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Levantamento do perfil de supervisores clínicos de terapia cognitivo-comportamental no Brasil

Resumo

Objetivo:

Esta pesquisa teve por objetivo identificar o perfil de supervisores de Terapia Cognitivo-Comportamental no país e conhecer sua formação para exercer essa atividade profissional.

Método:

Foi realizado um survey online em âmbito nacional com 180 supervisores de Terapia Cognitivo-Comportamental, sendo 73,8% do sexo feminino, com a média de idade de 40,3 anos (DP = 10,03).

Resultados:

Entre os principais resultados, ressalta-se a intensa formação acadêmica, treinamento para prática psicoterápica e tempo de experiência clínica (12,6 anos, DP = 7,64) e supervisionada (7,4 anos, DP = 7,26). Apenas 27,8% dos participantes indicaram treinamento específico para supervisor e houve uma lacuna de indicativos de treinamentos de recursos para supervisões remotas.

Conclusão:

Considera-se essa a primeira pesquisa a traçar o perfil de supervisores de Terapia Cognitivo-Comportamental no Brasil, ampliando o olhar para esta atividade profissional.

Palavras-chave:
Demografia; Preceptoria; Terapia cognitivo-comportamental

Abstract

Objective:

This research aimed to identify the profile of Cognitive Behavioral Therapy supervisors in this country and to know their training to exercise this professional activity.

Method:

A nationwide online survey was conducted with 180 Cognitive Behavioral Therapy supervisors, 73.8% of whom were female, with a mean age of 40.3 years (SD = 10.03).

Results:

Among the main results, the intense academic training, training for psychotherapeutic practice and time of clinical experience (12.6 years, SD = 7.64) and supervised experience (7.4 years, SD = 7.26) stand out. Only 27.8% of the participants indicated having received specific training for supervisors and there was a lack of indications of training resources for remote supervision.

Conclusion:

This is considered the first research to outline the profile of Cognitive Behavioral Therapy supervisors in Brazil, expanding the vision on this professional activity.

Keywords:
Cognitive behavioral therapy; Demography; Preceptorship

A psicologia é uma profissão que ainda se encontra em construção no Brasil, sendo um reflexo de sua história regional que está em constante transformação ao longo dos anos. Esse entendimento, por si só, respalda a necessidade de identificar aspectos que caracterizam o psicólogo e suas práticas profissionais, neste amplo e diversificado campo de atuação. Iniciativas de pesquisas visando conhecer quem são os profissionais que formam a classe de psicólogos no país têm sido interesse do Conselho Federal de Psicologia (CFP). Em 1988, por exemplo, identificou-se que a maior parte dos psicólogos à época eram mulheres (87%), o que se manteve nos resultados da pesquisa de 2012 (89%) (Rechtman, 2014Rechtman, R. (2014). A formação do psicólogo para a realidade brasileira: identificando recursos facilitadores para a atuação profissional [Unpublished doctoral dissertation]. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.). Atualmente, tem-se um total de 385.760 psicólogos brasileiros inscritos no CFP (Conselho Federal de Psicologia, 2021).

Sabe-se que, apesar da introdução tardia no cenário latino-americano, até os anos 2000, a atividade clínica era predominante na atuação profissional brasileira (Neufeld et al., 2021Neufeld, C. B., Barletta, J. B., Scotton, I. L., & Rebessi, I. P. (2021). Distinctive aspects of CBT in Brazil: how cultural aspects affect training and clinical practice. International Journal of Cognitive Therapy, 14, 247-261. https://doi.org/10.1007/s41811-020-00098-z
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). Rechtman (2014)Rechtman, R. (2014). A formação do psicólogo para a realidade brasileira: identificando recursos facilitadores para a atuação profissional [Unpublished doctoral dissertation]. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. ressalta que os currículos atuais de psicologia, mesmo com as mudanças nas Diretrizes Curriculares Nacionais em 2004, continuam privilegiando a atuação clínica, mantendo essa escolha como preferência entre os estudantes e fortalecendo a clínica como representação social da prática psicológica. Por outro lado, flexibilizou-se que a crítica deve se ater ao modelo médico na clínica, uma vez que a atuação clínica é um elemento estruturante da psicologia.

Mesmo que se tenha o crescimento da clínica ampliada e a preocupação da classe profissional para aumento do alcance social, Mendonza (2017)Mendoza, W. R. C. (2017). Habilidades terapéuticas y limitaciones en la aplicación de las terapias de tercera generación en el contexto latinoamericano. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 19(3), 260-273. http://dx.doi.org/10.31505/rbtcc.v19i3.1067
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discorre sobre algumas características do contexto latino-americano que podem desfavorecer a disseminação da prática psicoterapêutica nas mais diversas comunidades desta região, bem como fortalecer o caráter elitizado. Dentre tais fatores, a autora inclui a desigualdade social e a repetição de um padrão internacional sem adaptações culturais, o que não traduz as necessidades e demandas sociais locais. Esse entendimento é revisto e corroborado por pesquisadores tanto no contexto da América Latina como no contexto brasileiro (Neufeld et al., 2021Neufeld, C. B., Barletta, J. B., Scotton, I. L., & Rebessi, I. P. (2021). Distinctive aspects of CBT in Brazil: how cultural aspects affect training and clinical practice. International Journal of Cognitive Therapy, 14, 247-261. https://doi.org/10.1007/s41811-020-00098-z
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), que apontam que a psicologia clínica recebeu forte influência europeia e americana desde seu início na região. Por outro lado, entende-se que a dificuldade de abrangência e alcance social da psicologia clínica não é exclusiva da região supracitada e, sim, uma preocupação em cenário mundial. Por exemplo, com intuito de aumentar o acesso da população às psicoterapias baseadas em evidências, o Reino Unido criou em 2007 o Programa de Acesso às Terapias Psicológicas (Improving Acess to Psychological Therapies), utilizando-o como principal estratégia para fortalecer a difusão, a cobertura e o alcance de tratamentos eficazes (Barletta & Neufeld, 2020Barletta, J. B., & Neufeld, C. B. (2020). Novos rumos na supervisão clínica em TCC: conceitos, modelos e estratégias baseadas em evidências. In C. B. Neufeld, E. M. O. Falcone, & B. Rangé (Orgs.), Procognitiva - Programa de Atualização em Terapia Cognitivo-Comportamental: ciclo 7 (pp. 119-158). Artmed Panamericana.).

