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Estresse e ansiedade em pacientes renais crônicos submetidos à hemodiálise

Stress and anxiety in chronic renal patients undergoing hemodialysis

Resumos

A deficiência renal crônica é uma doença sistêmica que provoca a perda da autonomia do paciente, levando-o a limitações físicas, restrições laborais e também a perdas sociais. Pacientes com esse tipo de patologia geralmente são submetidos a sessões regulares de hemodiálise, um tratamento rigoroso e debilitante. O objetivo deste estudo foi investigar o nível de estresse e a ansiedade de pacientes submetidos à hemodiálise no Instituto do Rim de Natal, no estado do Rio Grande do Norte, Brasil. Para a coleta de dados, foram utilizados dois instrumentos: Inventário de Sintomas para Stress para Adultos de Lipp e Inventário de Ansiedade Traço-Estado. A amostra (n=100) apresentou homogeneidade em relação ao sexo, com média de idade de 46 anos e predominância de indivíduos casados, aposentados e com renda familiar baixa. Os resultados obtidos no primeiro instrumento revelaram que 71% dos pacientes encontravam-se estressados, dos quais 47% estavam na fase de resistência. Todos os pacientes entrevistados apresentaram ansiedade com níveis de moderado (66%) a severo (34%). Esses dados levam a descrever esse grupo de pacientes como altamente sujeitos ao estresse e à ansiedade.

Ansiedade; Estresse; Hemodiálise; Pacientes renais


Chronic renal failure is a systemic disease that provokes the loss of autonomy of the patient leading to physical limitations, work restrictions, and social losses. Patients with this type of pathology are usually treated by hemodialysis, a rigorous and debilitating treatment. The goal of this study was to assess levels of stress and anxiety in patients undergoing hemodialysis at the Instituto do Rim clinic in Natal in the state of Rio Grande do Norte, Brazil. The Lipp Stress Symptoms Inventory and the Trait-State Anxiety Inventory were used for the data collection. The sample (n=100) showed homogeneity in relation to gender, with a mean age of 46 and a predominance of married and retired individuals, with low family incomes. The results showed that the majority of the patients (71%) suffered high levels of stress, specifically in the resistance phase, and the incidence of psychological symptoms was greater than the physical manifestations. Furthermore, all the individuals presented moderate (66%) or high levels (34%) of anxiety. According to these data patients with chronic renal failure showed high levels of stress and anxiety.

Stress; Anxiety; Hemodialysis; Renal patients


ARTIGOS

Estresse e ansiedade em pacientes renais crônicos submetidos à hemodiálise

Stress and anxiety in chronic renal patients undergoing hemodialysis

Lionezia dos Santos ValleI; Valéria Fernandes de SouzaII; Alessandra Mussi RibeiroII

IFaculdade Natalense para o Desenvolvimento do Rio Grande do Norte, Departamento de Enfermagem. Natal, RN, Brasil

IIUniversidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Biociências, Departamento de Fisiologia, Programa de Pós-Graduação em Psicobiologia. Campus Universitário Lagoa Nova, 59078-970, Natal, RN, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: A.M. RIBEIRO. E-mail: <alessandra@cb.ufrn.br>

RESUMO

A deficiência renal crônica é uma doença sistêmica que provoca a perda da autonomia do paciente, levando-o a limitações físicas, restrições laborais e também a perdas sociais. Pacientes com esse tipo de patologia geralmente são submetidos a sessões regulares de hemodiálise, um tratamento rigoroso e debilitante. O objetivo deste estudo foi investigar o nível de estresse e a ansiedade de pacientes submetidos à hemodiálise no Instituto do Rim de Natal, no estado do Rio Grande do Norte, Brasil. Para a coleta de dados, foram utilizados dois instrumentos: Inventário de Sintomas para Stress para Adultos de Lipp e Inventário de Ansiedade Traço-Estado. A amostra (n=100) apresentou homogeneidade em relação ao sexo, com média de idade de 46 anos e predominância de indivíduos casados, aposentados e com renda familiar baixa. Os resultados obtidos no primeiro instrumento revelaram que 71% dos pacientes encontravam-se estressados, dos quais 47% estavam na fase de resistência. Todos os pacientes entrevistados apresentaram ansiedade com níveis de moderado (66%) a severo (34%). Esses dados levam a descrever esse grupo de pacientes como altamente sujeitos ao estresse e à ansiedade.

