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Proposição de uma metodologia de avaliação dos limites de intercâmbio em sistemas de grande porte: desafios para automação

Proposition of a methodology for transfer limits evaluation in large scale systems: challenges for automation

Resumo

Power transfer limits calculation has to be performed taking into account static and dynamic aspects. Therefore, a huge amount of data needs to be manipulated. The transfer limits values are important in power system planning analysis, as they might represent an energetic constraint between two or more systems. In this way, besides the different load conditions, the limits calculation must consider different energetic scenarios, which increases even more the task of operational points adjustment. The related process is addressed through different ways around the world. In Brazil, a low level of automation is observed. In order to help on this task development, the paper presents a methodology to calculate power transfer limits between different areas, using an optimal power flow program. The proposed method is adequate for applications in the Brazilian power system.

power systems planning; transfer limits; optimal power flow; power systems optimization; automation


power systems planning; transfer limits; optimal power flow; power systems optimization; automation

SISTEMAS ELÉTRICOS DE POTENCIA

E. G. S. Sant'AnnaI,II; A. C. Zambroni de SouzaI; T. M. L. AssisIII; M. T. SchillingIII; J. A. Passos FilhoIV; A. Y. TakahataII

IUniversidade Federal de Itajubá, Av. BPS, 1303, CP 50, CEP 37.500-000 - Itajubá-MG

IIOperador Nacional do Sistema Elétrico, Rua da Quitanda, 196, CEP 20.091-005 - Rio de Janeiro

IIIUniversidade Federal Fluminense, Rua Passo da Pátria, 156, Bloco D, sala 509, CEP 24.210-240 - Niterói-RJ

IVUniversidade Federal de Juiz de Fora, Rua José Lourenço Kelmer, s/n - Faculdade de Engenharia, CEP 36.036-330 - Juiz de Fora-MG

RESUMO

O cálculo de limites de intercâmbios entre áreas de sistemas de potência requer a consideração de aspectos estáticos e dinâmicos, o que implica na manipulação de uma grande massa de dados. Esses valores de limites são importantes nas análises de planejamento energético, pois podem significar uma restrição ativa entre dois ou mais subsistemas à prática do despacho ótimo nas bacias. Assim, além das diferentes condições de carga em que os limites devem ser calculados, também devem ser considerados os diferentes cenários energéticos, o que aumenta ainda mais o volume do trabalho de ajustes de todos esses pontos de operação. Esse processo é tratado de forma distinta em diversos sistemas de potência ao redor do mundo. No caso do Brasil, um baixo grau de automatismo é observado. De forma a auxiliar no desenvolvimento dessa tarefa, o presente artigo apresenta uma metodologia para a determinação dos limites de intercâmbio entre regiões, utilizando um programa de fluxo de potência ótimo, cuja aplicação é adequada ao planejamento e operação do sistema elétrico brasileiro.

Palavras-chave: planejamento de sistemas de potência, limites de intercâmbio, fluxo de potência ótimo, otimização de sistemas de potência, automação.

ABSTRACT

Power transfer limits calculation has to be performed taking into account static and dynamic aspects. Therefore, a huge amount of data needs to be manipulated. The transfer limits values are important in power system planning analysis, as they might represent an energetic constraint between two or more systems. In this way, besides the different load conditions, the limits calculation must consider different energetic scenarios, which increases even more the task of operational points adjustment. The related process is addressed through different ways around the world. In Brazil, a low level of automation is observed. In order to help on this task development, the paper presents a methodology to calculate power transfer limits between different areas, using an optimal power flow program. The proposed method is adequate for applications in the Brazilian power system.

Keywords: power systems planning, transfer limits, optimal power flow, power systems optimization, automation

1 INTRODUÇÃO

O cálculo dos limites de intercâmbio em sistemas interligados é um problema antigo. Entretanto, com o processo de desregulamentação do setor de energia elétrica, houve um aumento no interesse em quantificar tais limites em função da operação dos mercados de energia. De fato, redes com alta capacidade de transmissão são mais competitivas e, consequentemente, demandam uma avaliação expedita da condição de segurança do sistema.