Ao se falar de psicologia clínica, é reconhecido que a supervisão é uma atividade essencial para formar o psicólogo, manter a qualidade da intervenção (Barletta & Neufeld, 2020Barletta, J. B., & Neufeld, C. B. (2020). Novos rumos na supervisão clínica em TCC: conceitos, modelos e estratégias baseadas em evidências. In C. B. Neufeld, E. M. O. Falcone, & B. Rangé (Orgs.), Procognitiva - Programa de Atualização em Terapia Cognitivo-Comportamental: ciclo 7 (pp. 119-158). Artmed Panamericana.) e fomentar habilidades e conhecimentos específicos do terapeuta (Sampaio et al., 2021Sampaio, M., Haro, M. V. N., Sousa, B., Melo, W. V., & Hoffman, H. G. (2021). Therapists make the switch to telepsychology to safely continue treating their patients during the Covid-19 pandemic. Virtual reality telepsychology may be next. Frontiers in Virtual Reality, 1, e576421. https://doi.org/10.3389/frvir.2020.576421
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). Nesse sentido, é uma atividade recorrente na educação formal do psicólogo clínico, incluindo o momento da graduação (Barletta et al., 2011Barletta, J. B., Delabrida, Z. N., & Fonsêca, A. L. B. (2011). Conhecimento, habilidades e atitude em TCC: percepção de terapeutas iniciantes. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 7(1), 21-29.) e da pós-graduação lato sensu que fomenta a prática profissional (Velasquez et al., 2015Velasquez, M. L., Thomé, C. R., & Oliveira, I. R. (2015). Reflexões sobre a prática clínica supervisionada em cursos de especialização em terapia cognitivo-comportamental no Brasil. Revista de Ciências Médicas e Biológicas, 14(3), 331-337. http://dx.doi.org/10.9771/cmbio.v14i3.14985
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). Esse entendimento, somado a importância de identificar o perfil do profissional (Rechtman, 2014Rechtman, R. (2014). A formação do psicólogo para a realidade brasileira: identificando recursos facilitadores para a atuação profissional [Unpublished doctoral dissertation]. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.), tem levado a busca por conhecer quem é o supervisor clínico e como exerce sua prática há tempos, apesar de poucos dados na literatura. Por exemplo, Tyler et al. (2000)Tyler, J. D., Sloan, L. L., & King, A. R. (2000). Psychotherapy supervision practices of academic faculty: a national survey. Psychotherapy, 37(1), 98-101. selecionaram aleatoriamente 300 supervisores clínicos docentes de doutorado e vinculados a American Psychological Association. Do total de 149 respondentes, pode-se identificar que 71,9% eram masculinos, com média de idade de 50,5 anos (DP = 8,5), com tempo médio de finalização do doutoramento de 18,1 anos para as mulheres (DP = 7,5) e 24,4 anos para os homens (DP = 8,5). Quanto à perspectiva teórica, 29,8% indicaram ser ecléticos, enquanto 24,6% utilizavam a abordagem comportamental, 17,5% cognitiva e 15,8% psicodinâmica, entre outras. Foi identificado que supervisores que forneciam apenas supervisão grupal gastavam um tempo médio de 1,8h por grupo (DP = 0,7), enquanto as supervisões individuais tinham duração média de 1h (DP = 0,6). Os docentes em tempo integral (38,3%) forneciam em média 6,7h (DP = 5,1) de prática supervisionada por semana, tendo em torno de quatro supervisionandos com quatro casos cada um. Cada aluno recebia, em média, 2h30 de supervisão semanal. Entre as características descritas, esses autores abriram uma discussão sobre a pouca consideração que a prática supervisionada tinha à época para promoção na carreira docente ou mesmo para garantia de estabilidade laboral.

Houve, recentemente, um survey sobre supervisão clínica em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) no Reino Unido (Reiser & Milne, 2016Reiser, R. P., & Milne, D. L. (2016). A survey of CBT supervision in the UK: methods, satisfaction and training, as viewed by a selected sample of CBT supervision leaders. Cognitive Behaviour Therapist, 9, 1-14. https://doi.org/10.1017/S1754470X15000689
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). O convite para responder o questionário online foi enviado para uma lista com 250 supervisores selecionados intencionalmente da British Association for Behavioural and Cognitive Psychotherapies em função de seu conhecimento e expertise em supervisão. Do total de 110 respondentes, foi possível, entre outros resultados, conhecer o perfil dos profissionais que ofertavam supervisão. Devido a própria seleção inicial, os profissionais tinham mais de 20 anos de prática clínica, sendo uma média de 14 anos especificamente em TCC e mais de 12 anos de prática supervisionada. A maioria era do sexo feminino (75%) com idade média de 48,8 anos. Em média, os profissionais tinham 5,2 supervisionandos. Os participantes tinham como formação e/ou atuação profissional: terapeutas de TCC (32%), psicólogos clínicos (24%), conselheiros (6%) e psiquiatras (4%). Também foram identificadas enfermeiras (29%) nesta função. Uma vez que há diferenças nas normas e regulações sobre psicoterapia e supervisão clínica de acordo com cada país e/ou região, sabe-se que pode haver distinções para o Brasil sobre quem exerce a atividade supervisionada e qual o tipo de atuação está sendo orientada (Ferreira et al., 2021Ferreira, I. M. F., Almeida, N. O., Barletta, J. B., Versuti, F. M., & Neufeld, C. B (2021). Critérios para acreditação/certificação e formação do supervisor de TCC ao redor do mundo e as implicações para o contexto brasileiro. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 17(1), 48-57. http://dx.doi.org/10.5935/1808-5687.20210000
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).

No Brasil, desde os anos 1990, Campos (1998)Campos, L. F. L. (1998). Formação, supervisão e treinamento em psicologia clínica. EPU. já apontava a carência de estudos que trouxessem mais clareza sobre o perfil e desenvolvimento de profissionais que ofertavam a atividade supervisionada. Em sua pesquisa, foram enviados 100 questionários para supervisores clínicos da região Sudeste do país, sendo que, dos 18 participantes que retornaram, a maioria era do sexo feminino (61%), com média de idade de 40,5 anos, de tempo de formado de 13,5 anos e de fornecimento de supervisão clínica de 7,5 anos. Ainda que todos os supervisores tivessem formação acadêmica, variando de especialização a doutorado, nenhum tinha formação ou treinamento para o exercício da atividade supervisionada. Também foram identificadas apenas supervisão em duas orientações teóricas: abordagem psicodinâmica (67%) e TCC (33%). O autor ressaltou que, da população de 100 supervisores convidados para a pesquisa, 8% eram da TCC, o que sugere a coerência dos profissionais com os princípios da abordagem baseada em evidências pela responsividade ao estudo. Ainda que haja limitações na pesquisa de Campos (1998)Campos, L. F. L. (1998). Formação, supervisão e treinamento em psicologia clínica. EPU. devido ao baixo número de respostas, pode-se considerar como um dos primeiros estudos que tentou mapear o perfil de supervisores clínicos e sua formação no país, o que sustenta seu mérito.

Sabe-se também que há poucos dados sobre os supervisores de psicoterapia que exercem essa atividade durante estágio clínico na graduação em Psicologia (Gauy et al., 2015Gauy, F. V., Fernandes, L. F. B., Silvares, E. F. M., Marinho-Casanova, M. L., & Lörh, S. S. (2015). Perfil dos Supervisores de Psicologia em Serviços-Escola Brasileiros. Psicologia: Ciência e Profissão, 35(2), 543-556. http://dx.doi.org/10.1590/1982-370300852013
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). Esse grupo de pesquisadores, na busca de sanar essa lacuna, realizou um estudo com objetivo de fazer uma descrição de supervisores que orientavam os estágios clínicos na graduação de psicologia no Brasil, independente da orientação teórica. Uma vez que essa pesquisa fez parte de um projeto maior sobre serviço-escola, os respondentes do survey online que eram supervisores clínicos constituíram os participantes do estudo, totalizando 147 respostas em um período de dois anos de coleta de dados. Como principais resultados, obteve-se que a maioria dos supervisores era do sexo feminino (77,6%), faixa etária entre 38 e 53 anos (66,0%) e apenas 12,0% supervisionavam em TCC. Além disso, a maior parte trabalhava no ensino privado (56,0%), concentrados nas regiões Sudeste (46,0%) e Sul (32,0%), seguidos pelas regiões Nordeste (7,0%), Norte (5,0%) e Centro-Oeste (4,0%). Por último, essa pesquisa identificou que o tempo de experiência profissional em psicoterapia, correspondia a 10 anos ou mais para a maior parte dos supervisores (64,4%). Ainda que os pesquisadores tenham apontado que não foi possível traçar um perfil generalizável que pudesse descrever os supervisores de estágios da prática clínica na graduação de psicologia, ressaltaram a importância de pesquisas do mesmo cariz.

