer um casal? Algumas considerações sobre o casamento e a classe média carioca. In T. Féres-Carneiro (Ed.), Família e casal: arranjos e demandas contemporâneas (pp.141-168). Rio de Janeiro: Loyola.
  • Jeffries, S., & Konnert, C. (2002). Regret and psychological well-being among voluntarily and involuntarily childless women and mothers. International Journal of Aging & Human Development, 54 (2), 89-106.
  • Kemkes-Grottenthaler, A. (2003). Postponing or rejecting parenthood? Results of a survey among female academic professionals. Journal of Biosocial Science, 35 (2), 213-226.
  • Koropeckyj-Cox, T. (1998). Loneliness and depression in idle and old age: are childless more vulnerable? The Journals of Gerontology. Series B, Psychological Sciences and Social Sciences, 53 (6), 303-312.
  • Koropeckyj-Cox, T. (2002). Beyond parental status: Psychological well-being in middle and old age. Journal of Marriage and the Family, 64 (4), 957-971.
  • Lee, C., & Gramotnev, H. (2006). Motherhood plans among young Australian women: who e want's children these days? Journal of Health Psychology, 11 (1), 5-20.
  • Letherby, G. (2002). Childless and bereft? Stereotypes and realities in relation to 'voluntary' and 'involuntary' childlessness and womanhood. Sociological Inquiry, 72 (1), 7-20.
  • Maldonado, M. T. (1989) Maternidade e paternidade: situações especiais e de crise na família (Vol 2). Vozes: Rio de Janeiro.
  • Mansur, L. H. B. (2000). Experiências de mulheres sem filhos: a mulher singular no plural. Dissertação de mestrado não-publicada, Universidade de São Paulo.
  • Mondardo, A. H., & Lima, R. F. C. (1998). Nem toda mulher quer ser mãe: outros caminhos para a realização pessoal. Psico, 29 (2), 107-128.
  • Morell, C. (2000). Saying no: women's experiences with reproductive refusal. Feminism and Psychology, 10 (3), 313-22.
  • Nomaguchi, K. M., & Milkie, M. A. (2003). Costs and rewards of children: the effects of becoming a parent on adults' lives. Journal of Marriage and the Family, 65 (2), 356-374.
  • Park, K. (2002). Stigma management among the voluntarily childless. Sociological Perspectives, 45 (1), 21-45.
  • Park, K. (2005). Choosing childlessness: Weber's typology of action and motives of the voluntary childless. Sociological Inquiry, 75 (3), 372-402.
  • Parr, N. J. (2005). Family background, schooling and childlessness in Australia. Journal of Biosocial Science, 37 (2), 229-243.
  • Rauchfuss, M., & Sperfeld, A. (2001). Child or career? Desire for a child in East and West Berlin. Zentralbl Gynakol, 123 (1), 54-63.
  • Reitan, J. A. (2000). Attachment as a mediating variable in the decision to delay childbearing. Dissertation Abstracts International: Section B: The Sciences and Engineering, 60 (7-B), 3596.
  • Rios, M. G. (2007). Casais sem filhos por opção: análise psicanalítica através de entrevistas e TAT Dissertação de mestrado não-publicada, Universidade de São Paulo.
  • Roudinesco, E. (2003). A família em desordem Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
  • Scavone, L. (2001). Maternidade: transformações na família e nas relações de gênero. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, 5 (8), 47-60.
  • Skutch, L. P. (2001). Childless-by-choice women and mothers-by-choice: a comparative study of attitudes and behaviors on quality of life and feminist perspectives. Dissertations Abstracts International: Section B: The Sciences and Engineering, 62 (2-B), 1145.
  • Slosar, H. K. (2004). The influence of psychological forces on childbearing delay in women nearing the end of fecundity. Dissertation Abstracts International: Section B: The Sciences and Engineering, 64 (10B), 5235.
  • Spurling, S. L. (2002). Generativity in intentionally childless women: an examination of the Macadams and the St. Aubin model. Dissertation Abstracts International: Section B: The Sciences and Engineering, 62 (9-B), 4237.
  • Stöbel-Richter, Y., Beutel, M. E., Fink, C., & Bräler, E. (2005). The 'wish to have a child', childlessness and infertility in Germany. Human Reproduction, 20 (10), 2850-2857.
  • Twenge, J., Campbell, W. K., & Foster, C. A. (2003). Parenthood and marital satisfaction: a meta-analytic review. Journal of Marriage and Family, 65 (3), 574-583.
  • Wu, Z., & Hart, R. (2002). The mental health of the childless elderly. Sociological Inquiry, 72 (1), 21-42.
  • Zhang, Z., & Hayard, M. D. (2001). Childlessness and the psychological well-being of older persons. The Journals of Gerontology: Series B: Psychological Sciences and Social Sciences, 56 (5), 311-320.
  • Ziehler, N. (1999). Untold stories: the lives of mid-life married women who are childless by choice. Dissertation Abstracts International Section A: Humanities and Social Sciences, 60 (6A), 225.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jul 2009
  • Data do Fascículo
    Jun 2009

Histórico

  • Aceito
    24 Abr 2008
  • Revisado
    02 Abr 2008
  • Recebido
    06 Ago 2007
Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de Campinas Núcleo de Editoração SBI - Campus II, Av. John Boyd Dunlop, s/n. Prédio de Odontologia, 13060-900 Campinas - São Paulo Brasil, Tel./Fax: +55 19 3343-7223 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: psychologicalstudies@puc-campinas.edu.br