Unitermos: Ansiedade; Estresse; Hemodiálise; Pacientes renais.

ABSTRACT

Chronic renal failure is a systemic disease that provokes the loss of autonomy of the patient leading to physical limitations, work restrictions, and social losses. Patients with this type of pathology are usually treated by hemodialysis, a rigorous and debilitating treatment. The goal of this study was to assess levels of stress and anxiety in patients undergoing hemodialysis at the Instituto do Rim clinic in Natal in the state of Rio Grande do Norte, Brazil. The Lipp Stress Symptoms Inventory and the Trait-State Anxiety Inventory were used for the data collection. The sample (n=100) showed homogeneity in relation to gender, with a mean age of 46 and a predominance of married and retired individuals, with low family incomes. The results showed that the majority of the patients (71%) suffered high levels of stress, specifically in the resistance phase, and the incidence of psychological symptoms was greater than the physical manifestations. Furthermore, all the individuals presented moderate (66%) or high levels (34%) of anxiety. According to these data patients with chronic renal failure showed high levels of stress and anxiety.

Uniterms: Stress; Anxiety; Hemodialysis; Renal patients.

O estresse ou síndrome geral da adaptação tem sido tópico de várias pesquisas desde o trabalho pioneiro de Selye (1936), em que foram mostradas evidências de que diferentes tipos de condições físicas e/ou psicológicas podem potencialmente produzir um conjunto de reações fisiológicas que alteram a homeostase do organismo, promovendo prejuízos e impacto negativo na saúde e bem-estar dos indivíduos.

O estresse surge mediante um processo de várias etapas, e sua sintomatologia pode ser diferenciada em três fases: alarme, resistência e exaustão.

A primeira fase do estresse - alarme -, inicia-se quando o organismo é exposto a um agente estressor, com uma resposta corporal de mobilização de energia para defesa, luta ou fuga, que pode ser entendida como um comportamento de adaptação. Essa fase é caracterizada por alguns sintomas, como taquicardia, tensão crônica, dor de cabeça, sensação de esgotamento, hipocloremia, pressão no peito, extremidades frias, dentre outros.

Se o organismo permanecer exposto a um estressor de longa duração ou de grande intensidade, inicia-se a segunda fase - resistência -, em que ocorre a alteração de vários parâmetros da homeostase a fim de levar o organismo à adaptação. Nessa fase, podem surgir sintomas como cansaço, irritabilidade, ansiedade, medo, isolamento social, oscilação do apetite, impotência sexual e alteração de humor.

A terceira fase - exaustão -, surge quando o organismo encontra-se extenuado pela exposição ainda mais prolongada ao agente estressor: o organismo não consegue mais equilibrar-se, podendo manifestar doenças orgânicas como hipertensão arterial, doenças cardiovasculares, gastrointestinais e fadiga crônica.

Embora Selye tenha identificado um modelo trifásico, a pesquisadora Marilda Lipp descreveu uma quarta fase do processo de estresse - a fase de quase exaustão -, nomeada assim por se encontrar entre a fase de resistência e a de exaustão (Lipp, 2000; Lipp & Guevara, 1994). Essa fase ocorre após a fase de resistência e pode ser caracterizada por um enfraquecimento do organismo, que não consegue resistir ao estressor. As doenças começam a surgir, porém ainda não tão graves como na fase de exaustão.