Outro aspecto identificado como dificultador para a disseminação da psicologia está associado a pouca formação profissional e treinamento especializado no contexto latino-americano (Mendonza, 2017Mendoza, W. R. C. (2017). Habilidades terapéuticas y limitaciones en la aplicación de las terapias de tercera generación en el contexto latinoamericano. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 19(3), 260-273. http://dx.doi.org/10.31505/rbtcc.v19i3.1067
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). A falta de treinamento para exercer algumas práticas profissionais específicas na psicologia corrobora com a necessidade percebida pelo Reino Unido para a criação da Programa de Acesso às Terapias Psicológicas. Ainda que o treinamento do supervisor clínico em TCC tem sido indicado como elemento essencial (Ludgate, 2016Ludgate, J. (2016). CBT training and supervision: an overview. In D. M. Sudak (Ed.), Teaching and Supervising Cognitive Behavioral Therapy (pp. 1-24). Wiley. ; Milne & Reiser, 2017Milne, D. L., & Reiser, R. P. (2017). A Manual for Evidence-based CBT supervision. Wiley; Sokol & Fox, 2016Sokol, L., & Fox, M. G. (2016). Training CBT Supervisors. In D. M. Sudak (Ed.), Teaching and Supervising Cognitive Behavioral Therapy (pp. 227-242). Wiley. ), pouco se sabe sobre os supervisores de TCC no Brasil e seu treinamento para exercer essa atividade profissional ainda nos dias de hoje (Barletta & Neufeld, 2020Barletta, J. B., & Neufeld, C. B. (2020). Novos rumos na supervisão clínica em TCC: conceitos, modelos e estratégias baseadas em evidências. In C. B. Neufeld, E. M. O. Falcone, & B. Rangé (Orgs.), Procognitiva - Programa de Atualização em Terapia Cognitivo-Comportamental: ciclo 7 (pp. 119-158). Artmed Panamericana.). A literatura também tem apontado a necessidade de inclusão de treinamento sobre o uso de recursos tecnológicos e aplicativos, estratégias pedagógicas adequadas para o ensino remoto, aspectos éticos e procedurais da intervenção online (Machado & Barletta, 2015Machado, G. I. M. S., & Barletta, J. B. (2015). Supervisão clínica presencial e online: percepção de estudantes de especialização.Revista Brasileira de Terapias Cognitivas,11(2), 77-85. http://dx.doi.org/10.5935/1808-5687.20150012
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; Sampaio et al., 2021Sampaio, M., Haro, M. V. N., Sousa, B., Melo, W. V., & Hoffman, H. G. (2021). Therapists make the switch to telepsychology to safely continue treating their patients during the Covid-19 pandemic. Virtual reality telepsychology may be next. Frontiers in Virtual Reality, 1, e576421. https://doi.org/10.3389/frvir.2020.576421
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), seja para a prática clínica ou supervisionada.

Com o crescimento do ensino de TCC na graduação em psicologia no Brasil (Neufeld et al., 2018Neufeld, C. B., Carvalho, A. V., Ohno, P. M., Teodoro, M. L. M., Szupszynski, K. P. D. R., Lisboa, C. S. M., Carvalho, M. R., Almeida, N., Barletta, J. B., Barbosa, L. N. F., Monteiro, Y. M., Donato, I. L., Araújo, D., Hayasida, N. M. A., Busetto, T., Perez, N. C. S., Silva, N. G., Galdino, M. K. C., Araújo, N. ..., Nóbrega, N. K. B. (2018). Terapia Cognitivo-Comportamental nos cursos de graduação em Psicologia: um mapeamento nacional.Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva,20(1), 86-97. https://doi.org/10.31505/rbtcc.v20i1.1139
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), aumenta-se a importância de mapear o perfil dos supervisores clínicos dessa área. Sabe-se que em 2013, a Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC), principal associação de TCC no país, tinha um total de 1566 associados (Neufeld & Afonso, 2013Neufeld, C. B., & Affonso, G. (2013). FTBC: uma jornada de 15 anos em prol das terapias cognitivas no Brasil.Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 9(2), 136-139. http://dx.doi.org/10.5935/1808-5687.20130018
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) e que, atualmente, no site da instituição (Federação Brasileira de Terapias Cognitivas, 2021Federação Brasileira de Terapias Cognitivas. (2021). Encontre um terapeuta. FBTC. http://www.fbtc.org.br/encontre-um-terapeuta
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), aparecem 536 profissionais que atuam na prática psicoterapêutica, porém não há discriminação de quem oferta supervisão clínica. As associações internacionais de TCC apontam que há um número consideravelmente menor de supervisores em relação aos terapeutas, ainda que no Brasil tais dados sejam escassos, conforme visto anteriormente. Por exemplo, British Association for Behavioural and Cognitive Psychotherapies, no início dos anos 2000, tinha 1300 psicoterapeutas e, desse total, apenas 3,6% eram supervisores credenciados (Roth & Pilling, 2008Roth, A. D., & Pilling, S. (2008). A competence framework for the supervision of psychological therapies. University College London. http://www.ucl.ac.uk/CORE/
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). Em 2020, essa proporção se manteve similar, com 7.500 psicoterapeutas e, deste montante, apenas 4,0% de supervisores credenciados (Ferreira et al., 2021Ferreira, I. M. F., Almeida, N. O., Barletta, J. B., Versuti, F. M., & Neufeld, C. B (2021). Critérios para acreditação/certificação e formação do supervisor de TCC ao redor do mundo e as implicações para o contexto brasileiro. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 17(1), 48-57. http://dx.doi.org/10.5935/1808-5687.20210000
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). Com base na relevância em conhecer as características do supervisor de TCC e da lacuna de dados de pesquisa que traduzem esse mapeamento, o objetivo da presente pesquisa é identificar o perfil de supervisores de TCC no Brasil, bem como, conhecer sua formação para exercer essa atividade profissional.

Método

Foi realizada uma pesquisa de levantamento no formato de survey online, no período de abril a julho de 2020. Para tanto, foi elaborado um questionário com 19 perguntas fechadas e três abertas referentes ao bloco I de questões intitulado “Indicadores Sociodemográficos e de Formação”, e 12 perguntas fechadas e uma aberta referentes ao bloco II de questões intitulado “A sua Prática de Supervisão”, que serviram de dados para este estudo. Para a divulgação da pesquisa, contou-se com a parceria da FBTC, a fim de convidar supervisores de TCC de todas as regiões do Brasil, com intuito de ampliar o alcance ao público-alvo. Os critérios de inclusão estabelecidos para participar da pesquisa foram: exercer ou ter exercido a prática de supervisor de terapia cognitivo-comportamental no Brasil, de qualquer região do país, independentemente do tempo de profissão ou na função de supervisor clínico. Critérios de exclusão: supervisores de qualquer outra abordagem que não fosse da perspectiva cognitivo-comportamental e profissionais da psicologia que nunca exerceram a função de supervisores clínicos.

Para o procedimento de análise de dados descritiva foi utilizado o software IBM®SPSS® (versão 24). Para as perguntas abertas, foi utilizada a análise de conteúdo (Bardin, 2016Bardin, L. (2016). Análise de conteúdo (L. A. Reto & A. Pinheiro, Trans.). Edições 70. (Original work published 1977).) realizada pela exploração do conteúdo em corpora composto pelas respostas de cada questão, pela identificação das palavras e suas unidades de contexto (keyword-in-context), codificação e categorização em unidades de significados com contabilização de frequência.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE n° 26829419.4.0000.5407, protocolo nº 3.854.553). Ao acessar o link do instrumento, inicialmente o participante precisava concordar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), aceitando participar voluntariamente da pesquisa para, então, ser encaminhado ao questionário.

