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A pandemia na vida cotidiana: reflexões sobre os impactos sociais e psicológicos à luz da perspectiva crítica

Resumo:

A proposta deste artigo é apresentar uma reflexão sobre o impacto da pandemia de Coronavirus Disease 2019 na vida cotidiana de pessoas de diferentes classes sociais, culturas e instituições no Brasil, destacando o aumento das desigualdades sociais agravadas pelo contexto da pandemia. Toma como aporte teórico a psicologia histórico-cultural, em sua potência, para orientar e organizar práticas sociais voltadas ao coletivo e favorecer a criação de políticas públicas que se instituam como ferramenta de enfrentamento e superação das condições de vida atuais das pessoas. Questiona-se, em especial, o papel da psicologia escolar no contexto da pandemia com a proposição de questões a serem enfrentadas pela disciplina, como a ampliação de ameaças que afetam o desenvolvimento humano, principal objeto de ação da área. O texto se encerra destacando o papel do meio na promoção do desenvolvimento e os desafios da área em se expandir para outros contextos e culturas, além de oferecer conhecimentos e práticas que possam enfrentar essas novas ameaças. Coloca a psicologia escolar como central nesse processo e momento histórico, em que deve assumir o compromisso de transformar a realidade por meio de ações coletivas e colaborativas.

Palavras-chave:
Educação; Iniquidade social; Políticas públicas; Psicologia escolar

Abstract:

The purpose of this article is to present a reflection on the impact of the Coronavirus Disease 2019 pandemic on the everyday life of Brazilians from different social classes, cultures, and institutions, highlighting the increase in social inequalities aggravated by the context of the pandemic. Critical psychology was used as a theoretical support, in its power to guide and organize social practices aimed at the collective and favor the creation of public policies that are instituted as a tool for confronting and overcoming their current conditions. Particularly, it questions the role of school psychology in the context of the pandemic with the proposition of issues to be faced by the discipline, such as the expansion of threats that affect human development, the main object of action in the area. The text ends by highlighting the role of the environment, especially the school environment, in promoting the development of children and youths so that they can face these new threats, placing school psychology as central in this process and historical moment, in which it must commit to transform reality through collective and collaborative actions.

Keywords:
Education; Public policies; School psychology; Social inequity

Introduzir o tema do impacto da pandemia na vida cotidiana demanda focalizar duas dimensões dessa mesma questão: primeira, a relação entre a produção científica e as demandas econômicas, políticas e sanitárias que influenciam a vida concreta das pessoas e, segunda, as desigualdades sociais que respondem de modo distinto às mesmas demandas e se agravam a depender dos contextos em que vivem as pessoas.

As atividades científicas e técnicas têm sido orientadas pelos imperativos econômicos, especialmente nos séculos 19 e 20, quando recursos destinados às áreas estratégicas buscavam promover o desenvolvimento das sociedades de acordo com o que era estabelecido como prioridade para a efetivação dos programas de governo. Essas prioridades estão relacionadas a um projeto de país onde bens de consumo, lucro, militarização da ciência, controle de doenças e qualidade de vida de alguns, mas não de todos, eram definidos. Assim, as ciências têm sido identificadas com um pretenso desenvolvimento das forças produtivas no sistema capitalista. As pessoas que vivem de seu trabalho e colocam em movimento as forças produtivas lutam para sobreviver, sem poder desfrutar da cultura e da arte, que resultam das produções humanas. As forças produtivas são um complexo de relações sociais no seio das quais é posto em movimento o projeto neoliberal, que explora e marginaliza um grande número de pessoas (Bloch, 1980Bloch, G. (1980). Ciência, luta de classe e revolução. Ed Palavra.).

O papel da ciência no desenvolvimento de um país em um mundo globalizado, que envolve a disputa por patentes e por inovações, acaba por colocá-la como uma ferramenta poderosa de disputa econômica, o que é evidência da não neutralidade científica. Ao mesmo tempo que a produção científica busca responder às demandas sociais, o investimento na ciência tem relações diretas com os ganhos do capital. A corrida, agora, por uma vacina, acontece não absolutamente pelo desejo de cura da pandemia, mas pela possibilidade de patente e venda no mercado internacional. Assim, o que resulta dessa disputa é um número impensável de mortos no mundo todo e os países ricos concentrando as possibilidades de vacinação mais rápida de seus habitantes.

Em março de 2020, a Organização Mundial de Saúde declarou a pandemia decorrente da Coronavirus Disease 2019 (COVID-19), doença que provoca efeitos graves na saúde das pessoas infectadas, podendo levar à morte. Organismos nacionais e internacionais de saúde mental anunciaram graves consequências emocionais e psicossociais diante desse inesperado evento, especialmente depois que as medidas de distanciamento social e isolamento em casa afetaram o estilo de vida da população.

Para os autores Castro-de-Araújo e Machado (2020Castro-de-Araújo, L. F. S., & Machado, D. B. (2020). Impacto do Covid-19 na saúde mental em um país de baixa e média renda. Ciência Saúde Coletiva, 25, 2457-2460. https://doi.org/10.1590/1413-81232020256.1.10932020
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), a atual pandemia tem afetado as pessoas de modo diferenciado, mas principalmente quem tem transtornos mentais como estresse pelo risco iminente de infeção ou de incerteza econômica. O grupo de pessoas de média ou baixa renda que não tem condições de permanecer em casa e precisa buscar alimento tem sido mais exposto à contaminação e morte pelo coronavírus.

A Fundação Getúlio Vargas apresentou em 2020 dados de uma pesquisa sobre os efeitos da pandemia no mercado de trabalho. Nesse relatório de pesquisa, houve uma queda de 20,1% nos segmentos de trabalho formal e informal, enquanto a desigualdade social medida pelo índice Gini aumentou 2,82%. A renda dos mais pobres caiu 27,9%, enquanto a renda dos 10% mais ricos caiu 17,5%. Os indígenas, os analfabetos e os jovens entre 20 e 24 anos foram os grupos sociais que mais perderam renda na pandemia. Além da queda da renda média, houve redução dos postos de trabalho, afetando de modo mais direto as mulheres, sobretudo aquelas que não tiveram condições de trabalhar de casa. O impacto é devastador para as comunidades mais pobres e problematiza a efetiva democracia diante de uma realidade como a pandemia na saúde em geral e em especial na saúde mental (Neri, 2020Neri, M. (2020). Efeitos da pandemia sobre o mercado de trabalho brasileiro: desigualdades, ingredientes trabalhistas e o papel da jornada. FGV Social.).