Os fatores que limitam o intercâmbio em uma rede elétrica são variados. Em alguns casos, restrições estáticas, tais como os limites de tensão e carregamento, reduzirão a máxima transferência de potência. Por outro lado, critérios de segurança dinâmica, tais como a segurança de tensão e a estabilidade transitória também têm impacto nos limites de intercâmbio (Assis et alii, 2007). Além disso, em alguns pases, informações contratuais são utilizadas para garantir intercâmbios adequados entre diferentes jurisdições e mercados energéticos (NY-ISO, 2005).

Em função do contexto descrito acima, alguns pases adotam diferentes estratégias para determinação dos limites de intercâmbio. Por exemplo, a referência Orea et alii (2006) relata os aspectos de estabilidade dinâmica considerados no sistema Venezuelano, enquanto que a referência Sauer (1997) trata desta mesma questão para o sistema norte-americano. Em relação ao sistema norte-americano, além dos itens descritos por Sauer (1997), os limites são determinados por meio de exaustivos estudos de planejamento, levando em conta os contratos estabelecidos entre diferentes áreas.

O cálculo de limites de intercâmbio é feito no ambiente de planejamento, onde são avaliados os mais diversos cenários energéticos, patamares de carga e configurações topológicas, e podem ainda ser atualizados na operação em tempo-real. A análise precisa e rápida do grande volume de pontos de operação possveis requer incontestavelmente a automação do processo de cálculo.

A aplicação do fluxo de potência ótimo (FPO) na determinação dos limites de intercâmbio aparece como uma solução natural para o processo de automação. Maximizando o intercâmbio entre as regiões de interesse, sujeito a uma série de restrições de segurança, atinge-se a situação limite de regime permanente do sistema. Diversos trabalhos já foram propostos para esse fim, mas em geral são aplicados a sistemas de pequeno porte (Li et alii, 2003). A aplicação do FPO para esse fim, no entanto, não é regra geral. Por exemplo, no Reino Unido, os limites de intercâmbio dependem fortemente da estabilidade transitória e do colapso de tensão. No mercado tradicional, baseado no mercado desregulado, os limites de intercâmbio tendem a ser determinados por FPO. O FPO é também empregado quando transações bilaterais são consideradas, já que suas transações e recusas de demanda devem ser justificadas. Todavia, em alguns mercados baseados em agendamento prioritário de despacho, o FPO não é empregado. Para o caso brasileiro, no entanto, a natureza do mercado permite que o FPO tenha uma aplicação bastante promissora.

A solução do FPO em sistemas de grande porte não é uma tarefa trivial. O elevado esforço computacional, a dificuldade de convergência ou ainda a convergência para pontos de operação inviáveis na operação real do sistema são algumas das dificuldades observadas (Wei et alli, 2000).

Este trabalho apresenta uma metodologia para a determinação de limites de intercâmbio em sistemas de grande porte através da aplicação do fluxo de potência ótimo. O diferencial do método proposto está na inclusão de um tratamento preliminar da base de dados do FPO, especialmente no que diz respeito às restrições operacionais do problema. O artigo mostra resultados obtidos com aplicação do método proposto a diferentes regiões do Sistema Interligado Nacional (SIN).

2 CÁLCULO DE LIMITES DE INTERCÂMBIO

O cálculo de limites de intercâmbio envolve uma série de etapas e procedimentos que devem ser seguidos para a obtenção de valores seguros, o que inclui a avaliação do desempenho do sistema em regime permanente e dinâmico. O diagrama de blocos da Figura 1 ilustra cada etapa realizada no método de cálculo usualmente empregado no Brasil. As seções seguintes apresentam uma descrição detalhada de todo o processo.


2.1 Análise de Regime Permanente

O ponto de partida da análise de regime permanente é a montagem dos chamados "casos de trabalho'' (Figura 1). Cada caso de trabalho é formado pelos dados necessários para a solução do fluxo de potência, onde são consideradas as atualizações de mercado (carga) e as novas instalações do sistema. Além disso, para cada caso ou ponto de operação, é definida uma região importadora e uma região exportadora em função do cenário energético que se deseja explorar. Assim, com base no nvel de afluência tpica do perodo considerado, são estabelecidas premissas de geração. Todas essas informações combinadas (entradas do Bloco 1 da Figura 1) definem o ponto de partida para a preparação do caso de intercâmbio maximizado.