Resultados

Perfil dos participantes

Responderam ao questionário 180 supervisores clínicos de TCC, sendo 77,8% (n = 140) do sexo feminino e 22,2% (n = 40) masculino, e com a média de idade de 40,3 anos (DP = 10,03). A formação de base indicou que 97,8% (n = 176) eram psicólogos, 1,7% (n = 3) psiquiatras e um participante tinha as duas graduações. O tempo médio de formação desde a graduação foi de 15,7 anos (DP = 9,41), variando de 2 a 49 anos. Além disso, 86,1% (n = 155) dos respondentes possuía título de pós-graduação lato sensu, 71,1% (n = 128) de pós-graduação stricto sensu, 9,5% (n = 17) tinha pós-doutorado e 1,7% (n = 3) era livre docente. Do total de participantes, 1,2% (n = 2) era apenas graduado, enquanto 58,3% (n = 105) tinha tanto pós-graduação lato sensu quanto stricto sensu. Os respondentes eram das regiões: 32,9% (n = 59) do Sudeste, 28,9% (n = 52) do Nordeste, 22,2% (n = 40) do Sul, 8,9% (n = 16) do Centro-Oeste e 7,1% (n = 13) do Norte. Não houve respostas de supervisores do Acre e do Espírito Santo, sendo que todos os demais estados da federação foram representados por pelo menos um participante.

Prática psicoterapêutica

O tempo médio de experiência em psicoterapia foi de 13,9 anos (DP = 9,06), variando de 2 a 48 anos, porém, 22,2% (n = 40) do total de participantes já havia trabalhado anteriormente com outras orientações teóricas. A Psicanálise foi a abordagem mais indicada pelos supervisores (25% ou n = 10), seguida da Análise do Comportamento (20,0% ou n = 8), Psicodinâmica (17,5% ou n = 6), Humanismo (10,0% ou n = 4), Sistêmica (7,5% ou n = 3), Gestalt (5,0% ou n = 2) e Psicodrama (2,5% ou n = 1). Desta forma, o tempo médio de prática psicoterapêutica especificamente sob a perspectiva da TCC foi de 12,6 anos (DP = 7,64), variando de 2 a 44 anos, enquanto o tempo médio entre se graduar e o início do atendimento clínico em TCC foi de 3,1 anos (DP = 4,54) variando de 0 a 21 anos.

Ao serem questionados sobre quais atividades realizaram para se capacitarem para o atendimento clínico na TCC, houve 551 menções a diferentes estratégias. Dessas, as atividades educativas rápidas foram as mais indicadas, como: 19,4% (n = 107) cursos livres, 8,3% (n = 46) eventos científicos, 5,4% (n = 30) workshop e 0,7% (n = 4) cursos de aperfeiçoamento. As capacitações mais longas também foram indicadas, como: 15,8% (n = 87) cursos de pós-graduação lato sensu, 7,1% (n = 39) cursos de formação clínica, 5,1% (n = 28) treinamentos específicos. Atividades que envolvem o ofício clínico também foram identificadas como uma forma de capacitação para o próprio atendimento: 13,3% (n = 73) receber supervisão da prática clínica, 2,9% (n = 16) participar de estágios clínicos, 1,3% (n = 7) exercer a prática clínica cotidiana, 0,2% (n = 1) fazer terapia pessoal. Outras estratégias foram: 12,0% (n = 66) estudos individuais, 5,8% (n = 32) grupos de estudo, 2,2% (n = 12) atividades de pesquisa e 0,5% (n = 3) docência.

Prática supervisionada

O tempo médio de prática supervisionada foi de 7,4 anos (DP = 7,26), variando de 0 a 47 anos. Em relação à essa variação de tempo de experiência, quatro participantes tinham menos de um ano de prática como supervisor ao responderem a presente pesquisa. As 200 menções sobre os motivos para iniciar a atividade de supervisor incluíram: 40,5% (n = 81) atividade de graduação, 23,5% (n = 47) interesse pessoal, 19,5% (n = 39) demanda profissional, 14,5% (n = 29) atividade de pós-graduação lato sensu e 2,0% (n = 4) atividade de pós-graduação stricto sensu. O tempo médio entre o início da prática clínica em TCC e o início da prática supervisionada foi de 5,2 anos (DP = 3,62), variando de 0 a 21 anos.

Apenas 27,8% (n = 50) dos participantes relataram que realizaram treinamento para a preparação da função de supervisor. Houve 70 menções a diferentes atividades pelos profissionais, que foram alocadas em três categorias (Tabela 1):

Tabela 1.
Treinamentos realizados para ser supervisor

- Treinamentos específicos sobre supervisão (75,7% ou n = 43), incluindo quatro possibilidades: os a longo prazo (seis meses ou mais), a curto prazo (até 60 horas), orientações da prática de supervisão, seja por receber uma supervisão da supervisão ou por ser auxiliar do supervisor e, estudo individual, isto é, sem treinamento, mas com atividades autodidatas como leituras, videoaulas etc.

- Treinamentos específicos para a prática terapêutica (11,4% ou n = 8), incluindo duas possibilidades: receber supervisão da sua prática psicoterápica ou fazer um curso de prática clínica;

- Treinamentos diversos (12,9% ou n = 9), isto é, para outra atividade ou não especificado, incluindo três possibilidades: um curso, mas que não foi identificado seu foco ou conteúdo pelo participante, treinamento da prática docente e treinamento em pesquisa.

A maior parte dos participantes (97,2% ou n = 175) fornecia supervisão baseada na Terapia Cognitiva de Beck, mas também 31,2% (n = 56) oferecia supervisão em Terapia do Esquema, 15,6% (n = 28) em Terapia da Aceitação e Compromisso, 15,0% (n = 27) em Terapia Cognitiva baseada em Mindfulness, 10,0% (n = 18) em Terapia Comportamental Dialética, 6,7% (n = 12) em Terapia Focada na Compaixão, 6,7% (n = 18) em Terapia Cognitiva Processual (TCP), 5% (n = 9) em Terapia Cognitiva Sexual, 3,4% (n = 6) em Terapia Racional Emotiva Comportamental, 1,2% (n = 2 em cada) em Hipnoterapia Cognitiva, em Terapia Comportamental, em Psicologia Positiva, em Terapia Focada nas Emoções e 0,6% (n = 1) em Neuropsicologia.

Os questionamentos foram direcionados à atuação supervisionada até antes da quarentena pela COVID-19. A maioria dos participantes (60,6% ou n = 109) relatou que ofertava supervisão de forma presencial ou via online, 37,8% (n = 68) apenas presencial e 1,7% (n = 3) unicamente online. Além disso, 67,8% (n = 122) ofertava supervisão em grupo e individual, enquanto 18,3% (n = 33) apenas individualmente e 13,9% (n = 25) unicamente supervisão em grupo.

Em relação à duração da sessão supervisionada, dos participantes que ofertavam supervisão individual, 83,8% (n = 139) ocorria entre 50 a 60 minutos, mas também poderia ser de 30 minutos (6,7% ou n = 12), 90 minutos (8,4% ou n = 14) ou 120 minutos (4,2% ou n = 7). Um participante apontou que a supervisão durava 15 minutos e tinha a função de tirar dúvidas, enquanto outro apontou que não havia tempo pré-estabelecido, uma vez que a supervisão individual era um componente adicional à supervisão de grupo. Dos participantes que ofertavam supervisão em grupo, a maior parte indicou mais de uma hora de duração, sendo que 41,0% (n = 64) o fazia em 120 minutos, seguidas por 19,3% (n = 30) de supervisões que duravam 240 minutos, 18,6% (n = 29) de 90 minutos, 7,7% (n = 12) de 180 minutos, 1,3% (n = 2 em cada) de 200, 270 ou 300 minutos e 0,6% (n = 1) de 150 minutos. Alguns participantes relataram sessões de supervisão em grupo com uma hora ou menos: 4,4% (n = 7) de 60 minutos, 1,9% (n = 3) de 50 minutos e 1,3% (n = 2) de 30 minutos.