Dimenstein et al. (2020Dimenstein, M., Simoni, A. C. R., & Londero, M. F. P. (2020). Encruzilhadas da democracia e da saúde mental em tempos de pandemia. Psicologia: Ciência e Profissão, 40, 1-16. https://doi.org/10.1590/1982-3703003242817
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) abordaram a relação entre democracia, saúde mental e pandemia. De modo contundente, demonstram que, em um país injusto, desigual e culturalmente heterogêneo como o Brasil, o desafio de defender a vida, singular e coletiva, se desdobra de modo complexo, sob a forma de lutas inconclusas em defesa de políticas públicas que possam assegurar a saúde para todos. Nesse cenário, são desnudadas as políticas de saúde, de educação, de trabalho e renda, e a desigualdade social se expande em indicadores inaceitáveis, demonstrando como é problemática a ausência de controle sobre a pandemia e afetando diretamente a fome, a ausência de dignidade no morar e a exclusão social consequente da exclusão educacional.

Em abril de 2021, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) apresentou o cenário da exclusão escolar no Brasil e indicou que essa tem classe e cor, indicando a vulnerabilidade de crianças e adolescentes que vivem sem acesso à infraestrutura necessária para participar de atividades escolares de modo remoto (Fundo das Nações Unidas para a Infância, 2021Fundo das Nações Unidas para a Infância. (2021). Cenário da exclusão escolar no Brasil: um alerta sobre os impactos da pandemia da Covid-19 na educação. CENPEC. https://www.unicef.org/brazil/media/14026/file/cenario-da-exclusao-escolar-no-brasil.pdf
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). Apesar da universalização da educação básica no Brasil ter sido determinada desde 2009 através do Plano Nacional de Educação, o direito à educação ainda não é efetivado. Embora o número de crianças e adolescentes fora da escola nas idades da Educação Básica tenha diminuído até 2019, esse quadro se intensificou com a pandemia, evidenciando que existe alta relação entre a pobreza e a exclusão da escola - dados sobre a razão atual das crianças não participarem das atividades escolares remotas indicam, sobretudo, a ausência de infraestrutura mínima para acesso às plataformas e o desemprego de familiares, situações que trazem mais condições adversas à vida cotidiana das crianças, sobretudo a fome (Guzzo et al., 2021Guzzo, R. S. L., Silva, S. S. G. T., Martins, L. G., Castro, L., & Lorenzetti, L. (2021). Psicologia na escola e a Pandemia: buscando um caminho. In F. Negreiros, B. O. Ferreira (Orgs.), Onde está a psicologia escolar no meio da pandemia? (pp. 654-682). Pimenta Cultural. ).

O cenário da pandemia, registrado a partir de 2020, demonstra a dimensão da tragédia brasileira em relação à exclusão escolar e as imensas dificuldades que esse grupo social excluído das condições de aprendizagem encontra para recuperar condições mais favoráveis de aprendizagem. No final do ano letivo de 2020, 13,9% das crianças e adolescentes de 6 a 17 anos estavam fora da escola e sem atividades escolares, vivendo em áreas rurais e em condições precárias. A exclusão escolar tem origem nas desigualdades sociais que se reproduzem nas escolas; as limitações colaboram para que as crianças e adolescentes deixem de estudar. Diante desses dados, o relatório da Unicef apresenta algumas ações podem reduzir o impacto da pandemia na educação. Recomenda a busca ativa de crianças e adolescentes que estão fora da escola; o fortalecimento da comunicação comunitária por meio de diferentes mídias e redes sociais e do sistema de garantia de direitos com mobilização intersetorial da sociedade civil e das famílias. Educadores precisarão criar outras oportunidades para que as crianças e adolescentes possam voltar a valorizar o estudo e retornar à escola quando a transmissão do vírus for aplacada.

Castro-de-Araújo e Machado (2020Castro-de-Araújo, L. F. S., & Machado, D. B. (2020). Impacto do Covid-19 na saúde mental em um país de baixa e média renda. Ciência Saúde Coletiva, 25, 2457-2460. https://doi.org/10.1590/1413-81232020256.1.10932020
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) destacaram que uma das medidas de contenção da transmissão do vírus na pandemia, o isolamento social, está, de modo contraditório, relacionado a muitos sintomas, podendo antecipar possíveis infecções e ansiedades generalizadas sobre as condições de saúde. A maioria das pessoas, segundo esses autores, será impactada de algum modo pela COVID-19 e é necessário construir estratégias para assegurar às pessoas o acesso à medicação, quando necessária, e aconselhamento durante a pandemia.

Associações profissionais devem ser mais ativas em disponibilizar orientações de medidas preventivas para o atendimento às pessoas com problemas decorrentes da insegurança, do medo e das preocupações concretas geradas pela pandemia. A pandemia do Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 (SARS-CoV-2) tem sérios efeitos na saúde mental da população, pois, além de contaminação individual, tem caráter coletivo - a disseminação e contaminação pelo vírus expôs fragilidades da saúde pública e da proteção social em todo o mundo. Tornou escancarada a desigualdade social nas diferentes dimensões da vida cotidiana, das condições de moradia, das fragilidades de emprego e renda e da participação nas atividades remotas da educação. O espaço público passa a ser um espaço de insegurança, enquanto a autossegregação e o isolamento impactam as rotinas e organizações sociais.

Verztman e Romão-Dias (2020Verztman, J., & Romão-Dias, D. (2020). Catástrofe, luto e esperança: o trabalho psicanalítico na pandemia de Covid-19. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 23(2), 269-290. https://doi.org/10.1590/1415-4714.2020v23n2p269.7
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) apontam que o impacto da pandemia é diverso e desigual e produz sofrimento psíquico na busca por referências e uma posição segura de localização subjetiva no mundo. Não se pode ignorar isso, e é nesse contexto, diante de tantas e complexas questões e afetações das pessoas, sobretudo daquelas mais desprovidas de recursos e com menos acesso aos bens da cultura e aos seus direitos, que a psicologia como ciência e como prática social e profissional ganha ainda mais relevância. Qual o papel da psicologia enquanto prática científica de produção de conhecimentos na pandemia? Que investigações de quais perspectivas teóricas e metodológicas podem lançar luz às novas questões que se apresentam no campo da proteção à infância e adolescência, por exemplo? E da promoção do desenvolvimento? A ciência psicológica dispõe de conhecimentos capazes de contribuir para as pesquisas e práticas demandadas pelo advento da pandemia de COVID-19?