A partir desse ponto, são iniciadas as alterações de despachos de geração nas regiões exportadoras (aumentos) e nas regiões importadoras (reduções), com o objetivo de atingir os valores dos intercâmbios de referência de forma gradual. Vale ressaltar que, a cada alteração de geração realizada, deve-se efetuar um ajuste de tensão em todo o sistema de forma a obter um ponto de operação com tensões que atendam às faixas de seguranças pré-estabelecidas. Esse processo de redespacho é realizado até que seja observada a violação de algum critério de segurança estática, ou seja, tensões ou fluxos nos circuitos fora dos limites aceitáveis. Nesse ponto, considera-se que um nvel de intercâmbio de referência (sada do Bloco 1) foi encontrado. Ou seja, o limite "máximo'' do ponto de vista estático foi obtido. Obviamente, cada cenário energético estudado resultará em um intercâmbio de referência.

Um ajuste final do ponto de operação do limite de regime permanente é ainda realizado através de um aplicativo auxiliar representado no Bloco 2 (Figura 1). Esse ajuste consiste basicamente da atualização das reatâncias de transformadores elevadores das usinas e da correção dos limites de geração de potência reativa, em função do número de unidades geradoras alocadas. Finalmente, o limite de intercâmbio obtido na análise de regime permanente deve ser avaliado sob o ponto de vista dinâmico.

O processo acima descrito é usualmente adotado para a obtenção dos limites de intercâmbio em regime permanente e deve ser repetido para cada condição de carga e cenário energético de interesse, além de configurações topológicas distintas. Esse processo demanda um esforço grande do engenheiro de planejamento, uma vez que a montagem e ajuste de cada caso de trabalho são feitos de forma manual. Este trabalho se apresenta ainda mais laborioso ao se levar em conta as contingências analisadas para os diferentes cenários operativos, conforme descrito a seguir.

2.2 Análise do Desempenho Dinâmico

A avaliação dinâmica consiste da análise da estabilidade transitória para uma lista de eventos, conforme indicado no Bloco 3 (Figura 1). Normalmente, são consideradas as contingências mais severas para o sistema, que podem ser determinadas com base na experiência ou através de uma técnica de classificação como a proposta por Brandwajn et alii (1997).

A preparação dos dados para os estudos dinâmicos requer um esforço adicional. Inicialmente, devem ser verificadas todas as unidades geradoras presentes no sistema e associá-las aos seus modelos e controles, incluindo reguladores automáticos de tensão, estabilizadores, turbinas e reguladores de velocidade. Essa associação é realizada também pelo aplicativo auxiliar indicado no Bloco 2 (Figura 1).

Após as simulações das principais emergências, o desempenho dinâmico é avaliado com base em critérios de segurança preestabelecidos. No caso do sistema elétrico brasileiro, o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) especifica tais critérios através dos Procedimentos de Rede (ONS, 2009). É com base nesses critérios que o ponto de operação analisado é ou não considerado seguro. A ttulo de ilustração, são apresentados abaixo alguns critérios estabelecidos em ONS (2009) para a avaliação do desempenho dinâmico do sistema:

• A tensão mnima transitória admissvel na 1ª oscilação pós-distúrbio deve ser superior a 60% do valor da tensão nominal do barramento e superior a 80% nas demais oscilações;

• A máxima variação de tensão admitida entre o instante inicial e final da simulação é de 10%. Esse critério é válido para pontos especficos, que têm influência significativa na segurança do sistema;

• O amortecimento das oscilações de tensão deve ser positivo e a diferença de tensão do pico imediatamente após 10 s e a tensão mnima do ciclo anterior deve ser inferior a 2%. O critério de amortecimento está ilustrado na Figura 2.