As manifestações orgânicas promovidas pelo estresse podem ser observadas tanto na forma física (sudorese, taquicardia, náuseas, tensão muscular e hipertensão arterial), como na psicológica (ansiedade, tensão, angústia, insônia, alienação, preocupação excessiva, incapacidade de concentração, depressão e hipersensibilidade emotiva) (Minari & Souza, 2011; Pafaro & De Martino, 2004).

Cabe ressaltar que o estresse não é o responsável patogênico das doenças, mas a exposição crônica a uma situação estressora pode conduzir a um enfraquecimento orgânico e psicológico, de maneira que doenças com predisposição genética podem se manifestar no indivíduo. Ademais, o próprio estresse pode agravar a condição clínica já existente no indivíduo.

No Brasil, os estudos que envolvem o estresse têm incluído algumas pesquisas a respeito de portadores de doenças crônicas (Castro & Scatena, 2004; Nery, Borba & Lotufo Neto, 2004; Silva, Müller & Bonamigo, 2006; Moura et al., 2010). Porém, ainda são escassas pesquisas sobre esse tema, sendo necessário ampliar a literatura para um possível desenvolvimento de programas que promovam o controle do estresse e visem a sua prevenção e a seu tratamento.

Atualmente, a Insuficiência Renal Crônica (IRC) constitui um importante problema de Saúde Pública (Levey & Coresh, 2012). Essa doença é o resultado final do comprometimento da função renal por diversas doenças que acometem os rins, podendo levar o indivíduo a restrições severas ou até mesmo à morte (Resende, Santos, Souza & Marques, 2007).

De acordo com o censo da Sociedade Brasileira de Nefrologia (2011), 91.314 pacientes estavam em terapia renal substitutiva no Brasil devido à IRC. A prevalência de pacientes mantidos em programas assistenciais destinados ao controle e tratamento de IRC dobrou nos últimos anos (Queiroz, Dantas, Ramos & Jorge, 2008). Alguns profissionais da área de Saúde Pública já descrevem essa doença como uma nova epidemia do século XXI. É estimado que aproximadamente dois milhões de brasileiros apresentem doenças renais crônicas assintomáticas, sendo muito comum não ocorrer sintomas aparentes até que os rins percam 50% de sua capacidade funcional (Kirsztajn, 2007).

A insuficiência renal crônica pode ser tratada por meio da hemodiálise: um tratamento rigoroso que requer cuidados clínicos especiais (Nascimento & Marques, 2005; Tetta, Roy, Gatti & Cerutti, 2011). O tratamento de hemodiálise tem papel fundamental na manutenção da vida. Esse procedimento filtra o sangue e equilibra o excesso de sais e líquidos, auxiliando no controle da pressão arterial e no equilíbrio hídrico do organismo. Em média, são necessárias três sessões de hemodiálise por semana, com duração de três a quatro horas (Terra, Cabral, A.M.D.D. Costa, M.D. Costa & R.D. Costa, 2008). Durante o tratamento, as emergências e os óbitos são constantes, e o paciente está sujeito a diversas complicações técnicas (ruptura da membrana, coagulação nas alças de hélice, líquido dialisador inadequado, água contaminada, entre outras) e clínicas (hipotensão, hipertensão, câimbras, cefaleia, vômitos, convulsões, acidentes vasculares cerebrais etc.).

Os pacientes renais crônicos dependentes de terapia renal substitutiva (hemodiálise) convivem diariamente com uma doença que os obriga a um tratamento doloroso e de longa duração, que provoca, juntamente com evolução da doença, complicações que podem levar a limitações no seu cotidiano que geram inúmeras perdas e mudanças biopsicossociais que interferem na sua qualidade de vida (Ferreira & Silva Filho, 2011; Garcia, Veiga, Motta, Moura & Casulari, 2010; Higa, 2008 ).

