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Seção temática: Psicologia Social do Trabalho: uma perspectiva crítica de pesquisa e intervenção no campo do trabalho

É com satisfação que apresentamos essa seção temática com artigos que adotam a perspectiva da Psicologia Social do Trabalho. Historicamente, o tema do trabalho tem tido pouca representatividade em nosso periódico e esta é uma grande oportunidade para ampliar esse espaço, mostrando ao leitor a diversidade de enfoques presentes na Psicologia contemporânea.

A Psicologia Social do Trabalho vem se desenvolvendo no Brasil nas últimas décadas e, mais recentemente, os pesquisadores brasileiros também têm buscado interlocução com colegas de outros países da América Latina, que compartilham problemas sociais similares aos nossos. Por isso, a importância de ter incluído, aqui, artigos de pesquisadores chilenos e colombianos.

Um dos componentes mais importantes que caracterizam a Psicologia Social do Trabalho é o fato de assumir uma clara opção por focalizar os fenômenos do trabalho e as contradições inerentes a ele desde a perspectiva dos próprios trabalhadores. Seu olhar se volta, sobretudo, para os problemas enfrentados por eles no seu cotidiano laboral, sem, no entanto, esquecer que esse cotidiano inclui práticas de dominação e resistência derivadas da oposição de interesses entre capital e trabalho.

Dessa forma, ao focalizar a subjetividade dos trabalhadores e as relações intersubjetivas que ocorrem nos locais de trabalho, os estudos da Psicologia Social do Trabalho consideram tanto o contexto microssocial, no qual a atividade laboral acontece, como as características macrossociais e históricas que a determinam. Situa-se, assim, entre as abordagens críticas da Psicologia que se opõem aos preceitos da ciência positiva hegemônica. Também diferencia-se radicalmente dos enfoques convencionais da Psicologia no campo do trabalho, que, em geral, assumem um discurso de neutralidade e adotam uma postura conciliatória entre os interesses gerenciais e o dos trabalhadores.

Sendo assim, nos artigos reunidos aqui, o leitor poderá observar certa semelhança quanto à postura ética e política assumida pelos autores, cujas análises têm como pano de fundo a crítica com relação às características do trabalho no contexto contemporâneo. Contudo, não vai encontrar uma convergência em torno de uma única perspectiva teórica ou metodológica. A diversidade é uma das características da Psicologia Social do Trabalho e a adoção de teorias e métodos variados se deve tanto às filiações dos autores como às necessidades demandadas por cada contexto real pesquisado.

Nesta seção temática, buscamos reunir artigos que abordam aspectos conceituais e históricos, questões metodológicas e também relatos de pesquisa. Ela se inicia com dois ensaios que problematizam a relação que a Psicologia tem estabelecido com o mundo do trabalho. No primeiro, Hernán Camilo Pulido Martinez, da Pontificia Universidad Javeriana de Bogotá, Colômbia, apresenta algumas "dimensões coloniais" da Psicologia do Trabalho que se faz no Hemisfério Sul com relação ao que se produz no Norte. Ele apresenta argumentos que visam a demonstrar como a relação da Psicologia com o trabalho na América Latina tem se dado a partir da importação de modelos e conceitos sem nenhuma crítica ou contextualização, deixando-se de lado as implicações do que ocorre quando um conhecimento "viaja" para além das fronteiras dos países onde é produzido.

Seguindo na mesma linha crítica, o segundo artigo, de minha autoria, juntamente com Fábio de Oliveira (Universidade de São Paulo), Heloisa Aparecida de Souza e Caroline Cristiane de Sousa, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, se dedica a analisar duas diferentes aproximações da Psicologia em relação ao trabalho no contexto brasileiro: a Psicologia Social do Trabalho e a Psicologia Organizacional. Focalizando os percursos históricos dessas duas perspectivas, o artigo conclui que elas possuem poucos pontos em comum, tratando-se, portanto, de duas tradições diferentes e não de dois enfoques de uma mesma área dentro da Psicologia, como vêm sendo defendido no discurso hegemônico atual.

O terceiro artigo, de Álvaro Soto, Antonio Stecher e Alan Valenzuela, das Universidades Alberto Hurtado e Diego Portales, do Chile, tem um enfoque metodológico. Os autores propõem um modelo para analisar a relação entre a construção narrativa da identidade de trabalho e dinâmicas de interpelação identitária. Apresentam uma proposta que, conforme defendem, possibilita contextualizar e dar sentido ao exercício reflexivo e interpretativo de construção de narrativas sobre identidade no trabalho. A utilização do modelo é ilustrada com a apresentação de dois estudos de caso realizados no Chile.

Os artigos seguintes se referem a relatos de pesquisa com a perspectiva da Psicologia Social do Trabalho, que focalizam diferentes contextos de trabalho. Assim, Mariana Prioli Cordeiro e Leny Sato, da Universidade de São Paulo, apresentam os resultados de uma pesquisa realizada com psicólogos que atuam no Sistema Único de Assistência Social. As autoras discutem os modos como esses profissionais vivenciam e percebem o processo de terceirização que vem ocorrendo nesse campo.

Em seguida, Tielly Rosado Maders e Maria Chalfin Coutinho, da Universidade Federal de Santa Catarina, apresentam os resultados de uma pesquisa que teve como objetivo compreender quais os sentidos sobre tempo livre produzidos por trabalhadores offshore - que atuam em plataformas de petróleo -, em seu cotidiano de trabalho. Elas buscam mostrar como eles organizam suas vidas entre os tempos lá, relativos à vida quando estão embarcados nas plataformas de petróleo, e os tempos cá, referentes à sua vida em terra.

Já Luiz Gonzaga Chiavegato Filho, da Universidade Federal de São João Del-Rei, por meio de uma pesquisa com o referencial teórico da Clínica da Atividade, analisou o trabalho de médicos do Sistema Único de Saúde. O autor mostra como a atividade desse profissional não escapou da lógica do trabalho neoliberal contemporânea, caracterizando-se pela ausência de um coletivo de trabalho, pelo empobrecimento da identidade profissional e pela vivência de uma atividade contrariada. Conclui que tais condições interferem diretamente na saúde dos médicos.

A seção temática é finalizada com o artigo de Rosemeire Aparecida Scopinho e Anadélia Rossi, da Universidade Federal de São Carlos, que, com base na noção de trabalho do care e na Teoria das Representações Sociais, analisa as representações sociais de cuidadoras sobre seu trabalho em um serviço de acolhimento institucional para crianças e jovens. As autoras mostram como a identidade e as habilidades consideradas tipicamente femininas na nossa sociedade ancoram as representações das cuidadoras sobre sua atividade.

Esse conjunto de artigos colabora para evidenciar a complexidade que o mundo do trabalho assume na atualidade, especialmente no Brasil e em outros países da América Latina, suas repercussões para a vida e a saúde dos trabalhadores e o compromisso ético que a Psicologia deve ter com relação a esse contexto, seja no campo da investigação científica ou no âmbito da prática profissional.

Profa. Dra. Marcia Hespanhol Bernardo
Editora Associada
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Centro de Ciências da Vida, Programa de
Pós-Graduação em Psicologia como Profissão e Ciência

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2017
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