Note-se que a avaliação do desempenho dinâmico é feita através da observação dos sinais, no domnio do tempo, produzidos pela simulação. Os sinais incluem curvas de tensão, ângulo, potência, entre outros. Assim como o processo de ajuste dos pontos de operação em regime permanente, a avaliação dos resultados gerados pela simulação dinâmica é um processo realizado usualmente com baixssimo grau de automação, o que demanda um tempo elevado de trabalho do engenheiro de planejamento.

Quando algum critério de segurança dinâmica é violado, o sistema é classificado como inseguro. Para contornar o problema, o intercâmbio é reduzido, o ponto de operação é reajustado e todo o processo descrito a partir do Bloco 2 da Figura 1 é repetido. O procedimento continua até que o intercâmbio máximo seja encontrado, sem violações de critério. Dessa forma, são obtidos os valores limites de intercâmbios entre áreas, considerando-se diferentes cenários energéticos, patamares de carga e configurações topológicas.

3 FLUXO DE POTÊNCIA ÓTIMO

Uma forma de aumentar o nvel de automação do cálculo dos limites de intercâmbio no ambiente de planejamento é a incorporação do fluxo de potência ótimo. O uso do FPO representa não apenas o cálculo de um ponto de operação otimizado, mas também a padronização do ajuste das tensões do sistema.

A nova metodologia proposta para o cálculo dos limites de intercâmbio, que é objeto da Seção 4, tem como base a utilização do FPO. Assim, esta seção apresenta os conceitos básicos da teoria empregada nessa ferramenta.

Os problemas de FPO inserem-se na área de programação não linear de grande porte. A finalidade do FPO é estabelecer os controles e determinar o estado operativo do sistema elétrico que minimiza o valor de uma determinada função objetivo sujeita a restrições fsicas e operacionais impostas ao problema. No processo de solução, as variáveis de controle que têm influência sobre o valor da função objetivo são ajustadas automaticamente de modo a minimizá-la. As aplicações de FPO em sistemas de potência são diversas. Por exemplo, a referência Granville et alii (1996) discute a aplicação da ferramenta para a determinação do mnimo corte de carga de forma a restaurar um ponto operação viável, como também endereçado por Souza et alii (2008) com auxlio de funções de energia.

A modelagem polar ou retangular para o FPO é abordada por Torres e Quintana (1998), com a conclusão que, quanto ao desempenho, a diferença é irrelevante. O problema do tamanho do passo é abordado por Torres e Quintana (2001) com o objetivo de produzir um algoritmo de FPO mais eficiente. A questão de eficiência do algoritmo é também abordada por Almeida et alii (1994), que propõe um FPO paramétrico que monitora o caminho de solução e satisfaz as condições de Karush-Khun-Tucker (Luenberger e Ye , 2007).

O fluxo de potência ótimo é formulado matematicamente como um problema genérico de programação não linear, de acordo com o seguinte formato padrão (1):

Onde é a função objetivo, as equações são as restrições de igualdade e são as restrições de desigualdade. No caso do FPO, as restrições de igualdade são estabelecidas pelas equações do fluxo de potência ativa e reativa da rede elétrica. Por outro lado, as restrições de desigualdade são definidas pelos limites das variáveis de controle e restrições fsicas e operacionais do sistema.

O problema (1) pode ser reescrito na forma (2) através da introdução de variáveis de folga . O principal objetivo desta modificação é transformar um problema de otimização com restrições de igualdade e desigualdade em um problema somente com restrições de igualdade.

Na formulação padrão de problemas de otimização, se a região viável for convexa e a função objetivo estritamente convexa, haverá apenas um ponto de mnimo e, portanto, o mnimo local também será o mnimo global da função. Entretanto, como o problema de FPO é não convexo, as soluções geradas, embora não usufruam da garantia de otimalidade, normalmente apresentam caractersticas de sub-otimalidadede de grande interesse em problemas reais.

A função Lagrangeana associada ao problema (2) pode ser escrita como:

Onde são funções reais com 1ª e 2ª derivadas contnuas; m1 é o número de restrições de igualdades; m2 é o número de restrições de desigualdades; são os multiplicadores de Lagrange associados às restrições de igualdade e desigualdade, respectivamente.