A condição crônica da doença renal e o tratamento hemodialítico são fontes de estresse permanente, podendo levar o paciente ao isolamento social, à perda da capacidade laboral, à parcial impossibilidade de locomoção e lazer, à diminuição da atividade física, à perda da autonomia, a alterações da imagem corporal e, ainda, a um sentimento ambíguo entre o medo de viver e o de morrer (Davison, 2010; Machado & Car, 2003).

Considerando-se a importância de estudar cada vez mais os efeitos e prejuízos do estresse para o ser humano, principalmente em se tratando de grupos vulneráveis, como é o caso de pacientes renais crônicos, este estudo objetivou avaliar os níveis de estresse e de ansiedade de indivíduos em tratamento hemodialítico no Instituto do Rim do município de Natal (RN).

Método

Participantes

A pesquisa foi desenvolvida no Instituto do Rim do município de Natal (RN), conveniado com o Sistema Único de Saúde (SUS) e com convênios privados. Foram entrevistados 100 pacientes que realizavam a hemodiálise pelo menos três vezes por semana. Como critério, foram excluídos apenas os pacientes com comorbidade associada à doença renal que limitasse sua participação na pesquisa. Este projeto de pesquisa foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes (CEP-HUOL), sendo aprovado em seus aspectos éticos e metodológicos, incluindo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) de acordo com as diretrizes da Resolução 196/96 e complementares do Conselho Nacional de Saúde (Protocolo 322/09).

Instrumentos

Para coleta de dados, foram utilizados: TCLE e um Questionário de Caracterização Sociodemográfica, que solicitava dados básicos do participante: iniciais do nome, sexo, idade, profissão, nível de escolaridade, estado civil e renda familiar.

A avaliação do estresse foi realizada através do Inventário de Sintomas de Estresse para Adultos de Lipp (ISSL) (Lipp, 2000), que identifica o nível de estresse e sua sintomatologia e avalia se a pessoa apresenta sintomas de estresse, a natureza desses sintomas (psicológicos ou somáticos) e em qual fase se encontram. O ISSL é constituído de uma lista de sintomas físicos e psicológicos divididos em três Tabelas, correspondendo cada Tabela a uma das fases do modelo. O respondente deve indicar primeiramente quais sintomas da Tabela 1 experimentou nas últimas 24 horas. A seguir, deve assinalar os sintomas da última semana dentre os apresentados no Tabela 2 e, finalmente, deve assinalar, dentre os sintomas físicos e psicológicos da Tabela 3, quais apresentou no último mês.

Para a avaliação de intensidade de ansiedade, foi utilizado o Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE) (Spielberger, Gorsuch & Lushene, 1970). o autor desse teste define a ansiedade-estado como o estado emocional transitório ou condição do organismo humano caracterizada por sentimentos desagradáveis de tensão e apreensão, percebidos por meio do aumento na atividade do sistema nervoso autônomo. Essa escala consiste de 20 afirmações com escores variando de 20 a 80 pontos; os escores altos indicam alto nível de ansiedade, e escores baixos, baixo nível de ansiedade.

Procedimentos

A aplicação dos instrumentos foi realizada na própria clínica do Instituto do Rim, em um local apropriado e reservado. Todo o projeto de pesquisa foi explicado detalhadamente de forma individual a cada possível voluntário, e, após a confirmação de sua participação, cada voluntário assinou o termo de consentimento livre e esclarecido. A cada participante foi garantida a suspensão de sua participação em qualquer momento da pesquisa sem qualquer tipo de prejuízo em seu tratamento médico. A coleta dos dados foi feita durante o período de espera para a sessão de hemodiálise.

Após o consentimento, cada indivíduo preencheu a ficha de identificação e, em seguida, o Inventário de Sintomas de Estresse e o Inventário de Ansiedade respectivamente. Os pesquisadores não realizaram a análise dos dados diante do entrevistado e nem informaram o resultado individual após sua análise com intenção de diagnóstico. A correção e a interpretação dos inventários foram realizadas por uma psicóloga, conforme solicita o Conselho Federal de Psicologia.