Refletir sobre essas questões com o objetivo de ampliar a compreensão sobre o papel da psicologia escolar é o que se propõe neste artigo, perspectivado dessas considerações iniciais que inserem a ciência psicológica como campo político que sofre a influência do modo capitalista de produção, do neoliberalismo que visa o bem estar de poucos - em geral dos mais privilegiados economicamente -, e como prática que pode contribuir para a superação da desigualdade de acesso à cultura e aos direitos pelos cidadãos brasileiros.

O papel da psicologia enquanto prática científica na pandemia

Conforme apontado anteriormente, a produção científica se relaciona às demandas econômicas, políticas e sanitárias que influenciam a vida concreta das pessoas. Com o advento da pandemia, grandes mudanças aconteceram nas vidas privadas das pessoas, sobretudo no âmbito das famílias e do trabalho, que, com o passar do tempo, em muitos casos, se transformaram em questões econômicas pela falta de emprego ou de renda. Então, a grave crise sanitária que afetou o mundo - e de modo mais profundo os países menos desenvolvidos, como o Brasil -, é adensada com o acréscimo da crise econômica e política, provocando grandes mudanças nas formas de vida da população, com piora na vida da maioria do povo brasileiro.

A crise sanitária, econômica e política passa a se configurar, também, como uma crise da produção científica, a tomar pela redução do orçamento destinado ao desenvolvimento de pesquisas, sobretudo no campo das Ciências Humanas. Conforme já afirmado, a ciência, ainda que se postule como tal, não é um campo isento de interesses econômicos e políticos, mas, ao contrário, se envolve em disputas por inovações e patentes, como no caso da produção de vacinas, que tem profunda relação com ganhos e lucro, possíveis pela grande demanda de mercados nacionais e internacionais (Santos, 2021Santos, B. S. (2021). O futuro começa agora: da pandemia à utopia. Editora Boitempo.).

Ocorre que a atenção da ciência voltada a esses objetivos se dá enquanto muitas vidas são perdidas e inúmeras outras vivem toda sorte de sofrimentos provocados por perdas diversas, como de pessoas próximas e de trabalho, pela incerteza, pelo medo de adoecimento pela COVID-19, por ansiedade, angústia, etc.

No campo da psicologia, essas questões surgiram de uma hora para outra. Não houve tempo para problematizá-las como demanda; os profissionais não tinham condições de perspectivar as investigações a serem realizadas e seus possíveis resultados. Era preciso agir, e, em alguns campos da psicologia, como a psicologia escolar, por exemplo, o dimensionamento dos problemas parecia improvável, visto o fechamento das escolas e a impossibilidade de acesso aos seus estudantes, familiares e profissionais. Ao longo do primeiro semestre de 2020, foi necessário um grande esforço de pesquisadores e profissionais da psicologia escolar para, via remota, acessar os sujeitos aos quais suas ações e investigações estavam direcionadas, oferecendo momentos de escuta, acolhimento e reflexões que favorecem a ampliação da consciência e entendendo, como disse Rosa (2001Rosa, J. G. (2001). Grande sertão veredas (19th ed.). Nova Fronteira., p. 369), que “[...] para as coisas que há de pior, a gente não alcança fechar a porta”. Entretanto, novas pesquisas foram sendo desenhadas e a persistência em realizá-las passa a ser um desafio, justificado pelo papel que a educação assume no desenvolvimento humano.

A educação como garantia ou privação de direitos: o papel da psicologia escolar

É na escola onde tudo começa. É aqui que você descobre o sonho que você quer, é aqui que você descobre a profissão que você quer. Você tem uma educação em casa e quando você chega aqui você se depara com gente diferente, com sonhos diferentes, com opiniões diferentes, e aí você vai criando uma opinião sua, um sonho seu. Então é aqui que a gente tem que ter inspiração, vontade de vir, e muitas vezes ninguém tem (Ale, 15 anos, moradora da periferia de uma grande cidade, estudante do 2º ano do Ensino Médio diurno, falando sobre a importância da escola em proposta de reflexão, ano 2019. Pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da PUC-Campinas - Parecer nº 3778613/2019).

O depoimento acima, de uma jovem nomeada ficticiamente de Ale, estudante do Ensino Médio de uma escola da periferia de uma grande cidade do interior de São Paulo, quase define o papel da escola e assinala a educação escolar como garantia de direitos - um direito, no entanto, que necessita ser mais bem dimensionado e refletido, de modo a se efetivar como estando ao alcance de todos os jovens do país, e não apenas daqueles de camadas mais privilegiadas da população; direito como caminho da superação da desigualdade e não de sua perpetuação (Souza, 2019Souza, V. L. T. (2019). A pesquisa-intervenção como forma de inserção social em contextos de desigualdade: arte e imaginação na escola. Psicologia em Revista, 25(2), 689-706. https://doi.org/10.5752/P.1678-9563.2019v25n2p689-706
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).

Ale expressa a importância da escola na construção do futuro de jovens deste país, como um lugar de inspiração, de nascimento dos sonhos e de visualização de possibilidades, mas que, segundo seu próprio ponto de vista, não tem se constituído dessa forma, visto que os estudantes não têm mais vontade de ir à escola. Nesse sentido, as oportunidades educacionais que se constituem, segundo Carneiro (2011Carneiro, S. (2011). Racismo, sexismo e desigualdade no mundo. Selo Negro., p. 92), “[...] o principal ativo para a mobilidade social no país”, já não estavam sendo asseguradas, mesmo antes da pandemia.

Na mesma época do depoimento da estudante, outra aluna da mesma escola, de 16 anos, afirmava que quando encontrava com os psicólogos eles refletiam sobre as possibilidades de carreira, de trabalho e estudo, ficava muito animada e confiante quanto ao futuro, mas quando chegava nas aulas sentia sua confiança se esvair, fosse por não compreender o que os professores ensinavam ou pelos discursos frequentes desses profissionais de que os alunos não se esforçavam e não conseguiriam nada na vida.