A quantidade de pessoas no mesmo grupo de supervisão foi diversificada, sendo indicados: 16,4% (n = 24) de dois a três, 52,8% (n = 77) de quatro a seis, 13,7% (n = 20) de sete a nove, 15,7% (n = 23) de 10 a 15 e 1,4% (n = 2) de 40 a 50. Como adendo, cinco participantes ressaltaram que a quantidade de pessoas que compunham o grupo de supervisão e o período do curso de graduação em que a supervisão era ofertada são aspectos considerados influenciadores da escolha da duração da supervisão em grupo.

Os resultados sobre a frequência em que as supervisões ocorriam variaram diferentemente para supervisões em grupo ou individuais. A maior parte das supervisões em grupo acontecia semanalmente (61,7% ou n = 92), seguidas por 26,8% (n = 40) de frequência quinzenal, 18,1% (n = 27) mensal, 8,1% (n = 12) pontual e 1,3% (n = 2) a cada dois meses. A frequência das supervisões individuais variou entre 43,9% (n = 72) quinzenal, 42,1% (n = 69) semanal, 28,7% (n = 47) pontual e 11,0% (n = 18) mensal. Houve ainda seis ressalvas de que a frequência da supervisão individual poderia variar de acordo com a demanda do terapeuta e/ou complexidade do caso atendido.

Os participantes indicaram que suas supervisões eram ofertadas para terapeutas que atendiam mais de um público de intervenção, mas não ficou claro se as supervisões ocorriam separadamente. Nas supervisões que focavam os atendimentos individuais, o público-alvo da intervenção era: 93,3% (n = 168) adultos, 66,7% (n = 120) adolescentes, 42,8% (n = 77) infantil e 41,1% (n = 74) idosos. Nas supervisões que focavam os atendimentos grupais, o público-alvo da intervenção era: 27,9% (n = 50) adulto, 15,0% (n = 27) adolescente, 10,0% (n = 18) criança e 8,3% (n = 15) idoso. Além disso, as supervisões também aconteciam com foco nos atendimentos com casais (18,9% ou n = 34), 12,2% (n = 22) famílias e 4,4% (n = 8) para grandes grupos comunitários. Os participantes ofertavam supervisões para mais de um nicho de supervisionando, sendo: 56,1% (n = 101) para alunos de graduação, 59,4% (n = 107) para alunos de pós-graduação lato sensu, 10,6% (n = 19) para alunos de pós-graduação stricto sensu e profissionais, sejam 74,5% (n = 134) para psicólogos e 11,1% (n = 20) para médicos psiquiatras.

Houve 250 menções sobre como as mudanças no cotidiano por causa do coronavírus impactaram na prática supervisionada, dentre as quais: 42,0% (n = 105) o formato passou para online exclusivamente, 24,0% (n = 60) a supervisão foi suspensa, 20,8% (n = 52) diminuiu a frequência e/ou procura de supervisão, 3,6% (n = 9) as práticas supervisionadas passaram a ser estudos teóricos ou de casos, 3,2% (n = 8) mudança na demanda da supervisão, 1,2% (n = 3) diminuição da motivação e aumento do cansaço, 0,8% (n = 2) o aumento de busca pela supervisão por profissionais, 0,4% (n = 1) o impacto na interação interpessoal em supervisão. Houve também 4,0% (n = 10) dos participantes que apontaram que não houve nenhuma mudança.

Discussão

A importância de conhecer o supervisor clínico no país perpassa pela construção da própria psicologia na região, portanto, há um interesse de pesquisadores nacionais (Campos, 1998Campos, L. F. L. (1998). Formação, supervisão e treinamento em psicologia clínica. EPU. ; Gauy et al., 2015Gauy, F. V., Fernandes, L. F. B., Silvares, E. F. M., Marinho-Casanova, M. L., & Lörh, S. S. (2015). Perfil dos Supervisores de Psicologia em Serviços-Escola Brasileiros. Psicologia: Ciência e Profissão, 35(2), 543-556. http://dx.doi.org/10.1590/1982-370300852013
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) e internacionais (Reiser & Milne, 2016Reiser, R. P., & Milne, D. L. (2016). A survey of CBT supervision in the UK: methods, satisfaction and training, as viewed by a selected sample of CBT supervision leaders. Cognitive Behaviour Therapist, 9, 1-14. https://doi.org/10.1017/S1754470X15000689
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; Tyler et al., 2000Tyler, J. D., Sloan, L. L., & King, A. R. (2000). Psychotherapy supervision practices of academic faculty: a national survey. Psychotherapy, 37(1), 98-101.) em descrever características do supervisor e suas práticas de supervisão. Uma vez que há um aumento de interesse e disseminação da TCC no Brasil nos últimos anos (Neufeld et al., 2018Neufeld, C. B., Carvalho, A. V., Ohno, P. M., Teodoro, M. L. M., Szupszynski, K. P. D. R., Lisboa, C. S. M., Carvalho, M. R., Almeida, N., Barletta, J. B., Barbosa, L. N. F., Monteiro, Y. M., Donato, I. L., Araújo, D., Hayasida, N. M. A., Busetto, T., Perez, N. C. S., Silva, N. G., Galdino, M. K. C., Araújo, N. ..., Nóbrega, N. K. B. (2018). Terapia Cognitivo-Comportamental nos cursos de graduação em Psicologia: um mapeamento nacional.Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva,20(1), 86-97. https://doi.org/10.31505/rbtcc.v20i1.1139
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) e uma lacuna de conhecimento sobre o supervisor de TCC no país, pode-se dizer que a presente pesquisa possibilitou um olhar mais abrangente para este nicho de atuação profissional. Esse entendimento se baseia pelo maior alcance de respostas quando comparado com outras pesquisas que também buscaram traçar um perfil do supervisor clínico, em especial, ao se indicar especificamente a TCC.

Somado a isso, também houve uma participação maior de algumas regiões na presente pesquisa, como do Nordeste, que teve mais respostas que a região Sul, atrás apenas da região Sudeste. De acordo com Neufeld et al. (2018)Neufeld, C. B., Carvalho, A. V., Ohno, P. M., Teodoro, M. L. M., Szupszynski, K. P. D. R., Lisboa, C. S. M., Carvalho, M. R., Almeida, N., Barletta, J. B., Barbosa, L. N. F., Monteiro, Y. M., Donato, I. L., Araújo, D., Hayasida, N. M. A., Busetto, T., Perez, N. C. S., Silva, N. G., Galdino, M. K. C., Araújo, N. ..., Nóbrega, N. K. B. (2018). Terapia Cognitivo-Comportamental nos cursos de graduação em Psicologia: um mapeamento nacional.Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva,20(1), 86-97. https://doi.org/10.31505/rbtcc.v20i1.1139
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há uma forte propagação de cursos de pós-graduação lato sensu de TCC nessas três regiões, o que pode explicar, pelo menos em parte, o alcance maior de participantes do Nordeste, para além das regiões Sul e Sudeste. Por outro lado, nas regiões Centro-Oeste e Norte houve menor alcance de participantes nesta pesquisa, correspondendo com as regiões onde a disseminação da TCC é menor. A partir desse delineamento geográfico, pode-se refletir sobre como fortalecer o desenvolvimento de profissionais da TCC no Centro-Oeste e Norte do país, especialmente de supervisores clínicos, uma vez que podem promover a difusão local, bem como garantir a qualidade das intervenções psicoterápicas.