As respostas ao inventário e à ficha de características sociodemográficas foram registradas na forma de banco de dados do Statiscal Package for the Social Sciences (SPSS) for Windows 16 (e foram tabuladas pelo software Excel for Windows Vista para viabilizar o desenvolvimento das análises estatísticas. Foi utilizado o teste Qui-quadrado para avaliar a significância das diferenças de manifestação de sintomas (físicos e psicológicos) entre as fases do estresse (alerta, resistência, quase exaustão, exaustão). Foram consideradas diferenças estatísticas significativas quando p<0,05.

Resultados

Os resultados obtidos no questionário de caracterização sociodemográfica revelaram que a amostra estudada apresentou uma homogeneidade quanto ao sexo: 54% pertencente ao sexo masculino e 46%, ao sexo feminino (Tabela 1). A Média de idade foi (M)= 46,6 ± 4,6 anos (M ± EPM), e a maioria dos pacientes se concentrou na faixa etária de 31 a 50 anos (41%) e na acima dos 51 anos (41%). Quanto ao estado civil, 55% eram casados, 23%, solteiros e 9%, viúvos. A maioria dos pacientes tinha ensino fundamental incompleto (59%); apenas 17% tinham o ensino médio completo, 12% eram analfabetos e 3% tinham ensino superior. Em relação aos dados profissionais, a maioria dos pacientes já estava aposentada (75%), e 16% declararam não ter nenhuma profissão. A renda familiar apresentou-se baixa, variando de um salário-mínimo (35%) ou de dois a três (46%) salários. Vale ressaltar que não houve prevalência em relação ao tempo de tratamento hemodialítico (Tabela 1).

Os resultados obtidos no ISSL foram analisados segundo a orientação da própria autora, ou seja, foram calculados os percentuais de pacientes que estavam estressados, das fases em que se encontravam e dos sintomas mais frequentes. Assim, 71% dos pacientes avaliados apresentaram estresse e 29% não indicaram sintomas estressantes significativos. Em relação à sintomatologia, os pacientes estressados estavam distribuídos da seguinte maneira nas diferentes fases: 4% na primeira fase de instalação do estresse (fase de alerta); 47% apresentavam sintomas da fase de resistência; 13% na fase de quase exaustão e 7% já apresentavam sintomas de exaustão. Nesta amostra, observamos que, em relação à natureza dos sintomas, há uma predominância de sintomas psicológicos (55%) em comparação aos sintomas físicos (16%) ou a ambos (29%).

A análise da ocorrência de estresse de acordo com o sexo revelou que 53,5% dos indivíduos estressados eram homens e que 46,5% eram mulheres. O teste Qui-quadrado não mostrou associação significativa entre o diagnóstico de estresse e o sexo (χ2=0,33, p=0,56). Observou-se que, em relação às outras variáveis (faixa etária, estado civil, escolaridade, profissão e renda familiar), também não houve associações significativas.

Em relação à ansiedade, os resultados obtidos através da análise do IDATE mostraram que todos os pacientes apresentavam ansiedade. Os indivíduos apresentaram sintomas de ansiedade moderada (66%) e alta (34%) (Tabela 3). A média dos escores obtida através do IDATE foi de M=47,5 ± 0,6 (M ± EPM), demonstrando a prevalência da ansiedade moderada. Não houve diferença significativa entre homens (35%) e mulheres (32%), que apresentaram níveis moderados de ansiedade. Também não foram observadas diferenças entre os sexos entre os indivíduos que apresentaram níveis elevados de ansiedade (homens=19% e mulheres=15%).