Aqui emerge mais um exemplo de que a escola pode aniquilar a confiança intelectual ao rebaixar a autoestima de jovens, principalmente negros, moradores da periferia de grandes cidades, ao negar-lhes a condição de “sujeitos de conhecimento” - processo que, segundo Ribeiro (2019Ribeiro, D. (2019). Pequeno manual antirracista. Cia das Letras.), seria análogo ao que Boaventura de Souza Santos denomina de “epistemicídio”, que se refere à subalternização de conhecimentos não pertencentes às epistemologias dominantes. Ele resulta de tentativas de silenciar, anular e invisibilizar saberes não hegemônicos. Entretanto, é a referência de Carneiro (2005Carneiro, S. (2005). A construção do outro como não-ser como fundamento do ser [Unpublished doctoral dissertation]. Universidade de São Paulo.) a esse fenômeno que melhor se aplica ao que se quer chamar a atenção neste artigo. Diz a autora que, para além da anulação do conhecimento dos povos subjugados, se anula também a cultura pela negação do acesso à educação, sobretudo à educação de qualidade.

Essa é a grande preocupação das autoras em relação ao desenvolvimento de jovens quando privados do acesso e domínio de conhecimentos complexos: terem suas possibilidades de desenvolvimento de funções psicológicas superiores prejudicadas em face da não apropriação dos conhecimentos escolarizados formais, capazes de promover novas relações entre as funções, que favorecem a ampliação da consciência necessária ao pensamento crítico possível pelo domínio de conceitos científicos (Friedrich, 2012Friedrich, J. (2012). Lev Vigotski: mediação, aprendizagem e desenvolvimento: uma leitura filosófica e epistemológica. Mercado das Letras.). Esse processo de apropriação é inviabilizado justamente pela impossibilidade de relação com sua consciência histórica e pelo não exercício de seu lugar de fala, ocupado pelas epistemologias dominantes, e entende-se que reside aqui o principal objeto de ação da psicologia escolar, que assinala seu compromisso com as futuras gerações e seu papel ético-político na formação/construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Essa dimensão dialética que assume a educação escolarizada no desenvolvimento do sujeito, promovendo ou impedindo a mobilidade social, conduz os estudiosos da psicologia escolar a colocar as instituições de ensino em lugar privilegiado no que concerne à desigualdade ou sua superação, à perpetuação das injustiças sociais ou à conquista da igualdade de direitos. Qual o espaço nos currículos para a diversidade de cultura presente na história de cada sujeito? Como garantir direitos de crianças e adolescentes quando os currículos e práticas se organizam por conteúdos, métodos e estratégias derivados de culturas hegemônicas, que preconizam verdades únicas e buscam levar os estudantes a um único ponto de chegada?

São justamente esses direitos, já questionados por estudantes de Ensino Médio em 2019, que sofreram um grande revés com o isolamento social imposto pela pandemia no ano de 2020. Um exemplo foi o que ocorreu na rede estadual de ensino de São Paulo, que atende a imensa maioria dos jovens de 13 a 18 anos no país, caracterizando-se como a maior rede de ensino do Brasil, com cerca de 4 milhões de alunos, 250 mil professores e 5 mil instituições de ensino: ao se dar conta de que o fechamento das escolas levaria mais tempo do que o previsto, os responsáveis pela organização dessas no âmbito governamental levaram um tempo até a definição do que seria feito no ensino público e de como seria feito.

As estratégias emergenciais disponibilizadas pelos governantes revelaram-se pouco efetivas no favorecimento da continuidade do ensino e aprendizagem dos conteúdos curriculares, tanto no que concerne às ações dos docentes como às dos alunos, o que tem resultado no esgotamento dos docentes que veem os estudantes “desaparecerem” dos canais remotos apesar de seus esforços em mantê-los estudando, e dos estudantes que, dando-se conta de que não conseguem aprender do modo como as aulas são realizadas, abandonam-nas e não mostram disponibilidade em retornar. Anuncia-se, assim, como consequência da pandemia, a maior evasão escolar de todos os tempos (Oliveira et al., 2021Oliveira, W. A., Andrade, A. L. M., Souza, V. L. T., Micheli, D., Fonseca, L. M. M., Andrade, L. S., Silva, A. A. I., & Santos, M. A. (2021). Covid-19 pandemic implications for education and reflections for school psychology. Psicologia: Teoria e Prática, 23(1), 1-26. http://doi:10.5935/1980-6906/ePTPC1913926
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).

Qual a contribuição da psicologia escolar a esse contexto?

Retomando as ações que a psicologia escolar tem proposto como forma de atuação nas escolas, que superam a visão ainda hegemônica da psicologia como prática adaptativa e que visam adequar os comportamentos e relações aos currículos e normas escolares (Guzzo et al., 2010Guzzo, R. S. L., Mezzalira, A. S. C., Moreira, A. P. G., Tizzei, R. P., & Neto Silva, W. M. F. (2010) Psicologia e educação no Brasil: uma visão da história e possibilidades nesta relação. Psicologia: Teoria e Pesquisa,26, 125-136. https://doi.org/10.1590/S0102-37722010000500012
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; Moysés & Colares, 2013Moysés, M. A. A., & Collares, C. A. L. (2013). Controle e teste: medicalização da infância. Desidades, 1(1), 11-21.), compete destacar que essas propostas de ações denominadas de críticas se sustentam na defesa de que o psicólogo deve focalizar as relações na escola, tendo como princípio o respeito às histórias dos sujeitos, criando condições para a cooperação como modo de enfrentar os desafios com vista ao protagonismo dos participantes dessas relações e no movimento de transformar suas realidades.