Um ponto estacionário do lagrangeano, considerando apenas as restrições ativas , é obtido pelas seguintes condições:

Onde H é a matriz Hessiana do lagrangeano, mostrada na equação (6), em relação a no ponto .

Em (5), é o conjunto de todos os vetores tangentes à região viável em . Tal conjunto define um subespaço ortogonal aos gradientes das restrições ativas em (espaço nulo).

Os multiplicadores de Lagrange representam o grau de penalidade com a incorporação das restrições à função objetivo original. Assim, os multiplicadores de Lagrange indicam o impacto que a variação de uma restrição tem na função objetivo, ou seja, a sensibilidade desta função com relação às restrições do problema (Granville, 1994). Igualmente, os valores dos multiplicadores de Lagrange associados às restrições de igualdade e desigualdade indicam o quanto cada grandeza controlada está violando a restrição imposta pelo problema.

Diferentes métodos podem ser utilizados na solução do problema de FPO, cuja formulação genérica foi descrita nesta seção. Neste trabalho, foi utilizado o programa FLUPOT (CEPEL, 2009b) para a execução do FPO, que utiliza o método de pontos interiores em sua versão primal-dual, conforme descrito detalhadamente em (Latorre, 1995).

4 METODOLOGIA PROPOSTA

As principais motivações para a proposição de uma nova metodologia são: viabilizar a padronização dos ajustes de controle de tensão e, principalmente, reduzir o tempo alocado no cálculo dos limites de intercâmbio. A padronização dos ajustes de controle de tensão é obtida através da utilização do fluxo de potência ótimo. O FPO tem como finalidade principal a determinação do estado de uma rede em regime permanente que otimize uma determinada função objetivo e satisfaça uma série de restrições fsicas e operacionais, conforme descrito na Seção 3

. Além da padronização, com o FPO, o ajuste dos casos de trabalho é realizado automaticamente, o que traz um ganho significativo no tempo total gasto no cálculo dos limites.

Para a utilização do FPO como ferramenta principal na metodologia proposta é necessário incluir todos os recursos de controle normalmente utilizados nos estudos convencionais de cálculo de limites de intercâmbio. A maior parte destes dispositivos é adequadamente modelada no problema, conforme descrito por Latorre (1995).

Por outro lado, uma correta modelagem da atuação de bancos shunt, que são recursos efetivos para melhorar tanto a capacidade de transmissão como a segurança de tensão de um sistema, requer a consideração de sua natureza discreta. Contudo, o tratamento de variáveis discretas no problema de FPO dificulta muito a solução, pois introduz a este uma caracterstica combinatória.

Com o principal objetivo de viabilizar a utilização prática deste importante recurso de controle de tensão, foi implementado no FPO um procedimento heurstico que faz o tratamento dos valores reais (discretos) após a finalização do processo de otimização com as variáveis de controle contnuas. A heurstica implementada leva em consideração a proximidade dos valores contnuos convergidos em relação aos valores discretos e executa uma nova otimização, considerando os valores discretos dos bancos shunt (desta vez, considerados fixos). Destaca-se que eventuais desvios no perfil de tensão podem ser corrigidos pela atuação dos demais controles do sistema e que, se o procedimento de aproximação levar à inviabilidade do problema, o resultado do segundo processo de solução do FPO não terá solução viável. Neste caso, um tratamento adequado na definição dos controles deverá ser realizado.

É importante destacar que a heurstica aplicada aos bancos de compensação shunt (capacitores e reatores) poderia ser adotada para os transformadores LTC (Load Tap Changer). Contudo, esta solução não foi explorada com o objetivo de se utilizar os mesmos recursos normalmente considerados em estudos convencionais de obtenção de limites de intercâmbio.

Embora a heurstica implementada no tratamento das variáveis discretas possa eventualmente gerar cenários inadequados e soluções não-ótimas, a experiência de uso demonstrou que a metodologia proposta apresentou uma significativa capacidade de gerar boas soluções, sob o ponto de vista prático, em sistemas reais. Isso fica evidente porque os resultados obtidos com o novo procedimento são claramente superiores àqueles resultantes da metodologia convencional.