Discussão

Este estudo revelou alto percentual de estresse e ansiedade em pacientes submetidos ao tratamento hemodialítico na clínica do Instituto do Rim do município de Natal (RN). A amostra apresentou homogeneidade em relação ao sexo, com ampla abrangência de faixa etária, mas com predominância de adultos entre 31 e 50 anos. Esses pacientes, em sua maioria, eram casados e aposentados, com renda familiar baixa, entre um e três salários-mínimos (Tabela 1). Prévios estudos confirmam que a IRC promove dificuldades no trabalho devido a diversos fatores (Curtin Oberley, Sacksteder & Friedman, 1996; Holley & Nespor, 1994; Van Manen et al., 2001). Assim, a condição socioeconômica desses pacientes pode estar relacionada à própria doença renal crônica, que, frequentemente, promove incapacidade laboral (Van Manen et al., 2001). Geralmente, como a qualidade de vida nesses pacientes está reduzida especialmente quando submetidos ao tratamento de hemodiálise (Birmelé et al., 2012; Theofilou, 2011), é comum o desemprego ou aposentadoria precoce.

Na análise dos dados obtidos do ISSL, foi constatado que a maioria dos pacientes apresentava estresse na fase de resistência (Tabela 2). Segundo Lipp e Malagris (1995), na fase de resistência do estresse, o organismo atua no sentido de buscar o equilíbrio, ocorrendo uma grande utilização de energia e manifestação de sintomas da esfera psicossocial, tais como ansiedade, medo, isolamento social, oscilação do apetite, impotência sexual, entre outros. Se associarmos estes sintomas a outros apresentados devido à própria patologia, pode haver o surgimento de comorbidades que agravariam o quadro geral do paciente, como a elevação da pressão arterial (Terra et al., 2008) ou mesmo o desenvolvimento de psicopatologias como a depressão e desordens de ansiedade (Feroze et al., 2012; Ye et al., 2008). A predominância de sintomatologia de ordem psicológica nesses pacientes parece indicar que esse grupo é mais vulnerável a esse fenômeno, embora a pesquisa tenha revelado também a presença de sintomas físicos.

Nossos resultados indicaram também que uma parcela considerável dos pacientes estava na fase de quase exaustão (13%). Os sintomas dessa fase demonstram já o início do enfraquecimento do organismo diante do estresse, com o consequente surgimento de diversas patologias (Santos & Alves Júnior, 2007). Se não houver alívio para o estresse por meio da remoção dos estressores ou pelo uso de estratégias de enfrentamento, o estresse atinge sua fase final (exaustão). No nosso estudo, poucos indivíduos (7%) já apresentavam sintomas nessa fase. Contudo, para os pacientes que apresentam uma doença sistêmica instalada, como é o caso da IRC, esse nível de estresse pode agravar os sintomas físicos e psicológicos (Rudnicki, 2007).

Através da análise do IDATE, verifica-se que todos os pacientes apresentam ansiedade (Tabela 3). Esses resultados corroboram outros estudos que também demonstraram níveis elevados de ansiedade em pacientes renais crônicos (Birmelé et al., 2012; Cukor et al., 2008; Dumitrescu, Gârneatãs & Guzun, 2009; Kutner, Fair & Kutner, 1985).

A ansiedade é um estado emocional que inclui componentes psicológicos e fisiológicos que fazem parte do estado normal das experiências humanas, não envolvendo um construto unitário. Considerando que a ansiedade pode se estabelecer associada a quase todas as patologias, no caso da doença renal, provavelmente, ela surja principalmente devido a dois fortes fatores: a cronicidade da doença e seu tratamento rígido (hemodiálise). A ansiedade surge tanto em relação às perdas efetivas como também em relação às possibilidades de perda.