Entretanto, o que se tem observado é que o fato de conceber a atuação em psicologia escolar dessa perspectiva não garante a possibilidade de levá-la adiante, pois a adesão dos atores da escola às propostas e seu envolvimento na construção dela é um desafio permanente, que passa pela formação de vínculos de confiança com educadores, alunos, gestores e comunidade, o que só se efetiva mediante um diálogo que tenha como intencionalidade a explicitação das práticas psicológicas e seus objetivos e a negociação de significados frente ao que se busca e se espera no contexto escolar (Souza, 2016Souza, V. L. T. (2016). Contribuições da psicologia à compreensão do desenvolvimento e da aprendizagem. In V. L. T. Souza, A. P. Petroni, & P. C. Andrada (Orgs.), A psicologia da arte e a promoção do desenvolvimento e da aprendizagem: Intervenções em contextos educativos diversos (pp. 11-28). Loyola.). A esse respeito, Andrada et al. (2019Andrada, P. C., Dugnani, L. A. C., Petroni, A. P., & Souza, V. L. T. (2019). Atuação de psicólogas(os) na escola: enfrentando desafios na proposição de práticas críticas. Psicologia: Ciência e Profissão, 39, 1-16. https://doi.org/10.1590/1982-3703003187342
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, p. 7) afirmam:

É preciso explicar a diferença entre essas práticas - que visam as relações, o afetivo, o desenvolvimento do sujeito - das práticas de ensino, que também visam o desenvolvimento, mas por meio da apropriação de conhecimentos formais, disciplinares e de convivência. A explicitação da diferença de intencionalidades entre estas duas formas de atuação é o primeiro passo para viabilizar a parceria entre educadoras(es) e psicólogas(os). Trata-se de um processo de construção permanente porque os questionamentos, as resistências e contradições são constituintes das relações e devem ser acolhidos e refletidos, quando se pretende desenvolver uma práxis.

Esses desafios já postos à psicologia escolar antes da pandemia se complexificam com a necessidade do contato remoto com o público ao qual se destinam suas ações, paralisadas com o fechamento das escolas, deixando os profissionais, temporariamente, fora de seu campo de atuação, impossibilitando as interações face a face, tão fundamentais às ações dos psicólogos. Também foi necessário reinventar práticas, modos de atuação, e criar formas de acessar os gestores, os professores e os estudantes. As ações já planejadas para 2020 e 2021 tiveram de ser totalmente reformuladas, e passados mais de um ano do fechamento das escolas, os psicólogos ainda se debatiam com os desafios de acesso e permanência dos profissionais e dos estudantes nos encontros remotos.

Entretanto, de todos os desafios enfrentados, o que causa maior incômodo é certo sentimento de impotência diante dos cenários observados nas diversas instituições brasileiras, o que demanda refletir para além das práticas psicológicas, questionando a própria psicologia como ciência e os necessários avanços a serem empreendidos no que concerne à compreensão e construção de conhecimentos que sustentem uma ação política frente às demandas sociais resultantes das desigualdades históricas deste país, mas escancaradas pela pandemia do SARS-CoV-2.

No que se refere ao papel da psicologia escolar nesse contexto, os profissionais da área têm investido na compreensão dos impactos da pandemia no desenvolvimento de crianças, jovens e profissionais da educação, entendendo poder trazer à tona as expressões desses sujeitos a fim de desenvolver e propor ações e políticas capazes de mitigar os efeitos do isolamento social, da ameaça à saúde física e psicológica pela doença ou falta de alimentos, moradia e trabalho. Enfim, trata-se de assumir o compromisso de mobilizar conhecimentos e pessoas para o acesso aos direitos que elas têm garantidos na Constituição e a programas e políticas nacionais e locais.

Eis uma das direções que responde às perguntas apresentadas no início deste tópico: cabe à psicologia escolar o compromisso de lutar pela garantia de direitos de crianças e jovens que frequentam a educação básica pública do país a partir do exercício de uma escuta que priorize suas demandas e necessidades, sobretudo afetivas.

A dimensão que os afetos e emoções assumiram na pandemia constitui-se como desafio às ações da psicologia escolar e não somente à área da saúde ou clínica, campos que primeiro se manifestaram no início da pandemia, oferecendo cartilhas, orientações e mesmo terapias para o enfrentamento do sofrimento que se instituía sobretudo nas famílias.

Conforme já afirmado, o diálogo enquanto forma de relação na construção do coletivo-colaborativo na escola favorece a negociação de sentidos e significados e a elaboração dos afetos. Fala-se aqui sobre o diálogo entendido como espaço de fala e escuta - e, nesse momento da pandemia, talvez mais de escuta do psicólogo -, visto que não se sabe os impactos do vivido nos e pelos sujeitos. Entretanto, a forma de contato com as pessoas mudou - agora cada um está em um lugar diferente; lugar que marca e limita, por vezes, as possibilidades de expressão de cada sujeito, e o psicólogo escolar precisa levar isso em conta.

Lembrando que o papel do psicólogo na escola é de mediador - sobretudo de mediador dos afetos, conforme afirma Souza (2016Souza, V. L. T. (2016). Contribuições da psicologia à compreensão do desenvolvimento e da aprendizagem. In V. L. T. Souza, A. P. Petroni, & P. C. Andrada (Orgs.), A psicologia da arte e a promoção do desenvolvimento e da aprendizagem: Intervenções em contextos educativos diversos (pp. 11-28). Loyola., p. 89), ao buscar explicitar o papel do psicólogo escolar:

O psicólogo “não ensina” na escola; ao contrário, ele aprende e apreende os sentidos e significados que circulam nas relações e “promove a reflexão” sobre eles, assumindo o papel de “mediador dos afetos”, entendidos como modo de viver, sentir, perceber a realidade, utilizando-se de conhecimentos, estratégias e técnicas apropriados [...].

Parece que diante das dificuldades colocadas às ações do psicólogo em decorrência do fechamento das escolas, do isolamento social, da incerteza que passa a permear as vidas na cotidianidade, dentre outras que alteraram as rotinas das pessoas, os profissionais são obrigados a retroceder em seus posicionamentos, o que exige deles uma postura de estranhamento da realidade que os conduz à necessidade de escuta e reflexão, de modo a encontrar formas para desenvolver as ações que estão sendo construídas como práticas da psicologia na escola.

Esse movimento que já estava no horizonte da psicologia escolar crítica e presente em algumas de suas ações ganha força na pandemia, conduzindo os olhares dos profissionais para as camadas mais profundas da desigualdade social, quase esquecidas pela sociedade, pelas ciências, inclusive a psicologia, obrigando-os a encarar os sujeitos que sofrem, sobretudo no atual governo, simultaneamente, o “apagamento/abandono” e a ameaça de perda de conquistas históricas, como é o caso dos povos indígenas.

Com o intuito de problematizar os desafios que ainda persistem à atuação da psicologia em contextos educativos, sobretudo em localidades distantes, habitadas por comunidades que ainda reivindicam seus direitos à educação e ao desenvolvimento, são apresentados, a seguir, dois depoimentos de professoras sobre a vivência da pandemia pelas comunidades em que vivem, colhidos como recorte de uma pesquisa com professores indígenas que investiga suas percepções sobre as mudanças da cultura.