Ao refletir sobre as características dos profissionais que responderam ao presente estudo, os resultados sugerem a manutenção da predominância feminina na profissão, corroborando com os estudos de Campos (1998)Campos, L. F. L. (1998). Formação, supervisão e treinamento em psicologia clínica. EPU. , de Gauy et al. (2015)Gauy, F. V., Fernandes, L. F. B., Silvares, E. F. M., Marinho-Casanova, M. L., & Lörh, S. S. (2015). Perfil dos Supervisores de Psicologia em Serviços-Escola Brasileiros. Psicologia: Ciência e Profissão, 35(2), 543-556. http://dx.doi.org/10.1590/1982-370300852013
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e de Reiser e Milne (2016)Reiser, R. P., & Milne, D. L. (2016). A survey of CBT supervision in the UK: methods, satisfaction and training, as viewed by a selected sample of CBT supervision leaders. Cognitive Behaviour Therapist, 9, 1-14. https://doi.org/10.1017/S1754470X15000689
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, com exceção do estudo de Tyler et al. (2000)Tyler, J. D., Sloan, L. L., & King, A. R. (2000). Psychotherapy supervision practices of academic faculty: a national survey. Psychotherapy, 37(1), 98-101.. Verificou-se que todos os resultados dos estudos brasileiros supracitados apontaram na mesma direção e correspondem às caracterizações traçadas pelo CFP (Rechtman, 2014Rechtman, R. (2014). A formação do psicólogo para a realidade brasileira: identificando recursos facilitadores para a atuação profissional [Unpublished doctoral dissertation]. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.). Outra característica encontrada sugere que os respondentes do presente estudo são profissionais mais experientes, tanto em relação à atuação com a prática psicoterápica quanto à prática supervisionada. Identificou-se que alguns participantes iniciaram sua prática como terapeuta e supervisor em outras abordagens antes de trabalharem sob a perspectiva da TCC. Esse aspecto levanta a questão sobre a prática supervisionada, uma vez que os modelos de supervisão e estratégias pedagógicas utilizadas podem variar de acordo com as diferentes abordagens, modificando a configuração do treinamento clínico, a formulação do processo e os resultados esperados (Barletta & Neufeld, 2020Barletta, J. B., & Neufeld, C. B. (2020). Novos rumos na supervisão clínica em TCC: conceitos, modelos e estratégias baseadas em evidências. In C. B. Neufeld, E. M. O. Falcone, & B. Rangé (Orgs.), Procognitiva - Programa de Atualização em Terapia Cognitivo-Comportamental: ciclo 7 (pp. 119-158). Artmed Panamericana.). Além disso, ainda que a TCC de Aaron Beck seja quase unânime como teoria de base entre os participantes do presente estudo, as supervisões não se fecharam neste olhar, mas, sim, ampliaram-se para outras teorias dentro do enfoque cognitivo-comportamental, que são congruentes entre si e baseadas em evidências. Essa parece ser uma característica dos profissionais da TCC, que formam uma base na Terapia Cognitiva de Beck, mas não se limitam a esse alicerce, agregando conhecimentos de teorias cognitivas com enfoques na reestruturação cognitiva, nos modelos construtivistas, integrativos e contextuais (Beck & Alford, 2000Beck, A. T., & Alford, B. A. (2000). O poder integrador da Terapia Cognitiva. Artes Médicas Sul.).

Após o término da graduação, o profissional pode fazer atendimentos clínicos, contudo fomenta-se a importância de o psicólogo lapidar seus conhecimentos e habilidades para a intervenção, especialmente quando se trata de uma proposta teórica baseada em evidências como a TCC (Neufeld et al., 2018Neufeld, C. B., Carvalho, A. V., Ohno, P. M., Teodoro, M. L. M., Szupszynski, K. P. D. R., Lisboa, C. S. M., Carvalho, M. R., Almeida, N., Barletta, J. B., Barbosa, L. N. F., Monteiro, Y. M., Donato, I. L., Araújo, D., Hayasida, N. M. A., Busetto, T., Perez, N. C. S., Silva, N. G., Galdino, M. K. C., Araújo, N. ..., Nóbrega, N. K. B. (2018). Terapia Cognitivo-Comportamental nos cursos de graduação em Psicologia: um mapeamento nacional.Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva,20(1), 86-97. https://doi.org/10.31505/rbtcc.v20i1.1139
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). Nesse sentido, foi interessante identificar como os participantes do presente estudo parecem seguir nessa mesma direção, com uma forte formação acadêmica, incluindo mais de uma titulação para a maioria. Poucos participantes eram apenas graduados, o que sugere que há uma preocupação com o desenvolvimento profissional. Outro resultado que pode corroborar com esse raciocínio é o tempo médio entre a graduação e o início do atendimento em TCC. Acredita-se que este espaço de tempo possa estar ligado ao momento de capacitação.

Por mais que não haja uma regra posta sobre o tempo mínimo de prática clínica estabelecido para se tornar supervisor, entende-se que a experiência prévia como psicoterapeuta é crucial (Barletta & Neufeld, 2020Barletta, J. B., & Neufeld, C. B. (2020). Novos rumos na supervisão clínica em TCC: conceitos, modelos e estratégias baseadas em evidências. In C. B. Neufeld, E. M. O. Falcone, & B. Rangé (Orgs.), Procognitiva - Programa de Atualização em Terapia Cognitivo-Comportamental: ciclo 7 (pp. 119-158). Artmed Panamericana.). O tempo médio entre o início do atendimento clínico em TCC e o início da supervisão, como resultante da presente pesquisa, correspondeu ao que as diretrizes sobre acreditação de supervisor de TCC disponibilizadas por associações internacionais descrevem (Ferreira et al., 2021Ferreira, I. M. F., Almeida, N. O., Barletta, J. B., Versuti, F. M., & Neufeld, C. B (2021). Critérios para acreditação/certificação e formação do supervisor de TCC ao redor do mundo e as implicações para o contexto brasileiro. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 17(1), 48-57. http://dx.doi.org/10.5935/1808-5687.20210000
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). No trabalho dessas autoras, as diretrizes indicaram a necessidade de dois a cinco anos de experiência como terapeuta com certificação para se candidatar a supervisor. Ressalta-se que na presente pesquisa não foi identificado se o participante tinha certificação da FBTC como terapeuta.

O principal motivo elencado pelos participantes da presente pesquisa para se tornar supervisor estava ligado à docência, seja na graduação e/ou na pós-graduação lato sensu e stricto sensu. Uma vez que o estágio supervisionado clínico faz parte da formação do psicólogo, isto é, uma etapa necessária nos cursos de graduação (Barletta et al., 2011Barletta, J. B., Delabrida, Z. N., & Fonsêca, A. L. B. (2011). Conhecimento, habilidades e atitude em TCC: percepção de terapeutas iniciantes. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 7(1), 21-29.) e, muitas vezes ofertados nos cursos de pós-graduação lato sensu (Velasquez et al., 2015Velasquez, M. L., Thomé, C. R., & Oliveira, I. R. (2015). Reflexões sobre a prática clínica supervisionada em cursos de especialização em terapia cognitivo-comportamental no Brasil. Revista de Ciências Médicas e Biológicas, 14(3), 331-337. http://dx.doi.org/10.9771/cmbio.v14i3.14985
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), se reconhece que esta prática na educação formal do psicólogo clínico seja a porta de entrada para o início da atividade do supervisor. Entende-se ainda que algumas pós-graduações stricto sensu também focam no desenvolvimento do terapeuta e, consequentemente, pode ser uma oportunidade para formar o superior clínico.