A utilização do FPO em sistema de grande porte não é trivial. O elevado número de restrições fsicas e variáveis de controle envolvidas traz uma série de dificuldades de convergência. Além disso, o uso indiscriminado das restrições, independentemente da função objetivo utilizada, pode conduzir o processo de otimização a resultados distantes da realidade prática. Para contornar esse problema, foi includo um tratamento preliminar da base de dados do FPO, que tem como objetivo a montagem das restrições do problema. As restrições a serem utilizadas na otimização dependem fundamentalmente do cenário energético que se deseja estudar, em especial, da definição da área importadora e da área exportadora estabelecidas para o cálculo do máximo intercâmbio. O diagrama da Figura 3 mostra esquematicamente a formação da base de dados para o FPO.


A base de dados do FPO é montada automaticamente por um pré-processador. O pré-processador recebe, através de arquivos, os dados de tensão, área geográfica e limites de tensão referentes a todas as barras do sistema. Além disso, em função do cenário energético que se deseja analisar, também são informadas ao pré-processador as linhas de interligação que deverão ter seus fluxos maximizados. Finalmente, são fornecidos os dados dos geradores e compensadores estáticos (limites de geração), além das próprias informações dos casos de trabalho.

A partir dos dados de entrada, o pré-processador realiza automaticamente a montagem do conjunto de restrições de tensão e geração efetivamente relevantes e associadas ao cenário energético estudado. Cabe enfatizar que a utilização de uma base de dados única dificultaria a convergência do problema ou poderia gerar resultados fora da realidade da operação do sistema (solução não factvel). Além disso, em sistemas de grande porte, como é o caso do sistema brasileiro, é comum a existência de restrições de tensão distintas para diferentes áreas da rede.

Além da incorporação do FPO com o pré-processador para montagem da sua base de dados, foi introduzida também uma ferramenta de análise automática dos resultados das simulações dinâmicas. A partir dessa ferramenta, são lidos arquivos de sada contendo os sinais gerados no domnio do tempo, que são submetidos aos critérios de segurança dinâmica do sistema. Essa ferramenta evita a necessidade de inspeção visual curva-a-curva, trazendo um ganho significativo no tempo necessário para análise dos resultados.

A Figura 4 apresenta o algoritmo referente à metodologia proposta, que utiliza o fluxo de potência ótimo (Bloco 1). A função objetivo é a maximização do intercâmbio entre duas áreas. A ideia principal é a obtenção automática de um ponto de operação que represente o limite de intercâmbio de regime permanente.


Note-se que, comparativamente à metodologia convencional, com o FPO, o aumento do intercâmbio não é processado de forma manual, assim como os ajustes de tensão a cada etapa. Além disso, os casos gerados com o FPO são, de fato, otimizados (intercâmbio maximizado).

A base de dados para a solução do FPO (Figura 4), onde estão definidas as restrições do problema, é gerada pelo pré-processador já descrito (Figura 3). O aplicativo de avaliação (Bloco 4 da Figura 4) verifica automaticamente o atendimento aos critérios de segurança dinâmica do sistema.

Da mesma forma que na metodologia convencional, a violação de qualquer critério de segurança leva a uma redução no intercâmbio. Essa redução pode ser feita diretamente nos casos otimizados (como indica a Figura 4), ou ainda, através da inclusão de uma restrição adicional no problema de otimização, conforme proposto por Assis et alii (2007).

A seção seguinte mostra alguns resultados obtidos com a nova metodologia proposta.

5 RESULTADOS

A metodologia descrita na Seção 4 foi aplicada ao Sistema Interligado Nacional (SIN). Foram utilizados os aplicativos desenvolvidos pelo Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (CEPEL), a saber:

• Fluxo de Potência: ANAREDE (CEPEL, 2009a);

• Fluxo de Potência Ótimo: FLUPOT (CEPEL, 2009b);

• Estabilidade Transitória: ANATEM (CEPEL, 2007a);

• Aplicativo Auxiliar: ANAT0+ (CEPEL, 2007b).