Acredita-se que ainda que se trate de um contexto educativo, cujas problemáticas poderiam ser tomadas como de acercamento do campo da educação, o que a expressão dos sujeitos manifesta é o sofrimento, os conflitos vivenciados nas relações culturais transformadas da noite para o dia, o cerceamento da liberdade dos encontros coletivos tão essenciais à cultura; enfim, suas expressões revelam os entraves a um desenvolvimento saudável, à apropriação de conhecimento e às possibilidades de superação de condições precárias de vida. Trata-se, como se observa a seguir, de sofrimento ético-político, com cujo enfrentamento a psicologia tem muito a contribuir, na medida em que consiga intervir nos contextos e favorecer a tomada de consciência dos sujeitos a respeito de suas condições de vida e das possibilidades de sua superação. No caso aqui abordado, esse desafio está sendo colocado ao psicólogo escolar de modo a ampliar a reflexão sobre seu papel em momentos de crise, mas, sobretudo, demonstrando que a psicologia histórico-cultural muito tem a contribuir para a compreensão desse contexto.

Desafios da Psicologia Escolar na atuação em contextos diferenciados: as demandas dos sujeitos indígenas

Segundo pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística (IBGE) em abril de 2020, Roraima tem o segundo maior número de localidades indígenas entre todos os estados do Brasil. Lá estão 587 comunidades indígenas dentre a totalidade de 7.103 existentes no Brasil, sendo o ranking liderado pelo Amazonas, com 2.602. Os dados da pesquisa foram antecipados, segundo o IBGE, de modo a impulsionar ações de combate à COVID-19 junto aos povos indígenas. Entretanto, assim como os demais estados brasileiros, Roraima demorou a implementar práticas de prevenção e combate ao vírus, tendo sua população sido afetada com muitas mortes, e sua estrutura de saúde pública enfrentado grandes dificuldades para atender ao número de infectados. Muitas das perdas de vidas ocorreram em comunidades indígenas, deixando-as órfãs de seus líderes, tão importantes para a manutenção dessas comunidades, e espalhando a tristeza na vida de muitos povos.

Essas questões passaram a fazer parte de uma pesquisa de pós-doutorado em curso desde 2019 no Estado de Roraima, na qual uma das autoras deste artigo desenvolve uma pesquisa que busca investigar a percepção de professores do magistério indígena sobre as mudanças em sua cultura e como percebem essas mudanças em suas práticas pedagógicas e no desenvolvimento e aprendizagem dos alunos.

Com a instauração da crise em decorrência da pandemia, buscou-se compreender seu impacto nessas pessoas que vivem em comunidade e para as quais o isolamento social poderia trazer muito sofrimento e demandar ações da psicologia em seu enfrentamento. Planejou-se, assim, conversas com alguns dos participantes da pesquisa para tratar, especificamente, de suas experiências e percepções da pandemia. Procedem desse movimento os dois depoimentos apresentados a seguir, de duas professoras que fizeram questão de manter a identidade da etnia à qual pertencem. As duas professoras ensinam em uma escola estadual indígena na comunidade Guariba, no município de Amajari, em Roraima.

Algumas considerações sobre a vivência da pandemia pelos sujeitos indígenas: análise da perspectiva da psicologia histórico-cultural

Para Vigotski (2010Vigotski, L. S. (2010). Quarta aula: a questão do meio na pedologia. Psicologia USP, 21(4), 681-701. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-65642010000400003
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), autor cujos conceitos têm subsidiado a atuação e investigações em psicologia escolar dos autores deste artigo, o meio é condição para o desenvolvimento do sujeito, visto que é na relação com os outros humanos da interação que se dá a apropriação da cultura, sobretudo mediada pela linguagem. Reside na escolarização, espaço em que os sujeitos se apropriam de conhecimentos complexos, a possibilidade de novas relações entre as funções psicológicas superiores, o que resulta em qualidades superiores de pensamento e ações, que repercutem na compreensão de si e do mundo.

Essas acepções que têm sido caras na construção de fundamentos às ações que tem sido desenvolvidas em contextos educativos, conduz as autoras a questionar o impacto de mudanças no meio, compreendido por Vigotski (2010Vigotski, L. S. (2010). Quarta aula: a questão do meio na pedologia. Psicologia USP, 21(4), 681-701. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-65642010000400003
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) eminentemente como social, sobre o desenvolvimento e modo de vida dos sujeitos - no caso, indígenas - que vivem em localidades distantes e cuja cultura tem em seu centro o coletivo-colaborativo. O que ocorreu com esses sujeitos na pandemia, quando passaram a ser impedidos de encontrar os membros de outras comunidades - atividade vital em seu processo de constituição e sobrevivência?

Houve a suspensão das aulas, por conta da pandemia, e inventou-se uma nova estratégia de ensino dos conteúdos escolares, à distância. Os pais aceitaram, pois viram as notícias, estavam cientes sobre a pandemia e os riscos que poderia trazer para suas próprias vidas. Logo de imediato, nossa comunidade ficou assustada, as aulas foram suspensas pela SEED e o tuxaua (líder da comunidade), suspendeu as reuniões comunitárias e os ajuris (mutirões). Tudo ficou diferente, foi muito rápido, não tem como não ficar preocupado. Eram muitas novas coisas para fazer, usar máscaras, evitar aglomeração e parar as visitas nas casas dos colegas, muita coisa! As preocupações foram ficando grandes, tem a preocupação também com a ida de pessoas da cidade para a comunidade e vice-versa. Então foi feito todo um monitoramento no início, mas com passar do tempo, a comunidade não teve mais como escapar da doença e aí o sofrimento aumentou. Parecia que a gente estava em outro lugar, sem o contato do dia a dia com as pessoas, tinha horas, minutos, não sei, que era como se a gente não estivesse ali, na nossa comunidade, na nossa realidade. Nós precisamos ver gente, estar com gente. A gente é calado, mas, fala com o silêncio também, mas, o outro, precisa estar junto, porque às vezes, ele responde no silêncio também, fazemos coisas sem dizer palavra, mas juntos, com a ajuda do outro, sempre (Docente 1 - Comunidade Taurepang).