No Brasil, não há uma diretriz formal de acreditação do supervisor de TCC, mas diferentemente dos anos 1990 (Campos, 1998Campos, L. F. L. (1998). Formação, supervisão e treinamento em psicologia clínica. EPU. ), em que não havia nenhum tipo de formação para exercer a prática de supervisão no país, no último ano houve indícios de aumento do interesse pela temática. Por exemplo, em 2020, foi ofertado o I Simpósio Internacional de Ensino e Supervisão de TCC, bem como, efetivada a criação da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências. Esse movimento atual reverbera o que a literatura internacional tem discutido sobre a necessidade do treinamento clínico para terapeutas, bem como formação específica para supervisor (Sokol & Fox, 2016Sokol, L., & Fox, M. G. (2016). Training CBT Supervisors. In D. M. Sudak (Ed.), Teaching and Supervising Cognitive Behavioral Therapy (pp. 227-242). Wiley. ). De acordo com Milne e Reiser (2017, p. 2, tradução nossa)Milne, D. L., & Reiser, R. P. (2017). A Manual for Evidence-based CBT supervision. Wiley, “[...] este é um momento oportuno para tentar resolver lacunas de longa data e construir uma ponte para a supervisão de TCC como uma especialização profissional’’. Nesse sentido, tais ações iniciais podem sugerir um aumento na dinâmica de capacitação profissional adequada que ainda é considerada uma lacuna na América Latina, com a quebra no ciclo de reprodução da prática pouco contextualizada e sem adaptações culturais (Mendonza, 2017Mendoza, W. R. C. (2017). Habilidades terapéuticas y limitaciones en la aplicación de las terapias de tercera generación en el contexto latinoamericano. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 19(3), 260-273. http://dx.doi.org/10.31505/rbtcc.v19i3.1067
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; Neufeld et al., 2021Neufeld, C. B., Barletta, J. B., Scotton, I. L., & Rebessi, I. P. (2021). Distinctive aspects of CBT in Brazil: how cultural aspects affect training and clinical practice. International Journal of Cognitive Therapy, 14, 247-261. https://doi.org/10.1007/s41811-020-00098-z
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).

Por outro lado, reconhecendo esse movimento como inicial, os resultados da presente pesquisa sugerem que ainda há poucos supervisores de TCC com treinamento específico para exercer esta função. Dentre as repostas que apontaram para realização de atividades de formação de supervisor, atividades de curto prazo, isto é, com até 60 horas, foram as mais indicadas. Ludgate (2016)Ludgate, J. (2016). CBT training and supervision: an overview. In D. M. Sudak (Ed.), Teaching and Supervising Cognitive Behavioral Therapy (pp. 1-24). Wiley. ressalta que cursos mais breves são ofertados com maior frequência e tendem a promover o conhecimento teórico, mas com poucos recursos pedagógicos que fomentem a aprendizagem experiencial, considerada a mais importante para o desenvolvimento de habilidades abertas ou complexas necessárias para o supervisor e o terapeuta (Barletta & Neufeld, 2020Barletta, J. B., & Neufeld, C. B. (2020). Novos rumos na supervisão clínica em TCC: conceitos, modelos e estratégias baseadas em evidências. In C. B. Neufeld, E. M. O. Falcone, & B. Rangé (Orgs.), Procognitiva - Programa de Atualização em Terapia Cognitivo-Comportamental: ciclo 7 (pp. 119-158). Artmed Panamericana.; Sokol & Fox, 2016Sokol, L., & Fox, M. G. (2016). Training CBT Supervisors. In D. M. Sudak (Ed.), Teaching and Supervising Cognitive Behavioral Therapy (pp. 227-242). Wiley. ). Os resultados da presente pesquisa também mostraram que outras atividades reconhecidas como necessárias para a formação do supervisor foram realizadas, ainda que por uma menor quantidade de participantes. Foram indicados desde cursos mais extensos até a supervisão da supervisão, prática ainda pouco sistematizada no contexto mundial, mas de vital importância para a lapidação de competências de supervisão (Milne & Reiser, 2017Milne, D. L., & Reiser, R. P. (2017). A Manual for Evidence-based CBT supervision. Wiley).

Um tema que também chamou atenção nos resultados da presente pesquisa diz respeito às diferenças entre a supervisão individual e em grupo. Algumas diferenças já eram esperadas, como o tempo de duração maior para supervisões em grupo, também encontradas em outras pesquisas (Tyler et al., 2000Tyler, J. D., Sloan, L. L., & King, A. R. (2000). Psychotherapy supervision practices of academic faculty: a national survey. Psychotherapy, 37(1), 98-101.). Uma diferença não esperada foi quanto as menores durações em supervisões, tanto para grupo quanto para individual. Ainda que supervisões com menor duração tivessem um foco muito específico (por exemplo, tirar dúvidas), levantou-se um questionamento sobre a habilidade necessária para o supervisor manejar o tempo, bem como alcançar as metas propostas naquele encontro supervisionado. O que, por sua vez, remete à necessidade de capacitação e treinamento para esta atividade (Barletta & Neufeld, 2020Barletta, J. B., & Neufeld, C. B. (2020). Novos rumos na supervisão clínica em TCC: conceitos, modelos e estratégias baseadas em evidências. In C. B. Neufeld, E. M. O. Falcone, & B. Rangé (Orgs.), Procognitiva - Programa de Atualização em Terapia Cognitivo-Comportamental: ciclo 7 (pp. 119-158). Artmed Panamericana.; Milne & Reiser, 2017Milne, D. L., & Reiser, R. P. (2017). A Manual for Evidence-based CBT supervision. Wiley; Sokol & Fox, 2016Sokol, L., & Fox, M. G. (2016). Training CBT Supervisors. In D. M. Sudak (Ed.), Teaching and Supervising Cognitive Behavioral Therapy (pp. 227-242). Wiley. ).

A duração das supervisões em grupo também depende da quantidade de supervisionandos, conforme apontaram alguns participantes da presente pesquisa. De forma inesperada, os resultados mostraram que alguns grupos de supervisão incluíram muitos supervisionandos, com 10 ou mais alunos, chegando a grupos com 50 pessoas. No estudo de Machado e Barletta (2015)Machado, G. I. M. S., & Barletta, J. B. (2015). Supervisão clínica presencial e online: percepção de estudantes de especialização.Revista Brasileira de Terapias Cognitivas,11(2), 77-85. http://dx.doi.org/10.5935/1808-5687.20150012
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com supervisionandos de um curso de pós-graduação lato sensu em TCC, uma das queixas dos alunos, tanto na modalidade de supervisões presenciais quanto remotas, foi o tamanho do grupo supervisionado. Acredita-se que em grupos tão grandes, o manejo do supervisor para alcançar o propósito educativo de desenvolvimento de competências em TCC deva ser ainda mais necessário, já que a dificuldade aumenta e os recursos, tanto pedagógicos quanto materiais, possam ser mais escassos.

A literatura de terapia cognitivo-comportamental de grupos (TCCG) tem indicado que o uso da intervenção grupal é uma estratégia para diminuir custos, mas também é uma excelente oportunidade para o desenvolvimento de competências (Bieling et al., 2008Bieling, P. J., McCabe, R. E., & Antony, M. M. (2008). Terapia Cognitivo-Comportamental em Grupos. Artmed. ). Os autores apontam que os grupos de orientação e/ou treinamento não devem ultrapassar 15 participantes, enquanto os grupos terapêuticos podem chegar a 12, ambos com a participação de dois facilitadores, quais sejam, terapeuta e coterapeuta. Na supervisão clínica, cujas funções essenciais são formativa, normativa e restauradora (Barletta & Neufeld, 2020Barletta, J. B., & Neufeld, C. B. (2020). Novos rumos na supervisão clínica em TCC: conceitos, modelos e estratégias baseadas em evidências. In C. B. Neufeld, E. M. O. Falcone, & B. Rangé (Orgs.), Procognitiva - Programa de Atualização em Terapia Cognitivo-Comportamental: ciclo 7 (pp. 119-158). Artmed Panamericana.), faz-se uma intersecção com os objetivos dos grupos supracitados, incluindo: (a) a importância do desenvolvimento de competências a partir do treinamento do repertório profissional, (b) a garantia de intervenções éticas, contextualizadas e protetoras de saúde, e (c) o cuidado ao bem-estar do supervisionando, salvaguardando a saúde mental do profissional. Ao se fazer um paralelo entre a lógica de intervenção e da supervisão clínica, pode-se refletir sobre a quantidade de participantes frente ao equilíbrio entre o custo e a possibilidade de desenvolvimento de competências clínicas, bem como, da inclusão de uma dupla de facilitadores, como um supervisor e co-supervisor em grupos maiores.