O pré-processador para o FPO e o aplicativo de avaliação automática foram desenvolvidos nas linguagens FORTRAN e Visual Basic, respectivamente. Os critérios de segurança adotados que foram implementados no aplicativo de avaliação automática, seguiram os procedimentos detalhados em ONS (2009).

Deve aqui ser enfatizado que a contribuição central do artigo reside não na simples utilização do FPO, mas na obtenção de valores dinâmicos de intercâmbio que evidenciem uma melhor utilização dos recursos de transmissão, especialmente aqueles voltados para as particularidades do sistema brasileiro. Também deve ser lembrado que o simples uso do FPO em sistemas fictcios de pequeno porte encobre diversas dificuldades que são encontradas em sistemas reais, tais como a imposição de restrições condizentes com os recursos de manobra reais disponveis no sistema. Por esse motivo, optou-se pela demonstração da metodologia usando o próprio sistema real brasileiro. Nessa perspectiva, também deve ser reiterado que o uso do algoritmo de FPO aplicado ao SIN, também exigiu a aplicação de heursticas de ajustes de limites de carregamento e tensões, sendo que sua posterior composição com a avaliação dinâmica da rede é parte crucial da metodologia proposta.

As Seções 5.1 e 5.2 apresentam os resultados da aplicação da metodologia proposta para o cálculo de dois importantes limites do SIN. Nas simulações que serão apresentadas foram considerados os limites de tensão da barras, limites de geração de potência reativa dos geradores e compensadores sncronos, limites dos equipamentos de controle (transformadores LTC, compensadores estáticos, etc.) e foram monitorados os fluxos de potência dos principais circuitos do sistema. Todos os recursos de controle de tensão, normalmente utilizados nos estudos convencionais, também foram considerados.

5.1 Caso 1: Máximo RNE

Neste caso, foi calculado o chamado "Limite de Recebimento pela Região Nordeste'' (RNE). Ou seja, são maximizados os fluxos que chegam à região Nordeste do Brasil. O caso de trabalho estudado contém a base de dados completa do SIN, com cerca de 4500 barras e 700 geradores. Os dados utilizados nas simulações correspondem ao patamar de carga pesada e é representativo do mês de julho de 2011.

A Figura 5 mostra o diagrama unifilar simplificado da região de interesse, destacando o fluxo RNE a ser maximizado.


A Tabela 1 resume os resultados obtidos através da metodologia convencional e a partir do novo procedimento proposto. Além dos fluxos maximizados, é apresentada também a diferença percentual no RNE calculado a partir dos dois métodos, tomando como referência o valor obtido com o método convencional. Tanto o limite de regime permanente, quanto o dinâmico são apresentados.

Os resultados obtidos com o método proposto foram próximos daqueles encontrados através do método tradicional (manual). Na solução de regime permanente, os fatores limitantes nos dois casos foram a geração máxima da usina de Tucuru (7920 MW) e o valor mnimo da tensão da barra de 500 kV da subestação de Presidente Dutra (1,060 pu).

Os valores de intercâmbios máximos obtidos em regime permanente não foram considerados seguros quando da avaliação dinâmica, provocando a redução do RNE. Nos dois casos, foram simuladas cerca de 50 emergências, sendo que a emergência que limitou o intercâmbio foi um curto-circuito na linha de 500 kV que liga as subestações de Bom Jesus da Lapa e Rio das Éguas (Figura 5).

Destaca-se que o grande ganho da metodologia proposta em comparação ao método convencional está na redução do esforço laboral necessário à determinação do máximo RNE, através da incorporação do FPO no processo.

5.2 Caso 2: Máximo RSUL

Neste caso, foi calculado o chamado "Limite de Recebimento pela Região Sul'' (RSUL). Ou seja, são maximizados os fluxos que chegam à região sul do Brasil. O caso de trabalho estudado contém a base de dados completa do SIN, com cerca de 4850 barras e 811 geradores. Os dados utilizados nas simulações correspondem ao patamar de carga média e é representativo do mês de março de 2013.