Não se pretende fazer uma análise da situação vivida pelos indígenas entrevistados na pesquisa, o que foge ao escopo deste artigo, mas justificar, com base em dois depoimentos de professoras indígenas enquanto membros importantíssimos de suas comunidades, face ao respeito que se confere ao seu papel, a necessidade de se investir em ações da psicologia escolar que alcancem essa população que, conforme consta nos depoimentos, vivenciam muito sofrimento. Também importa pôr em relevância a pertinência da psicologia histórico-cultural na compreensão dos fenômenos manifestados pelas professoras, que caracterizam o modo de viver a cotidianidade nas comunidades indígenas e o sofrimento que acometeu seus membros na pandemia.

Se o meio, entendido como eminentemente social, conforme Vigotski (2010Vigotski, L. S. (2010). Quarta aula: a questão do meio na pedologia. Psicologia USP, 21(4), 681-701. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-65642010000400003
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), é fundamental na constituição e sobrevivência dos sujeitos humanos, no caso de comunidades indígenas, como o próprio nome diz, essa dimensão do coletivo assume ainda maior relevância. Analisar essa questão passa por uma melhor definição do que se entende como coletivo na perspectiva da psicologia histórico-cultural: trata-se de um fenômeno histórico cujas bases se assentam na própria ontologia, que concebe o homem como o próprio social, conferindo-lhe a dimensão gregária como constitutiva da personalidade. Entretanto, o fato de viver em grupo não garante a forma de vida em coletividade, pois:

O fator que transforma o grupo em uma coletividade é a atividade conjunta de seus membros, uma atividade socialmente significativa e que responda, a um só tempo, às demandas da sociedade e aos interesses da personalidade, superando assim a contradição entre o individual e o grupal (Petrovsky, 1984Petrovsky, A. V. (1984).Personalidad, actividad y colectividad. Cartago., p. 8, tradução nossa).

É possível observar essa característica do coletivo na fala da Docente 1, quando remete à condição de viver afastada dos membros da comunidade na pandemia: é como se não estivesse na comunidade; ou seja, não é possível se reconhecer naquele contexto vivendo sozinha, sem a presença do outro. Isso porque, como ela mesma diz, nas comunidades indígenas se faz tudo junto, e nesse fazer junto as identidades/personalidades vão se constituindo como coletivas, incorporando o outro enquanto sentimento, desejos e objetivos, pois se unem para desenvolver atividades socialmente significativas, cuja natureza coletiva pressupõe o alcance do bem comum.

Ideia de comum como conceito postulado por Espinosa (1957Espinosa, B. (1957). Ética (3rd ed). Atenas.), autor que inspirou Vigotski na compreensão da afetividade enquanto potência mobilizadora das ações e pensamentos do sujeito. Entretanto, para Vigotski (2010), a potência de vida não repercute o sujeito individual, mas precisa do outro para se fortalecer, pois é nessa união que se instaura a força para existir, agir, superar condições adversas. Trata-se, portanto, de um coletivo que tem o político enquanto participação consciente em sua base. Nesse sentido, a ideia de comum em Espinosa (1957) não diz respeito às finalidades das ações do grupo, mas aos desejos e afetos que movem seus membros.

Parece ser essa a ideia que o depoimento da Docente 1 revela ao mencionar a força do outro nas relações: nem é preciso expressar-se pela fala, basta a presença - uma presença que fala. Então, o outro é condição para que ela se sinta pertencente ao grupo, para que se identifique e afirme sua personalidade.

Ainda sobre a ausência do outro nas relações, é possível considerar o peso que as mudanças assumiram quando das medidas para a contenção do vírus. Tudo mudou e o medo se instituiu como resultado das incertezas que passaram a permear a vida cotidiana da comunidade. Essa dimensão social que constitui os sujeitos, que faz com que eles se sintam acolhidos, que distribui o peso do medo, que reconhece desejos, que os diferencia ao mesmo tempo em que os identifica, parece revelar focos de atuação do psicólogo escolar como profissional que se volta ao coletivo e visa o colaborativo (Andrada et al., 2019Andrada, P. C., Dugnani, L. A. C., Petroni, A. P., & Souza, V. L. T. (2019). Atuação de psicólogas(os) na escola: enfrentando desafios na proposição de práticas críticas. Psicologia: Ciência e Profissão, 39, 1-16. https://doi.org/10.1590/1982-3703003187342
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).

Essa dimensão do coletivo e de como a quebra das relações entre os membros da comunidade gerou sentimentos negativos também aparece no depoimento da Docente 2. Entretanto, seu senso de coletivo aparece ampliado, para além de suas relações, abarcando a dimensão ética e política que vê os outros distantes como sua responsabilidade também. O que se vê em sua expressão é a manifestação de uma consciência crítica sobre as condições de vida e características de seu povo.

Nossa, a orientação era ficar em casa e a gente ficou mesmo. As atividades físicas, eram só as coisas de casa. Todo mundo estava muito preocupado, com medo mesmo. [...] Não tivemos apoio psicológico, mas era bom se tivesse, pois tivemos muitas perdas. Quando uma voz se cala, a pessoa leva os conhecimentos do aprendizado da vida dela, nisso, ela leva o que só ela aprendeu da nossa cultura, do nosso povo, das nossas lutas, e aí, fica um buraco, eu não sei como vão ser as próximas reuniões comunitárias sem as pessoas que morreram [...] O medo é o sentimento mais presente na comunidade e ele é o pior de todos! De ir na escola e me contaminar ou contaminar alguma pessoa com mais dificuldade que eu. Medo de não poder sair de casa, é ruim, ficar fechada em casa. Imagina um indígena preso em casa? Esse vírus, ele veio pra eliminar pessoas com baixa imunidade, e, os povos indígenas, muitos, estão nessa lista, principalmente, os que vivem mais longe dos municípios, lá nas serras, nas comunidades mais distantes (Docente 2, Comunidade Macuxi).