Apesar de, no momento atual, o uso das ferramentas virtuais e remotas de comunicação esteja no auge, favorecendo o acesso aos potenciais participantes da pesquisa, a coleta foi realizada no momento de quarentena pela pandemia da COVID-19. Pondera-se que tal contexto possa ter tido impacto negativo na quantidade de respostas recebidas, uma vez que se observa repercussões emocionais, familiares, sociais, laborais e financeiras, bem como a necessidade de adaptação ao novo cenário, o que pode repercutir no bem-estar subjetivo (Sampaio et al., 2021Sampaio, M., Haro, M. V. N., Sousa, B., Melo, W. V., & Hoffman, H. G. (2021). Therapists make the switch to telepsychology to safely continue treating their patients during the Covid-19 pandemic. Virtual reality telepsychology may be next. Frontiers in Virtual Reality, 1, e576421. https://doi.org/10.3389/frvir.2020.576421
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). Nota-se que essa observação foi encontrada também nos resultados do presente estudo, como uma das consequências percebidas pelos participantes, incluindo a baixa na motivação e aumento no cansaço dos supervisionandos e em respostas como: “tenho percebido que profissionais também precisam de cuidados pessoais”. Esses resultados sugerem a necessidade de se olhar para pessoa do profissional, seja aquele que exerce a prática psicoterapêutica quanto aquele que atua também como supervisor clínico. O investimento no autocuidado do profissional passa a ser essencial a fim de fortalecer o cuidado pessoal de quem vai ajudar terceiros, bem como, aumentar o próprio manejo e compreensão da TCC, como a regulação emocional, a reestruturação cognitiva e estratégias de enfrentamento frente às dificuldades impostas no cotidiano (Bennet-Levy et al., 2015Bennet-Levy, J., Thwaites, R., Haarhoff, B., & Perry, H. (2015). Experiencing CBT from the inside out: a self-practice/self-reflection workbook for therapists. Guilford.). Além disso, também foram pontuadas, na presente pesquisa, a mudança de demandas na supervisão, especialmente pela necessidade de incluir temas de cuidados de saúde mental frente a pandemia para ajudar os pacientes, como aspectos de intervenção remota para facilitar o atendimento clínico, corroborando com os achados de Sampaio et al. (2021)Sampaio, M., Haro, M. V. N., Sousa, B., Melo, W. V., & Hoffman, H. G. (2021). Therapists make the switch to telepsychology to safely continue treating their patients during the Covid-19 pandemic. Virtual reality telepsychology may be next. Frontiers in Virtual Reality, 1, e576421. https://doi.org/10.3389/frvir.2020.576421
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Esperava-se que houvesse indicações dos participantes do estudo sobre a necessidade de desenvolver habilidades de supervisão relacionadas ao atendimento remoto. Essa informação não apareceu, talvez por não ter sido questionado diretamente aos participantes. Sampaio et al. (2021)Sampaio, M., Haro, M. V. N., Sousa, B., Melo, W. V., & Hoffman, H. G. (2021). Therapists make the switch to telepsychology to safely continue treating their patients during the Covid-19 pandemic. Virtual reality telepsychology may be next. Frontiers in Virtual Reality, 1, e576421. https://doi.org/10.3389/frvir.2020.576421
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apontaram para a inabilidade dos profissionais de saúde mental em usar os recursos tecnológicos para atendimentos remotos quando não há treinamento suficiente. Acredita-se que a mesma necessidade de treinamento ecoe na prática supervisionada. Os dados da presente pesquisa mostraram que a quarentena impôs mudanças tanto na forma de oferta e nas atividades proporcionadas na supervisão, quanto na frequência e procura desta atividade, levando a suspensão e/ou espaçamento de encontros supervisionados. Dessa forma, os supervisores foram obrigados a fazerem adaptações sem necessariamente uma preparação ou treinamento. Acredita-se que o uso da tecnologia nos processos educativos, incluindo na supervisão, é um caminho sem retorno, o qual aponta para a necessidade de inserção dessa temática nos treinamentos de supervisores.

Considerações Finais

A TCC tem sido cada vez mais estudada e aplicada no cenário brasileiro, logo torna-se essencial identificar o perfil de quem proporciona o desenvolvimento do terapeuta desta abordagem. Conhecer as características do supervisor clínico em TCC, bem como suas práticas e formação, pode nortear uma reflexão sobre a necessidade de fortalecer o apoio a esta prática profissional.

Os resultados da presente pesquisa mostraram características consideradas qualidades dos supervisores, como experiência clínica psicoterapêutica, considerada uma das necessidades para o supervisor. Também foi identificado um perfil de supervisores experientes, com formação acadêmica alta e mais de uma titulação, somado ao treinamento na área clínica. Tais características sugerem que o supervisor de TCC que aceitou participar do presente estudo tem a preocupação de manter-se estudando e aumentando seus conhecimentos sobre a prática clínica psicoterápica. Ainda que esta seja uma consideração importante, levanta uma limitação do estudo, já que se pondera que esta proposta de pesquisa só tenha alcançado os supervisores que têm se dedicado a esta carreira de forma mais intensa e, portanto, com comportamentos de aperfeiçoamento profissional constante. Questiona-se, portanto, se os supervisores que não têm a possibilidade ou cultura de constante atualização, ou mesmo, não estão alocados em espaços acadêmicos, não se motivaram a responder ou não tiveram acesso à presente pesquisa. Dessa forma, pode haver uma parcela de profissionais que ofertam supervisão clínica que não foi acessada, sendo importante repensar formas de encontrar tais profissionais para conhecer suas práticas supervisionadas.

Os resultados ainda indicaram algumas dificuldades e lacunas na prática supervisionada. Por exemplo, o pouco treinamento específico dos participantes da pesquisa para a prática supervisionada em TCC, o que pode estar associado à falta de percepção dessa necessidade na cultura brasileira e ao movimento ainda inicial de oferta de formação para supervisores no país. Outras dificuldades elencadas dizem respeito às questões institucionais onde acontecem as supervisões e ao momento pandêmico. Entende-se que as regras das instituições podem impactar no processo supervisionado como a quantidade de alunos por grupo de supervisão, enquanto a quarentena impôs mudanças obrigatórias na atividade de supervisão.

Uma vez que não se tem um registro, cadastro ou acreditação de supervisores clínicos no Brasil, não se sabe quantos profissionais são supervisores de TCC no país. Como nenhum outro estudo com objetivo semelhante teve o mesmo alcance de respostas, entende-se que a presente pesquisa tem grande valia, uma vez que é a primeira a traçar o perfil de supervisores de TCC no Brasil. Entende-se que o este estudo pode ser considerado como uma importante ampliação para essa atividade profissional, ainda que não se possa generalizar os resultados da presente pesquisa à população de supervisores brasileiros.

André Luiz Monezi de Andrade
Editor

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Suporte

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  • 7
    Como citar este artigo: Barletta, J. B., Araújo, R. M., & Neufeld, C. B. (2023). Levantamento do perfil de supervisores clínicos de terapia cognitivo-comportamental no Brasil. Estudos de Psicologia (Campinas), 40, e210072. https://doi.org/10.1590/1982-0275202340e210072

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    27 Abr 2021
  • Revisado
    04 Jan 2022
  • Aceito
    04 Ago 2022
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