Nos pacientes renais crônicos, a ansiedade representa limitações e traz consequências ao tratamento (Dyniewicz Zanella & Kobus, 2004). O processo de hemodiálise é de difícil adaptação, e muitos podem levar um longo tempo para se conscientizar sobre a importância do tratamento. Higa (2008) afirma que os pacientes hemodialíticos, ao se adaptarem física e mentalmente a seu tratamento, como as prescrições, restrições e dietas, acabam ficando em estado de alerta e tensão, o que desencadeia reações de ansiedade devido à constante exposição às situações estressoras, como a diálise e a permanência frequente em ambiente hospitalar. Para Cesarino e Casagrande (1998), a IRC e o tratamento hemodialítico provocam uma sucessão de situações para o paciente renal crônico, que compromete, além do aspecto físico, o psicológico, com repercussões pessoais, familiares e sociais. Por isso, além do acompanhamento médico às doenças renais, é de fundamental importância atendimento psicológico.

Alguns pesquisadores relatam que a ansiedade em paciente renal é frequente, pois a doença é percebida como ameaça à vida, à integridade corporal e como interrupção do meio de sobrevivência, prejudicando a identidade do paciente, sua autoridade e muitas vezes trazendo incertezas em relação ao seu futuro (Klang, Björvell, Berglund, Sundstedt & Clyne, 1998; Ramirez et al., 2012). As expressões de raiva dos pacientes são reações comuns à doença, como maneira de enfrentar a ansiedade e geralmente em resposta a uma ameaça, insulto ou lesões como punções e procedimentos dolorosos (Meireles, Goes & Dias, 2008). Para o indivíduo que passa cerca de quatro horas ligado a uma máquina, a monotonia e o medo de morrer naquelas condições são descritos como os principais agentes estressores.

Esse estudo apresenta algumas limitações que precisam ser ampliadas. Primeiro, seria necessária uma análise mais abrangente da qualidade de vida desses pacientes, o que poderia mostrar correlações com os níveis de ansiedade e de estresse observados. Segundo, a amostra estudada apresentou renda e nível educacional baixo, o que não necessariamente representa a população brasileira, entretanto pode representar especificamente uma parcela considerável da população da região nordeste. Apesar dessas limitações, este estudo amplia o conhecimento em relação às condições desse tipo de pacientes clínico, o que pode favorecer o desenvolvimento de métodos, como abordagens cognitivas e comportamentais que proporcionem maior bem estar para esses pacientes para enfrentamento da doença e de seu tratamento.

Considerações Finais

Os resultados do nosso trabalho demonstram que pacientes renais crônicos em tratamento de hemodiálise estão mais vulneráveis ao estresse e apresentam maior tendência de reagir a situações ameaçadoras com intensidade mais elevada de ansiedade. Além disso, as fases do estresse em que tais pacientes se encontram (resistência e exaustão) justificam uma preocupação não apenas com seu estado de saúde, físico ou psicológico. As pessoas que fazem hemodiálise vivenciam condições particulares - necessitam acessar os serviços de saúde, dependem dos serviços de hemodiálise, necessitam de controle rigoroso da dieta e de líquidos, têm a atividade laboral restringida, há redução da sua participação no orçamento doméstico, dentre outros - que se configuram em perdas que afetam não somente os pacientes, mas também seus familiares. Assim, no contexto do adoecimento e da necessidade de hemodiálise, as repercussões afetam não só a dimensão pessoal, mas também a familiar e social.

Esses achados podem ter importantes implicações clínicas para esses pacientes. Primeiro, salienta-se a necessidade de uma avaliação periódica dos estressores e seus efeitos na saúde e qualidade de vida dos pacientes, com consequente desenvolvimento de estratégias que ofereçam a esses indivíduos intervenções que propiciem uma melhora na sua qualidade de vida. Segundo, uma equipe multidisciplinar formada por profissionais da saúde pode participar ativamente do processo para identificar e minimizar os agentes estressores, favorecendo, assim, o tratamento desses pacientes.

Recebido em: 19/7/2010

Versão final em: 2/3/2012

Aprovado em: 15/5/2012

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Maio 2013
  • Data do Fascículo
    Mar 2013

Histórico

  • Recebido
    19 Jul 2010
  • Aceito
    15 Maio 2012
  • Revisado
    02 Mar 2012
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