O medo referido pela docente parece paralisante e, segundo Espinosa (1957Espinosa, B. (1957). Ética (3rd ed). Atenas.), ele é. Isso porque sua natureza é negativa, e, para o filósofo, os afetos negativos não criam potência de ação e colocam as pessoas para padecer. Ou seja, não há nada que se possa fazer para mudar o afeto e criar potência de ação. No caso da situação relatada, as condições criadas para evitar a propagação do vírus impediam que as pessoas se encontrassem, que fizessem assembleias ou ajuris para resolver seus problemas - justamente os modos que conhecem desde sempre como forma de vida cotidiana. Tiveram de ficar, agir, pensar sozinhos -, mesmo em suas profissões, em que o ensino passa a ser feito basicamente com apostilas, em forma de atividades realizadas e devolvidas, sem contato face a face. E essa não-presença do outro permite compreender o porquê de o medo, para a Docente 2, ser o pior dos sentimentos.

Ainda porque ele - o medo - também se relaciona aos membros de comunidades mais distantes, cuja imunidade é frágil em relação às doenças dos não-índios. O que é possível fazer quando, como diz Rosa (2001Rosa, J. G. (2001). Grande sertão veredas (19th ed.). Nova Fronteira., p. 369) “[...] o braço não alcança para fechar a porta”?

Na parte inicial deste artigo, chamou-se a atenção para os efeitos da pandemia na saúde mental das pessoas ao expor fragilidades da saúde pública e da proteção social, e essa dimensão de ameaça à vida, no caso das comunidades indígenas, fica muito mais evidenciada ao produzir tantas mudanças na vida cotidiana, impactando, sobretudo, o caráter comunitário que é parte da cultura indígena, manifestado pelos encontros dentro da comunidade e com os povos vizinhos. Ou seja, o caráter comunitário como traço identitário fundamental da cultura fica comprometido e passa a ser vivido como um espaço de insegurança, e o isolamento impacta as rotinas que regem a vida (Verztman & Romão-Dias, 2020Verztman, J., & Romão-Dias, D. (2020). Catástrofe, luto e esperança: o trabalho psicanalítico na pandemia de Covid-19. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 23(2), 269-290. https://doi.org/10.1590/1415-4714.2020v23n2p269.7
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).

A questão que emerge ao buscar compreender os sentidos e significados expressos nas falas das professoras indígenas é, novamente, relacionada à contribuição da psicologia escolar: seus saberes e práticas alcançam essas problemáticas? São capazes de lançar luz ao sofrimento, demandas e necessidades desses povos? Nesse momento de pandemia, o que se tem a oferecer como campo de práticas e pesquisas?

É preciso reconhecer que há muito que se caminhar para uma aproximação mais efetiva das questões que atravessam a vida e a cultura das populações indígenas para que se possa compreender seus processos de produção de significado e de constituição da vida e do desenvolvimento. Entretanto, pensa-se que neste momento é possível denunciar, interpelar o instituído que visa à adaptação e manutenção da ordem social, e isso se faz ouvindo e fazendo-se ouvir as expressões de suas características de vida, seus valores, suas crenças, seus desejos, seus afetos, seus medos, suas angústias, seus sonhos. Trata-se de oferecer espaço para que possam exercer seus direitos de cidadãos, entendidos como direitos políticos, de participação em uma sociedade que não está fora, ao lado, acima ou abaixo deles, mas os integra e a todos, como seus membros, e como tal os constitui ao mesmo tempo que constitui todos os participantes da sociedade. Ou seja, esses povos importam não porque são originários ou porque são ancestrais, mas porque são parte de todas as pessoas, da história de todo mundo, da humanidade.

A psicologia escolar na perspectiva crítica, que se quer engajada, deve ter um compromisso com a promoção da conscientização - e é o que se busca nesse momento em que se vive uma crise sem precedentes em decorrência de uma pandemia que, no caso do Brasil, ainda parece muito distante do fim.

Conclusão

Se há algo que é preciso destacar em um artigo que pretende apresentar as contribuições da psicologia escolar na perspectiva crítica à problemática da pandemia do SARS-CoV-2 é a visão de sujeito que essa perspectiva defende: ele está no centro de suas ações, concebido como inteiro, integrado ao meio físico e social no qual seu desenvolvimento se efetiva. Nessa perspectiva, compete à psicologia compreender os impactos que o meio produz no desenvolvimento para propor formas de atuação e abordagem que favoreçam o enfrentamento dos problemas que oferecem ameaças à saúde mental, ao bem estar e, sobretudo, à aprendizagem dos sujeitos, dimensão que se antecipa ao desenvolvimento, promovendo-o. Daí a importância da educação escolarizada no que concerne aos espaços de convivência entre iguais, no acesso à diversidade de sujeitos, valores e culturas, e à apropriação do conhecimento formal, promotor do desenvolvimento de funções psicológicas complexas que favorecem o pensamento crítico e a tomada de consciência.

Para ter domínio da própria vida pela compreensão de suas condicionantes, o sujeito necessita ser capaz de pensar de modo mais expandido, compreendendo as razões de suas condições de vida atuais e pregressas e visualizando suas possibilidades de futuro. Essa compreensão implica todos os outros de sua relação, com os quais compartilha e produz novas significações, em um processo dinâmico e permanente característico das vidas vividas.

É esse olhar para o sujeito inserido no e com o coletivo, atuando de modo cooperativo e, portanto, com potencial transformador de si e dos outros, que se acredita que a psicologia pode atuar de modo a contribuir para a superação da crise instalada pela pandemia - sobretudo a psicologia escolar, que toma como objeto de suas ações a promoção do desenvolvimento dos sujeitos e que pode chamar a atenção dos psicólogos, educadores, assistentes sociais e demais profissionais que se voltam ao atendimento do sujeito, além dos governantes, para os efeitos extremamente prejudiciais que o isolamento social, a falta da escola, a defasagem de conhecimentos, e, principalmente, o abandono e a evasão dos bancos escolares podem trazer para as crianças e jovens deste país - prejuízos que alguns especialistas, sobretudo da área econômica, julgam como irrecuperáveis, mas que os profissionais que atuam na psicologia escolar julgam plenamente possível de investimento e superação, bastando para isso o comprometimento dos governantes na criação de políticas públicas e ações emergenciais que se voltem a essa população.

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Como citar este artigo

  • Guzzo, R. S. L., Souza, V. L. T., & Ferreira, Á. L. M. C. M. (2022). A pandemia na vida cotidiana: reflexões sobre os impactos sociais e psicológicos à luz da perspectiva crítica. Estudos de Psicologia (Campinas), 39, e210100. https://doi.org/10.1590/1982-0275202239e210100

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    28 Maio 2021
  • Revisado
    28 Jan 2022
  • Aceito
    30 Ago 2022
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