A Figura 6 mostra um diagrama simplificado do sistema, onde pode ser visto o fluxo RSUL a ser maximizado.


A Tabela 2 resume os resultados obtidos através da metodologia convencional e a partir do novo procedimento proposto. É apresentada também a diferença percentual no RSUL calculado a partir dos dois métodos, tomando como referência o valor obtido com o método convencional.

O RSUL máximo obtido através da metodologia proposta ficou 5,62% acima do limite obtido pelo método convencional. No método convencional, o fator limitante do RSUL em regime permanente foi o limite mnimo de tensão (0,95 pu) nas barras de 525 kV das subestações de Nova Santa Rita e Gravata e 345 kV das subestações de Pirapora, São Gotardo, entre outras. Por outro lado, no método proposto foi observado que o fator limitante do RSUL em regime permanente foi o limite mnimo de tensão na barra de 440 kV da subestação de Santa Bárbara e o limite máximo de geração em grande parte das usinas das regiões exportadoras.

O valor de intercâmbio máximo em regime permanente obtido através do método tradicional (6438 MW) foi considerado seguro do ponto de vista dinâmico. Por outro lado, o limite de RSUL de regime permanente calculado pela metodologia proposta (7000 MW) não atendeu a todos os critérios de segurança dinâmica, provocando a redução do RSUL. Neste caso, dentre as 27 emergências simuladas, a emergência que limitou o intercâmbio foi um curto-circuito na linha de 525 kV que liga as subestações de Salto Santiago e Itá.

Novamente, deve-se destacar que o principal benefcio da metodologia proposta está na redução do esforço laboral necessário à determinação do máximo RSUL, através da incorporação do FPO no processo.

6 CONCLUSÕES

A automação total do cálculo de limites de intercâmbio em sistemas de grande porte possui uma série de desafios. Desde a preparação da base de dados do sistema até a avaliação dos resultados, está presente uma grande massa de informações que deve ser tratada de forma precisa. Junta-se a isso, a realimentação do processo quando situações inseguras são observadas.

Este artigo mostrou a automação de determinados processos no âmbito do cálculo dos limites de intercâmbio, onde foi introduzido o fluxo de potência ótimo e a avaliação automática dos resultados obtidos nas simulações no domnio do tempo para verificação da estabilidade transitória.

Para a incorporação do fluxo de potência ótimo no processo de cálculo, foi necessário o desenvolvimento de uma ferramenta de geração automática da base de dados do problema de otimização, onde são estabelecidas as restrições em função do cenário energético estudado.

O método proposto foi aplicado ao Sistema Interligado Nacional, onde foram calculados o máximo recebimento pela região Nordeste (RNE) e o máximo recebimento pela região Sul (RSUL). Os resultados obtidos com a nova metodologia foram consistentes com aqueles obtidos através do método convencional. Deve-se, no entanto, destacar que a melhor utilização dos recursos pelo FPO para o ajuste dos casos proporcionou uma maior folga no desempenho dinâmico do sistema, permitindo um ganho no valor limite do intercâmbio. Especialmente no cálculo do limite de recebimento pela região Sul, a solução alcançada pela metodologia proposta identificou novas possibilidades de despachos entre as bacias, acarretando em um limite superior àquele calculado pelo método tradicional. Soma-se a isso, o ganho no tempo gasto na obtenção dos casos maximizados para os diferentes cenários energéticos continuamente estudados no âmbito do planejamento da operação.

Deve-se ressaltar que a implementação da metodologia proposta vem ao encontro do aumento da melhor alocação de recursos humanos no ambiente de planejamento da operação dos sistemas elétricos.

Artigo submetido em 03/04/2010 (Id.: 01125)

Revisado em 05/08/2010, 12/11/2010

Aceito sob recomendação do Editor Associado Prof. Eduardo N. Asada

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  • Proposição de uma metodologia de avaliação dos limites de intercâmbio em sistemas de grande porte:desafios para automação

    Proposition of a methodology for transfer limits evaluation in large scale systems: challenges for automation
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Jun 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      03 Abr 2010
    • Aceito
      12 Nov 2010
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